[Sérgio Jorge.
Inauguração de Brasília,
1960]
Adriano Codato
Gazeta do Povo, 11 out. 2007
“O PT, no fim das contas, era um partido igualzinho a todos os outros. Bastou chegar ao poder”... A banalidade dessa declaração sugere, contudo, uma verdade menos evidente.
Tão preocupados estivemos nos últimos anos em afirmar, ou acreditar na afirmação de uma verdade não política, que os agentes sociais pudessem ser simplesmente os portadores da ética, da moralidade, da honestidade, definidas sempre num registro muito vago, e esquecemos um conceito simples. Partidos políticos são máquinas eleitorais profissionais projetadas para ganhar eleições, exercer o poder, empregar filiados e implementar algo um tanto indefinível como “um projeto para o País”.
Partidos não são clubes literários, entidades beneficentes, associações de homens de boa-vontade ou organizações não-governamentais de grandes propósitos. Nem aqui, nem na China, para ser mais preciso. As transformações recentes na dinâmica política democrática impuseram a governantes, dirigentes, militantes, simpatizantes e ao público em geral algumas lições pouco edificantes: programas de governo não são escritos a partir dos estatutos do partido, mas em função de pesquisas de opinião; políticos colocam suas carreiras em primeiro plano ficando para um segundo momento definir que outros interesses vão, de fato, representar; eleições são os únicos mecanismos aceitos para controlar minimamente os representantes, já que é somente nesse momento que eles têm de se aborrecer com os eleitores.
Aqui as coisas talvez sejam um pouco caricatas, visto que as simpatias e as antipatias da opinião pública, aferidas segundo as mesmas técnicas de pesquisas com consumidores de bugigangas, comandam até a mudança de nome e sigla dos partidos. Os “Democratas”, um nome um tanto excessivo para a realidade que descreve, é só mais um exemplo de como as ideologias (os sistemas de idéias) ou significam nada, ou significam exatamente isso: idéias abstratas sem nenhuma correspondência com o mundo sublunar. Que o PT tenha insistido em seu último congresso em se autodefinir como um partido “socialista” revela mais sobre como os dirigentes julgam nossa capacidade de julgá-los do que sobre a idéia um tanto larga que eles próprios fazem do socialismo como doutrina e como prática.
O mais novo emplastro aplicado pelo STF ao sistema político nacional é a “fidelidade partidária”. Políticos que se elegem por uma agremiação e transferem-se para outra correm, em tese, o risco de perderem seus mandatos.
Praticamente tudo já foi dito nos últimos dias sobre virtudes e defeitos da decisão. Os otimistas, como de hábito, sustentaram que agora, enfim, a coisa anda: a medida apressa a reforma política, disciplina o jogo partidário, inibe comportamentos auto-interessados, exige uma adequação entre candidaturas e orientações doutrinárias. Os mais realistas ponderaram que as mudanças de sigla poderiam, em poucos casos é verdade, ser comandadas pelas infidelidades do partido ao seu programa; ou que, no fim das contas, tomado esse movimento na devida perspectiva, a série histórica de migrações partidárias mostraria que se há, de fato, muitas movimentações, elas na verdade se dão dentro do mesmo espectro ideológico: políticos de partidos de direita migram para partidos de direita, políticos de partidos de centro migram para partidos de centro e assim por diante.
Parece-me, entretanto, que o argumento fundamental para questionar não a eficácia, mas a validade de uma medida restritiva como essa não vem da “judicialização da política” (isto é, a intromissão do Judiciário num assunto que não lhe diz respeito) ou do fato da interpretação da doutrina criar uma nova doutrina. Vem da questão mais incômoda: o mandato pertence aos partidos; mas que partidos? Dado que as organizações partidárias são elas mesmas fracas, pouco disciplinadas, sem um programa ideológico claro, divididas regionalmente em grupos pouquíssimos parecidos entre si, em nome de quais princípios se poderia exigir “fidelidade”?
O sistema político brasileiro está condicionado por uma lógica partidária ao mesmo tempo simples e difícil. Simples na forma porque, efetivamente, só existem à disposição dos executivos, dos políticos profissionais e dos eleitores dois partidos: o partido do governo atual e o partido daqueles que não compõem – ainda – o governo atual (“partido da oposição” seria um nome exagerado na conjuntura atual para descrever aqueles que estão, por ora, fora da coalizão). Difícil de ser manejada porque como existem, legalmente, dezenas de partidos, a formação do “partido do governo” implica em muitas práticas pouco republicanas, para utilizar a expressão da moda: aliciamentos, concessão de favores, empreguismo oficial, clientelismo parlamentar, manipulações do orçamento etc.
Dado esse contexto institucional (fragmentação partidária), dado esse mecanismo de obtenção de apoios (cooptação) fica difícil exigir “fidelidade” sem implodir o sistema e aumentar para o governo os custos de transação: conseguir apoios ficará não só mais complicado, mas mais caro para todos – e para nós principalmente, que pagamos a fatura.
Referência:
CODATO, Adriano . Partidos, políticos, moral etc. Gazeta do Povo, Curitiba - PR, p. 8, 11 out. 2007.
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artigo recomendado
Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164.
Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy.
keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
11 de outubro de 2007
Partidos, políticos, moral etc.
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PT
7 de setembro de 2007
O caráter público da política
[During construction of
the new capital. Frank Schersche,
1960. Life]
Adriano Codato
Gazeta do Povo, 6 set. 2007
Proposições normativas devem se apoiar em conhecimentos objetivos. Ou melhor: quando dizemos como as coisas devem ser, devemos antes saber como as coisas são, e porque não gostaríamos que elas fossem assim. Esse preceito, que vale em muitas áreas, para ser econômico, deveria valer mais ainda quando se discute alternativas políticas.
No “debate” recente sobre a reforma do sistema eleitoral ouviu-se muito sobre as vantagens, supostas, do voto distrital sobre o voto proporcional (para ficarmos só nesse exemplo) sem que se demonstrasse de fato quais as implicações reais na mudança de um regime de votação para outro. A representação da bancada do Paraná na Câmara Federal conta com 30 deputados, eleitos por diferentes regiões e graças a um número específico de votos, conforme o partido político a que pertencem. Caso mudasse o sistema, como ficaria? Melhor? Pior? Melhor ou pior para quem? Para os próprios políticos (pois diminuiria a competição) ou para os eleitores (pois aumentaria a fiscalização)?
O caso do “debate” sobre o financiamento público das campanhas dos políticos é ainda mais curioso. Além de não sabermos quanto custa uma campanha, já que as declarações de contas nos tribunais eleitorais são, digamos, imprecisas, em função dos recursos “não contabilizados”, não sabemos também exatamente quanto, uma vez introduzido o novo esquema, elas custariam. Não sabemos inclusive se seria conveniente que elas fossem custeadas pelo Tesouro. O “argumento” segundo o qual na Alemanha é assim, e lá dá certo, parece, digamos também, incerto.
A polêmica sobre o voto aberto ou voto secreto nas casas legislativas é um bom exemplo daquilo que já sabemos e daquilo que não sabemos ainda.
Há argumentos sensatos para sustentar que, em determinadas votações, o parlamentar possa votar anonimamente. Vejamos quatro dessas razões.
O voto secreto garantiria ao deputado, ou ao vereador, liberdade para escolher entre a decisão A ou a decisão B já que ele estaria livre de pressões indevidas – do presidente, do governador, do prefeito, do presidente da mesa, do líder do partido ou de algum manda-chuva, que há muitos. O representante poderia assim votar conforme sua consciência. Esses motivos alegados são, para quem defende a idéia, não apenas lógicos, mas derivados de um princípio jurídico incontestável: o direito que todos nós eleitores temos ao voto secreto.
Por outro lado, pode-se opor a essas razões, razões tão boas quanto, e em sentido contrário.
O voto secreto do representante político não é um direito. É uma convenção estabelecida pelo regimento interno da Casa (Câmaras, Assembléias), já que se trata apenas de um mecanismo deliberativo. Garanti-lo ou aboli-lo é uma questão que escolha entre dois modelos políticos, não entre um direito e uma ofensa a ele.
Isso é assim (ou deveria ser assim) porque a liberdade fundamental não é a do representante, mas a do representado. O representante, que é em nosso sistema político bastante livre, pois só presta contas em momentos eleitorais, quando presta, é (ou deveria ser) um procurador, não um intermediário. Sendo assim, os eleitores precisam saber que escolhas foram feitas, pois só essa informação permite, de fato, pressão sobre o “seu” deputado. Em vista disso, a pressão (ou chantagem) de políticos mais poderosos é menos importante do que deveria ser o constrangimento de votar contra a opinião dominante – mesmo porque pressões e contrapressões dos políticos fazem parte da regra do jogo que eles mesmos estipularam.
Caso fique garantido o “direito” de votar contra a orientação do partido, seria o caso de perguntar: para que então servem os partidos? Partidos funcionam, na arena eleitoral e na arena parlamentar, para sinalizar opções políticas diferentes. Se essas posições fossem intercambiáveis e o político de centro-esquerda pudesse votar, graças à sua “liberdade”, como o político de centro-direita, e vice-versa, o jogo político se tornaria imprevisível, o que aumentaria o custo das negociações. Em duas palavras: mais tempo (para construir acordos) e mais dinheiro (para chancelar esses acordos).
O direito fundamental de votar conforme crenças subjetivas só seria válido se a política efetiva pudesse ser convertida numa negociação entre a consciência do representante e grandes questões abstratas, ou dilemas morais. Ora, o representante, procurador ou delegado não se defronta com questões de princípio, mas com questões concretas. Nesse sentido, toda moralidade é política, ou melhor: todos os casos que envolvam aspectos morais e que digam respeito à conduta dos políticos, são questões políticas. E toda política é (deveria ser) pública, por definição.
Conhecendo ou estimando os efeitos possíveis do voto secreto e do voto aberto, fica difícil discordar da divisa proposta pelo juiz da Suprema Corte dos EUA, Hugo Black (1886-1971): “a luz do sol é o melhor detergente”. Sempre.
Referência:
CODATO, Adriano . O caráter público da política. Gazeta do Povo, Curitiba - PR, p. 10, 06 set. 2007.
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the new capital. Frank Schersche,
1960. Life]
Adriano Codato
Gazeta do Povo, 6 set. 2007
Proposições normativas devem se apoiar em conhecimentos objetivos. Ou melhor: quando dizemos como as coisas devem ser, devemos antes saber como as coisas são, e porque não gostaríamos que elas fossem assim. Esse preceito, que vale em muitas áreas, para ser econômico, deveria valer mais ainda quando se discute alternativas políticas.
No “debate” recente sobre a reforma do sistema eleitoral ouviu-se muito sobre as vantagens, supostas, do voto distrital sobre o voto proporcional (para ficarmos só nesse exemplo) sem que se demonstrasse de fato quais as implicações reais na mudança de um regime de votação para outro. A representação da bancada do Paraná na Câmara Federal conta com 30 deputados, eleitos por diferentes regiões e graças a um número específico de votos, conforme o partido político a que pertencem. Caso mudasse o sistema, como ficaria? Melhor? Pior? Melhor ou pior para quem? Para os próprios políticos (pois diminuiria a competição) ou para os eleitores (pois aumentaria a fiscalização)?
O caso do “debate” sobre o financiamento público das campanhas dos políticos é ainda mais curioso. Além de não sabermos quanto custa uma campanha, já que as declarações de contas nos tribunais eleitorais são, digamos, imprecisas, em função dos recursos “não contabilizados”, não sabemos também exatamente quanto, uma vez introduzido o novo esquema, elas custariam. Não sabemos inclusive se seria conveniente que elas fossem custeadas pelo Tesouro. O “argumento” segundo o qual na Alemanha é assim, e lá dá certo, parece, digamos também, incerto.
A polêmica sobre o voto aberto ou voto secreto nas casas legislativas é um bom exemplo daquilo que já sabemos e daquilo que não sabemos ainda.
Há argumentos sensatos para sustentar que, em determinadas votações, o parlamentar possa votar anonimamente. Vejamos quatro dessas razões.
O voto secreto garantiria ao deputado, ou ao vereador, liberdade para escolher entre a decisão A ou a decisão B já que ele estaria livre de pressões indevidas – do presidente, do governador, do prefeito, do presidente da mesa, do líder do partido ou de algum manda-chuva, que há muitos. O representante poderia assim votar conforme sua consciência. Esses motivos alegados são, para quem defende a idéia, não apenas lógicos, mas derivados de um princípio jurídico incontestável: o direito que todos nós eleitores temos ao voto secreto.
Por outro lado, pode-se opor a essas razões, razões tão boas quanto, e em sentido contrário.
O voto secreto do representante político não é um direito. É uma convenção estabelecida pelo regimento interno da Casa (Câmaras, Assembléias), já que se trata apenas de um mecanismo deliberativo. Garanti-lo ou aboli-lo é uma questão que escolha entre dois modelos políticos, não entre um direito e uma ofensa a ele.
Isso é assim (ou deveria ser assim) porque a liberdade fundamental não é a do representante, mas a do representado. O representante, que é em nosso sistema político bastante livre, pois só presta contas em momentos eleitorais, quando presta, é (ou deveria ser) um procurador, não um intermediário. Sendo assim, os eleitores precisam saber que escolhas foram feitas, pois só essa informação permite, de fato, pressão sobre o “seu” deputado. Em vista disso, a pressão (ou chantagem) de políticos mais poderosos é menos importante do que deveria ser o constrangimento de votar contra a opinião dominante – mesmo porque pressões e contrapressões dos políticos fazem parte da regra do jogo que eles mesmos estipularam.
Caso fique garantido o “direito” de votar contra a orientação do partido, seria o caso de perguntar: para que então servem os partidos? Partidos funcionam, na arena eleitoral e na arena parlamentar, para sinalizar opções políticas diferentes. Se essas posições fossem intercambiáveis e o político de centro-esquerda pudesse votar, graças à sua “liberdade”, como o político de centro-direita, e vice-versa, o jogo político se tornaria imprevisível, o que aumentaria o custo das negociações. Em duas palavras: mais tempo (para construir acordos) e mais dinheiro (para chancelar esses acordos).
O direito fundamental de votar conforme crenças subjetivas só seria válido se a política efetiva pudesse ser convertida numa negociação entre a consciência do representante e grandes questões abstratas, ou dilemas morais. Ora, o representante, procurador ou delegado não se defronta com questões de princípio, mas com questões concretas. Nesse sentido, toda moralidade é política, ou melhor: todos os casos que envolvam aspectos morais e que digam respeito à conduta dos políticos, são questões políticas. E toda política é (deveria ser) pública, por definição.
Conhecendo ou estimando os efeitos possíveis do voto secreto e do voto aberto, fica difícil discordar da divisa proposta pelo juiz da Suprema Corte dos EUA, Hugo Black (1886-1971): “a luz do sol é o melhor detergente”. Sempre.
Referência:
CODATO, Adriano . O caráter público da política. Gazeta do Povo, Curitiba - PR, p. 10, 06 set. 2007.
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25 de agosto de 2007
Os políticos e sua classe
Adriano Codato
Gazeta do Povo, Curitiba - PR,
p. 4, 24 ago. 2007
A discussão sobre o nepotismo, o favoritismo e outros “ismos” de má-fama não deveria estar desligada do debate em torno da extensão do foro privilegiado às autoridades do Legislativo, aprovada pela Assembléia de Minas Gerais. Nem da reação “corporativa” dos senadores diante do caso da contabilidade pessoal de Renan Calheiros (PMDB-AL).
Os dois primeiros fatos são a extensão lógica de um fenômeno maior e que o terceiro caso representa de maneira espetacular: o fechamento do universo político sobre si próprio.
Quais as funções dos reapresentantes políticos? Não é preciso ser filólogo para descobrir: representar interesses sociais.
Os políticos são profissionais que representam outros na impossibilidade prática desses outros fazerem isso por si mesmos.
O sociólogo alemão Max Weber sugeriu que haveria assim dois tipos de políticos profissionais: aqueles que vivem da política (como um meio de vida) e aqueles que vivem para a política (como um modo de vida). Só nesse segundo caso a política seria uma vocação verdadeira, e não um tipo de emprego como qualquer outro.
Contudo, o que se observa, nas democracias representativas, é que só vive para a política aquele que vive da política.
Entre nós, os políticos até representam grupos sociais, mas só fazem isso à medida em que representam, em primeiro lugar, a si próprios.
O peculiar é que, num universo político cada vez mais autônomo, as relações entre os políticos tornam-se mais importantes do que as relações dos políticos com a sociedade. Na ausência de qualquer controle social, eles podem então se imaginar “donos” do poder para dispor dos empregos públicos à vontade ou para serem julgados só em tribunais especiais.
Referência:
CODATO, Adriano. Os políticos e sua classe. Gazeta do Povo, Curitiba - PR, p. 4, 24 ago. 2007.
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27 de junho de 2007
A choldra paga a conta e ganha meio voto [sobre a reforma política]
27 de junho de 2007
ELIO GASPARI
Hoje, o contribuinte escolhe seus candidatos para representá-lo nas câmaras legislativas. O projeto petista, que tem o apoio dos Democratas e do PMDB, mutila esse direito e institui um novo tipo de voto. Chamam-no de "lista flexível".
No sistema vigente, a preferência do eleitor vai para um panelão onde estão todos os outros candidatos do mesmo partido. Aplicado um quociente que relaciona o total de votos dados à sigla, elegem-se os que tiveram melhor desempenho. Disso resulta que em muitos casos vota-se em Delfim Netto e elege-se Michel Temer. A esse sistema defeituoso, pretende-se aplicar um remédio que transfere aos comissários o direito de decidir a composição de metade das bancadas do Legislativo.
O cidadão será obrigado a escolher primeiro o partido de sua preferência. Se for petista, digitará o número 13. Caso queira escolher um candidato (para compor metade da bancada), deverá proceder a uma segunda digitação, explicitando o número do seu preferido, por hipotese, 1313. Como todos os candidatos petistas tem os mesmos dígitos iniciais (13), o que se pretende é dificultar o voto nominal. Como se a choldra tivesse o direito de escolher o partido, mas, caso quisesse escolher um nome, teria que coçar o nariz quatro vezes.
A segunda metade das câmaras legislativas sairia de uma lista fechada. Os defensores do pacote sustentam que esse tipo de voto fortalece os partidos, dando-lhes mais músculos. Falso.
O artigo 6º da proposta fortalece apenas os atuais deputados, presenteando-os com o direito de encabeçar a lista. Num exemplo, da chapa petista de São Paulo, os deputados João Paulo Cunha, mensaleiro absolvido pelos pares, e Arlindo Chinaglia, presidente da sessão que pretende votar a "reforma", estariam automaticamente reeleitos, sem sair de casa. Na atribulada história do Parlamento brasileiro, jamais houve caso tão escancarado de prorrogação de mandatos.
Admita-se que o cidadão é um petista de carteirinha e tem fé nos comissários. Ele acha isso natural porque pretende fortalecer a estrela vermelha. Aí entra o aspecto cínico da "reforma". Ela cria "federações de partidos". Nesse caso, o petista vota no 13, mas poderá eleger um candidato do PC do B, caso ele se tenha coligado com o PT.
Mesmo assim, pode-se sustentar que a nação petista decidiu formar uma federação com o PC do B, e isso faz bem à democracia. Falso. O projeto admite que os partidos façam um varejo de coligações, em todos os níveis. Nada impede que o PT, ou o PMDB, faça uma sociedade com o PC do B em São Paulo, enquanto em Alagoas ele se alia ao PTB de Fernando Collor.
Seria o caso de se propor uma emenda ao projeto. A patuléia passa a pagar só os salários dos parlamentares em quem pode votar (a metade). Os demais iriam buscar o seu com os comissários.
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19 de abril de 2007
Rio: reconfiguração do crime
JOSÉ CLÁUDIO SOUZA ALVES
Folha de S. Paulo
São Paulo, quinta-feira, 19 de abril de 2007
O aumento significativo de mortos oriundos do endurecimento da política de segurança pública no Rio de Janeiro encobre, na verdade, a tremenda complexificação do mercado da segurança-insegurança, com a consolidação de novos atores e a instabilidade diante da indefinição do novo "pacto" entre os operadores desse mercado.
Um mercado que opera com milhões de reais advindos do jogo do bicho, carnaval, tráfico de drogas e armas, roubo, seqüestro, grupo de extermínio, suborno, corrupção, desvio de recursos públicos e indústria dos jogos: bingo, caça-níqueis etc. Tudo isso diretamente vinculado ao jogo político, isto é, aos milhões de votos comprados, direta ou indiretamente, com esse dinheiro.
A oficialização da presença do aparato policial no gerenciamento de ações criminosas por meio das "milícias" desequilibra os acordos que vigoravam. A capitalização por novos atores políticos somados ao desespero da classe média vitimizada e manipulada pela mídia reacionária potencializam a repressão que atinge a população pobre, favelada, periférica, na sua maioria negra.
Em nome da segurança, dos jogos Pan-Americanos, da eficiência na repressão ao crime, veremos aumentar, a cada dia, o número de mortos, seja por bala perdida, auto de resistência, execução sumária ou guerra comandos-milícia. Foi iniciado um processo de reconfiguração do mercado do crime no Rio de Janeiro. Por baixo do rio de sangue derramado, sobretudo pelos pobres, lava-se todo o dinheiro do crime e lavra-se o novo acordo que, ao que tudo indica, ainda demorará por entrar em vigor.
JOSÉ CLÁUDIO SOUZA ALVES, 45, é pró-reitor de extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Folha de S. Paulo
São Paulo, quinta-feira, 19 de abril de 2007
O aumento significativo de mortos oriundos do endurecimento da política de segurança pública no Rio de Janeiro encobre, na verdade, a tremenda complexificação do mercado da segurança-insegurança, com a consolidação de novos atores e a instabilidade diante da indefinição do novo "pacto" entre os operadores desse mercado.
Um mercado que opera com milhões de reais advindos do jogo do bicho, carnaval, tráfico de drogas e armas, roubo, seqüestro, grupo de extermínio, suborno, corrupção, desvio de recursos públicos e indústria dos jogos: bingo, caça-níqueis etc. Tudo isso diretamente vinculado ao jogo político, isto é, aos milhões de votos comprados, direta ou indiretamente, com esse dinheiro.
A oficialização da presença do aparato policial no gerenciamento de ações criminosas por meio das "milícias" desequilibra os acordos que vigoravam. A capitalização por novos atores políticos somados ao desespero da classe média vitimizada e manipulada pela mídia reacionária potencializam a repressão que atinge a população pobre, favelada, periférica, na sua maioria negra.
Em nome da segurança, dos jogos Pan-Americanos, da eficiência na repressão ao crime, veremos aumentar, a cada dia, o número de mortos, seja por bala perdida, auto de resistência, execução sumária ou guerra comandos-milícia. Foi iniciado um processo de reconfiguração do mercado do crime no Rio de Janeiro. Por baixo do rio de sangue derramado, sobretudo pelos pobres, lava-se todo o dinheiro do crime e lavra-se o novo acordo que, ao que tudo indica, ainda demorará por entrar em vigor.
JOSÉ CLÁUDIO SOUZA ALVES, 45, é pró-reitor de extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
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12 de janeiro de 2007
A famosa reforma política
[Salão Verde. Congresso Nacional. Athos Bulcão]
Adriano Codato
Gazeta do Povo, Curitiba - PR, p. 12, 20 jan. 2007.
O debate político no Brasil não é pobre. É esquizofrênico. O humor dos especialistas (e do público bem informado) varia entre o que poderíamos chamar de hipercomportamentalismo e hiperinstitucionalismo. O primeiro time garante que todos os problemas da política nacional – populismo, elitismo, excesso de estado, falta de Estado – decorrem dos vícios da “classe política”. Depurada essa, através de um grande movimento moralizador, a corrupção poderia ser mais controlada e controlável. O segundo time vê as dificuldades políticas – governabilidade, representatividade, proporcionalidade, ou a ausência delas – como um problema de desenho institucional. Mudadas as regras do jogo, através de uma reforma da legislação partidária e eleitoral, teríamos não só uma “legislação de primeiro mundo”, mas uma política de primeiro mundo: partidos ideológicos, governos programáticos, legislativo eficiente.
Supondo que o interesse geral e comum de todos nós seja uma elevação do padrão ético dos políticos, uma reforma política, imagina-se, seria suficiente para garantir isso. Os movimentos pela “ética na política” têm um componente ilusório muito forte. Acreditam que o aperfeiçoamento da representação política (seus mecanismos e seus objetivos) está ligado apenas à melhoria da elite política e que esse aprimoramento pode ser conseguido trocando-se os políticos. Para substituir a classe política nativa por outra, só uma “reforma política”, seja lá o que isso signifique.
Do outro lado, o diagnóstico é diferente, mas a terapia é idêntica. A questão central aqui não é a moralidade, mas, para os mais conservadores, a governabilidade, e para os mais progressistas, a representatividade. Boas leis devem prometer boas instituições políticas e boas instituições, bons comportamentos. Reforme-se então o direito eleitoral. Essa posição possui dois defeitos, um lógico, outro histórico. O primeiro decorre de certo tipo de raciocínio que em lógica informal chamamos de falácia post hoc. Traduzindo: “depois disso, logo, por causa disso”. Postula-se (sem que se comprove) uma relação causal entre o sistema eleitoral e a qualidade da representação política; ou entre o número de partidos e a governabilidade. Ora, não é porque a variável A possui alguma relação, forte ou fraca, com a variável B que A é, necessariamente, a causa de B. O segundo defeito é mais trivial. É suficiente lembrar que o Brasil já teve 11 legislações eleitorais, isso sem contar as mudanças tópicas. A cada eleição. Daí que o problema não deva ser (somente) esse.
O tema da reforma política, isto é, sua necessidade, urgência e finalidade sempre ganha destaque quando se descobrem casos de corrupção no Legislativo e/ou no Executivo. Entretanto, na conjuntura atual a reforma não é só irrealizável; é irrelevante. Qualquer modificação em qualquer aspecto da legislação eleitoral e partidária afeta interesses. E os interessados se mobilizam ou para barrar a alteração proposta ou para neutralizar seus efeitos. Foi o caso do fim da cláusula de barreira, que, aliás, não acabou com a fragmentação partidária, seu objetivo inicial. Este é um exemplo não da dificuldade momentânea da realização da reforma política, mas da sua inviabilidade.
Em linhas gerais, a reforma pode ser dividida em duas frentes: a primeira é a reforma do sistema eleitoral, isto é, a alteração das regras que regulam como os cidadãos votam; a segunda, a reforma do sistema partidário, ou seja, a modificação das normas que estabelecem certos critérios para o funcionamento político e parlamentar dos partidos. Para cada uma dessas frentes propõem-se uma série de mudanças, tanto mudanças superficiais quanto profundas. Vou dar quatro exemplos. Uma reforma superficial no sistema eleitoral seria a introdução do financiamento público das campanhas eleitorais; uma mudança profunda seria a introdução do sistema de listas partidárias fechadas e preordenadas (pelos partidos políticos) nas eleições proporcionais (para deputados e vereadores). Hoje vigora o sistema de lista aberta e voto uninominal. Vota-se no candidato, em qualquer candidato, e não na lista de candidatos que o partido escolheu previamente e apresenta aos eleitores. Uma reforma superficial no sistema partidário seria a instituição da finada cláusula de barreira. Uma reforma profunda seria a obrigação da fidelidade partidária, isto é, o controle das migrações de uma agremiação para outra.
Para cada um dos itens de cada reforma podem-se imaginar as intenções positivas e os resultados negativos, ou simplesmente inócuos. O financiamento público das campanhas eleitorais, isto é, o subsídio da política através do dinheiro dos nossos impostos, deveria, em princípio, igualar as condições da competição pelo poder entre pequenos partidos e grandes partidos (ou entre candidatos ricos e candidatos pobres), acabando com as distorções atuais e o elevadíssimo custo da propaganda política. Entretanto, não se prevê que o financiamento público seja a única fonte do financiamento eleitoral. Além disso, os recursos seriam distribuídos conforme o tamanho das bancadas dos partidos, o que reproduziria a desigualdade existente. E há ainda uma questão de fundo: por que nós deveríamos financiar a carreira dos políticos?
No caso da alteração do sistema eleitoral, a definição da preferência pelos deputados (federais e estaduais) seria substancialmente modificada. O eleitor não mais escolheria um candidato numa lista imensa de nomes, mas votaria na lista elaborada pelo partido político que optasse. A nova fórmula, pretenderia, ao menos teoricamente, fortalecer os partidos como instituições e dar-lhes uma feição ideológica mais clara. No limite, votando na lista do partido estaríamos votando no programa do partido, e não em pessoas. Qual o defeito? Uma redução drástica da liberdade de escolha do eleitor. À medida que os chefes dos partidos controlassem as convenções partidárias, seria razoável imaginar que os oligarcas, no caso dos partidos de direita, os notáveis, no caso dos partidos de centro, ou os burocratas, no caso dos partidos de esquerda determinariam quem ficaria de fora da lista do partido, quem entraria na lista, e em que posição. Conclusão: não haveria institucionalização dos partidos, mas fortalecimento do poder das direções.
Com uma ponta de ironia, o professor Leôncio Martins Rodrigues declarou, logo após as últimas eleições, que “político, quando não tem o que fazer, defende a reforma política”. Essa manobra desvia a atenção pública, em geral para si próprio, e oculta o fato de que as crises políticas ou as disfunções institucionais não resultam das leis. Primeiro porque os problemas de representatividade (isto é, a ausência completa de mecanismos de prestação de contas pelos políticos) não se resolvem com as modificações propostas: voto em lista, redução do tamanho dos distritos eleitorais, vinculação partidária etc. Depois porque não está provado que o país seja ingovernável com a legislação atual. Muito pelo contrário. O que podemos discutir é a qualidade do governo e suas prioridades. Por último porque um sistema político para ajustar-se precisa de tempo. É graças ao funcionamento contínuo das regras de escolha eleitoral que os cidadãos aprendem qual é o valor do seu voto, qual o peso do seu voto e quais são as conseqüências do seu voto.
Referência:
CODATO, Adriano. A famosa reforma política. Gazeta do Povo, Curitiba - PR, p. 12, 20 jan. 2007.
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7 de janeiro de 2007
The Society for Political Methodology
Excelente site.
Home page of the Society for Political Methodology, the Political Methodology Section of the American Political Science Association, and the central web site for the political methodology community. The primary purpose of this site is to serve as the gateway to the Working Paper archive. There is also information on our Conference page covering our annual summer meetings held continuously for over twenty years. This site also serves as the gateway to our publications, including The Political Methodologist, our newsletter, and Political Analysis, the official journal of the section. Additionally, we house a collection of Syllabi for undergraduate and graduate courses in political methodology.
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Paradigm Lost: state theory reconsidered By Peter Bratsis, Stanley Aronowitz (eds.)
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Veja o chap. 2:
CODATO, Adriano ; PERISSINOTTO, Renato Monseff . The State and Contemporary Political Theory: Lessons from Marx. In: Stanley Aronowitz; Peter Bratsis (eds.). Paradigm Lost: State Theory Reconsidered. 1 ed. Minneapolis (MN - EUA): University of Minnesota Press, 2002, v. 1, p. 53-72.
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3 de janeiro de 2007
LIVRO Lançamento em janeiro de 2007: Tecendo o presente --- sete autores para pensar o século XX
Adriano Codato (org.)
Ed. Sesc - PR
Introdução: certos clássicos do século XX
adriano nervo codato
O que é, afinal, um autor ou um livro clássico? Numa das quatorze explicações oferecidas por Italo Calvino num volume que, entre todas as suas vantagens, tem o pouco esotérico título Por que ler os clássicos (1981) pode-se ler, sem grandes rodeios, a seguinte definição: “É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo”. A essa se soma uma outra acepção, que nega a primeira, mas que paradoxalmente a completa e amplia: “É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível”.
O barulho de fundo que se ouve ainda hoje por toda parte é o hino de uma nota só em louvor ao “Pensamento Único”. Sua partitura rebaixa a política aos imperativos da economia, reduz a economia à especulação financeira e seu mais gratificante subproduto é o consumo de luxo. A configuração desse capitalismo, e o conjunto de idéias que o acompanha e justifica, produz e impõe uma visão particularmente severa do mundo social cujo fundamento é a superioridade natural do mercado e a inviabilidade primordial do Estado de bem-estar. Essa filosofia da inevitabilidade histórica tem, portanto, não somente uma dimensão material, mas ideológica já que, como Pierre Bourdieu lembrou, assume “uma roupagem científica” e, por essa via, “a capacidade de agir como teoria”.
Essa revolução regressiva deu origem a expressões tais como “aldeia global”, “mundialização” e “neoliberalismo” que, de tão repetidas, já não significam quase nada, e os circunlóquios através dos quais se pretende “explicar” o presente (flexibilização, (des)regulação, reformas, crescimento sustentado, estabilidade monetária, produtividade etc.), tudo resumido no eufemismo sociológico maior, pós-modernidade, formam um dicionário de palavras incontornáveis cujo sentido e função só se explicitam graças à nova vulgata econômica que se incumbiu de pô-los em circulação.
Os sete ensaios reunidos neste livro não são sobre esse barulho de fundo que é o Pensamento Único. O livro é, ao contrário, uma tentativa de afirmar o interesse das idéias de oito pensadores “clássicos” – Émile Durkheim, Max Weber, Marcel Mauss, Thomas Mann, Hannah Arendt, Jean-Paul Sartre, Michel Foucault e Norbert Elias – sobre a sociedade, a história e a política, apesar desse barulho de fundo. É um investimento na capacidade que esses rumores do passado, às vezes na moda, às vezes não, têm de recuperar o sentido crítico da reflexão.
Mesmo que a lista acima seja incompleta, acredito que importam menos os nomes próprios ou os critérios que dirigiam suas escolhas para compor este volume e mais o programa de leitura que sugerimos: pode-se lê-los em qualquer ordem, com simpatia ou antipatia, com curiosidade de especialista ou interesse de iniciante, desde que se faça um esforço para lê-los todos. De certa forma, é do cruzamento desses pensamentos que se tece o presente histórico.
[trecho]
Sumário
Prefácio
renato monseff perissinotto
Introdução: certos clássicos do século XX
adriano nervo codato
1. Thomas Mann: ironia burguesa e romantismo anticapitalista
paulo soethe
2. Hannah Arendt: a crise da política na modernidade
andré duarte
3. Émile Durkheim: para uma sociologia do mundo contemporâneo
pedro bodê de moraes
4. Max Weber, leitor do idealismo
vinicius de figueiredo
5. Norbert Elias: configuração social e a sociologia processual do Eu e do Nós
luiz geraldo santos silva
6. Marcel Mauss: Comunismo e Estado
marcos lanna
7. Sartre e Foucault: teoria da história, engajamento e ética
luiz damon moutinho
onde comprar: Sesc da Esquina
rua Visconde do Rio Branco, 969
Curitiba - PR
e-mail: esquina@sescpr.com.br
fone: (41) 3304-2222
.
Ed. Sesc - PR
Introdução: certos clássicos do século XX
adriano nervo codato
O que é, afinal, um autor ou um livro clássico? Numa das quatorze explicações oferecidas por Italo Calvino num volume que, entre todas as suas vantagens, tem o pouco esotérico título Por que ler os clássicos (1981) pode-se ler, sem grandes rodeios, a seguinte definição: “É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo”. A essa se soma uma outra acepção, que nega a primeira, mas que paradoxalmente a completa e amplia: “É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível”.
O barulho de fundo que se ouve ainda hoje por toda parte é o hino de uma nota só em louvor ao “Pensamento Único”. Sua partitura rebaixa a política aos imperativos da economia, reduz a economia à especulação financeira e seu mais gratificante subproduto é o consumo de luxo. A configuração desse capitalismo, e o conjunto de idéias que o acompanha e justifica, produz e impõe uma visão particularmente severa do mundo social cujo fundamento é a superioridade natural do mercado e a inviabilidade primordial do Estado de bem-estar. Essa filosofia da inevitabilidade histórica tem, portanto, não somente uma dimensão material, mas ideológica já que, como Pierre Bourdieu lembrou, assume “uma roupagem científica” e, por essa via, “a capacidade de agir como teoria”.
Essa revolução regressiva deu origem a expressões tais como “aldeia global”, “mundialização” e “neoliberalismo” que, de tão repetidas, já não significam quase nada, e os circunlóquios através dos quais se pretende “explicar” o presente (flexibilização, (des)regulação, reformas, crescimento sustentado, estabilidade monetária, produtividade etc.), tudo resumido no eufemismo sociológico maior, pós-modernidade, formam um dicionário de palavras incontornáveis cujo sentido e função só se explicitam graças à nova vulgata econômica que se incumbiu de pô-los em circulação.
Os sete ensaios reunidos neste livro não são sobre esse barulho de fundo que é o Pensamento Único. O livro é, ao contrário, uma tentativa de afirmar o interesse das idéias de oito pensadores “clássicos” – Émile Durkheim, Max Weber, Marcel Mauss, Thomas Mann, Hannah Arendt, Jean-Paul Sartre, Michel Foucault e Norbert Elias – sobre a sociedade, a história e a política, apesar desse barulho de fundo. É um investimento na capacidade que esses rumores do passado, às vezes na moda, às vezes não, têm de recuperar o sentido crítico da reflexão.
Mesmo que a lista acima seja incompleta, acredito que importam menos os nomes próprios ou os critérios que dirigiam suas escolhas para compor este volume e mais o programa de leitura que sugerimos: pode-se lê-los em qualquer ordem, com simpatia ou antipatia, com curiosidade de especialista ou interesse de iniciante, desde que se faça um esforço para lê-los todos. De certa forma, é do cruzamento desses pensamentos que se tece o presente histórico.
[trecho]
Sumário
Prefácio
renato monseff perissinotto
Introdução: certos clássicos do século XX
adriano nervo codato
1. Thomas Mann: ironia burguesa e romantismo anticapitalista
paulo soethe
2. Hannah Arendt: a crise da política na modernidade
andré duarte
3. Émile Durkheim: para uma sociologia do mundo contemporâneo
pedro bodê de moraes
4. Max Weber, leitor do idealismo
vinicius de figueiredo
5. Norbert Elias: configuração social e a sociologia processual do Eu e do Nós
luiz geraldo santos silva
6. Marcel Mauss: Comunismo e Estado
marcos lanna
7. Sartre e Foucault: teoria da história, engajamento e ética
luiz damon moutinho
onde comprar: Sesc da Esquina
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e-mail: esquina@sescpr.com.br
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