artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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10 de julho de 2013

A mãe de todas as reformas?








ARTIGO
Gazeta do Povo
Publicado em 10/07/2013
| ADRIANO CODATO

Seja lá qual for o “recado das ruas”, as jornadas de junho no Brasil correm o risco de terminarem numa retumbante decepção. A falta de modulação entre as demandas anunciadas nos cartazes dos manifestantes e a resposta que o mundo político deu a elas não poderia ser mais completa.

Cidadãos exigiram melhor qualidade dos serviços do Estado. A isso se respondeu com uma proposta – a ser talvez aprovada em um eventual plebiscito – de mudança das regras que permitem coligações em eleições proporcionais. À cobrança de mais educação, solicitou-se que debatêssemos como deve ser indicado o suplente do candidato ao Senado. Ao horror aos partidos, a saída seria, paradoxalmente, aprofundar o poder das burocracias e das oligarquias desses mesmos partidos: instituir uma lista pré-ordenada de candidatos. Contra a corrupção? Discuta-se a ampliação ou a redução do financiamento público das campanhas dos políticos.

Ou seja: os problemas reais do cidadão comum – que vão desde tomar o ônibus até ser atendido no posto de saúde do bairro, ou, vejam só, ser respeitado por uma polícia brutalizada – foram resumidos e embrulhados no problema da representatividade do sistema político e dos seus agentes.

A frase-propaganda “Fulano não me representa” tornou-se, então, a senha para longos debates de direito constitucional a respeito da crise das instituições. Com isso, aqueles que monopolizam a interpretação dos acontecimentos no Brasil (as grandes corporações da comunicação social) e aqueles que monopolizam os mandados executivos e legislativos decidiram que tudo seria uma questão de “reforma política”.

O problema é que não existe uma engenharia política ideal. Cada mudança em um item do funcionamento do sistema de representação produz efeitos não antecipados pelos modelos. Quando se muda mais de um instituto, a equação se torna ainda mais complexa. Além de tudo, o que funciona em um país deve funcionar em outro de forma diferente. A propósito, não há o menor consenso entre os especialistas sobre o que realmente deve ser reformado. Mas essa não é a maior dificuldade.

É preciso dizer claramente: nenhuma, mas nenhuma das propostas (presentes, passadas e futuras) de reforma do sistema eleitoral e do funcionamento dos partidos políticos tem a ver com, ou pode resolver o inferno quotidiano da vida nas cidades brasileiras.

As manifestações muitas vezes atacaram com violência sedes de governo, tribunais de Justiça, casas legislativas. Não é preciso muita inteligência para se decifrar isso. O caráter simbólico desse vandalismo só pode espantar quem não vive no mundo real.

Basicamente, o que se pediu foi respeito. Os políticos profissionais no Brasil, ao lado de magistrados, funcionários públicos, procuradores etc., acumularam tantos privilégios sociais e materiais que é um deboche comparar estádios com escolas, metrô com jatinhos exclusivos para autoridades, 15 salários anuais com um emprego precarizado.

Estamos mais ou menos assim: a casa pegando fogo enquanto se cogita trocar a estampa do sofá.

Adriano Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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25 de fevereiro de 2011

reforma política, again

[Matthew Neely West Va., Politician
Date taken: October 1948
Photographer: Peter Stackpole
Life]



Gazeta do Povo, 25/02/2011

Política: a reforma da vez

Lucio Rennó e Wladimir Gramacho


O que provavelmente será debatido no Con­­­gresso Nacional neste ano é uma repetição do que se tentou aprovar em 2005

A recente trajetória (re)democrática brasileira nos mostra que o primeiro semestre legislativo de presidentes recém-empossados é prolífico em reformas. Vide os governos Fernando Henrique Cardoso em 1995 e Lula em 2003.

Em seu discurso de posse, Dilma Rousseff considerou que a reforma política é “tarefa indeclinável e urgente”. Falou pelo Executivo. Uma pesquisa recente do Instituto FSB ouviu 340 deputados federais e senadores da Legislatura 2011-2015. E descobriu que 65% deles têm a reforma política como uma de suas duas prioridades no 1.º semestre do ano. As outras mais citadas foram a reforma tributária (50%) e o código florestal (11%). Falaram pelo Legislativo.

O reconhecimento, pelos políticos, de que é preciso aperfeiçoar as regras do jogo tem sido estimulado por profundas mudanças no ambiente sociopolítico do país: graves denúncias da imprensa, crises de imagem de diferentes partidos, líderes políticos abatidos no topo de suas carreiras, pressão da opinião pública e da sociedade civil organizada e decisões do Judiciário.

Mas qual reforma política será proposta? E quais as chances de sua aprovação no Congresso? Mais importante: quais os possíveis efeitos dessas mudanças?

A primeira pergunta é de mais fácil solução. O que provavelmente será debatido no Congresso Nacional neste ano é uma repetição do que se tentou aprovar em 2005, quando os temas eram: mudança do sistema proporcional de lista aberta para lista fechada, estabelecimento do financiamento público de campanhas, redução da cláusula de barreira e o estabelecimento de prazos mais rígidos para movimentação entre partidos, entre outros.

Até este momento, os sinais mais evidentes dos atores interessados na reforma política sugerem a existência de dois pontos focais: a mudança do sistema proporcional de lista aberta para lista fechada e o estabelecimento do financiamento exclusivamente público de campanhas eleitorais. Os eleitores deixariam de votar em candidatos e votariam em listas de candidatos ordenadas pelos partidos. E as doações de campanha de pessoas físicas e jurídicas seriam proibidas, passando a existir fundo público que seria distribuído aos partidos para o financiamento das campanhas.

A resposta à segunda questão é que, segundo os próprios dados da pesquisa FSB, são grandes as chances de mudança das regras, a ponto de introduzir alterações radicais no funcionamento do sistema político brasileiro.

Com isso, chegamos à terceira pergunta: essas mudanças são boas para o Brasil?

Os debates sobre as reformas institucionais têm enfatizado a necessidade de redução do espaço para corrupção política no Brasil. A Lei da Ficha Limpa é um exemplo. A criação de listas fechadas e financiamento público exclusivo das campanhas, contudo, não é garantia de redução da corrupção política. Não há país no mundo que tenha sistema similar e que possa nos mostrar os efeitos práticos dessa interação e suas reações adversas. Daríamos um salto no escuro.

Os resultados podem ser excelentes. Mas também podem criar cartéis partidários, nos quais alguns caciques políticos dominariam as chaves de acesso ao poder. E o “caixa dois” das campanhas não se combate com financiamento público, mas com maior fiscalização, clareza na legislação e punição.

O sistema político brasileiro precisa de aperfeiçoamentos, mas não de uma refundação. Medidas pontuais, simples e eficazes seriam: (1) a redução do teto para doações de empresas, o que diminuiria o peso de grandes corporações no financiamento eleitoral; (2) a criação de novas restrições à propaganda eleitoral, o que diminuiria os custos das campanhas eleitorais; e (3) a redução do número de candidatos de cada partido ou coligação ao Legislativo, o que diminuiria o total de gastos eleitorais e simplificaria o processo de escolha do eleitor e o monitoramento do representante eleito. É hora de mudar. Com segurança.

Lucio Rennó, cientista político, é professor da Universidade de Brasília (UnB) e co-organizador do livro Reforma Política: Lições da História Recente (2006). Wladimir Gramacho, cientista político, e sócio-diretor do Instituto FSB Pesquisa.
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17 de fevereiro de 2011

o que é o quociente eleitoral?

[William Gropper] 


Rogério Schmitt

congresso em foco





O sistema eleitoral que utilizamos para a escolha dos nossos deputados (e vereadores) não é facilmente compreensível para os eleitores ou sequer para os próprios parlamentares. Em linguagem técnica, trata-se de um sistema de representação proporcional com listas abertas. Esse sistema existe para representar partidos, e não indivíduos.

Em tese, cada partido elegerá uma bancada diretamente proporcional à votação total recebida pela sigla. Uma legenda que tenha recebido 10% dos votos elegerá cerca de 10% dos deputados, e assim por diante. Se um partido ganhou o direito de eleger cinco deputados, serão empossados os cinco candidatos mais bem votados da sigla.  

O instrumento matemático utilizado para determinar o número de deputados eleitos por cada partido é conhecido como “quociente eleitoral”. Esse número representa a cota mínima de votos necessária para se eleger um parlamentar. Num estado hipotético com 15 deputados (A) e com 1,5 milhão de votos válidos (B), o quociente eleitoral será de 100 mil votos (B dividido por A).

Assim, um partido que, por exemplo, tenha alcançado 500 mil votos nessa eleição imaginária terá atingido cinco vezes o quociente eleitoral. Portanto, essa sigla elegerá cinco candidatos. Os eleitos serão os cinco que tiverem obtido as melhores votações individuais.

O “quociente eleitoral” virou o vilão da vez. Ninguém parece entender para o que ele serve. Os adeptos mais ardorosos da reforma política atribuem ao quociente eleitoral a responsabilidade por todas as imperfeições do nosso sistema representativo.

Mas o quociente eleitoral é justamente o mecanismo que possibilita a conversão dos votos dos eleitores em cadeiras legislativas. É ele que assegura, na prática, que essa conversão seja feita de modo proporcional – como manda, aliás, o nosso texto constitucional.

Com um pouco de atenção, podemos facilmente perceber que o quociente eleitoral num sistema de representação proporcional é o equivalente funcional do “distrito” num sistema de representação majoritária. Ambos cumprem exatamente o mesmo papel. O distrito é uma circunscrição geograficamente definida antes das eleições. O quociente é uma espécie de distrito informal que resulta da apuração de votos espalhados por todo o estado.

Autores clássicos do século XIX como John Stuart Mill e o nosso José de Alencar corretamente denominavam os quocientes eleitorais como “distritos voluntários”. Por esse sistema, eleitores distribuídos em diferentes partes de um mesmo território poderiam espontaneamente combinar os seus votos para eleger deputados que compartilhassem das mesmas opiniões políticas. Na época, era uma idéia revolucionária. Creio que continua sendo extremamente atual e democrática.

O quociente eleitoral nada mais é, portanto, do que um distrito não territorial. Será que alguém ainda se anima a defender essa boa idéia?

fonte:
http://www.congressoemfoco.com.br/noticia.asp?cod_canal=14&cod_publicacao=36106
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12 de abril de 2010

o financiamento das campanhas e o sistema político brasileiro

[Série Noite Americana,
D'aprés Hopper, 1999.
Vicente de Mello.
Pirelli/MASP]


O CALCANHAR DE AQUILES: o financiamento das campanhas e o sistema político brasileiro
Bruno P. W. Reis

(Publicado no suplemento mensal “Pensar Brasil” do jornal Estado de Minas, pp. 7-9. Belo Horizonte, MG, 10 abr. 2010)

Transcorridos mais de vinte anos desde a promulgação da Constituição de 1988, é difícil evitar um diagnóstico ambivalente sobre a operação do sistema político brasileiro. De um lado, observando os meios de comunicação de massa, o sistema parece em decomposição. Por outro lado, as estatísticas sociais melhoram de modo sem precedentes, e o sistema político mostra-se estável como nunca. De fato, os governos têm conseguido maiorias razoáveis, e as decisões (pelo menos as mais cruciais para se manter a máquina operando no curto prazo) têm podido ser tomadas. Temos sido, nas últimas décadas, poupados de impasses dramáticos, de crises políticas com desfechos institucionais imprevisíveis, e do recurso à força das armas para a arbitragem de conflitos políticos. Esta é uma conquista real, a que nem sempre damos a devida atenção.

Não se trata, portanto, de amesquinhar este feito, mas tampouco seria prudente negligenciar o mal-estar que de fato existe na opinião pública quanto ao modus operandi de nosso sistema político. Minha convicção pessoal é que a origem dessa ambivalência reside em nossa aguda incapacidade de coibir, de modo eficaz, abusos de poder econômico em nossas campanhas eleitorais. Pior: tendo-se transformado numa autêntica fábrica de escândalos, esta vulnerabilidade pode comprometer, a longo prazo, a própria estabilidade que o sistema, bem ou mal, tem logrado alcançar até aqui.

A César o que é de César: contrariamente à percepção da opinião pública, em nenhum outro lugar há convicção tão clara e ansiedade tão grande por uma reforma quanto na Câmara dos Deputados. Num país em que quase toda a agenda legislativa decorre de iniciativa do poder executivo, a mesa da Câmara tem pautado reiteradamente, por iniciativa própria, a reforma política no país. Mas por que os próprios deputados quereriam melhorar os controles sobre o financiamento de campanhas? Para responder, é preciso lembrar que eleições são competições pelas quais todo político tem de passar regularmente: a falta de controles sobre as contas de campanhas inflaciona fatalmente a disputa, aumentando a imprevisibilidade de seu resultado e a incerteza quanto ao valor de uma provisão “adequada” de recursos financeiros para a próxima candidatura. No limite, embute um viés a favor daqueles que descumprem a lei, e induz cada candidato a montar seu próprio “caixa 2”, se quiser preservar suas chances de vitória. O preço que se paga, contudo, é expor-se ao risco de se ver envolvido no próximo escândalo...

[leia a continuação do texto aqui]
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12 de maio de 2009

does public opinion drive electoral reform? Pippa Norris

[Foscarini Supernova Sospensione.
http://www.traumambiente.de]


Why do electoral systems change?

A new Harvard research paper, to be discussed in mid-April in the Lisbon ECPR workshops, provides fresh insights into this issue.

Cultural accounts, based on many case studies, suggest that political legitimacy plays a critical role. During the early 1990s, for example, Italian electoral reform was widely regarded as a reaction to the Tangentopoli scandal, while public anger about government corruption was also seen as one of the main triggers for Japanese reforms. Where the public sees the regime as legitimate, this provides little pressure for change to the status quo. Where citizens are dissatisfied, especially when performance is evaluated against democratic aspirations, this heightens demands for institutional reform on the policy agenda.

Although many scholars have often suggested this connection, systematic cross-national evidence establishing this relationship has not been examined. Moreover this assumption is challenged by rational choice accounts which regard electoral reform as an elite-level issue, where the public plays only a marginal role. These accounts have emphasized the paramount importance of the calculation of partisan interests in a two-stage game, where parties have preferences for alternative institutions based on expectations about the payoffs these rules will have for them in future.

leia o texto de Pippa Norris
Understanding the policy cycle model of electoral reform

aqui

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27 de junho de 2007

A choldra paga a conta e ganha meio voto [sobre a reforma política]


27 de junho de 2007

ELIO GASPARI


Na história do Parlamento brasileiro, jamais houve caso tão escancarado de prorrogação de mandatos SOB A MÁSCARA de "reforma política", será posto em votação na Câmara dos Deputados o maior esbulho eleitoral já praticado desde o Pacote de Abril de 1977, que entregou um terço do Senado a uma raça de sem-votos denominados biônicos. Agora pretende-se entregar metade da Câmara e das Assembléias ao comissariado das tendências e direções partidárias.

Hoje, o contribuinte escolhe seus candidatos para representá-lo nas câmaras legislativas. O projeto petista, que tem o apoio dos Democratas e do PMDB, mutila esse direito e institui um novo tipo de voto. Chamam-no de "lista flexível".

No sistema vigente, a preferência do eleitor vai para um panelão onde estão todos os outros candidatos do mesmo partido. Aplicado um quociente que relaciona o total de votos dados à sigla, elegem-se os que tiveram melhor desempenho. Disso resulta que em muitos casos vota-se em Delfim Netto e elege-se Michel Temer. A esse sistema defeituoso, pretende-se aplicar um remédio que transfere aos comissários o direito de decidir a composição de metade das bancadas do Legislativo.

O cidadão será obrigado a escolher primeiro o partido de sua preferência. Se for petista, digitará o número 13. Caso queira escolher um candidato (para compor metade da bancada), deverá proceder a uma segunda digitação, explicitando o número do seu preferido, por hipotese, 1313. Como todos os candidatos petistas tem os mesmos dígitos iniciais (13), o que se pretende é dificultar o voto nominal. Como se a choldra tivesse o direito de escolher o partido, mas, caso quisesse escolher um nome, teria que coçar o nariz quatro vezes.

A segunda metade das câmaras legislativas sairia de uma lista fechada. Os defensores do pacote sustentam que esse tipo de voto fortalece os partidos, dando-lhes mais músculos. Falso.

O artigo 6º da proposta fortalece apenas os atuais deputados, presenteando-os com o direito de encabeçar a lista. Num exemplo, da chapa petista de São Paulo, os deputados João Paulo Cunha, mensaleiro absolvido pelos pares, e Arlindo Chinaglia, presidente da sessão que pretende votar a "reforma", estariam automaticamente reeleitos, sem sair de casa. Na atribulada história do Parlamento brasileiro, jamais houve caso tão escancarado de prorrogação de mandatos.

Admita-se que o cidadão é um petista de carteirinha e tem fé nos comissários. Ele acha isso natural porque pretende fortalecer a estrela vermelha. Aí entra o aspecto cínico da "reforma". Ela cria "federações de partidos". Nesse caso, o petista vota no 13, mas poderá eleger um candidato do PC do B, caso ele se tenha coligado com o PT.
Mesmo assim, pode-se sustentar que a nação petista decidiu formar uma federação com o PC do B, e isso faz bem à democracia. Falso. O projeto admite que os partidos façam um varejo de coligações, em todos os níveis. Nada impede que o PT, ou o PMDB, faça uma sociedade com o PC do B em São Paulo, enquanto em Alagoas ele se alia ao PTB de Fernando Collor.

Seria o caso de se propor uma emenda ao projeto. A patuléia passa a pagar só os salários dos parlamentares em quem pode votar (a metade). Os demais iriam buscar o seu com os comissários.

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12 de janeiro de 2007

A famosa reforma política


[Salão Verde. Congresso Nacional. Athos Bulcão]

Adriano Codato
Gazeta do Povo, Curitiba - PR, p. 12, 20 jan. 2007.


O debate político no Brasil não é pobre. É esquizofrênico. O humor dos especialistas (e do público bem informado) varia entre o que poderíamos chamar de hipercomportamentalismo e hiperinstitucionalismo. O primeiro time garante que todos os problemas da política nacional – populismo, elitismo, excesso de estado, falta de Estado – decorrem dos vícios da “classe política”. Depurada essa, através de um grande movimento moralizador, a corrupção poderia ser mais controlada e controlável. O segundo time vê as dificuldades políticas – governabilidade, representatividade, proporcionalidade, ou a ausência delas – como um problema de desenho institucional. Mudadas as regras do jogo, através de uma reforma da legislação partidária e eleitoral, teríamos não só uma “legislação de primeiro mundo”, mas uma política de primeiro mundo: partidos ideológicos, governos programáticos, legislativo eficiente.

Supondo que o interesse geral e comum de todos nós seja uma elevação do padrão ético dos políticos, uma reforma política, imagina-se, seria suficiente para garantir isso. Os movimentos pela “ética na política” têm um componente ilusório muito forte. Acreditam que o aperfeiçoamento da representação política (seus mecanismos e seus objetivos) está ligado apenas à melhoria da elite política e que esse aprimoramento pode ser conseguido trocando-se os políticos. Para substituir a classe política nativa por outra, só uma “reforma política”, seja lá o que isso signifique.

Do outro lado, o diagnóstico é diferente, mas a terapia é idêntica. A questão central aqui não é a moralidade, mas, para os mais conservadores, a governabilidade, e para os mais progressistas, a representatividade. Boas leis devem prometer boas instituições políticas e boas instituições, bons comportamentos. Reforme-se então o direito eleitoral. Essa posição possui dois defeitos, um lógico, outro histórico. O primeiro decorre de certo tipo de raciocínio que em lógica informal chamamos de falácia post hoc. Traduzindo: “depois disso, logo, por causa disso”. Postula-se (sem que se comprove) uma relação causal entre o sistema eleitoral e a qualidade da representação política; ou entre o número de partidos e a governabilidade. Ora, não é porque a variável A possui alguma relação, forte ou fraca, com a variável B que A é, necessariamente, a causa de B. O segundo defeito é mais trivial. É suficiente lembrar que o Brasil já teve 11 legislações eleitorais, isso sem contar as mudanças tópicas. A cada eleição. Daí que o problema não deva ser (somente) esse.

O tema da reforma política, isto é, sua necessidade, urgência e finalidade sempre ganha destaque quando se descobrem casos de corrupção no Legislativo e/ou no Executivo. Entretanto, na conjuntura atual a reforma não é só irrealizável; é irrelevante. Qualquer modificação em qualquer aspecto da legislação eleitoral e partidária afeta interesses. E os interessados se mobilizam ou para barrar a alteração proposta ou para neutralizar seus efeitos. Foi o caso do fim da cláusula de barreira, que, aliás, não acabou com a fragmentação partidária, seu objetivo inicial. Este é um exemplo não da dificuldade momentânea da realização da reforma política, mas da sua inviabilidade.

Em linhas gerais, a reforma pode ser dividida em duas frentes: a primeira é a reforma do sistema eleitoral, isto é, a alteração das regras que regulam como os cidadãos votam; a segunda, a reforma do sistema partidário, ou seja, a modificação das normas que estabelecem certos critérios para o funcionamento político e parlamentar dos partidos. Para cada uma dessas frentes propõem-se uma série de mudanças, tanto mudanças superficiais quanto profundas. Vou dar quatro exemplos. Uma reforma superficial no sistema eleitoral seria a introdução do financiamento público das campanhas eleitorais; uma mudança profunda seria a introdução do sistema de listas partidárias fechadas e preordenadas (pelos partidos políticos) nas eleições proporcionais (para deputados e vereadores). Hoje vigora o sistema de lista aberta e voto uninominal. Vota-se no candidato, em qualquer candidato, e não na lista de candidatos que o partido escolheu previamente e apresenta aos eleitores. Uma reforma superficial no sistema partidário seria a instituição da finada cláusula de barreira. Uma reforma profunda seria a obrigação da fidelidade partidária, isto é, o controle das migrações de uma agremiação para outra.

Para cada um dos itens de cada reforma podem-se imaginar as intenções positivas e os resultados negativos, ou simplesmente inócuos. O financiamento público das campanhas eleitorais, isto é, o subsídio da política através do dinheiro dos nossos impostos, deveria, em princípio, igualar as condições da competição pelo poder entre pequenos partidos e grandes partidos (ou entre candidatos ricos e candidatos pobres), acabando com as distorções atuais e o elevadíssimo custo da propaganda política. Entretanto, não se prevê que o financiamento público seja a única fonte do financiamento eleitoral. Além disso, os recursos seriam distribuídos conforme o tamanho das bancadas dos partidos, o que reproduziria a desigualdade existente. E há ainda uma questão de fundo: por que nós deveríamos financiar a carreira dos políticos?

No caso da alteração do sistema eleitoral, a definição da preferência pelos deputados (federais e estaduais) seria substancialmente modificada. O eleitor não mais escolheria um candidato numa lista imensa de nomes, mas votaria na lista elaborada pelo partido político que optasse. A nova fórmula, pretenderia, ao menos teoricamente, fortalecer os partidos como instituições e dar-lhes uma feição ideológica mais clara. No limite, votando na lista do partido estaríamos votando no programa do partido, e não em pessoas. Qual o defeito? Uma redução drástica da liberdade de escolha do eleitor. À medida que os chefes dos partidos controlassem as convenções partidárias, seria razoável imaginar que os oligarcas, no caso dos partidos de direita, os notáveis, no caso dos partidos de centro, ou os burocratas, no caso dos partidos de esquerda determinariam quem ficaria de fora da lista do partido, quem entraria na lista, e em que posição. Conclusão: não haveria institucionalização dos partidos, mas fortalecimento do poder das direções.

Com uma ponta de ironia, o professor Leôncio Martins Rodrigues declarou, logo após as últimas eleições, que “político, quando não tem o que fazer, defende a reforma política”. Essa manobra desvia a atenção pública, em geral para si próprio, e oculta o fato de que as crises políticas ou as disfunções institucionais não resultam das leis. Primeiro porque os problemas de representatividade (isto é, a ausência completa de mecanismos de prestação de contas pelos políticos) não se resolvem com as modificações propostas: voto em lista, redução do tamanho dos distritos eleitorais, vinculação partidária etc. Depois porque não está provado que o país seja ingovernável com a legislação atual. Muito pelo contrário. O que podemos discutir é a qualidade do governo e suas prioridades. Por último porque um sistema político para ajustar-se precisa de tempo. É graças ao funcionamento contínuo das regras de escolha eleitoral que os cidadãos aprendem qual é o valor do seu voto, qual o peso do seu voto e quais são as conseqüências do seu voto.

Referência:
CODATO, Adriano. A famosa reforma política. Gazeta do Povo, Curitiba - PR, p. 12, 20 jan. 2007.
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26 de setembro de 2006

Reforma política: entre comportamentos e instituições

[W. Gropper, Políticos]
Adriano Codato
Espaço Acadêmico, Maringá - PR, v. 55, 05 dez. 2005.


O personalismo é um traço importante da política nacional desde sempre. Seja em função da relevância das “lideranças individuais”, seja em função da descontinuidade do sistema partidário nacional, os eleitores normalmente tendem a identificar-se e emprestar seu apoio político mais a candidatos do que a partidos. Uma forma moderna de personalismo, que vem ocorrendo em vários países da América Latina nas últimas décadas, é o “neopopulismo”. Desde os anos oitenta, no curso do processo de redemocratização de toda a região, constatou-se que as novas lideranças personalistas venceram eleições sem estarem filiadas a nenhum partido com representação nacional. Foi o caso de Fernando Collor no Brasil, Alberto Fujimori no Peru e Hugo Chávez na Venezuela. O caso de Lula é mais complicado justamente porque ele tinha atrás de si um partido de massas. Mas no momento em que a cúpula (os dirigentes) separou-se da base (os militantes); e no momento em que o governo (controlado pela cúpula) separou-se do partido, o “lulismo”, a nova forma de personalismo da política brasileira, surgiu como a forma mais eficiente porque mais popular para a manutenção dessa cúpula no poder.

O personalismo, ou mais exatamente, a função política do personalismo nessa conjuntura, só pôde manter-se graças a duas fontes: pelo clientelismo parlamentar (antes representado pelo atendimento, legítimo, aliás, das emendas ao orçamento; agora diretamente sob a forma de mesada) e pela patronagem, características que derivam justamente de uma “relação direta” (i.e., não mediada pelas instituições) entre representantes-representantes e representantes-representados.

A patronagem envolve tradicionalmente a distribuição de empregos e recursos públicos em troca de apoio político. Em sua forma moderna, esse fenômeno abrange desde serviços e obras, até contratos, concessões, investimentos estatais e a nomeação para cargos em órgãos públicos ou no próprio governo. É, sem dúvida, um instrumento de incentivo que os ocupantes de cargos majoritários (presidente, governadores) têm para induzir ações de lideranças políticas locais. Sob o lulismo, a administração dos “recursos sociais” e sua canalização para os clientes certos reforçaram, como as sondagens de opinião confirmaram, o prestígio pessoal do Presidente.

Tudo isso faz com que, no Brasil, além das barreiras institucionais, os partidos políticos precisem vencer barreiras de ordem social (ou melhor: sociopolíticas) para se fortalecerem como agentes de representação das demandas junto ao sistema estatal.
Se, por um lado, postular que estas variáveis são importantes não é suficiente para contestar o “institucionalismo”, por outro compreender que não só a engenharia institucional resolve os problemas da representação política é um passo adiante que os reformadores de constituições deveriam dar.

Referência:
CODATO, Adriano Nervo. Reforma política: entre comportamentos e instituições. Espaço Acadêmico, Maringá - PR, v. 55, 05 dez. 2005.