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Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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22 de outubro de 2009

O Estado de todas as culpas

[Moças na Janela, 1950.
Salvador, BA. Pierre Verger
Pirelli / MASP]

O Estado de S. Paulo,
6.9.2009

Jessé Souza

O debate público e político brasileiro, há algumas décadas, é travado sob a forma de um suposto conflito entre mercado e Estado. A atual discussão sobre o petróleo do assim chamado pré-sal apenas o confirma. Assim sendo, se quisermos compreender efetivamente o que está em jogo nesse debate conjuntural sobre o que fazer com o dinheiro do petróleo recém-descoberto - assim como compreender os debates conjunturais do passado recente e dos que ainda vão acontecer no futuro próximo - temos que focar nossa capacidade compreensiva na reconstrução da estrutura invisível presente em todas essas situações conjunturais passageiras. O tema do debate muda ao sabor das circunstâncias. Sua "estrutura profunda", no entanto, permanece a mesma. Qual é a estrutura profunda nunca tematizada enquanto tal na mídia? O Estado é sempre suspeito de "politicagem" e de "aparelhamento" por indicações políticas e o mercado é definido como instância "técnica", ou seja, reflexo da "racionalidade pura" e do "cálculo técnico". Um é a esfera do "privilégio inconfessável" e o outro o reflexo da "razão técnica" supostamente no interesse de todos. É isso que explica o foco constante e diário na "corrupção política" como a lembrar ao público onde está o mal e onde está o bem. Como tudo no mundo social, essa é uma realidade "construída", fruto de uma leitura seletiva e interessada do mundo.

Como a recente crise mundial mostrou sobejamente (já nos esquecemos dela?), a corrupção é endêmica tanto no mercado quanto no Estado em qualquer latitude do globo. A mitigação da corrupção em qualquer esfera da vida ocorre quando os mecanismos de controle ganham eficiência. A leitura seletiva do Estado como ineficiente e corrupto e do mercado como pura virtude esconde a ambiguidade constitutiva dessas duas instituições que podem servir ao bem ou ao mal conforme seu uso. Por que a "dramatização" cotidiana mil vezes repetida de justamente essa visão distorcida do mundo? A meu ver porque ela é o núcleo mesmo da violência simbólica - aquele tipo de violência que não "aparece" como violência - que torna possível a manutenção e a reprodução continuada no tempo da sociedade complexa mais desigual e injusta do planeta.

O mundo social não é perceptível a olho nu. Pode-se ver a pobreza e a desigualdade nas ruas e não se perceber suas causas. O brasileiro das ruas aprendeu a vincular as mazelas sociais do Brasil à corrupção política. A tese do Estado corrupto - ou a tese do "patrimonialismo" na sua versão erudita igualmente conservadora e frágil - mata dois coelhos com uma mesma cajadada. Como o conflito que ela cria é falso de fio a pavio - na realidade, mercado e Estado são interdependentes e igualmente ambivalentes -, ela ajuda a fabricar uma realidade que permite esconder todos os conflitos sociais reais. Pior ainda. Como uma falsa oposição é dramatizada como "conflito", tem-se a impressão de que existe efetivo debate crítico entre nós, de que temos uma esfera pública atuante, uma mídia atenta e crítica e um país politicamente avançado, quando a realidade é, ponto por ponto, precisamente o inverso.

A dramatização do Estado ineficiente e corrupto serve como fachada para "representar" a política sob a forma simplista, subjetivada e maniqueísta das novelas, enquanto se cala e se esconde acerca das bases de poder real na sociedade. Toda a aparência é de "crítica social", enquanto toda ação efetiva é a da conservação dos privilégios reais. Assim, fala-se do combate aos "coronéis" e às "oligarquias" - sempre caricatamente nordestinas como o bigode de Sarney - enquanto escondem-se as reais novas oligarquias responsáveis por abocanhar quase 70% do PIB sob a forma de lucro ou juros reduzindo os salários a pouco mais de 30%. Nos países europeus social-democratas essa proporção é inversa. As falsas oposições escondem oposições reais. O falso "charminho crítico" da dramatização do Estado ineficiente e corrupto serve para esconder e desviar a atenção para a luta de classes que cinde o país entre privilegiados que possuem um exército de pessoas para servi-los a baixo preço e dezenas de milhões de excluídos sem nenhuma chance nem esperança de mudança de vida.

Para todo um exército de analistas que se concentram no "teatro" da política - com suas fofocas e escaramuças diárias entre senadores e deputados com poder decisório entre o nada e o muito pouco - falar-se em "luta de classes" é um tabu. Luta de classes é coisa do passado, tem a ver com greves de trabalhadores e sindicatos que estão desaparecendo ou perdendo importância. Essa é a cegueira da política como "espetáculo" pseudocrítico para um público acostumado à informação sem reflexão. A luta de classes só é percebida nas raras vezes em que as classes oprimidas logram alguma forma de reação pública eficaz. Condenam-se ao esquecimento todas as formas naturalizadas e cotidianas do uso e abuso do trabalho barato e não valorizado. Um pequeno exemplo. O exército de babás, empregadas, faxineiras, porteiros, office-boys, motoboys, que permitem que a classe média brasileira possa dedicar seu tempo a trabalhos valorizados e bem pagos relegando o trabalho pesado e mal pago a outra classe de seres humanos que tiveram o azar de nascer na família (e na classe social) errada. Isso não é "luta de classes"? Apenas porque não há piquetes, polícia e sangue nas ruas? Apenas porque essa dominação é silenciosa e aceita, dentre outras coisas porque também eles, os humilhados e ofendidos, ouvem todo dia que o nosso único mal é a corrupção no Senado ou em algum órgão estatal?

E para as classes média e alta? Não é um verdadeiro presente dos deuses ter privilégios que nem seus consortes europeus ou norte-americanos possuem e ainda poder ter a consciência tranquila de quem sabe que o mal do Brasil está em "outro" lugar, lá bem longe em Brasília, um "outro" abstrato, mau por definição, em relação ao qual podemos nos sentir a "virtude" por excelência? Não se fecha com isso um círculo de ferro onde necessidades sociais e existenciais podem ser manipuladas por uma política e uma mídia conservadora e seu público ávido por autolegitimação e por consciência tranquila?

Para Max Weber - pensador crítico mal lido entre nós como inspiração para a tese do patrimonialismo - os ricos, saudáveis e charmosos, em todas as épocas e em todos os lugares, não querem apenas ser ricos, saudáveis e charmosos. Eles querem saber que têm "direito" a serem ricos, saudáveis e charmosos em oposição aos pobres, doentes e feios. É essa necessidade o verdadeiro fundamento e razão do sucesso da tese da suspeição do Estado entre nós. Ela serve como uma luva para não perceber e naturalizar um cotidiano injusto e ainda transferir qualquer responsabilidade para uma entidade abstrata e longínqua, garantindo boa consciência e aparência de envolvimento crítico na política.

A cortina de fumaça do falso debate acerca da demonização do Estado serve para deslocar a única e verdadeira questão do Brasil moderno: uma desigualdade abissal que separa gente com todos os privilégios, de um lado, de subgente sem nenhuma chance real de uma vida digna desse nome, de outro lado. O culpado desse crime coletivo não é apenas o bigode de Sarney. É toda uma sociedade infantilizada por falsos debates e por falsas prioridades e que ainda se pensa - suprema autoindulgência - como crítica e atuante. Esse projeto político não é de partidos, até porque o consenso conservador atinge todos indistintamente. As tímidas iniciativas de política social do atual governo, por exemplo, são mero paliativo da efetiva redenção dos secularmente humilhados e ofendidos. O que fazer com os recursos do pré-sal poderia e deveria ser o estopim para um novo debate brasileiro, corajoso, maduro e generoso, por oposição ao debate covarde, infantil e mesquinho que temos hoje.

Jessé de Souza Possui graduação em Direito pela Universidade de Brasília (1981), mestrado em Sociologia pela Universidade de Brasília (1986), doutorado em Sociologia pela Karl Ruprecht Universität Heidelberg, Alemanha (1991) e livre docência em sociologia pela Universität Flensburg, Alemanha (2006). Realizou estágios pós-doutorais na New School for Social research de Nova Iorque, EUA (1994-1995) e, como Professor visitante, na Universität Bremen, Alemanha (1999-2000).
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18 de março de 2009

O Estado no Estado Novo

[Brazil's Pres. Getulio Vargas,
1939. John Phillips. Life]


Adriano Codato

O Estado do Estado Novo era uma instituição politicamente forte, burocraticamente centralizada e, em termos organizacionais, independente.

“Forte” em função da sua capacidade de intervenção na vida social – pela via policial e pela via ideológica – e do seu poder de regulamentação da vida econômica.

“Centralizada” em função da concentração das decisões político-administrativas no Executivo federal.

E “independente” em função da sua distância diante não só da sociedade, mas dos interesses tradicionais da sociedade tradicional.

Se essa força decorre da ampliação dos recursos organizativos à disposição dos agentes estatais, sobretudo o monopólio do uso da força física e simbólica e da centralização autoritária de funções e papéis no governo central, sua independência permite que esse Estado forte passe a agir não mais em nome (nem mais a mando) dos interesses agroexportadores, mas cada vez mais em nome (ainda que não a mando) dos interesses urbano-industriais. Essa é de resto a precondição para a mudança do modelo de acumulação.


Todavia, não se deve entender as transformações históricas do aparelho do Estado brasileiro – no caso, a redefinição de suas prerrogativas, a ampliação de seus encargos, o desenvolvimento de sua estrutura antes e depois de 1937 – tão-somente em função do processo de industrialização da economia e modernização da sociedade, desprezando-se com isso seja o jogo político intra-elites, que não desaparece, apenas será jogado em outro lugar e sob novas regras (isto é, conforme uma nova configuração institucional); seja o marco institucional que regulará essas disputas, e que não está sequer previsto na Carta Constitucional do Estado Novo, sendo preciso inventá-lo.
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10 de fevereiro de 2009

"quem vence?" classes sociais e processo decisório

[William Gropper.
Executives]

Adriano Codato

É sempre possível, e freqüentemente desejável, estabelecer conexões explicativas entre os políticos profissionais e suas organizações partidárias com as bases sociais e com os interesses econômicos que eles exprimem (quando exprimem...), ainda que essa operação não seja nada trivial.

Sérgio Miceli, que procurou atar a análise da origem social e da carreira política/burocrática dos políticos do PSD e da UDN em São Paulo nos anos 1940 às forças sociais e às forças políticas da sociedade paulista, encontrou dois padrões bem distintos entre os grupos dirigentes estaduais.

Conforme a agremiação política, eles podiam ligar-se alternativamente aos setores econômicos voltados para o mercado interno ou externo; podiam ligar-se aos setores empresariais industriais, comerciais ou bancários; podiam estar vinculados às camadas médias; ou mesmo aos setores oriundos da burocracia do Estado (1).

Contudo, o que suas conclusões destacam (ou revelam) é antes uma relação de pertencimento de classe, e não uma relação de representação, quer por delegação, quer por autodelegação.

Problema semelhante a esse das ligações entre representação política e interesse social é aquele que a mera ordenação das informações dos processos decisórios induz.

Quando se estabelece uma seqüência significativa entre a articulação de interesses (na sociedade), a formulação de reivindicações (nas organizações políticas), o processamento de iniciativas (em uma instância burocrática qualquer) e a tomada de decisão (numa arena política) no âmbito de uma política qualquer (econômica, financeira etc.), acredita-se que se pode provar que numa relação hipotética entre "A" e "B"

(i) "A" tem poder sobre "B", porque é efetivamente "A" quem afinal decide (como, por exemplo, no modelo de R. Dahl) (2),

ou

(ii) "B" domina "A" porque "A" enfim sempre decide em nome de "B", a favor de "B", a mando de "B" etc., ainda que isso só seja verificável “em termos gerais”, “a longo prazo” etc. (como na formulação dos marxistas: e.g., N. Poulantzas) (3).

G. W. Domhoff propôs, há um bom tempo, uma solução de compromisso entre esses dois métodos, que dizem respeito a
quem governa e a quem se beneficia das políticas do governo, acrescentando a essas questões mais uma pergunta: quem vence?

“Quem vence” implica saber quem, em situações de confronto sobre o conteúdo ou a direção de uma
dada política, pode efetivamente iniciar, modificar ou vetar uma decisão (4).

Veja o site do professor Domhoff, da Universidade da California, aqui.

Notas:

1. Ver Sergio Miceli, Carne e osso da elite política brasileira pós-1930. In: Fausto, Boris (org.), História geral da civilização brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 3º. vol. Sociedade e Política (1930-1964). 5ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991, p. 557-597.

2. Cf. Robert
Dahl, Who Governs? Democracy and Power in an American City. New Haven, Yale University Press, 1961

3. Cf. Nicos Poulantzas, The Problem of the Capitalist State. New Left Review, n. 58, p. 67-78, Nov.-Dec. 1969.

4. Veja G. William Domhoff, Who Rules America Now? New York: Touchstone, 1983, p. 12-13.
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19 de novembro de 2008

Poulantzas, o Estado e a Revolução

[Mark Rothko, 
Red and Orange]

Adriano Codato

Crítica Marxista (São Paulo), v. 27, p. 65-85, 2008.

[compre aqui este número]
[leia o texto integral aqui]

Este artigo apresenta uma periodização possível – mas não consensual – da obra de Nicos Poulantzas entre 1968 e 1978 (os anos da edição de Poder político e classes sociais e O Estado, o poder, o socialismo) tendo como ponto de referência o conceito de “Estado capitalista”.
Estabeleço três princípios de leitura dos seus textos: o contexto intelectual a partir do qual foram escritos, a problemática teórica em função da qual foram pensados e a estratégia política que se poderia derivar deles. Dois temas servem para ilustrar essa discussão: a função do Estado capitalista e a destruição do Estado capitalista.

Antes de expor e explicar a periodização que divide suas idéias em três fases (“Poulantzas 1, 2 e 3”, para simplificar), recordo sua vizinhança com e sua ascendência sobre a teoria do Estado. A produção teórica de Poulantzas e a renovação terminológica que ela produziu só são compreensíveis, todavia, quando se tem presente suas divergências com a Ciência Política e com a Sociologia não-marxista. O fundamental aí é o modo como ele vê e a maneira como ele se diferencia dos problemas tradicionais e dos protocolos convencionais da corrente anglo-saxã, principalmente. A partir de relação, ou mais propriamente, da não relação dessa filosofia com a ciência social não marxista, e com base naqueles três critérios de interpretação (a política, a teoria e as lutas políticas no domínio da teoria), apresento as noções sucessivas de Estado capitalista como estrutura, como aparelho e como relação.

As diferenças entre uma noção e outra e a passagem de uma para outra podem ser explicadas em razão de dois determinantes: a heteronomia dessa teoria política em relação às lutas teóricas e às dissensões políticas no campo político; e a autonomia dessa teoria em relação à Sociologia e à Ciência Política como práticas científicas “puras”. Esse jogo duplo é tão ou mais necessário quanto menos se pode prescindir, nesse momento de (re)fundação da doutrina marxista do Estado, dos dividendos decorrentes de dois princípios de consagração: a autoridade universitária, disputada contra a ciência social “burguesa” pela imposição da teoria marxista da política como a teoria legítima da política; e a autoridade política, transmitida pelo partido teórico e/ou pelo projeto social no qual se está implicado.

Para seguir os sucessivos desvios, desenvolvimentos e arrombamentos do autor no campo da teoria do Estado dividi esse ensaio, que é uma espécie de indexação temática de seus escritos, em três partes.

Na primeira, menciono o contexto intelectual com o qual e contra o qual seus livros, em especial o primeiro, merecem ser lidos. Como Perry Anderson argumentou, o “marxismo ocidental” manteve-se, até o final dos anos sessenta, pelo menos, indiferente às questões clássicas que mobilizaram o materialismo histórico: o “exame das leis econômicas da evolução do capitalismo como modo de produção, a análise da máquina política do Estado burguês [e da] estratégia da luta de classes necessária para derrubar” esse Estado . Poulantzas foi uma honrosa exceção e seus ensaios podem ser lidos como uma via que contribuiu para reencontrar a disposição original dos fundadores.

Na segunda parte, apresento e justifico a pertinência dos três indicadores de leitura – o intelectual, o conceitual e o político – a fim de apurar as respostas de Poulantzas a dois problemas atinentes ao conceito de Estado capitalista: o problema da função do Estado, tópico ligado à questão da reprodução do capitalismo; e o problema da demolição do Estado, tema ligado, por sua vez, à questão da transição ao socialismo. Bob Jessop alega que “As concepções de Poulantzas a respeito da estratégia política” de transformação social “mudaram pari passu com as mudanças nas suas concepções sobre a natureza do Estado capitalista” . Na realidade, pode-se pensar que o inverso seja tão ou mais verdadeiro.

Na terceira parte, comento a primeira teorização de Poulantzas (“Poulantzas 1”) e seu projeto de construir uma teoria geral do nível político no modo de produção capitalista – ou, mais especificamente, produzir o conceito de Estado relativo a esse modo de produção. Ainda que essa formulação não postule nem imponha um programa de transição ao socialismo, traz implícita um modelo “leninista” de derrubada do Estado capitalista. Em seguida, resumo a idéia do Estado como um feixe de aparelhos (“Poulantzas 2”) elaborada a partir da análise de dois tipos de “regimes de exceção”: o fascismo e a ditadura militar. No final, procuro destrinçar a última formulação poulantziana (“Poulantzas 3”) e suas conseqüências políticas. O Estado passa a ser pensado tal qual o capital, não como um objeto que se possui e se dispõe, ou como um sujeito com vontade própria, situado acima ou ao lado das classes, mas como uma relação social, fórmula aparentemente enigmática, mas plenamente compreensível quando se tem presente a trajetória ideológica do autor, suas reorientações filosóficas no âmbito do marxismo e as sucessivas conversões políticas em direção ao “eurocomunismo de esquerda” .

I. ESTADO E TEORIA DO ESTADO

As questões relativas ao poder e ao Estado foram reintroduzidas na tradição marxista por dois trabalhos bastante desiguais, na forma e no conteúdo: Pouvoir politique et classes sociales, de Nicos Poulantzas (publicado em Paris em 1968) e The State in Capitalist Society, de Ralph Miliband (publicado em Londres em 1969). Durante os setenta o tema recebeu um impulso considerável a partir da polêmica entre os autores nas páginas do periódico radical inglês New Left Review a propósito de três tópicos: como haver-se com o legado teórico de Marx; como proceder no trabalho intelectual nas ciências sociais; e como compreender, tanto de um ponto de vista conceitual como de um ponto de vista empírico, a relação entre o Estado capitalista, as classes dominantes e a burocracia (ou a elite) estatal.

São também desse período, além do influente livro de Jürgen Habermas, A crise de legitimação do capitalismo tardio (1973), a série de artigos de Claus Offe sobre a afinidade entre o Estado capitalista e as questões da acumulação e legitimação que apareceram regularmente a partir de 1972 em uma série de periódicos acadêmicos (International Journal of Sociology, Politics and Society, Kapitalistate etc.). O trabalho de Habermas foi publicado quase simultaneamente aos debates da Escola Lógica do Capital conduzidos por Wolfgang Müller, Christel Neusüss, Elmar Altvater e Joachim Hirsch na Alemanha. Os temas e as teses dos derivacionistas foram retomados e contestados, nos Estados Unidos, por James O’Connor (em A crise fiscal do Estado). Ao mesmo tempo na França, à parte os escritos de Poulantzas, o estímulo para reconsiderar a problemática tradicional do marxismo – em duas palavras: o Estado e a economia – viria primeiro dos estudos filiados ao PCF sobre o Capitalismo Monopolista de Estado (de Paul Boccara e outros) e, logo em seguida, da proposição da Teoria da Regulação por Michel Aglietta, Alain Lipietz, Robert Boyer e Bruno Théret.

Assumindo o marxismo de Marx e disputando sua decodificação, ora através da sua Economia (basicamente O Capital), ora por meio de sua Política (os escritos históricos e os textos de polêmica ideológica), todos retornaram ao catálogo consagrado das obras clássicas com a disposição tanto para extrair uma teoria específica do Estado capitalista (Miliband), quanto para elaborar uma teoria geral do nível jurídico-político (Poulantzas), ou mesmo para reconstruir o materialismo histórico (Habermas). Com graus de sofisticação variados, essa literatura propôs uma fileira de conceitos para compreender e explicar as novas afinidades entre o Estado e as relações de produção (i.e., a estrutura social) e o Estado e as formas de acumulação (i.e., a economia capitalista). Foi o caso das locuções bloco no poder (Poulantzas), elite estatal (Miliband), seletividade estrutural (Offe), tecnologia organizativa (Therborn), capitalismo estatal (E. Olin Wright), regime de acumulação (Lipietz), forma Estado (Hirsch).

Um dos assuntos mais importantes e que constituiu ora o ponto de partida, ora o ponto de chegada de muitas dessas proposições foi a questão da “autonomia relativa” do Estado, expressão fabricada por Nicos Poulantzas para pensar três problemas diferentes: a relação concreta entre o pessoal do Estado (a burocracia) e as classes e frações dominantes; a relação peculiar, ou a separação característica, entre o Estado (ou o político) e as relações de produção (o econômico) no modo de produção capitalista; e, em termos mais abstratos, a especificidade “do político” (isto é, a superestrutura jurídico-política do todo social, instância que compreende o Estado) como um objeto real e como um objeto de conhecimento de direito próprio . A teoria marxista do Estado capitalista pautou-se em grande parte exatamente por essas questões.
[trecho do artigo]

[leia aqui o texto integral]

Crítica Marxista é publicada pela editora da Unesp
http://www.editoraunesp.com.br/


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outros posts sobre N. Poulantzas:
  • o gênero teórico do discurso teórico [aqui]
  • elitismo versus marxismo? por uma agenda empírica de pesquisa [aqui]
  • quem vence? classes sociais e processo decisório [aqui]
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elitismo versus marxismo? por uma agenda empírica de pesquisa


Renato M. Perissinotto e Adriano Codato
32º Encontro Anual da ANPOCS, 2008, Caxambu - MG.

[clique no aqui para baixar o paper]


Nicos Poulantzas atacou o despropósito teórico e político que consistia em trazer para o interior do marxismo a problemática das elites políticas. Os termos dessa recusa eram os seguintes: (i) o funcionamento do Estado capitalista deve ser explicado a partir dos vínculos objetivos existentes entre essa instituição e a estrutura social; (ii) logo, aqueles que controlam os principais postos do aparelho estatal, independentemente de sua origem social, crenças e motivações, estão destinados a reproduzir a função objetiva do Estado, que consiste em manter a coesão de uma formação social; (iii) conclui-se, daí, que a questão central para o pesquisador de orientação marxista deve ser que relações sociais o Estado reproduz? e não quem decide? . Ainda assim, sustenta-se, a natureza da elite política pode ser um fator explicativo importante numa Ciência Social empiricamente orientada.
[foto: Congresso Nacional, Brasília]

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  • quem vence? classes sociais e processo decisório [aqui]

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7 de janeiro de 2007

Paradigm Lost: state theory reconsidered By Peter Bratsis, Stanley Aronowitz (eds.)



Pelo projeto Google Book Search agora é possível ter acesso ao conteúdo do livro.
Veja o chap. 2:

CODATO, Adriano ; PERISSINOTTO, Renato Monseff . The State and Contemporary Political Theory: Lessons from Marx. In: Stanley Aronowitz; Peter Bratsis (eds.). Paradigm Lost: State Theory Reconsidered. 1 ed. Minneapolis (MN - EUA): University of Minnesota Press, 2002, v. 1, p. 53-72.