artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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30 de novembro de 2010

o modo teórico de produção teórica

[Rothko] 

Nesta comunicação, formulo um argumento sobre as razões explícitas e sobre as razões implícitas da proverbial complicação dos escritos de Poulantzas, insistindo, e esse é o problema central que desejo destacar, sobre a influência que os procedimentos e os pressupostos da filosofia impõem à prática teórica dos marxistas no âmbito das ciências sociais.

O ponto aqui é antes sugerir que demonstrar que a forma de redação dos textos de Poulantzas é menos uma questão do “estilo” do autor (o vocabulário incomum, a fraseologia arrevesada, a falta de clareza de certos conceitos e a desorganização dos argumentos); ou mesmo uma questão do “nível” do discurso (um discurso necessariamente abstrato para tratar de problemas abstratos); e sim uma questão do “tipo” de “ciência social” defendida e praticada pelo estrutural-funcionalismo francês como um todo (Althusser, Balibar, Badiou, etc.).

A hipótese é que a prosa filosofante característica desse gênero de marxismo encurrala e encerra o discurso e a prática sociológica em três mundos, que os dirigem e passam a defini-los: i) a política, ii) a teoria e iii) as lutas políticas no domínio exclusivo da teoria. Invertendo a formulação de Althusser (“a filosofia é luta de classes na teoria”), creio que se deveria dizer que essa teoria é, antes de qualquer coisa, um produto da luta teórica no domínio da filosofia (marxista).

Meu argumento central é o seguinte: esse gênero de “ciência social” que Poulantzas exemplifica tira proveito da fusão do discurso político com o discurso científico sob a proteção e a garantia do discurso filosófico. Essa é a razão do alegado teoricismo de Nicos Poulantzas, cujo efeito (e não a causa) é um dialeto abstrato. A causa fundamental dessa forma de conceber o trabalho teórico e a prática científica está, antes de qualquer coisa, na recusa dos procedimentos convencionais da ciência convencional. 

para ler a versão
completa, clique aqui [pdf]
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25 de agosto de 2009

Marxismo e elitismo: dois modelos antagônicos de análise social?


[Auto worker. US, 1938.
William Vandivert. Life]

artigo a ser publicado na
Revista Brasileira de Ciências Sociais
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Adriano Codato
Renato Perissinotto


Resumo
O artigo contrapõe-se às proposições sobre poder, classe e dominação política de classe elaboradas por uma vertente particular do marxismo - o marxismo estruturalista -, por meio de um diálogo crítico com um de seus autores paradigmáticos: Nicos Poulantzas. O artigo defende que, ao contrário do que sugere Poulantzas, a introdução do conceito de “elite” no interior do marxismo teórico pode ser produtivo para o desenvolvimento dessa perspectiva de análise social, tornando a abordagem classista da política operacionalizável cientificamente.

Palavras-chave: marxismo; teoria das elites; teoria social; Nicos Poulantzas; análise de classe.

Abstract
The purpose of this article is to contrapose the propositions on power, class and political domination presented by a particular interpretation of Marxism - structuralist Marxism - through a critical dialogue with one of its most paradigmatic authors: Nicos Poulantzas. The article states, against Poulantzas suggestions, that the insertion of the concept of “élite” in theoretical Marxism may produce positive effects on it, specially making the classist analysis of politics scientifically manageable.

Key words: Marxism; Élite theory; Social theory; Nicos Poulantzas; Class analysis.


para ler o texto completo clique aqui. [em breve]
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10 de fevereiro de 2009

"quem vence?" classes sociais e processo decisório

[William Gropper.
Executives]

Adriano Codato

É sempre possível, e freqüentemente desejável, estabelecer conexões explicativas entre os políticos profissionais e suas organizações partidárias com as bases sociais e com os interesses econômicos que eles exprimem (quando exprimem...), ainda que essa operação não seja nada trivial.

Sérgio Miceli, que procurou atar a análise da origem social e da carreira política/burocrática dos políticos do PSD e da UDN em São Paulo nos anos 1940 às forças sociais e às forças políticas da sociedade paulista, encontrou dois padrões bem distintos entre os grupos dirigentes estaduais.

Conforme a agremiação política, eles podiam ligar-se alternativamente aos setores econômicos voltados para o mercado interno ou externo; podiam ligar-se aos setores empresariais industriais, comerciais ou bancários; podiam estar vinculados às camadas médias; ou mesmo aos setores oriundos da burocracia do Estado (1).

Contudo, o que suas conclusões destacam (ou revelam) é antes uma relação de pertencimento de classe, e não uma relação de representação, quer por delegação, quer por autodelegação.

Problema semelhante a esse das ligações entre representação política e interesse social é aquele que a mera ordenação das informações dos processos decisórios induz.

Quando se estabelece uma seqüência significativa entre a articulação de interesses (na sociedade), a formulação de reivindicações (nas organizações políticas), o processamento de iniciativas (em uma instância burocrática qualquer) e a tomada de decisão (numa arena política) no âmbito de uma política qualquer (econômica, financeira etc.), acredita-se que se pode provar que numa relação hipotética entre "A" e "B"

(i) "A" tem poder sobre "B", porque é efetivamente "A" quem afinal decide (como, por exemplo, no modelo de R. Dahl) (2),

ou

(ii) "B" domina "A" porque "A" enfim sempre decide em nome de "B", a favor de "B", a mando de "B" etc., ainda que isso só seja verificável “em termos gerais”, “a longo prazo” etc. (como na formulação dos marxistas: e.g., N. Poulantzas) (3).

G. W. Domhoff propôs, há um bom tempo, uma solução de compromisso entre esses dois métodos, que dizem respeito a
quem governa e a quem se beneficia das políticas do governo, acrescentando a essas questões mais uma pergunta: quem vence?

“Quem vence” implica saber quem, em situações de confronto sobre o conteúdo ou a direção de uma
dada política, pode efetivamente iniciar, modificar ou vetar uma decisão (4).

Veja o site do professor Domhoff, da Universidade da California, aqui.

Notas:

1. Ver Sergio Miceli, Carne e osso da elite política brasileira pós-1930. In: Fausto, Boris (org.), História geral da civilização brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 3º. vol. Sociedade e Política (1930-1964). 5ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991, p. 557-597.

2. Cf. Robert
Dahl, Who Governs? Democracy and Power in an American City. New Haven, Yale University Press, 1961

3. Cf. Nicos Poulantzas, The Problem of the Capitalist State. New Left Review, n. 58, p. 67-78, Nov.-Dec. 1969.

4. Veja G. William Domhoff, Who Rules America Now? New York: Touchstone, 1983, p. 12-13.
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1 de fevereiro de 2009

o gênero teórico do discurso teórico: sobre o “teoricismo” de Nicos Poulantzas


[Mark Rothko]

Adriano Codato

Quando Nicos Poulantzas desapareceu em 1979, aos 43 anos, contava já com uma obra importante e impressionante.

No intervalo de apenas uma década, havia publicado cinco livros de teoria política[1] e protagonizara, com Ralph Miliband, o célebre debate sobre como afinal compreender o espólio de Marx/Engels e como explicar, a partir daí, a política capitalista contemporânea. Convidado, passara a dirigir uma coleção de estudos empíricos de Sociologia Política (“Politiques”) para a prestigiada Presses Universitaires de France, cujo primeiro volume seria La crise de l’État, saído em 1976[2]. Em meio a isso tudo, não só tinha estabelecido uma bateria de noções teóricas que mudaram e comandaram por um bom tempo a terminologia e a teoria marxista (bloco no poder, hegemonia de fração, classe detentora, classe reinante, forma de Estado, forma de regime, efeitos pertinentes, burocratismo burguês etc.), mas contribuíram mesmo para (re)construí-la em bases inéditas. Jessop julga, possivelmente com razão, que Poulantzas foi “o mais importante teórico político marxista do pós-guerra”[3].

Três exemplos são suficientes para medir sua capacidade de invenção: a idéia de ‘cena política’ (por oposição a mundo político, meio político etc. e o acesso imediato ao sentido das ações dos políticos profissionais que essas locuções tendem a sugerir); a idéia de ‘periodização política’ (contra a disposição e a classificação dos acontecimentos políticos numa mera cronologia); e a idéia de ‘autonomia relativa do Estado’ (um traço constitutivo de todas as formas de Estado capitalista e não apenas dos “regimes fortes”).

Tendo em vista a fraqueza da Ciência Política francesa até então (comparada com a História da Filosofia ou com a História Social), e a dependência estrita que a carreira mantinha com os estudos de Direito Público, não deixa de ser notável a ponderação de Jean Leca: mesmo importando mais que exportando, um dos temas que mais poderia contar a favor dos politólogos franceses nesse comércio internacional de idéias era “sobretudo a teoria do Estado”; aí “os trabalhos de Nicos Poulantzas exerceram uma influência suficientemente forte sobre os departamentos de Ciência Política anglo-saxões a ponto de dar origem a eruditas refutações”[4].

Com efeito, o vocabulário poulantziano tornou-se um trunfo graúdo no torneio acadêmico contra a Ciência Política não-marxista (ou “burguesa”), já que fabricava e fornecia noções, elementos teóricos e conceitos aplicáveis na análise concreta, uma reivindicação e uma reprovação antiga daquela última. Buscava-se com esse glossário, e com os pressupostos teóricos e filosóficos que o afiançavam, certos objetivos bem precisos e que casavam com a determinação de abrir para o marxismo teórico um caminho exclusivo na ciência social dominante e instalá-lo na primeira posição.

Esse propósito envolvia superar o velho institucionalismo jurídico e sua hegemonia inconteste sobre a Ciência Política francesa, introduzindo em seu lugar o que Poulantzas chamou de uma “Sociologia Política de esquerda”. Compreendia também uma série de outros desafios: denunciar o primarismo das escolas anglo-saxãs e “a indigência prodigiosa dos resultados das pesquisas concretas dessa ‘Ciência’ Política”[5]; confrontar o pluralismo de R. Dahl e de R. Aron e a negação da idéia de que as classes sociais, não os grupos de interesse, influenciavam as decisões políticas; discutir o funcionalismo embutido na noção de “cultura política” com a qual G. Almond e S. Verba trabalhavam para pensar a legitimidade (ou a “aceitação”) das estruturas políticas capitalistas; contestar a análise sistêmica de David Easton, que havia condenado e depois banido o conceito de Estado, substituindo-o pelo de “sistema político”, mais real e mais operacional; e retificar o elitismo de Wright Mills, que havia importado para o pensamento crítico, por contrabando, a noção ideológica de “elite”[6].

Por outro lado, a terminologia poulantziana tornou-se um impedimento considerável e quase incontornável aos não iniciados na filosofia althusseriana, na psicanálise lacaniana (que inspirava o modo de “ouvir” de novo os textos de Engels e Marx) e na antropologia de Lévi-Strauss (fosse para averiguar a proximidade, fosse para conferir a distância em relação ao “estruturalismo”).

Não menos importante, o entendimento completo do autor exigia do leitor uma razoável familiaridade com debates políticos nem sempre muito explícitos no interior do Partido Comunista Francês e do movimento comunista internacional. Mal comparando, ler Nicos Poulantzas pela primeira vez era muito parecido com ler Talcott Parsons pela primeira vez. O sentido dessa aproximação está justificado pelo tipo de reserva que seus livros suscitaram. W. G. Runciman, ao comentar a tradução inglesa de As classes sociais no capitalismo de hoje recordou e sintetizou a recepção chavão: “Mr. Poulantzas escreve conforme a tradição continental, onde a generalidade da abstração é muitíssimo mais estimada que a clareza de expressão”[7].

Essa tirada, espirituosa, toca em dois problemas reais – o gênero do discurso e o nível do discurso – mas comete dois deslizes.

Primeiro, mistura a (má) qualidade da prosa com o plano (teórico) do trabalho. O próprio Poulantzas nunca negou que mesmo suas “análises concretas” estavam voltadas principalmente para a elaboração de conceitos[8]. O segundo deslize, e esse é meu argumento, esse tipo de crítica erra o alvo. Há uma questão mais importante aqui e que deriva do tipo de discurso adotado.

Para além dos problemas estilísticos (períodos muito longos, construções elípticas, interpolações constantes, formulações de duplo sentido, definições pouco claras, distinções em poucas palavras, explicações idem), a confluência nesse discurso teórico de três modos distintos de conhecimento – o filosófico, amparado na excelência e ampliado graças à grandiloqüência do comentário de texto (dos textos dos clássicos do marxismo, bem entendido); o político-teórico, implicado na sobreposição espontânea e obrigatória de duas problemáticas: a teoria da teoria marxista e, derivada dela, a teoria da prática socialista; e o científico, exigido para construir e/ou conquistar o objeto de pesquisa (o Estado capitalista) das sociologias não marxistas ou antimarxistas –, contribuiu para congestionar o texto poulantziano tanto de conceitos teóricos como de declarações categóricas com base em uma série de tomadas de posição em cada um desses campos.

De fato, a justaposição de problemas de naturezas diversas (o social e o sociológico; o político e o politológico), e a obrigação auto-imposta de enfrentá-los ao mesmo tempo e no mesmo lugar, produziu, nos poucos leitores mais empenhados, e depois de passada a perplexidade inicial, aqueles fins que Poulantzas desejava: “romper”, através da linguagem empregada, “com o discurso descritivo ordinário”[9] da sociografia reinante. Mas, em boa parte dos casos, a intenção de ruptura gerou apenas o incômodo e a incompreensão proveniente de duas reprovações padrão, simétricas e opostas: ou Poulantzas falava demais, ou falava de menos. Um exemplo são as cobranças diante das interpretações um tanto arbitrárias acrescentadas às fórmulas de Marx e Engels, deslocadas essas dos seus contextos originais e embaralhadas a esmo; outro exemplo, as solicitações freqüentes de evidências concretas que comprovassem seus argumentos diante da carência explícita de análises empíricas.

Entretanto, a maior dificuldade dos escritos de Poulantzas, assumida mais tarde por ele como resultado do seu exagerado “teoricismo”, não vinha só da redação embrulhada, da sintaxe defeituosa ou da influência do “esquema epistemológico” althusseriano, como aliás ele mesmo reconheceu. Mas, penso eu, da fusão do discurso político com o discurso científico sob a proteção e a garantia do discurso filosófico. Por isso, o “formalismo” característico do que chamou de “certa negligência” de sua parte “em relação a análises concretas”[10], um tropeço no início da carreira, não foi corrigido desembaraçando-se daquele “esquema” por meio das “análises concretas” do período posterior a Poder político e classes sociais (o trabalho sobre a temporada dos “totalitarismos” italiano e alemão, ou a discussão da estrutura de classes do capitalismo contemporâneo, por exemplo), exatamente porque esses dois estudos continuavam, quando não ampliavam, aquela ideologia profissional que consistia em recusar os protocolos usuais da Sociologia Política e/ou da Ciência Política como uma prática científica legítima, sem abrir mão do poder que uma “ciência marxista da política” poderia conferir. Stuart Hall (embora tire conclusões diferentes das nossas) anotou que tanto As classes sociais no capitalismo de hoje quanto a Crise das ditaduras padeciam do mesmíssimo “formalismo” do primeiro livro[11].

Apenas duas palavras mais sobre “os problemas de estilo” e o que está de fato em jogo aqui.

Tal qual Louis Althusser (ou em razão da influência deste), os textos dos marxistas estruturalistas – Poulantzas aí incluído – possuem uma dicção toda própria, marcada pelo impulso polêmico, pelo vezo contundente e pelas fórmulas definitivas, produto dessa “ambição totalizante” autorizada e imposta pela “grande teoria”[12]. Tanto na filosofia dos filósofos, quanto na (ciência) política de Poulantzas, os temas, as teses e os conceitos são expostos numa ordem que oculta propositalmente o caminho para se chegar a eles (a “ordem da pesquisa” dos elementos empíricos). Isso produz dois defeitos, ambos admitidos por Poulantzas, mas desclassificados também por ele como fruto da ilusão empirista e do engano “neopositivista” dos críticos: o mundo social e os acontecimentos históricos só comparecem em seus escritos como exemplos para confirmar conclusões já estabelecidas de antemão; daí a aparência, falsa segundo o próprio, de um discurso onde conceitos geram conceitos, uma sorte de partenogênese teórica. Ocorre que a “ordem de exposição” de um texto teórico em Sociologia (para simplificar) não pode ser a mesma de um texto em Filosofia, mesmo para o marxismo, que não reconhece divisões departamentais nem se submete de boa vontade aos ritos escolares. A ausência da pesquisa (no texto) e da sua “ordem”, isto é, dos seus protocolos: os modelos e os métodos para selecionar, organizar e interpretar evidências, por exemplo, produz dois efeitos sobre esse discurso: torna impossível avaliar a documentação mobilizada – daí o tom muitas vezes arbitrário das alegações; e transfere para o domínio do comentário dos textos canônicos o que deveria ser resultado da explicação das coisas[13].

Sua teoria do Estado possui precisamente essas características e é um exemplo muito ilustrativo da propensão para transitar entre campos distintos, ora em nome da autoridade dos clássicos do marxismo (Marx, Engels, Lênin e Gramsci), ora em nome da utilidade dos princípios políticos daí derivados; ora em nome da conformidade das análises teóricas com as fases e os tipos de capitalismo, ora em nome da incapacidade das teorias rivais (marxistas e não-marxistas) darem conta seja da interpretação mais correta dos textos clássicos, seja da compreensão mais concreta dos modos de funcionamento da sociedade capitalista.

Notas:

[1] Pouvoir politique et classes sociales de l’État capitaliste (1968); Fascisme et dictature (1970); Les classes sociales dans le capitalisme aujourd’hui (1974); La crise des dictatures (1975); L’Etat, le pouvoir, le socialisme (1978). Uma relação bem completa dos principais trabalhos de Nicos Poulantzas entre 1961 e 1980 pode ser lida em: Christine Buci-Glucksmann (dir.), La gauche, le pouvoir, le socialisme: hommage à Nicos Poulantzas. Paris: PUF, 1983, p. 29-33.

[2] Para a natureza política do projeto e o sentido polêmico da coleção, ver Nicos Poulantzas, O Estado, o poder e nós. In: Étienne Balibar et. al., O Estado em discussão. Lisboa: Edições 70, 1981, p. 79-84.

[3] Bob Jessop, On the Originality, Legacy, and Actuality of Nicos Poulantzas. Studies in Political Economy, n. 34, Spring 1991, p. 75. Seria um exagero falar num renascimento do interesse pela teoria poulantziana hoje. Mas não deixa de ser notável a edição, em maio de 2008, de uma coletânea anotada dos seus textos principais: James Martin (ed.), The Poulantzas Reader: Marxism, Law and the State, by Nicos Poulantzas. London; New York: Verso, 2008.

[4] Jean Leca, La science politique dans le champ intellectuel français. Revue française de science politique, vol. 32, n. 4, 1982, p. 655.

[5] Nicos Poulantzas, Note bibliographique sur: Duverger (Maurice), Sociologie de la politique. Eléments de science politique. Revue française de science politique, vol. 25, n. 2, 1975, p. 339 e 337, respectivamente.

[6] Apóio essa enumeração dos adversários acadêmicos de Poulantzas na listagem confeccionada por Sérgio Braga: “Levantamento bibliográfico dos trabalhos citados por Nicos Poulantzas em sua obra Pouvoir politique et classes sociales (Maspero, 1968)”. Campinas, datilografado, s./d.

[7] W. G. Runciman, resenha de Classes in Contemporary Capitalism e de Social Analysis publicada no Times Litterary Supplement (16 Jan. 1976). Apud Jean-René Tréanton, Réflexions sur Fascisme et dictature. Revue française de sociologie, vol. 17, n. 3, 1976, p. 533, nota 1.

[8] Um exemplo que exprime bem essa modalidade de discurso “onde a generalidade da abstração” suplanta a realidade empírica: Fascisme et dictature: la Trosième Internationale face au fascisme. Paris: Maspero, 1970, p. 325-338 (sobre o conceito de Estado fascista).

[9] Nicos Poulantzas, The Capitalist State: A Reply to Miliband and Laclau. New Left Review, n. 95, Jan.-Feb. 1976, p. 68.

[10] Todas as expressões entre aspas são de Poulantzas. Ver The Capitalist State: A Reply to Miliband and Laclau, op. cit., p. 66-67; e p. 79.

[11] Ver Stuart Hall, Nicos Poulantzas: State, Power, Socialism. New Left Review, n. 119, Jan.-Feb., 1980, p. 62.

[12] Para a constatação a respeito do tom que Althusser imprimia a sua escrita, ver Jacques Rancière, La scène du texte. In: Sylvain Lazarus (dir.), Politique et philosophie dans l’oeuvre de Louis Althusser. Paris: PUF, 1993. Para as expressões “ambição totalizante” e “grande teoria”, ver Pierre Bourdieu, “Fieldwork in Philosophy”. In: _____. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 32.

[13] Para o “neopositivismo” da crítica endereçada a ele, ver Nicos Poulantzas, The Capitalist State: A Reply to Miliband and Laclau, op. cit., p. 67.

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outros posts sobre N. Poulantzas:
  • Poulantzas, o Estado e a Revolução [aqui]
  • elitismo versus marxismo? por uma agenda empírica de pesquisa [aqui]
  • quem vence? classes sociais e processo decisório [aqui]
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14 de janeiro de 2009

conflitos políticos e classes sociais

Salão Verde. Câmara dos Deputados. Brasília - DF.




Adriano Codato

ufpr/nusp


A desfaçatez da famosa frase de Benedito Valadares a propósito do golpe militar que instituiu o Estado Novo em 1937 – “É interessante observar o ser possível fazer-se uma revolução às
claras, sem o povo desconfiar” [Tempos idos e vividos: memórias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 174] – trai sem dúvida o caráter elitista e autocrático do processo de mudança política no Brasil.


Mas a declaração do líder político mineiro pode ser compreendida igualmente como um indício da natureza esotérica da cena política.

A cena política nunca é totalmente transparente, as disputas entre as forças sociais não são exatas, as estratégias perseguidas pelos partidos não são explícitas, as declarações dos agentes não podem ser tomadas literalmente, os interesses de grupo nunca aparecem como aquilo que são. A cena política é um espaço social que oculta mais do que revela ao observador.


Há duas maneiras de entender as conseqüências dessa última proposição.


Ou se toma a cena política como uma aparência, uma projeção falsificada de uma realidade que é anterior a ela, a justifica e explica (sua “essência”), ou se toma a cena política como uma realidade per se.

No primeiro caso, todo esforço consiste em conectar e revelar os interesses sociais ocultos pela luta entre atores, idéias, partidos e organizações políticas. Esses interesses são invariavelmente interesses "de classe".

No segundo caso, é preciso assumir que agentes, interesses e concepções inerentes a eles podem constituir-se não antes ou fora do espaço político, mas na própria cena política e atuar independentemente dos condicionamentos “de classe”.

Partindo do princípio de que é preciso evitar a confusão usual que reduz as relações de classe às relações entre partidos (confusão típica da corrente dominante da Ciência Política) e, igualmente, aquela que reduz a relação entre partidos às relações de classe (como reivindica certa “ortodoxia”) [Ver Nicos Poulantzas, Pouvoir politique et classes sociales. Paris: Maspero, 1971, vol. , p. . Poulantzas, 1977, p. 245], a cena política não precisa ser tomada sempre como um lugar de manifestação, refratada ou não, da luta de classes; mas como um espaço de lutas sociais tornadas possíveis graças à função específica de mediação das instituições políticas (cujo espaço de existência e manifestação é a cena política).

Essa maneira de compreender o jogo político – como um negócio governado por suas próprias leis e costumes e conduzido (ainda que não comandado) pelos políticos profissionais – me parece mais eficiente para revelar a natureza e o alvo da guerra política.

Assim, esse lugar ou espaço social exige, enquanto espaço social específico, uma percepção da sua organização, da sua evolução e da sua transformação concreta numa conjuntura concreta. É preciso, numa análise de conjuntura, reconstruir o que Nicos Poulantzas designou como a periodização de uma cena política.

Poulantzas insistiu na diferença pouco evidente entre cronologia histórica e periodização política.

Enquanto a primeira é tão só a disposição dos acontecimentos (os “fatos” políticos propriamente ditos) numa seqüência reconhecível ao longo de um intervalo determinado, a periodização política seria a subdivisão temporal do espaço político e a disposição, em seqüência, de diferentes regimes políticos através do tempo. Esses regimes estariam ligados à “luta partidária” na cena política, ou, simplesmente, à luta política, ela mesma condicionada pelo padrão vigente de liberdades públicas [Pouvoir politique et classes sociales. Paris: Maspero, 1971, vol. II, p. 70 e segs].

Nesse sentido, os períodos, fases e etapas de um regime (suas subdivisões) não correspondem, necessariamente, aos períodos tradicionais de governo (suas datações), nem a seu calendário oficial.

Esse princípio de classificação do jogo político, ou melhor, essa proposição teórica sobre como conceber as relações – políticas – entre os diferentes agentes sociais no campo político permite que nos livremos da tarefa, supostamente obrigatória, de reduzir a luta política à luta de classes.

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outros posts sobre N. Poulantzas:
  • Poulantzas, o Estado e a Revolução [aqui]
  • elitismo versus marxismo? por uma agenda empírica de pesquisa [aqui]
  • quem vence? classes sociais e processo decisório [aqui]

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19 de novembro de 2008

Poulantzas, o Estado e a Revolução

[Mark Rothko, 
Red and Orange]

Adriano Codato

Crítica Marxista (São Paulo), v. 27, p. 65-85, 2008.

[compre aqui este número]
[leia o texto integral aqui]

Este artigo apresenta uma periodização possível – mas não consensual – da obra de Nicos Poulantzas entre 1968 e 1978 (os anos da edição de Poder político e classes sociais e O Estado, o poder, o socialismo) tendo como ponto de referência o conceito de “Estado capitalista”.
Estabeleço três princípios de leitura dos seus textos: o contexto intelectual a partir do qual foram escritos, a problemática teórica em função da qual foram pensados e a estratégia política que se poderia derivar deles. Dois temas servem para ilustrar essa discussão: a função do Estado capitalista e a destruição do Estado capitalista.

Antes de expor e explicar a periodização que divide suas idéias em três fases (“Poulantzas 1, 2 e 3”, para simplificar), recordo sua vizinhança com e sua ascendência sobre a teoria do Estado. A produção teórica de Poulantzas e a renovação terminológica que ela produziu só são compreensíveis, todavia, quando se tem presente suas divergências com a Ciência Política e com a Sociologia não-marxista. O fundamental aí é o modo como ele vê e a maneira como ele se diferencia dos problemas tradicionais e dos protocolos convencionais da corrente anglo-saxã, principalmente. A partir de relação, ou mais propriamente, da não relação dessa filosofia com a ciência social não marxista, e com base naqueles três critérios de interpretação (a política, a teoria e as lutas políticas no domínio da teoria), apresento as noções sucessivas de Estado capitalista como estrutura, como aparelho e como relação.

As diferenças entre uma noção e outra e a passagem de uma para outra podem ser explicadas em razão de dois determinantes: a heteronomia dessa teoria política em relação às lutas teóricas e às dissensões políticas no campo político; e a autonomia dessa teoria em relação à Sociologia e à Ciência Política como práticas científicas “puras”. Esse jogo duplo é tão ou mais necessário quanto menos se pode prescindir, nesse momento de (re)fundação da doutrina marxista do Estado, dos dividendos decorrentes de dois princípios de consagração: a autoridade universitária, disputada contra a ciência social “burguesa” pela imposição da teoria marxista da política como a teoria legítima da política; e a autoridade política, transmitida pelo partido teórico e/ou pelo projeto social no qual se está implicado.

Para seguir os sucessivos desvios, desenvolvimentos e arrombamentos do autor no campo da teoria do Estado dividi esse ensaio, que é uma espécie de indexação temática de seus escritos, em três partes.

Na primeira, menciono o contexto intelectual com o qual e contra o qual seus livros, em especial o primeiro, merecem ser lidos. Como Perry Anderson argumentou, o “marxismo ocidental” manteve-se, até o final dos anos sessenta, pelo menos, indiferente às questões clássicas que mobilizaram o materialismo histórico: o “exame das leis econômicas da evolução do capitalismo como modo de produção, a análise da máquina política do Estado burguês [e da] estratégia da luta de classes necessária para derrubar” esse Estado . Poulantzas foi uma honrosa exceção e seus ensaios podem ser lidos como uma via que contribuiu para reencontrar a disposição original dos fundadores.

Na segunda parte, apresento e justifico a pertinência dos três indicadores de leitura – o intelectual, o conceitual e o político – a fim de apurar as respostas de Poulantzas a dois problemas atinentes ao conceito de Estado capitalista: o problema da função do Estado, tópico ligado à questão da reprodução do capitalismo; e o problema da demolição do Estado, tema ligado, por sua vez, à questão da transição ao socialismo. Bob Jessop alega que “As concepções de Poulantzas a respeito da estratégia política” de transformação social “mudaram pari passu com as mudanças nas suas concepções sobre a natureza do Estado capitalista” . Na realidade, pode-se pensar que o inverso seja tão ou mais verdadeiro.

Na terceira parte, comento a primeira teorização de Poulantzas (“Poulantzas 1”) e seu projeto de construir uma teoria geral do nível político no modo de produção capitalista – ou, mais especificamente, produzir o conceito de Estado relativo a esse modo de produção. Ainda que essa formulação não postule nem imponha um programa de transição ao socialismo, traz implícita um modelo “leninista” de derrubada do Estado capitalista. Em seguida, resumo a idéia do Estado como um feixe de aparelhos (“Poulantzas 2”) elaborada a partir da análise de dois tipos de “regimes de exceção”: o fascismo e a ditadura militar. No final, procuro destrinçar a última formulação poulantziana (“Poulantzas 3”) e suas conseqüências políticas. O Estado passa a ser pensado tal qual o capital, não como um objeto que se possui e se dispõe, ou como um sujeito com vontade própria, situado acima ou ao lado das classes, mas como uma relação social, fórmula aparentemente enigmática, mas plenamente compreensível quando se tem presente a trajetória ideológica do autor, suas reorientações filosóficas no âmbito do marxismo e as sucessivas conversões políticas em direção ao “eurocomunismo de esquerda” .

I. ESTADO E TEORIA DO ESTADO

As questões relativas ao poder e ao Estado foram reintroduzidas na tradição marxista por dois trabalhos bastante desiguais, na forma e no conteúdo: Pouvoir politique et classes sociales, de Nicos Poulantzas (publicado em Paris em 1968) e The State in Capitalist Society, de Ralph Miliband (publicado em Londres em 1969). Durante os setenta o tema recebeu um impulso considerável a partir da polêmica entre os autores nas páginas do periódico radical inglês New Left Review a propósito de três tópicos: como haver-se com o legado teórico de Marx; como proceder no trabalho intelectual nas ciências sociais; e como compreender, tanto de um ponto de vista conceitual como de um ponto de vista empírico, a relação entre o Estado capitalista, as classes dominantes e a burocracia (ou a elite) estatal.

São também desse período, além do influente livro de Jürgen Habermas, A crise de legitimação do capitalismo tardio (1973), a série de artigos de Claus Offe sobre a afinidade entre o Estado capitalista e as questões da acumulação e legitimação que apareceram regularmente a partir de 1972 em uma série de periódicos acadêmicos (International Journal of Sociology, Politics and Society, Kapitalistate etc.). O trabalho de Habermas foi publicado quase simultaneamente aos debates da Escola Lógica do Capital conduzidos por Wolfgang Müller, Christel Neusüss, Elmar Altvater e Joachim Hirsch na Alemanha. Os temas e as teses dos derivacionistas foram retomados e contestados, nos Estados Unidos, por James O’Connor (em A crise fiscal do Estado). Ao mesmo tempo na França, à parte os escritos de Poulantzas, o estímulo para reconsiderar a problemática tradicional do marxismo – em duas palavras: o Estado e a economia – viria primeiro dos estudos filiados ao PCF sobre o Capitalismo Monopolista de Estado (de Paul Boccara e outros) e, logo em seguida, da proposição da Teoria da Regulação por Michel Aglietta, Alain Lipietz, Robert Boyer e Bruno Théret.

Assumindo o marxismo de Marx e disputando sua decodificação, ora através da sua Economia (basicamente O Capital), ora por meio de sua Política (os escritos históricos e os textos de polêmica ideológica), todos retornaram ao catálogo consagrado das obras clássicas com a disposição tanto para extrair uma teoria específica do Estado capitalista (Miliband), quanto para elaborar uma teoria geral do nível jurídico-político (Poulantzas), ou mesmo para reconstruir o materialismo histórico (Habermas). Com graus de sofisticação variados, essa literatura propôs uma fileira de conceitos para compreender e explicar as novas afinidades entre o Estado e as relações de produção (i.e., a estrutura social) e o Estado e as formas de acumulação (i.e., a economia capitalista). Foi o caso das locuções bloco no poder (Poulantzas), elite estatal (Miliband), seletividade estrutural (Offe), tecnologia organizativa (Therborn), capitalismo estatal (E. Olin Wright), regime de acumulação (Lipietz), forma Estado (Hirsch).

Um dos assuntos mais importantes e que constituiu ora o ponto de partida, ora o ponto de chegada de muitas dessas proposições foi a questão da “autonomia relativa” do Estado, expressão fabricada por Nicos Poulantzas para pensar três problemas diferentes: a relação concreta entre o pessoal do Estado (a burocracia) e as classes e frações dominantes; a relação peculiar, ou a separação característica, entre o Estado (ou o político) e as relações de produção (o econômico) no modo de produção capitalista; e, em termos mais abstratos, a especificidade “do político” (isto é, a superestrutura jurídico-política do todo social, instância que compreende o Estado) como um objeto real e como um objeto de conhecimento de direito próprio . A teoria marxista do Estado capitalista pautou-se em grande parte exatamente por essas questões.
[trecho do artigo]

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Crítica Marxista é publicada pela editora da Unesp
http://www.editoraunesp.com.br/


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elitismo versus marxismo? por uma agenda empírica de pesquisa


Renato M. Perissinotto e Adriano Codato
32º Encontro Anual da ANPOCS, 2008, Caxambu - MG.

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Nicos Poulantzas atacou o despropósito teórico e político que consistia em trazer para o interior do marxismo a problemática das elites políticas. Os termos dessa recusa eram os seguintes: (i) o funcionamento do Estado capitalista deve ser explicado a partir dos vínculos objetivos existentes entre essa instituição e a estrutura social; (ii) logo, aqueles que controlam os principais postos do aparelho estatal, independentemente de sua origem social, crenças e motivações, estão destinados a reproduzir a função objetiva do Estado, que consiste em manter a coesão de uma formação social; (iii) conclui-se, daí, que a questão central para o pesquisador de orientação marxista deve ser que relações sociais o Estado reproduz? e não quem decide? . Ainda assim, sustenta-se, a natureza da elite política pode ser um fator explicativo importante numa Ciência Social empiricamente orientada.
[foto: Congresso Nacional, Brasília]

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