[Sérgio Jorge.
Inauguração de Brasília,
1960]
Adriano Codato
Gazeta do Povo, 11 out. 2007
“O PT, no fim das contas, era um partido igualzinho a todos os outros. Bastou chegar ao poder”... A banalidade dessa declaração sugere, contudo, uma verdade menos evidente.
Tão preocupados estivemos nos últimos anos em afirmar, ou acreditar na afirmação de uma verdade não política, que os agentes sociais pudessem ser simplesmente os portadores da ética, da moralidade, da honestidade, definidas sempre num registro muito vago, e esquecemos um conceito simples. Partidos políticos são máquinas eleitorais profissionais projetadas para ganhar eleições, exercer o poder, empregar filiados e implementar algo um tanto indefinível como “um projeto para o País”.
Partidos não são clubes literários, entidades beneficentes, associações de homens de boa-vontade ou organizações não-governamentais de grandes propósitos. Nem aqui, nem na China, para ser mais preciso. As transformações recentes na dinâmica política democrática impuseram a governantes, dirigentes, militantes, simpatizantes e ao público em geral algumas lições pouco edificantes: programas de governo não são escritos a partir dos estatutos do partido, mas em função de pesquisas de opinião; políticos colocam suas carreiras em primeiro plano ficando para um segundo momento definir que outros interesses vão, de fato, representar; eleições são os únicos mecanismos aceitos para controlar minimamente os representantes, já que é somente nesse momento que eles têm de se aborrecer com os eleitores.
Aqui as coisas talvez sejam um pouco caricatas, visto que as simpatias e as antipatias da opinião pública, aferidas segundo as mesmas técnicas de pesquisas com consumidores de bugigangas, comandam até a mudança de nome e sigla dos partidos. Os “Democratas”, um nome um tanto excessivo para a realidade que descreve, é só mais um exemplo de como as ideologias (os sistemas de idéias) ou significam nada, ou significam exatamente isso: idéias abstratas sem nenhuma correspondência com o mundo sublunar. Que o PT tenha insistido em seu último congresso em se autodefinir como um partido “socialista” revela mais sobre como os dirigentes julgam nossa capacidade de julgá-los do que sobre a idéia um tanto larga que eles próprios fazem do socialismo como doutrina e como prática.
O mais novo emplastro aplicado pelo STF ao sistema político nacional é a “fidelidade partidária”. Políticos que se elegem por uma agremiação e transferem-se para outra correm, em tese, o risco de perderem seus mandatos.
Praticamente tudo já foi dito nos últimos dias sobre virtudes e defeitos da decisão. Os otimistas, como de hábito, sustentaram que agora, enfim, a coisa anda: a medida apressa a reforma política, disciplina o jogo partidário, inibe comportamentos auto-interessados, exige uma adequação entre candidaturas e orientações doutrinárias. Os mais realistas ponderaram que as mudanças de sigla poderiam, em poucos casos é verdade, ser comandadas pelas infidelidades do partido ao seu programa; ou que, no fim das contas, tomado esse movimento na devida perspectiva, a série histórica de migrações partidárias mostraria que se há, de fato, muitas movimentações, elas na verdade se dão dentro do mesmo espectro ideológico: políticos de partidos de direita migram para partidos de direita, políticos de partidos de centro migram para partidos de centro e assim por diante.
Parece-me, entretanto, que o argumento fundamental para questionar não a eficácia, mas a validade de uma medida restritiva como essa não vem da “judicialização da política” (isto é, a intromissão do Judiciário num assunto que não lhe diz respeito) ou do fato da interpretação da doutrina criar uma nova doutrina. Vem da questão mais incômoda: o mandato pertence aos partidos; mas que partidos? Dado que as organizações partidárias são elas mesmas fracas, pouco disciplinadas, sem um programa ideológico claro, divididas regionalmente em grupos pouquíssimos parecidos entre si, em nome de quais princípios se poderia exigir “fidelidade”?
O sistema político brasileiro está condicionado por uma lógica partidária ao mesmo tempo simples e difícil. Simples na forma porque, efetivamente, só existem à disposição dos executivos, dos políticos profissionais e dos eleitores dois partidos: o partido do governo atual e o partido daqueles que não compõem – ainda – o governo atual (“partido da oposição” seria um nome exagerado na conjuntura atual para descrever aqueles que estão, por ora, fora da coalizão). Difícil de ser manejada porque como existem, legalmente, dezenas de partidos, a formação do “partido do governo” implica em muitas práticas pouco republicanas, para utilizar a expressão da moda: aliciamentos, concessão de favores, empreguismo oficial, clientelismo parlamentar, manipulações do orçamento etc.
Dado esse contexto institucional (fragmentação partidária), dado esse mecanismo de obtenção de apoios (cooptação) fica difícil exigir “fidelidade” sem implodir o sistema e aumentar para o governo os custos de transação: conseguir apoios ficará não só mais complicado, mas mais caro para todos – e para nós principalmente, que pagamos a fatura.
Referência:
CODATO, Adriano . Partidos, políticos, moral etc. Gazeta do Povo, Curitiba - PR, p. 8, 11 out. 2007.
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Teoría de la acción comunicativa Jurgen Habermas
Há uma semana
Um comentário:
Caríssimo, não sabia que tinhas um blog. Boa notícia... Vou acompanha-lo. Quando tiver tempo, dá uma passada no meu. A proposta é diferente da sua, mas versa sobre política também.
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