artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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31 de março de 2009

Feias, sujas e malvadas...


[Mussolini/Hitler Pins celebrating
the Rome-Berlin Axis Pact, 1936.
Peter Stackpole, Life]

José L. Szwako

Curitiba, mais uma vez, teve de encarar seus monstros. Semana passada, a Câmara Municipal de Vereadores negou o Título de Utilidade Pública à Associação Paranaense da Parada da Diversidade, APPAD. Os dois lados da peleja, contra ou favor do reconhecimento público da organização, tiveram em comum as referências à Cidade: os contrários empunhavam a ‘família curitibana’, com a prosápia dos ‘bons costumes’ e, de quebra, alegavam que eventos assim ‘não acrescentam nada à nossa cidade’. Do outro lado, aqueles que se colocaram a favor da APPAD não hesitaram em dizer que aquele era ‘um dia para envergonhar os curitibanos’.

As escassas coberturas jornalísticas enfatizaram o clima de ‘tensão’ no dia da votação e também o fato de que esse tipo de reconhecimento nunca havia sido objeto de discussão tão calorosa naquela casa. A descrição da distribuição das pessoas nas bancadas era clara: de um lado, feias, sujas e malvadas, estavam as travestis, as bichas, as lésbicas, ... De outro lado, os evangélicos e, pasmem, as crianças. Essa descrição acompanha a auto-imagem das pessoas veiculada pelos argumentos na internet: tudo se passa como se não existissem intersecções. Ou você é um, ou é Outro, afinal, não existem travestis evangélicas e sequer evangélicos gays. (E isso deixa a argumentação muito mais fácil para o lado progressista da peleja.) Mas, pior: “Como seria seu filho ou filha aderindo a isto?” – questionou um leitor. Ora, as nossas crianças não serão imundas, assim como essa gente estranha que, tendo nascido já adulta, não é (e alguns se desesperam, ‘essa gente não pode ser !‘) curitibana, como ‘nós’.

No olho do furacão conservador, estava a pergunta que não quer calar: Porque cargas d’água o Estado – e não é qualquer Estado, é a Câmara-de-Vereadores-de-Curitiba – deveria reconhecer um grupo tão estranho de pessoas? Ou, como vi no site de um jornal tradicional: "QUAL O INTERESSE PÚBLICO RELEVANTE NA REALIZAÇÃO DESTA PARADA?" Ironia das ironias, coube a essa minoria imaginária a hercúlea tarefa de publicizar para um público mais amplo o fato de que a Cidade é habitada por múltiplas cidades. Por meio da luta por reconhecimento, com ou sem sucesso imediato, o grupo mobilizado em torno da APPAD torna público que existe um tipo de opressão baseada em supostas ‘opções sexuais’, civiliza o público curitibano e o convida à democratização de seu imaginário – tudo isso, de graça.

José L. Szwako é doutorando em Ciência Sociais na Unicamp.

12 de fevereiro de 2009

criacionismo, design inteligente e outras mistificações regressivas


[Live Galapagos tortoise,
ancient representation
of a dying species.
Yale Joel. 1969. Life]

Artigo desmistificador sobre o ensino de outras "teorias" a respeito da origem das espécies; a CIÊNCIA não é um ponto de vista entre outros. fim de história.



O ensino de criacionismo em aulas de ciências
Roberto Berlinck e Hamilton Varela
JC e-mail 3700, de 11 de Fevereiro de 2009.

Desde o final de 2008 ganhou notoriedade o fato de que escolas da rede particular, de caráter confessional, ensinam criacionismo em aulas de ciências (“O Estado de São Paulo”, 08/12/2008; “Folha de São Paulo”, 13/12/2008). Como é relevante que o Estado brasileiro esclareça seu papel com relação a conteúdos ministrados por essas escolas, é importante discutir as possíveis razões, implicações e consequências do ensino do criacionismo.

Historicamente esse problema não é novo. Nos Estados Unidos, a pressão para o ensino do criacionismo nas escolas é intensa, e resultou em vários processos jurídicos, como por exemplo no Tennessee em 1925, Arkansas em 1981, Louisiana em 1987 e na Pennsilvania em 2005.

Entre esses, o caso de Tennessee foi particularmente nefasto ao sistema educacional norte-americano, e resultou no fim do ensino da teoria da evolução nas escolas americanas e a supressão da teoria da evolução dos livros didáticos. Apenas quando os russos lançaram o Sputnik para o espaço, nos anos 60, os políticos e educadores norte-americanos se deram conta da importância do ensino de ciências nas escolas para a boa formação dos estudantes. Desde então o ensino da teoria da evolução voltou a fazer parte dos currículos escolares.

Os avanços científicos das últimas três décadas tornaram-se um sério incômodo para aqueles que acreditam ser importante o ensino do criacionismo nas escolas. Isso porque a teoria da evolução ganha cada vez mais força e repercussão, pelas inúmeras, crescentes e contumazes evidências acumuladas ao longo de 150 anos de que os organismos vivos evoluíram através de processos de seleção natural.

Com o aumento do acesso à informação científica, principalmente através da televisão, séries de DVDs e internet, pela mídia impressa e eletrônica, defensores do ensino do criacionismo criaram uma verdadeira “frente de batalha” para inserir o criacionismo no currículo escolar.

Um dos principais argumentos utilizado pelos que advogam o ensino do criacionismo diz respeito às eventuais “contradições da teoria da evolução”. A teoria da evolução é certamente uma das mais testadas teorias científicas e, desde a sua proposição, vem sendo continuamente refinada. Contribuições originadas em diferentes subáreas do conhecimento são continuamente incorporadas à teoria da evolução.

Como exemplo, pode-se citar os conceitos de evolução desenvolvimental, cladística, transposons, relógios moleculares, mutações neutras, endossimbiose, equilíbrio pontuado, epigenética, transferência horizontal de genes e hipermutação somática. Todas estas propostas foram formuladas tendo a teoria da evolução como base para a sua fundamentação.

Livros-texto de biologia incluem a teoria da evolução em seus primeiros capítulos, de forma a fornecer elementos que permitam ao estudante estabelecer as necessárias conexões filogenéticas e taxonômicas entre os organismos vivos. Conceitos como evolução, sistemas de classificação e teoria sintética da evolução fazem hoje parte do currículo escolar e são requisito em exames de vestibular.

Independentemente das eventuais contradições sugeridas, o fato da teoria da evolução ser testável por si só é suficiente para encerrar controvérsias. De fato, a possibilidade de ser refutada é exatamente uma das premissas necessárias a uma teoria científica. Em contraste, o criacionismo simplesmente não pode ser testado nem refutado.

Adicionalmente, as fontes utilizadas para o ensino do criacionismo mais confundem do que esclarecem, desinformam e ofuscam o pensamento crítico, pois se baseia na crença sem evidências. Assim, argumentar que existem controvérsias na teoria da evolução, ou que esta ainda não é aceita por todos os cientistas, ou que a teoria da evolução não apresenta evidências suficientes, e se baseia em pressupostos questionáveis, é mal intencionado e falacioso.

O suspiro mais recente dos religiosos que defendem o criacionismo surgiu com o título de “teoria do design inteligente (TDI)”. Segundo a TDI, processos macroevolutivos e sistemas biológicos de complexidade irredutível, dentre outros “fenômenos naturais inexplicáveis”, poderiam ser explicados. Tais idéias tiveram nascimento nos anos 1950 nos EUA, quando da publicação do livro The Bible and Modern Science por Henry M. Morris (1951).

A TDI foi adotada por seguidores fanáticos de Morris, os quais usam de uma estratégia denominada de “a cunha” (the wedge) para fazer valer seus argumentos. Tal estratégia se baseia em “encontrar falhas” na teoria da evolução e no método científico, para então “enfiar” pressupostos e citações descontextualizadas que dão suporte à TDI.

Todavia, pelo fato de seus autores não terem apresentado nenhuma evidência experimental para suas suposições, a TDI sequer foi considerada pela comunidade científica, por se basear em fundamentos falsos e pseudo-científicos.

Após 12 anos da publicação de “A caixa preta de Darwin”, o termo “intelligent design” não é mencionado em uma única publicação científica como possível explanação para fenômenos biológicos relacionados a processos evolutivos no ISI Web of Science. Mesmo assim, segundo a Folha de S. Paulo deste domingo (11/2), cerca de 50% dos britânicos acreditam no design inteligente. Isso porque os defensores da TDI ocupam a mídia, em todas as suas formas, fazendo valer idéias espúrias e distorcidas sobre a evolução biológica e a complexidade dos sistemas biológicos.

Não cabe aqui uma discussão detalhada sobre as idéias e propostas apresentadas na proposta da TDI. Estas já foram amplamente debatidas e refutadas por vários autores. O fato da TDI não ter sido aceita pela comunidade científica como uma teoria alternativa ou complementar para explicar fenômenos biológicos “inexplicáveis” relacionados à teoria da evolução encerra a discussão no âmbito científico.

No entanto, na falta de argumentos que sustentem o ensino do criacionismo, do TDI e de suas vertentes em salas de aula de ciências, seus defensores apelam para “igualdade de direitos, de oportunidade e tempo” para que os alunos possam ter conhecimento sobre “as duas faces” da razão da diversidade biológica: evolução e criacionismo. Sustentam que não há democracia, que a ciência é um dogma, que os cientistas são tão ou mais fundamentalistas do que fundamentalistas religiosos.

Na verdade, a ciência é formada, em sua base, pela troca de idéias e novas abordagens, que a tornam fruto de continua renovação através do debate contínuo dos fenômenos naturais. É de se lamentar que argumentos desta natureza possam servir de base para a justificativa do ensino do criacionismo ou da TDI (que não passa de criacionismo travestido de pseudociência) em aulas de ciências, ou de qualquer outra matéria, em escolas do segundo grau.

Assim, seria plenamente justificável que se ensinasse qualquer coisa, sem qualquer critério: que a Terra é plana e o centro do universo; que o homem nunca foi à Lua; que o ex-beatle Paul McCartney foi assassinado e na verdade o cantor atual é um sósia; que existem ETs; etc. No máximo, o criacionismo pode ser apresentado em aulas de filosofia, sociologia, religião, teologia ou história das religiões, mas nunca em aulas de ciência ou como uma teoria científica.

Finalmente, cabe assinalar as consequências da (de)formação de estudantes aos quais são apresentados dois “pontos de vista” sobre o surgimento da biodiversidade do planeta. O que se espera de estudantes que tenham estudado o criacionismo como base para a explicação da diversidade da vida no nosso planeta? Que possam desfrutar de uma formação educacional de alta qualidade, como é desejável? Que possam realizar exames vestibulares sem serem prejudicados?

Que possam vir a exercer profissões de extrema importância em biotecnologia, medicina, ciências ambientais, biologia e educação, com uma base de formação capenga? Que possam contribuir efetivamente para a formação e constituição de um país que separe, claramente, os valores religiosos, de foro íntimo, de valores científicos universais? Com a palavra, o MEC.

Roberto Gomes de Souza Berlinck, professor associado do Instituto de Química de São Carlos (USP), é doutor em ciências pela Universidade Livre de Bruxelas (Bélgica) e realizou pós-doutorado na Universidade da Columbia Britânica (Vancouver, Canadá).

Hamilton Varela, professor doutor do Instituto de Química de São Carlos (USP), é doutor em ciências pela Universidade Livre de Berlim (Alemanha) e realizou pós-doutorado pela Universidade Técnica de Munique (Alemanha).

fonte:
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=61632
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25 de outubro de 2008

Arquivo do Estado de SP disponibiliza ao público imagens inéditas do Jornal Última Hora

O Arquivo Público do Estado de SP acaba de disponibilizar ao público 4.000 fotografias do Jornal Última Hora. São imagens que não chegaram a ser publicadas no jornal, ficando guardadas em arquivo por vários anos. Hoje, elas podem ser vistas no setor de consulta do Arquivo. Leia a reportagem completa no site do Arquivo:

http://www.amigosdoarquivo.com.br/uhdigital/


[John Phillips, 1942. Life]

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11 de setembro de 2008

A competência política


Adriano Codato
Gazeta do Povo, 18 set. 2008.


[Mabel Dwight, In the Crowd (1931)]

O povo não sabe votar! Desde que foi pronunciada, essa avaliação colou no imaginário político nacional. Vem eleição, vai eleição, os derrotados invocam esse princípio para explicar o sucesso dos líderes neo-populistas, a inevitável decadência da classe política, a falta de identificação entre os vitoriosos e a boa sociedade.

Essa opinião sobre o voto alheio toca no tema da “competência política”. Em resumo, o principal problema das democracias seria o seguinte: não se trata mais de discutir quem deve participar da política (problema do século retrasado), mas quem pode fazê-lo direito.

Há uma série de questões que vêm junto com esse assunto: a igualdade entre todos os cidadãos numa comunidade; a legitimidade do povo para intervir nos assuntos públicos; a capacidade dos eleitores discernirem entre propostas políticas diferentes etc. Como se desconfia, o problema não é apenas científico, mas bem prático, à medida que diz respeito à fórmula ideal da democracia representativa. Como deveria ser esse sistema? O pressuposto aqui é que pessoas mais informadas decidem melhor.

Por um bom tempo, os estudos de ciência política dedicados a medir a competência política foram praticamente unânimes em verificar o baixo nível de informação e sofisticação política da maior parte dos cidadãos. Essa perspectiva vigorou dos anos 1940 aos anos 1980, principalmente nos EUA, onde se desenvolveram mecanismos muito complexos para avaliar o comportamento político. Segundo a corrente então dominante, o problema da competência política estaria ligado ao nível de conhecimento factual dos eleitores sobre assuntos complicados e ao grau de coerência de suas opiniões a respeito de questões controversas.

Essa visão – que privilegia a dimensão “cognitiva” – está baseada em três postulados. Primeiro: a competência política é um atributo individual, não um produto social. Ou seja, ela é uma qualidade que alguns têm, outros não. Segundo postulado: a competência política pode ser medida objetivamente através de pesquisas de opinião. E terceiro: os resultados das pesquisas sobre determinados problemas (por exemplo: o que o Sr. pensa da política de privatização?; como deveria ser a legislação do porte de armas?) podem ser organizados de acordo com a hierarquia de conhecimentos especializados que se detém sobre um assunto.

De uns tempos para cá, essa perspectiva cognitivista começou a ser questionada pela sociologia política e pela antropologia política. Num número bem recente da “Revista francesa de ciência política” (vol. 57, n. 6, dez. 2007), o enigma da competência política começou a ser posto numa perspectiva um tanto diferente da usual. Um conjunto de estudos feitos no Chile e na França durante eleições municipais enfatizou três pontos que contrariam as opiniões mais aceitas até então.

A competência política, isto é, a capacidade de conhecer e reconhecer propostas, projetos, políticos, partidos, nunca é individual, mas coletiva. É na interação, na convivência social (no trabalho, na escola, no lazer, em família) que as pessoas adquirem informações que depois irão embasar seus julgamentos dos candidatos e a decisão do voto.

Os instrumentos científicos e aparentemente neutros que serviriam apenas para medir opiniões podem influenciar decisivamente os resultados encontrados. Questionários com perguntas do tipo ‘sim ou não’, ‘verdadeiro ou falso’, ‘concorda ou discorda’ inibem os entrevistados, supõem que todos devam ter opinião sobre tudo e forçam escolhas entre alternativas construídas pelo instituto de pesquisa (ou pelo cliente que encomendou o negócio). Entrevistas do tipo “conversa” com pequenos grupos são mais apropriadas para captar as nuanças das opiniões políticas.

Por fim, é preciso relativizar a importância de conhecimentos factuais superespecializados na produção da opinião pública.

Normalmente, cidadãos tendem a lançar mão de outros recursos de informação e interpretação, especialmente quando votam. Essa constatação ressalta as muitas formas disponíveis de apreensão dos assuntos políticos, retirando o problema do domínio exclusivo dos níveis desiguais de competência (mais escolarizado, mais politizado).

Há métodos muito práticos para decifrar os sentidos da política e para elaborar julgamentos “corretos”. Elementos inesperados e a princípio muito rudimentares podem servir para situar as pessoas diante das opções disponíveis: as cores dos partidos, os símbolos, músicas, o vestuário dos candidatos. De toda forma, muitas outras instituições – as igrejas, por exemplo – fornecem instrumentos, morais, religiosos, de classificação e de avaliação de partidos e de candidatos.

Isso significa que a educação formal (tempo de escola, nível de cultura e/ou de consumo de bens culturais) não é um pré-requisito indispensável para que as pessoas sejam politicamente competentes. Ajuda, mas não é o único caminho – o que nos conduz a uma última questão. Se as pessoas podem perceber diferenças entre os políticos sem conhecerem profundamente ideologias, teorias, o que ocorre quando os partidos trocam o vermelho pelo azul?
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11 de outubro de 2006

A inutilidade dos debates - coluna de Renato Perissinotto na Gazeta do Povo, 11 out. 2006

[M. Rotkho]

Renato M. Perissinotto
Gazeta do Povo 11 out. 2006

Por favor, perdoem-me a heresia, mas esses debates televisivos não servem para nada! Sei que isso ofende o senso comum, sobretudo aquele que vigora entre os profissionais da mídia, que acreditam piamente na necessidade de patrocinar esses enfrentamentos vazios de conteúdo e recheados de oratória pirotécnica, “para o bem da democracia”. É claro que este colunista não é contra o debate público, isto é, a submissão de propostas claras à crítica cerrada do eleitor comum e de especialistas. Mas o que vimos no domingo passado foi uma exposição de assertivas tão contundentes quanto vazias, de virilidade ridícula, de duelo de “evidências” por meio de números que ninguém sabe de onde vêm, o que representam ou sequer se são verdadeiros.

Fulano diz que gastou tantos milhões em educação; sicrano rebate que investiu o dobro e que gastou três vezes mais em saúde pública; fulano diz que sicrano roubou, mas sicrano diz que não e devolve a acusação; ambos citam números, lembram os nomes dos cúmplices e deixam ao leitor a responsabilidade de checar todas as informações para saber quem está dizendo a verdade, o que, obviamente, jamais será feito, pois todos nós temos mais o que fazer. Com preguiça, só resta ao eleitor indeciso (pois o decidido já não muda de opinião nesta altura do campeonato) se apegar aos traços de personalidade: quem é o mais firme? Quem é o mais bonito? Quem fala melhor? Quem é mais astucioso? Enfim, todos aqueles critérios absolutamente superficiais, desprovidos de significado político e que nada dizem sobre a capacidade de governar do candidato. A grande mídia e os jornalistas estão, a meu ver, prestando um enorme desserviço à democracia ao insistirem em chamar isso de debate democrático.

Está na hora de as redes de televisão repensarem essa prática. Creio mesmo que não se trata nem de produzir um pseudo-enfrentamento entre os candidatos. O último deles durou duas horas e meia sem que qualquer exposição efetiva de propostas de governo fosse feita. Talvez fosse muito mais proveitoso se usassem esse tempo para submeter os candidatos (isoladamente) a perguntas profundas e sérias, elaboradas por jornalistas inteligentes e ousados, que obrigassem os candidatos a responderem diretamente indagações sobre o que fizeram no governo ou sobre o que pretendem fazer se chegarem lá. Duas horas e meia de sabatina pública me parecem muito mais proveitosas do que duas horas e meia de exibição vazia.

Renato Perissinotto é cientista político, professor da UFPR.

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29 de setembro de 2006

O terno azul

[foto: Jean Manzon, Juscelino Kubitschek, Brasília, c. 1957]

Adriano Codato
Gazeta do Povo, Curitiba - PR, 2o. cad., p. 19, 29 set. 2006


Ao dentista e a debate só se vai em último caso.
Essa máxima seguida à risca pelo presidente Lula, que optou por outros “compromissos de campanha”, era ato que faltava na disputa presidencial. Ele confirma que a política brasileira está cada vez mais despolitizada.

A despolitização da campanha promovida pelo PT e pelos demais partidos não resulta só da cara de pau da situação ou da oposição quando o assunto é “a ética na política”. A despolitização tem a ver com a falta de uma verdadeira discussão de alternativas viáveis ao modelo social-liberal.

O volume de recursos para promover a tal da revolução da educação viria de onde? Podemos contar com a disposição efetiva para reduzir o superávit primário? Heloísa Helena enfrentaria o grande capital financeiro com alguma coisa mais do que a vontade de brigar? “Geraldo”, como querem os marqueteiros, continuaria a obra de destruição do Estado e do setor público iniciada no governo FHC?

Como se viu na campanha e no debate de ontem, o PSDB representa, afinal, a face mais agressiva do mesmíssimo modelo econômico. Heloísa Helena, empenhada em gritar o antigo bordão petista, “contra tudo isso que aí está”, põe em segundo plano a tarefa de reconstrução de um partido de esquerda. E Cristovam Buarque não consegue deixar de ser Cristovam Buarque.

No fundo mesmo, ficamos apenas privados de ver o Lula em seu elegante terno azul.

Referência:
CODATO, Adriano. O terno azul. Gazeta do Povo, Curitiba - PR, 2o. cad., p. 19, 29 set. 2006.

26 de setembro de 2006

Crise política e senso comum

[croqui do Congresso Nacional, O. Niemeyer]

Adriano Codato
Gazeta do Povo, Curitiba (PR),
7 nov. 2005, p. 8.


É provável que tenha sido Luis Fernando Veríssimo quem observou ser a discussão política entre nós uma disputa de par ou ímpar. Sempre há, segundo essa lógica, duas alternativas. Excludentes entre si. Não é o que se passa quando se lê quase todos os diagnósticos sobre Lula e seu governo? Ou se é a favor (do Presidente, do PT, dos políticos de esquerda etc.), ou se é contra. A partir disso...

Impossível desconhecer o fato óbvio que política é tomada de posição. Mas uma análise objetiva da crise política atual deve necessariamente partir daí? Sendo a imparcialidade um princípio inalcançável (e, nesse caso, indesejável: como pensar a política sem pensar politicamente?), o dever de casa dos intelectuais não é só “falar” ou “não falar”. Há, claro, o risco de ouvir aqueles profetas que Louis Pinto reprovou, num artigo recente em L'Humanité, que fazem pouco do trabalho empírico dos sociólogos, dos economistas, dos historiadores, dos cientistas políticos, e se contentam em proferir generalidades sobre “mutações”, “rupturas”, “desencaixes” etc. O ponto fundamental, julgo eu, é tentar mostrar – a partir da crise presente – o que se passa, hoje, com a Política em geral, principalmente quando há uma descrença difundida da Política.

Para quem acompanha a conjuntura pela imprensa, ou por ouvir dizer, a crise se resume à crise “do governo do PT” e essa se resume quase que à descoberta diária dos trambiques dos funcionários pagos do Partido, e às suas justificativas inacreditáveis. Essa visão factual, embora guarde o mérito de reportar o funcionamento miúdo do sistema político brasileiro, possui, por outro lado, certos problemas.

O primeiro é que não dispõe os eventos (aqueles que dão manchete e causam escândalo) numa cadeia causal. Quando o que se vê é uma sucessão aleatória de acontecimentos, ou melhor, quando os acontecimentos são apresentados sem qualquer ordem reconhecível, perde-se a idéia de processo político e junto some até mesmo, ou por causa disso, o passado recente. Vivemos um presente absoluto e somos levados a crer que o mundo social é o resultado simples dos feitos e malfeitos dos indivíduos. A análise política é então pouco mais que a descoberta das intenções ocultas dos primeiros e o comentário minucioso dos fatos do dia anterior. (Com alguma maldade, Charles Tilly sugeriu que “somente os locutores esportivos e os repórteres televisivos chegam perto de fazer observação e análise simultaneamente”). Nesse registro, a cena política é preenchida por “declarações”, que logo se convertem em “revelações”, e os analistas passam a correr atrás dos lances dos atores (alguns, atores mesmo...) na expectativa de descobrir e depois reportar suas “táticas políticas”.

Ora, quando o que interessa mais é o jogo e os jogadores ao invés daquilo que está em jogo (como enfatizou Pierre Bourdieu na sua análise sobre a televisão), o segundo problema é que desaparece o contexto mais amplo onde a ação política se dá (junto com a série de constrangimentos postos diante de quem deve decidir). Se no primeiro caso a atenção é desviada para os personagens do drama, tomados isoladamente e a cada instante, aqui a crise de governo não se liga a nada que não diga respeito à corrupção do governo. É natural, portanto, que os discursos sobre a “ética” façam às vezes de explicação e quanto mais indignados seus autores, mais inteligentes pareçam. O sumiço da idéia de política como processo se casa agora, no senso comum, com o esquecimento de todas as circunstâncias, e essa complicação adicional implica em aceitar um raciocínio peculiar que ignora a economia internacional (mesmo quando se fala em “globalização”), a sociedade tradicional (mesmo quando se reconhece a famosa “herança colonial”) e as rotinas do sistema político nacional junto com seu cortejo de “disfunções”: populismo, clientelismo, patrimonialismo etc. Cada um desses elementos tem um papel e um peso na explicação da natureza da crise, das suas origens e das saídas possíveis. Por que não discuti-los?

Por último, quando a lógica do campo político captura o campo jornalístico, promovendo feitos em fatos e transformando indivíduos quaisquer em atores racionais; e quando a lógica do campo jornalístico captura o campo político, tornando o conflito político uma disputa pela melhor imagem e convertendo essa imagem despolitizada em fetiche, o resultado é um baralhamento das coisas tal que o universo político aparece sem lógica alguma: um caos, para resumir. Essa confusão só é compreensível, conforme se crê, pela corrupção a serviço da disputa egoísta do poder. Não é exatamente assim que é “explicada”, por exemplo, a interminável troca dos deputados de um partido a outro? O que passa despercebido é que se o “marketing político” (essa lucrativa invenção) dissimula justamente as diferenças reais entre os programas, criando candidatos intercambiáveis, a mudança de legenda que vem em seguida às eleições não passa de um detalhe menos notável desse processo de indiferenciação, já que, afinal, “são todos iguais”. O sucedâneo disso é o desencanto geral com a Política, a desconfiança nos partidos e a descrença (também pudera) nos próprios políticos. Resultado: toda saída está bloqueada e tanto a idéia de representação política, quanto seus mecanismos de delegação estão em xeque. Fim da Política?

Esse talvez seja o fio a puxar dessa meada. É necessário, por isso mesmo, repolitizar o debate sobre a crise atual, recusando a visão atomizada dos eventos e uma compreensão a-histórica dos processos. Essa operação, que é também uma luta ideológica, não significa apenas restituir a autoridade da ciência da sociedade sobre a sociedade. Mais do que “mostrar o outro lado das coisas”, há uma verdadeira disputa simbólica para (re)pensar a política. Assim, a análise sociológica da política não está excluída dessa disputa maior que se dá com e contra o próprio campo político e o campo jornalístico, que produzem e impõem um sentido próprio aos acontecimentos.

Um começo possível para essa discussão poderia ser o seguinte: a crise do governo Lula, no que ela tem de paradigmático, descontando-se ao menos por ora os negócios ilegais dos “dirigentes históricos”, gira em torno de quatro grandes eixos. Um estritamente político, um social, um econômico e um utópico. Esses eixos não têm raízes só locais, mas dizem respeito, antes, às dificuldades da própria Política contemporânea. Dando um passo atrás para enxergar o tamanho do quadro e o desenho em suas devidas proporções, há um conjunto de problemas devidamente intrincados. Listo-os sem qualquer hierarquia: o problema da governabilidade do sistema político (como obter apoio?) e da governança do sistema estatal (como ser eficiente e controlável?); o problema da legitimidade dos atores políticos e da representatividade dos movimentos sociais (em nome de quem eles ainda podem falar?); e o problema da soberania dos Estados capitalistas (até onde vai a autoridade da potência hegemônica?) e do poder dos governos nacionais (qual sua capacidade decisória efetiva?); e, por fim, o problema do modelo de civilização que se deseja (estatal, social, liberal?) e do agente político capaz de formular esse projeto e sustentar esse modelo. Não está aí, afinal, o sentido último da “crise da esquerda”?

Certamente quando se faz isso há mais questões que respostas, sendo esse um programa ambicioso de estudos e debates sobre um mundo muito complexo. Ainda que não seja indiferente ao governo petista, e aos seus inúmeros “contratempos”, para ser educado, seria prudente focalizar, ao mesmo tempo, a crise do governo e a crise da Política contemporânea. Para começo de conversa.

Referência:
CODATO, Adriano Nervo. Crise política e senso comum. Gazeta do Povo, Curitiba - PR, v. 1 cad., p. 8, 7 nov. 2005.
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