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Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections

26 de setembro de 2006

Crise política e senso comum

[croqui do Congresso Nacional, O. Niemeyer]

Adriano Codato
Gazeta do Povo, Curitiba (PR),
7 nov. 2005, p. 8.


É provável que tenha sido Luis Fernando Veríssimo quem observou ser a discussão política entre nós uma disputa de par ou ímpar. Sempre há, segundo essa lógica, duas alternativas. Excludentes entre si. Não é o que se passa quando se lê quase todos os diagnósticos sobre Lula e seu governo? Ou se é a favor (do Presidente, do PT, dos políticos de esquerda etc.), ou se é contra. A partir disso...

Impossível desconhecer o fato óbvio que política é tomada de posição. Mas uma análise objetiva da crise política atual deve necessariamente partir daí? Sendo a imparcialidade um princípio inalcançável (e, nesse caso, indesejável: como pensar a política sem pensar politicamente?), o dever de casa dos intelectuais não é só “falar” ou “não falar”. Há, claro, o risco de ouvir aqueles profetas que Louis Pinto reprovou, num artigo recente em L'Humanité, que fazem pouco do trabalho empírico dos sociólogos, dos economistas, dos historiadores, dos cientistas políticos, e se contentam em proferir generalidades sobre “mutações”, “rupturas”, “desencaixes” etc. O ponto fundamental, julgo eu, é tentar mostrar – a partir da crise presente – o que se passa, hoje, com a Política em geral, principalmente quando há uma descrença difundida da Política.

Para quem acompanha a conjuntura pela imprensa, ou por ouvir dizer, a crise se resume à crise “do governo do PT” e essa se resume quase que à descoberta diária dos trambiques dos funcionários pagos do Partido, e às suas justificativas inacreditáveis. Essa visão factual, embora guarde o mérito de reportar o funcionamento miúdo do sistema político brasileiro, possui, por outro lado, certos problemas.

O primeiro é que não dispõe os eventos (aqueles que dão manchete e causam escândalo) numa cadeia causal. Quando o que se vê é uma sucessão aleatória de acontecimentos, ou melhor, quando os acontecimentos são apresentados sem qualquer ordem reconhecível, perde-se a idéia de processo político e junto some até mesmo, ou por causa disso, o passado recente. Vivemos um presente absoluto e somos levados a crer que o mundo social é o resultado simples dos feitos e malfeitos dos indivíduos. A análise política é então pouco mais que a descoberta das intenções ocultas dos primeiros e o comentário minucioso dos fatos do dia anterior. (Com alguma maldade, Charles Tilly sugeriu que “somente os locutores esportivos e os repórteres televisivos chegam perto de fazer observação e análise simultaneamente”). Nesse registro, a cena política é preenchida por “declarações”, que logo se convertem em “revelações”, e os analistas passam a correr atrás dos lances dos atores (alguns, atores mesmo...) na expectativa de descobrir e depois reportar suas “táticas políticas”.

Ora, quando o que interessa mais é o jogo e os jogadores ao invés daquilo que está em jogo (como enfatizou Pierre Bourdieu na sua análise sobre a televisão), o segundo problema é que desaparece o contexto mais amplo onde a ação política se dá (junto com a série de constrangimentos postos diante de quem deve decidir). Se no primeiro caso a atenção é desviada para os personagens do drama, tomados isoladamente e a cada instante, aqui a crise de governo não se liga a nada que não diga respeito à corrupção do governo. É natural, portanto, que os discursos sobre a “ética” façam às vezes de explicação e quanto mais indignados seus autores, mais inteligentes pareçam. O sumiço da idéia de política como processo se casa agora, no senso comum, com o esquecimento de todas as circunstâncias, e essa complicação adicional implica em aceitar um raciocínio peculiar que ignora a economia internacional (mesmo quando se fala em “globalização”), a sociedade tradicional (mesmo quando se reconhece a famosa “herança colonial”) e as rotinas do sistema político nacional junto com seu cortejo de “disfunções”: populismo, clientelismo, patrimonialismo etc. Cada um desses elementos tem um papel e um peso na explicação da natureza da crise, das suas origens e das saídas possíveis. Por que não discuti-los?

Por último, quando a lógica do campo político captura o campo jornalístico, promovendo feitos em fatos e transformando indivíduos quaisquer em atores racionais; e quando a lógica do campo jornalístico captura o campo político, tornando o conflito político uma disputa pela melhor imagem e convertendo essa imagem despolitizada em fetiche, o resultado é um baralhamento das coisas tal que o universo político aparece sem lógica alguma: um caos, para resumir. Essa confusão só é compreensível, conforme se crê, pela corrupção a serviço da disputa egoísta do poder. Não é exatamente assim que é “explicada”, por exemplo, a interminável troca dos deputados de um partido a outro? O que passa despercebido é que se o “marketing político” (essa lucrativa invenção) dissimula justamente as diferenças reais entre os programas, criando candidatos intercambiáveis, a mudança de legenda que vem em seguida às eleições não passa de um detalhe menos notável desse processo de indiferenciação, já que, afinal, “são todos iguais”. O sucedâneo disso é o desencanto geral com a Política, a desconfiança nos partidos e a descrença (também pudera) nos próprios políticos. Resultado: toda saída está bloqueada e tanto a idéia de representação política, quanto seus mecanismos de delegação estão em xeque. Fim da Política?

Esse talvez seja o fio a puxar dessa meada. É necessário, por isso mesmo, repolitizar o debate sobre a crise atual, recusando a visão atomizada dos eventos e uma compreensão a-histórica dos processos. Essa operação, que é também uma luta ideológica, não significa apenas restituir a autoridade da ciência da sociedade sobre a sociedade. Mais do que “mostrar o outro lado das coisas”, há uma verdadeira disputa simbólica para (re)pensar a política. Assim, a análise sociológica da política não está excluída dessa disputa maior que se dá com e contra o próprio campo político e o campo jornalístico, que produzem e impõem um sentido próprio aos acontecimentos.

Um começo possível para essa discussão poderia ser o seguinte: a crise do governo Lula, no que ela tem de paradigmático, descontando-se ao menos por ora os negócios ilegais dos “dirigentes históricos”, gira em torno de quatro grandes eixos. Um estritamente político, um social, um econômico e um utópico. Esses eixos não têm raízes só locais, mas dizem respeito, antes, às dificuldades da própria Política contemporânea. Dando um passo atrás para enxergar o tamanho do quadro e o desenho em suas devidas proporções, há um conjunto de problemas devidamente intrincados. Listo-os sem qualquer hierarquia: o problema da governabilidade do sistema político (como obter apoio?) e da governança do sistema estatal (como ser eficiente e controlável?); o problema da legitimidade dos atores políticos e da representatividade dos movimentos sociais (em nome de quem eles ainda podem falar?); e o problema da soberania dos Estados capitalistas (até onde vai a autoridade da potência hegemônica?) e do poder dos governos nacionais (qual sua capacidade decisória efetiva?); e, por fim, o problema do modelo de civilização que se deseja (estatal, social, liberal?) e do agente político capaz de formular esse projeto e sustentar esse modelo. Não está aí, afinal, o sentido último da “crise da esquerda”?

Certamente quando se faz isso há mais questões que respostas, sendo esse um programa ambicioso de estudos e debates sobre um mundo muito complexo. Ainda que não seja indiferente ao governo petista, e aos seus inúmeros “contratempos”, para ser educado, seria prudente focalizar, ao mesmo tempo, a crise do governo e a crise da Política contemporânea. Para começo de conversa.

Referência:
CODATO, Adriano Nervo. Crise política e senso comum. Gazeta do Povo, Curitiba - PR, v. 1 cad., p. 8, 7 nov. 2005.
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