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Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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2 de junho de 2011

prefácio a "elite vermelha: o pcb no paraná (1945-1964)", livro de marcio kieller

[History Of Communism
Date taken: 1961
Photographer: James Whitmore
Life] 

Márcio Mauri Kieller Gonçalves. Elite vermelha. O PCB no Paraná (1945-1964). Fundação Astrojildo Pereira e Contraponto, 2011.

Prefácio

Angelo Panebianco advertiu que os estudos sobre partidos políticos são em geral prisioneiros de dois tipos de simplificação. Uma derivada do que se poderia chamar de “preconceito sociológico” e outra do “preconceito teleológico”.

O preconceito sociológico consiste em tomar os partidos não como organizações específicas, com regras próprias e modos de funcionamento autônomos, que mereceriam ser estudados por si mesmos, mas como simples meios para representar interesses sociais. Há duas variantes desse erro. Ou se atribui o caráter de classe do partido à pretensa base social que ele deveria expressar (estimada essa em função do seu eleitorado potencial ou real), ou ao perfil sociográfico dos seus membros (filiados, militantes, dirigentes, parlamentares, etc.). Assim se torna simples falar em “partidos burgueses”, “partidos pequeno-burgueses”, “partidos operários”, etc.

Já o preconceito teleológico atribui arbitrariamente certos objetivos aos partidos políticos – vencer eleições, maximizar votos, organizar a classe, difundir sua ideologia, realizar seu programa, etc. – e procura explicar tudo o que um partido faz, assim como a forma pela qual ele se organiza, em função de um desses propósitos. Daí os carimbos de “partidos revolucionários”, “partidos reformistas”, “partidos democráticos”, etc.

Todas essas definições são correntes na literatura e consistentes com o mais puro senso comum. Mas se a pesquisa social não quiser apenas reproduzi-lo, ilustrando com mais dados essas supostas verdades, ela deve tomar como problemas – por exemplo: a evolução dos partidos, as características dos partidos, os objetivos dos partidos, as funções dos partidos – aquilo que tem aparecido como evidência incontestável. Daí que estudos sobre partidos de esquerda, principalmente, adquiram novo interesse quando realizados a partir de novos pressupostos.

Análises sobre partidos comunistas foram, na maior parte das vezes, prisioneiras desses dois preconceitos. Circunscrito por uma sorte de hábito mental dos estudiosos a pensá-lo como instrumento da organização, agregação e representação dos interesses e dos valores de um setor da sociedade com vistas à disputa pela conquista dos lugares-chave do poder, a lista de tópicos tratados, quando o assunto era o “partido revolucionário”, quase sempre variou em torno de três ou quatro temas obrigatórios: a afinidade entre as organizações partidárias e as ideologias políticas de esquerda, a questão da base social dos partidos de classe e o papel (positivo ou negativo) das suas lideranças sociais, o problema da representatividade política dos partidos anti-sistema, para ficarmos no principal das discussões. Mas, como notou Michael Löwy, em todo esse debate, esteve sempre presente no horizonte a questão da correspondência, ou não, entre três coisas: i) a consciência de classe (consciência “espontânea”, consciência “sindicalista”, consciência “socialista”), ii) o alcance das lutas sociais que ela poderia ou não empolgar (reformistas ou revolucionárias) e iii) as formas de organização propostas para assegurar a eficácia da ação transformadora (“partido de vanguarda”, em Lênin, “espontaneísmo” revolucionário, em Rosa, “partido-príncipe”, para Gramsci). Daí que, nesse registro, a teoria do partido deveria ser tão só a teoria das estratégias e dos mecanismos mediante os quais uma classe, ou uma aliança de classes, trataria de conquistar o poder de Estado e impor, pela via da revolução social, uma nova hegemonia. Como consequência, os estudos empíricos dos partidos comunistas tornaram-se, em sua maioria, investigações sobre os sucessos ou os insucessos de suas respectivas ações políticas em determinados contextos histórico-sociais.

Espremido pela relação ideal postulada pelos teóricos entre uma vanguarda de revolucionários profissionais e as massas populares, pela relação real entre a consciência verdadeiramente transformadora e a luta puramente econômica (“economicismo”), pela forma mais útil da organização política que se deveria “historicamente” adotar e pela questão da representatividade “orgânica” do partido da classe trabalhadora, o problema da composição social dos seus quadros dirigentes tendeu a desaparecer de vista. “O que fazer”, para citar um livro famoso, quando fazer, como fazer, sempre foi mais importante do que “quem” poderia fazê-lo em nome da classe.

Além de tudo, por uma dessas questões de terminologia, onde há mais ideologia que sociologia, a “elite partidária” dos partidos da esquerda comunista dificilmente foi chamada como tal, historiadores e sociólogos preferindo referir-se tanto às cúpulas como às bases indistintamente como “militantes comunistas”. Essa operação verbal, generosa com a atividade muitas vezes heroica dessas pessoas, elidiu a divisão, típica de todas as organizações estruturadas, entre dirigentes e dirigidos. A falta de foco na “oligarquia partidária”, para retomarmos a famosa expressão de Robert Michels, certamente não ajudou a compreender melhor os dilemas enfrentados pelas organizações da esquerda revolucionária.

É precisamente esse o assunto principal do livro de Marcio Kieller. Foram pesquisados oitenta e nove dirigentes do PCB do Paraná que, por algum momento entre 1945 e 1964, ocuparam cargos destacados no Partido. O perfil sócio-profissional dos comandantes desenhado ao final por Kieller colabora, de fato, para avançar no conhecimento histórico e sociológico dos comunistas brasileiros e também para responder, sempre à luz do caso tratado, uma das perguntas básicas dos estudos sobre grupos dirigentes: “Quais são os atributos sociais, econômicos, culturais e políticos dos membros de uma dada organização que atingiram suas posições institucionais de mando?”.

Já sabemos que origens sociais e familiares, trajetória profissional, carreira política, posições de status, entre outros elementos, estruturam disposições duráveis. Nesse sentido, compreender o social background desses indivíduos é um passo importante, ainda que não o único, para explicar seus comportamentos políticos, suas escolhas militantes e, no caso, a aprendizagem do métier de revolucionário profissional. A origem social pode, sim, inspirar o “estilo político” de um agente político. Por exemplo: pode influenciar as formas como ele encara o sistema político e como age para mudá-lo, seus valores sociais e a distância em relação aos valores dominantes, suas aspirações intelectuais e culturais, os tipos de interação que ele estabelece dentro do grupo de origem e fora dele, as funções que ele assume no interior da organização e a forma particular de exercê-las, etc. Por outro lado, pode-se argumentar que a conexão entre origem sócio-profissional e comportamento político militante não é uma relação necessária; mas até para negá-la é preciso estudar se há ou não essa conexão – a partir de casos empíricos.

Marcio Kieller tem presente esse problema em toda sua pesquisa e seu estudo deve ser lido como uma contribuição efetiva nesse campo. Aliando rigor documental, curiosidade histórica e um elogiável senso de proporções sobre os alcances dos seus achados, Kieller indaga as biografias dessa “elite vermelha” não para mostrar que o Partido era, afinal, tocado por indivíduos de classe média. Mas, ao invés, para mostrar que foram precisamente esses indivíduos de carne e osso, e não outros, que deram vida à organização, emprestando dela as condições concretas da sua vivência política.

Quem sabe essa perspectiva inspire, com o mesmo profissionalismo, muitos outros trabalhos do gênero.



Adriano Codato
Curitiba, outono de 2011.
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17 de março de 2010

O que entrevistas biográficas podem dizer de sociologicamente relevante?

[Metrô, 1998
Egberto Nogueira.
Pirelli/MASP]


Adriano Codato

Indagações sobre nossa pesquisa com a elites dirigentes dos comunistas no estado solicitam em geral que se diga o que há de curioso, o que há de interessante, de típico, de diferente, etc. no livro. Por outro lado, as entrevistas biográficas que compõem o nosso livro Velhos vermelhos (2008) pretendem ser uma fonte particularmente útil para a sociografia das lideranças dos comunistas no Brasil no pós-Guerra. Visto que o livro não é um livro de homenagem nem de celebração, o que uma documentação como essa pode dizer de sociologicamente relevante? Essa é a questão que os cientistas sociais devem se fazer.

Através da história social pessoal e do itinerário político e profissional dos dirigentes partidários (ou desses dirigentes partidários, mais especificamente) é possível, por exemplo, acessar
  1. os determinantes sociais da carreira de militante político numa organização de esquerda; 
  2. as condições de entrada no profissionalismo político num partido semiclandestino; 
  3. as regras de manutenção da direção de uma organização política importante (e politicamente improvável nesse contexto histórico); 
  4. a lógica de ocupação dos postos políticos; 
  5. os mecanismos de ajustamento das disposições sociais e individuais às regras do universo comunista; 
  6. os processos de investimento subjetivo na instituição e de investimento objetivo da instituição nos agentes; 
  7. o trabalho de manipulação simbólica da identidade social desses políticos da revolução social; 
  8. a construção da imagem de representante como um espelho fiel dos representados (1). 
Da mesma maneira, é possível, ou mais exatamente, é preciso deslocar o foco do indivíduo para o sistema de relações históricas no qual ele está inserido, a fim de tomar suas posições, decisões, explicações e avaliações como manifestação concreta de uma lógica social específica.

Elas, aliás, podem fornecer uma base importante para o estudo de atitudes, valores e crenças políticas do grupo e da própria época.

nota:
(1) Ver Bernard Pudal, Les dirigeants comunistes: du “fils du peuple” a “l’instituteur des masses”. Actes de la recherche em sciences sociales, Paris, n. 71-72, p. 46-70, mars 1988.


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16 de agosto de 2009

resenha: comunistas no paraná

[W. Gropper. The Troublemaker
Who Acts Like a Provocateur at the Caucus. 1943]



PRESTES, Anita Leocadia. Comunistas no Paraná (1945-1964). Rev. Sociol. Polit. [online]. 2009, vol.17, n.33, pp. 215-21. [trecho]

[...]
A "Introdução" a Velhos vermelhos, de autoria de A. Codato, parte dos "estudos das elites" como metodologia para analisar os depoimentos dos dirigentes do PCB-PR, o que pode ser questionado do ponto de vista teórico, uma vez que as "teorias das elites" constituem uma forma mais ou menos sofisticada de eludir a teoria marxista das classes sociais e da luta de classes. Como é apontado por Cardoso e Brignoli: "[...] la concepción en términos de elite presupone la distribución desigual de una o de una combinación de variables, destacando-se el hecho de que existen frecuentemente grupos selectos de personas - los más dotados; los más ricos; los más poderosos, etc. - que se destacan, constituyendo una elite. Comúnmente se enfatiza el hecho de que los que gobiernan o detentan el poder, son justamente los miembros de dichos grupos selectos. Desde el punto de vista teórico-metodológico, la teoría de las elites implica una perspectiva similar a la de las teorías de la estratificación basadas en la distribución desigual del poder" (CARDOSO & BRIGNOLI, 1976, p. 106-107).

Desta forma, segundo os dois autores marxistas citados, abandona-se a concepção de classe social proposta por Marx. Consequentemente, é abandonada também a concepção, segundo a qual nas sociedades humanas, em que existe exploração do homem pelo homem, processa-se a luta de classes. Aspecto importante a ser considerado por quem se propuser a analisar e interpretar os depoimentos apresentados em Velhos vermelhos.

O livro está dividido em duas partes, sendo que os dez depoimentos apresentados compõem a segunda parte. A primeira contém dois capítulos, que, de acordo com A. Codato, devem "situar o leitor no universo político e ideológico que as entrevistas recriam" (CODATO & KIELLER, 2008, p. 20). Como já fora antecipado na "Introdução" ao livro, o capítulo I, de autoria dos dois organizadores da obra, tem como título "A elite dos comunistas e sua história no Paraná", deixando clara, portanto, a opção teórica adotada.

Ademais dos problemas oriundos de uma análise baseada nas "teorias das elites", os autores do capítulo I, ao desconsiderar uma parte significativa da produção acadêmica hoje existente sobre a história do PCB e dos comunistas brasileiros, incorrem em uma série de falhas e imprecisões, decorrentes de tal desconhecimento e, muitas vezes, dos preconceitos anticomunistas derivados da História Oficial produzida pelas classes dominantes. Assim, tanto no capítulo I como em algumas notas de pé de página e também nas questões formuladas aos entrevistados, verificamos a utilização da expressão "levante comunista" para designar os levantes de novembro de 1935 (idem, p. 27, 45, 49, 55, 96, 118, 142). Na verdade, foram levantes antifascistas, nos quais, certamente, os comunistas tiveram participação ativa; entretanto, lutava-se contra o fascismo e o integralismo, contra o imperialismo e o latifúndio e não pelo estabelecimento do comunismo no Brasil, como sempre foi difundido pela direita em nosso país (cf. PRESTES, 2008).

Entre muitas outras imprecisões, algumas podem ser citadas:

1) atribuir à "Conferência da Mantiqueira", realizada pelo PCB em 1943, a eleição da Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP), quando, ao contrário, esta foi formada antes da Conferência e desempenhou papel importante na sua convocação, tendo desaparecido após a realização da Conferência (CODATO & KIELLER, 2008, p. 33);

2) afirmar que Luiz Carlos Prestes foi elevado pela CNOP "aos quadros da Direção Executiva" e que a CNOP "definiu [...] a 'linha justa' diante do governo de Getúlio Vargas", quando na realidade tais decisões foram aprovadas na Conferência da Mantiqueira (idem, p. 33);

3) repetir o lugar-comum muito difundido pela direita de uma suposta "aliança de Prestes com Vargas", quando o que houve foi apenas apoio do PCB e de Prestes, sem compromisso algum, à posição do governo Vargas de combate ao nazifascismo, nos anos que antecederam a derrota dos países do Eixo (idem, p. 33; cf. PRESTES, 2001);

4) imprecisão na caracterização da Coluna Prestes, ao afirmar que esta era constituída apenas pelos "setores derrotados na Revolução Paulista de 1924", desconsiderando a participação decisiva dos rebeldes que se levantaram no Rio Grande do Sul e marcharam sob o comando de Luiz Carlos Prestes ao encontro dos companheiros de São Paulo. Também é incorreta a afirmação de que a Coluna teria sido derrotada (CODATO & KIELLER, 2008, p. 33n12; cf. PRESTES, 1997);

5) atribuir ao governo Vargas, em 1945, a convocação de uma Assembléia Constituinte. Na realidade, Vargas convocou eleições para a presidência da República, Câmara dos Deputados e Conselho Federal (correspondente ao Senado Federal). Somente, em novembro de 1945, após a deposição de Vargas, as eleições para a Assembléia Constituinte foram convocadas por José Linhares (CODATO & KIELLER, 2008, p. 34, 36);

6) atribuir a adoção da concepção "etapista" da revolução brasileira pelo PCB a partir apenas dos anos 1950, quando a mesma está inscrita nos documentos do Partido desde os anos 1920 (idem, p. 43);

7) afirmar que "os documentos do Partido Comunista sempre orientaram seus quadros para que buscassem alianças com a pequena burguesia em detrimento do proletariado/campesinato", inverdade facilmente observável a partir da leitura de tais documentos (idem, p. 43);

8) a bancada comunista na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 1947, tinha 18 vereadores e não 15, conforme se diz na página 45 e

9) exagero no papel atribuído aos fatores internacionais e às orientações oriundas da URSS na política do PCB, cuja autonomia relativa nas decisões adotadas é assim ignorada (idem, p. 45, 49, 55).

As imprecisões também se fazem presentes em algumas notas explicativas de pé de página, que acompanham os depoimentos dos dirigentes entrevistados. Por exemplo, a nota n. 47 (idem, p. 106) atribui à III Internacional Comunista um estilo de funcionamento que não corresponde bem à realidade, pois que se omite a participação dos partidos comunistas, filiados a essa organização internacional, na tomada de suas decisões.

O capítulo II de Velhos vermelhos, de autoria de Viviane Maria Zeni, pretende "apresentar algumas reflexões sobre o imaginário comunista no Brasil através da análise da participação das mulheres no PCB entre os anos de 1945 e 1958" (ZENI, 2008, p. 61). Afirma-se nesse capítulo que as mulheres comunistas reproduziam "o caráter dogmático da cultura política que o PCB difundia e conservava" e que o PCB "tornou[-se] o depositário de uma cultura política de caráter dogmático" (idem, p. 67). Entretanto, não fica claro o que seria tal "cultura política de caráter dogmático", deixando caminho aberto para as mais diversas interpretações por parte do leitor.

Da mesma forma, é discutível o emprego do conceito de totalitarismo para caracterizar o sistema soviético e, por extensão, as práticas dos comunistas brasileiros (idem, p. 79). F. C. Teixeira da Silva destaca na "teoria do totalitarismo" o fato de "considerar-se a massa como objeto amorfo, manipulável" e "o papel da massa, em especial, dos trabalhadores" ser "largamente negligenciado", o que em absoluto não se confirma através da pesquisa empírica, seja no Brasil seja na Europa. Conforme é apontado por esse autor, estudioso da resistência operária ao nacional-socialismo na Alemanha nazista, as novas fontes disponíveis revelam a existência de vigoroso movimento de oposição interna aos regimes fascistas. Em outras palavras, "A teoria do totalitarismo, marcada profundamente pelo clima político e ideológico da Guerra Fria, é incapaz de fornecer explicações adequadas ao enfrentamento fascismo/comunismo, desconhecendo e expulsando da história uma importante resistência operária comunista e antifascista" (SILVA, 1999, p. 16-17, 41).

O capítulo II, intitulado "Mulheres comunistas no Paraná: experiências e militância nas décadas de 40 e 50", tem, contudo, o mérito de contribuir para o estudo dos "processos de construção de identidade, tema ainda pouco explorado pela Sociologia Política brasileira", conforme é destacado por A. Codato (CODATO & KIELLER, 2008, p. 20).

A apreciação geral de Velhos vermelhos não pode deixar de ser positiva. Nesse sentido, não há como não concordar com o prefaciador da obra, quando este escreve que o livro "oferece, num texto ágil, muito bem editado, que mantém aceso o interesse da leitura, não somente importantes subsídios para a história das lutas sociais e do combate revolucionário no Paraná, mas, principalmente, um auto-retrato verídico da militância comunista na singularidade de suas circunstâncias concretas e na universalidade de seu projeto político" (idem, p. 12).
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13 de fevereiro de 2009

lançamento: Velhos vermelhos. editora da ufpr

[A painting of Lenin at the Kremlin
during the 22nd Party Congress.
Moscow, 1961. Howard Sochurek. Life]


[Adriano Codato e Marcio Kieller (orgs.), Velhos vermelhos: história e memória dos dirigentes comunistas no Paraná. para comprar o livro, clique aqui]

leia matéria sobre a obra na Gazeta do Povo aqui
veja a discussão metodológica sobre a concepção do livro aqui

Prefácio
João Quartim de Moraes


A despeito de faltar um estudo pormenorizado, sistematizado e abrangente da bibliografia sobre o comunismo no Brasil (o mais completo que conhecemos está em The Brazilian Communist Party de Ronald Chicote, que data de 1974), não é arriscado dizer que suas dimensões são bastante razoáveis. Se nela incluirmos, além de livros e artigos, as muitas teses defendidas pelo Brasil afora, chegaremos a um acervo considerável, mesmo se adotarmos um critério estrito de classificação, considerando tão somente as obras consagradas exclusiva ou principalmente ao tema.

Boa parte dessa bibliografia compõe-se de escritos produzidos pelos próprios comunistas. Nenhum outro movimento político confere maior importância aos fundamentos teóricos de sua ação. Já em agosto de 1924, pouco mais de dois anos depois da fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), Octávio Brandão, escondendo-se da polícia de Artur Bernardes, havia composto o essencial de Agrarismo e industrialismo, primeira tentativa de explicação marxista da sociedade brasileira. O texto circulou em cópias datilografadas, servindo de subsídio para as teses que Astrojildo Pereira apresentou no II Congresso do PCB (maio de 1925). Em décadas posteriores, ampliando e aprofundando essa iniciativa pioneira, intelectuais comunistas de reconhecida estatura desenvolveram interpretações marxistas da evolução econômica e política brasileira que constituem marcos teóricos decisivos para a compreensão de nossa história.

Compreensivelmente, entretanto, tiveram maior impacto no grande público as obras biográficas e os relatos das muitas lutas que os comunistas travaram e dos trágicos episódios de que foram protagonistas. Décadas de perseguição policial (no mais das vezes acompanhadas das mais torpes e odiosas atrocidades) e de contínua intoxicação mental (há sempre um sicofanta de plantão para tripudiar, por exemplo, a respeito do que a direita chama a “Intentona” de 1935, repetindo mentiras grosseiras a respeito desse trágico episódio), não lograram turvar a imagem de abnegação e heroísmo associada à trajetória do PCB nos períodos mais sombrios de nossa história. Com o fim do “sufoco” ditatorial, eclodiu vasta produção literária, consagrada principalmente à luta contra a ditadura militar, mas evocando também combates de outras gerações: a vida curta, bela e trágica de Olga Benário inspirou um livro e depois um filme de muito sucesso. Até a muito manipulada televisão apresentou vários programas sobre a vida e as lutas de Luís Carlos Prestes.

Velhos vermelhos inscreve-se nessa longa, vasta e multiforme produção cultural apresentando dez entrevistas consagradas à história e à memória dos dirigentes comunistas no Paraná entre 1945 e 1964, conforme esclarece o subtítulo do livro. É de se esperar, dos depoimentos de participantes e protagonistas de um longo combate revolucionário, narrativas penetrantes e comentários esclarecedores. Essa expectativa é largamente satisfeita, mas o livro oferece mais. Os entrevistados são convidados a responder a um bloco de questões, das quais as básicas são retomadas em cada entrevista. Outras variam em função das características da trajetória política de cada qual. O recurso ao questionário, indispensável para aferir com objetividade os traços comuns e as singularidades diferenciais que caracterizam a experiência da militância, é feito com inteligência não somente na escolha e formulação das questões, mas também na liberdade deixada aos entrevistados de desenvolver espontaneamente as respostas. O resultado, enfatizado pelos títulos de capítulos que os editores colocaram no topo de cada entrevista, destacando-lhe pontos fortes, aspectos originais, episódios marcantes, é um documento histórico de qualidade que oferece retratos sem retoques do que significou ser comunista durante o regime instaurado pelo golpe militar que depôs Getúlio Vargas em 1945 e derrubado pela contra-revolução de 1964.

As entrevistas têm por cenário o Paraná, mas cumprem, em suas circunstâncias de tempo e lugar, o estupendo preceito dialético que Tolstoi formulou em seu próprio século e em sua Rússia natal: “se queres ser universal, pinta tua aldeia”. As idéias gerais, em si mesmas, são vazias de conteúdo. Não são, pois, efetivamente universais. É indo ao fundo das próprias circunstâncias, embrenhando-se na espessa trama dos fatos, que podemos conferir uma dimensão universal ao aqui e agora. Tomemos o exemplo da corrupção, sempre atual entre nós. Enquanto idéia geral, ela é muito utilizada pela retórica moralista, que divide os cidadãos em honestos e corruptos, sem analisar as condições sociais que geram a imoralidade pública. Ater-se a essa generalidade, porém, banaliza a questão: são tantos os corruptos! Não é essa a atitude dos velhos vermelhos. Um deles mostra como se concretizou a abominável trapaça por meio da qual o então governador Moyses Lupion, por meio de uma fictícia “dação em pagamento”, fez passar para o nome de uma empresa de fachada da qual ele e um comparsa, um certo José Houp, eram sócios, as chamadas glebas do rio Piquiri, propriedade do estado do Paraná. Essas glebas eram, porém, habitadas e cultivadas há muito tempo por posseiros, que já se haviam mobilizado para obter sua titulação. Lupion fez como se eles não existissem. Criou um cartório a seu serviço e começou a vender títulos de participação. Quando os incautos compradores perceberam que o peculiar empreendimento só existia no papel, foram aconselhados a ressarcir-se “revendendo” aos posseiros as terras que esses, a justo título, consideravam suas... Alguns aceitaram pagar pelo que já era deles; outros resistiram e foram cruelmente atacados pelos jagunços a soldo de Lupion. Na defesa dos camponeses esbulhados, o PCB paranaense honrou seu compromisso com a causa do povo.

A importância decisiva que o movimento comunista, em escala internacional, sempre conferiu à função de organizador coletivo exercida pela imprensa partidária inspira-se no célebre Que fazer? de Lênin. Não se pode levar a sério um partido que pretenda mudar o mundo sem sequer dispor de meios próprios de propaganda (legais ou clandestinos). Formados na escola revolucionária do leninismo, praticamente todos os entrevistados enfatizaram o esforço para manter presente e atuante a palavra do Partido, através das dificuldades materiais (não por acaso o tema principal de uma das entrevistas é o mito do “ouro de Moscou”) e da constante perseguição policial.

Vale enfatizar, enfim, que Velhos vermelhos oferece, num texto ágil, muito bem editado, que mantém aceso o interesse da leitura, não somente importantes subsídios para a história das lutas sociais e do combate revolucionário no Paraná, mas principalmente, um auto-retrato verídico da militância comunista na singularidade de suas circunstâncias concretas e na universalidade de seu projeto político.

João Quartim de Moraes
Professor Titular de Filosofia Política da
Universidade Estadual de Campinas
São Paulo, março de 2007.


leia também o Posfácio, por Dainis Karepovs aqui
leia também a introdução metodológica do livro aqui
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19 de dezembro de 2008

Velhos vermelhos: história e memória dos dirigentes comunistas no Paraná

[K. Malevitch]

A publicação do livro
de Adriano Codato e Marcio Kieller (orgs.), Velhos vermelhos: história e memória dos dirigentes comunistas no Paraná (1945-1964) foi feita neste mês de fevereiro de 2009.

para comprar o livro, clique aqui
leia matéria sobre a obra na Gazeta do Povo aqui
veja a discussão metodológica sobre a concepção do livro aqui

Posto abaixo o
Posfácio ao livro escrito por Dainis Karepovs.

Este Velhos vermelhos, de Adriano Codato e Márcio Kieller, é daquelas obras que certamente ajudam a preencher um dos vários e enormes vazios ainda existentes na história político-partidária da esquerda no Brasil e servem de estímulo a que o trabalho avance solidamente. Além disso, deixa abertas várias sendas a serem percorridas pelos pesquisadores e que desembocarão no caminho de uma história da classe operária do Paraná. Isto não é pouco. Se o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo aparenta lhe dar uma orientação geral homogênea – mas que, na verdade, dá a cada segmento seu uma especificidade –, é no seu caráter desequilibrado que se podem encontrar muitas das respostas para suas diversidades. Reside nisto justamente a importância das histórias regionais e locais da classe trabalhadora.

Como observaram os autores no capítulo um, o novo tipo de partido surgido na cena política brasileira, de caráter nacional e de direção verticalizada, acabou involuntariamente estimulando uma historiografia que pouca atenção deu às suas estruturas regionais e locais. Na verdade, a este fenômeno é necessário agregar um outro: o da transformação dos estudos regionais da zona predominante política e economicamente do Brasil, em particular Rio de Janeiro e São Paulo, em obras de caráter nacional ou globalizante, como o bem já observou Silvia Petersen . Felizmente, as novas perspectivas da historiografia da classe operária brasileira têm conseguido superar este quadro e têm conseguido dar um impulso renovador aos seus estudos regionais e locais, dos quais Velhos vermelhos é mais um indubitável índice. Pelas vozes dos combatentes e defensores dos anseios da classe trabalhadora paranaense, brasileira e mundial aqui reunidas por Adriano Codato e Márcio Kieller, acompanhadas por um aparato crítico que não deixa o leitor desamparado em momento algum, nos encontramos e reencontramos com episódios e personagens da história da classe trabalhadora brasileira que ganham vida e novas faces.

Pessoalmente, até aqui, os comunistas do Paraná haviam sido para mim uma ponta de um novelo que se desenrolou em outro sentido. São inevitáveis o relato e algumas reflexões daí decorrentes.

Quando realizava a pesquisa para um capítulo de minha dissertação de mestrado sobre uma cisão que varreu de alto a baixo o então Partido Comunista do Brasil (PCB), durante a segunda metade dos anos 1930, também tive um pequeno contato com a história dos comunistas do Paraná . Eu procurava descobrir como a polícia política da ditadura varguista reunira as informações sobre a cisão, o que lhe permitiria mais tarde reprimir duramente as facções que se digladiavam. Embora o epicentro dessa luta fracional tivesse ocorrido em São Paulo, debaixo do nariz do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS-SP), foi a partir da prisão de parte da direção do Comitê Regional do PCB do Paraná (CR-PR) que a polícia política paulista despertou de sua letargia.



Foto: Pichação em Curitiba em apoio à Constituição
da Frente Democrática de Libertação Nacional.
Arquivo Público do Paraná.


No início de dezembro de 1937 foram presos em Curitiba vários dirigentes do CR-PR: Altair Zubaran Menna Barreto (de acordo com a Polícia, ele seria o secretário do Comitê Regional e também usaria o nome de Adalberto Rodrigues Netto), Jacob Schmidt, Max Laszek, Jorge Herlein e Arthur Heladio Neves (o qual havia fugido do presídio do Paraíso, em São Paulo, em fevereiro daquele ano). Com eles a Polícia apreendeu importante documentação que fez chegar às mãos da repressão elementos de informação sobre a cisão no interior do Partido Comunista.

Mas este primeiro contato e compreensão da cisão só ocorreriam com a ida a Curitiba do encarregado da Seção de Investigações da Delegacia de Ordem Social de São Paulo, Luiz Apollonio. Acreditando ter obtido possíveis informações sobre a realização de uma conferência nacional do PCB no Rio ou em São Paulo, o delegado de Ordem Política e Social do Paraná, Mario Augusto de Queiroz, em 14 de dezembro de 1937 solicitou ao seu colega de São Paulo elementos para a identificação de “Maurício”, que teria enviado um telegrama cifrado de São Paulo no qual ele estaria pedindo a suspensão de envio de relatório do Comitê Regional do PCB de São Paulo (CR-SP), também apreendido em Curitiba. Além disso, o
delegado Queiroz também pediu a identificação de outros militantes paranaenses refugiados em São Paulo. Sem ainda saber exatamente do que se tratava, o delegado de São Paulo enviou Luiz Apollonio a Curitiba no dia 16 de dezembro.

A partir do exame da documentação, das informações colhidas pela Polícia do Paraná e do interrogatório realizado com Adalberto Barreto, Apollonio, ao voltar a São Paulo, redigiu um relatório de três páginas dando conta do que havia ali visto. Depois de historiar como se dera a prisão dos dirigentes comunistas paranaenses, Apollonio, em seu relatório de 23 de dezembro, detalhando seu conteúdo, destacou a importância da documentação apreendida, pois ela dava conta de uma “séria divergência na direção nacional do PCB tendo motivado, até, uma cisão” . Além de estabelecer a identidade do enviado do CR-PR a São Paulo, “Maurício”, como sendo o estudante Attila Medeiros Rodrigues Silva, o encarregado da Seção de Investigações paulista obteve informações sobre um suposto sistema de ligação entre os comunistas do Paraná e São Paulo. Apollonio concluiu seu relatório constatando que o PCB agia nacionalmente e não regionalmente e, por isso, lançou um apelo em prol de “um perfeito intercâmbio entre as polícias dos vários estados”.

Entre os documentos apreendidos e arquivados no DEOPS-SP havia um relatório, datado de dezembro de 1937, em que o CR-PR informava que, até o envio de José Stachini e Arthur Heladio Neves pelo Comitê Regional de São Paulo para orientar o trabalho dos comunistas paranaenses – o que, de acordo com o relatório, teria resultado em um incremento das suas atividades –, “praticamente não existia um Partido organizado, pois este se limitava ao Comitê Regional e a alguns grupos aliás sem vida partidária e quase em completa inatividade”. Além da informação sobre a inoperância do CR-PR, chama aqui a atenção a relação existente entre os comitês regionais do PCB de São Paulo e do Paraná.

A explicação para este fato aparece em outro relatório dirigido à Internacional Comunista, preservado em Moscou. Nele, o dirigente comunista Honório de Freitas Guimarães, sob o pseudônimo de Martins, então em Paris, aguardando o visto de entrada para a então União Soviética, apresentou informações sobre o PCB, com dados relativos a maio de 1937 . De acordo com tal balanço, embora faltassem dados referentes a dez estados, havia pelo menos 2 160 militantes em todo o País, dos quais quase metade localizados no estado de São Paulo. Entre os comitês regionais do partido, quatro eram classificados como os mais fortes pela direção: São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. São Paulo contava com mais de 1 000 militantes, dos quais 200 situavam-se na sua Capital. O CR-SP dirigia nove Comitês Locais e cuidava das ligações e do crescimento de outros três CRs: Triângulo Mineiro, Mato Grosso e Paraná. Nesta informação nota-se que – como resultado da intensa repressão movida contra os comunistas por conta do “putsch” de novembro de 1935 e que ocasionou dificuldades de comunicações entre a direção nacional e as regionais – a ação de comitês regionais mais fracos era tutelada e filtrada por comitês mais fortes, o que ajuda a compreender o poder de nomear dirigentes exercido pelo Comitê Regional de São Paulo sobre o do Paraná, poder usualmente atribuído ao Comitê Central. Tal situação, aliás, repetia-se entre vários outros comitês regionais.

A compreensão para esta fraca implantação, além da permanente perseguição promovida pelo Estado brasileiro aos grupos de esquerda, advém de vários motivos, que estão no aguardo de pesquisas a serem realizadas. Alguns deles, aliás, encontramos nos depoimentos de Velhos vermelhos. Outras razões, além da incipiente industrialização do Paraná naquela época , podem ser encontradas nas dificuldades resultantes da orientação dos comunistas. A mais notável era a débil inserção dos comunistas no campo, em contraposição a uma prática que privilegiava o operariado urbano como seu interlocutor central. Quando relatórios como os acima citados são esmiuçados, percebe-se uma forte implantação dos comunistas em grandes centros urbanos e em regiões com certo patamar de industrialização e, por oposição, dificuldades de implantação e crescimento no campo. Exceção feitas a casos isolados, a falta de ligação do Partido com o campo sempre foi ressaltada por seus dirigentes e pela Internacional Comunista de maneira recorrente ao longo dos anos 1920 e 1930, evidenciado sua fraca ou quase inexistente atuação neste segmento. Tal quadro somente começou a ser revertido pelos comunistas a partir dos anos 1940, ainda que de modo lento. Inclusive no Paraná, como avulta claramente das memórias dos Velhos vermelhos. Todavia, ainda é necessário destacar, nelas ainda aparece a maior ênfase do trabalho dos comunistas nos centros urbanos, decorrente da aceleração do desenvolvimento econômico do estado na época em que se centram os depoimentos.

Apenas recentemente é que a organização dos trabalhadores do campo constituiu-se em um elemento efetivo e de peso no quadro da luta de classes no Brasil. Justamente neste aspecto é que ressalta de seus depoentes um dos pontos altos de Velhos vermelhos: o processo de construção dessa organização, na qual o Paraná detém até hoje um papel de destaque e na qual os comunistas tiveram uma importante contribuição, tendo isso ficado marcante no caso de Porecatu, nele se destacando a figura de Manuel Jacinto Corrêa, e no da criação de uma série de entidades de classe no campo.

Aos que aqui chegaram ficam estas reflexões e o prazer compartilhado na leitura dos depoimentos desses extraordinários velhos vermelhos. Danis Karepovs é Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Autor de Luta subterrânea. O PCB em 1937-1938. São Paulo, Hucitec/Ed. da UNESP, 2004; A classe operária vai ao Parlamento. O Bloco Operário e Camponês do Brasil (1924-1930). São Paulo, Alameda, 2006. Foi Pesquisador colaborador do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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2 de setembro de 2008

No prelo: Velhos vermelhos: história e memória dos dirigentes comunistas no Paraná (1945-1964). Curitiba: Editora UFPR, 2008.

lançamento: fev. 2009

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[capa: Milena Codato]

Introdução: estudos de elites, uma nota metodológica

Adriano Codato

Por que estudar elites políticas, incluindo aí as elites partidárias?

Estudos de elites em geral (elites sociais, econômicas etc.) revelam certos aspectos da estratificação social e da dinâmica política de uma dada comunidade, associando o poder (sua posse, sua prática) às propriedades sócio-profissionais (procedência de classe, formação ideológica, ocupação profissional, treinamento escolar, experiência política, especialidade técnica etc.) daqueles que estão autorizados a exercê-lo. É possível postular, ao menos como ponto de partida para sua demonstração, a existência de uma relação de mão dupla entre as características pessoais da elite e as características institucionais do sistema político – aí incluídos o Estado e seus aparelhos, o regime e suas regras e a própria fórmula política (a “ideologia dominante”). O mesmo vale para as conexões entre grupos de elite e organizações partidárias, um tópico clássico da Sociologia Política pelo menos desde o trabalho fundamental de Robert Michels: Os partidos políticos: ensaio sobre as tendências oligárquicas das democracias, de 1914[1]. Há uma afinidade importante entre o tipo de partido, sua posição no gradiente ideológico, o tipo de interesse que defende e a origem social dos seus dirigentes[2].

Mas o que o estudo de elites políticas pode explicar?

John Scott argumenta que pode explicar, em primeiro lugar, a própria elite que se dispôs a estudar. A insatisfação ou o ceticismo dos críticos diante dessa empreitada aparentemente trivial “mostra que se subestima a importância da abordagem descritiva nas ciências sociais”. Mal comparando, da mesma maneira que a “descrição detalhada dos bichos em seu habitat natural fornece elementos pertinentes e preciosos, pré-requisitos indispensáveis à elaboração de teorias gerais sobre a evolução das espécies, a ‘história natural’ das elites traz também lições sobre as sociedades” nas quais estão inseridas. Essas informações e ensinamentos, que são, como se vê, um ganho em si mesmo, devem então, num segundo momento, “servir de base” para a preparação de ou a reflexão sobre “modelos gerais” de interpretação, que tanto podem esclarecer o andamento de diferentes processos de “desenvolvimento políticos e econômicos”[3] (isto é, processos históricos de transformação social), quanto cursos de ação específicos (opções institucionais, decisões políticas etc.). Esse é o argumento de José Murilo de Carvalho. Conforme sua suposição, a diferença essencial no processo de evolução política entre a América portuguesa e a América espanhola após as independências nacionais (unidade territorial no primeiro caso contra fragmentação no segundo; estabilidade contra instabilidade; monarquia contra república etc.) foi resultado de “decisões políticas, escolhas entre alternativas”. Ele sugere que se “busque possível explicação no estudo daqueles que as tomaram, isto é, na elite política”[4].

O caminho oposto também é válido. Como observaram Bennett e George, a reconstituição de processos históricos bem particulares em Ciência Política – por exemplo, a estrutura, as funções políticas, as bases econômicas, o estilo de vida e as atitudes e valores das elites políticas de Amsterdã e Veneza no século XVII[5] – deve “não apenas elucidar casos específicos, mas também testar e refinar teorias [sociais] para desenvolver novas teorias [sociais], e para produzir conhecimento geral a partir de um dado fenômeno”[6].

A relação entre classes dirigentes e processos históricos é bastante produtiva. Os contextos históricos desempenham um papel essencial não como “pano de fundo” para as análises de elite, mas como o meio onde eventos, agentes e processos estão, de maneira inelutável, inseridos. A notificação dos fatos de um período determinado não é acessória, e tanto a configuração de uma determinada elite (seus perfis sociais, seus atributos políticos, seus padrões de carreira e seus tipos de recrutamento), quanto sua transformação e a transformação dessas mesmas variáveis ao longo do tempo permitem estimar a direção das mudanças sociais mais amplas, a natureza de determinado “desenvolvimento político” e o caráter das ideologias políticas subjacentes a elas. Um bom exemplo são os estudos comparados sobre processos de mudança política como as transições dos regimes ditatorial-militares para os regimes democrático-liberais na América Latina no fim do século XX ou as análises feitas a respeito da metamorfose social, política, econômica e ideológica dos países do Leste Europeu mais ou menos na mesma época. Como Robert D. Putnam indicou, estudos de elites funcionam, “como uma espécie de sismógrafo para detectar mudanças políticas mais profundas”[7].

As fontes

As entrevistas biográficas que compõem este livro pretendem ser uma fonte particularmente útil para a sociografia das lideranças dos comunistas no Brasil no pós-Guerra. Visto que este não é um livro de homenagem nem de celebração, o que uma documentação como essa pode dizer de sociologicamente relevante?

Através da história social pessoal e do itinerário político e profissional dos dirigentes partidários (ou desses dirigentes partidários, mais especificamente) é possível, por exemplo, acessar os determinantes sociais da carreira de militante político numa organização de esquerda; as condições de entrada no profissionalismo político num partido semiclandestino; as regras de manutenção da direção de uma organização política importante (e politicamente improvável no contexto histórico); a lógica de ocupação dos postos políticos; os mecanismos de ajustamento das disposições sociais e individuais às regras do universo comunista; os processos de investimento subjetivo na instituição e de investimento objetivo da instituição nos agentes; o trabalho de manipulação simbólica da identidade social desses políticos da revolução social; a construção da imagem de representante como um espelho fiel dos representados e assim por diante[8]. Da mesma maneira, é possível, ao deslocar o foco do indivíduo para o sistema de relações históricas no qual ele está inserido, tomar suas posições, decisões, explicações e avaliações como manifestação concreta de uma lógica social específica. Elas, aliás, podem fornecer uma base importante para o estudo de atitudes, valores e crenças políticas do grupo e da própria época. Marc Bloch não preveniu os historiadores que “o vocabulário dos documentos não é, a seu modo, nada mais que um testemunho”? Seja para o registro oral, seja para o registro escrito “cada termo importante, cada figura de estilo característica, torna-se um verdadeiro instrumento de conhecimento, bastando ser confrontado uma única vez com seu ambiente”[9].

A inflação da história oral nos últimos anos, com todos os seus problemas de confiabilidade e método, é uma novidade positiva para a historiografia e para a sociologia, especialmente quando se trata de reconstruir a trajetória de movimentos sociais populares, a organização de partidos anti-sistema, o papel de líderes políticos outsiders etc. Freqüentemente, ou não existem registros escritos para várias das informações decisivas nesses terrenos, ou, se existem, podem ter sido produzidos a partir de um viés muito parcial (tome-se o caso dos registros da polícia política como exemplo); ou ainda, os registros escritos que há, podem não ser adequados para uma investigação que precise servir-se diretamente de relatos pessoais: por exemplo, estudos sobre visões sociais de mundo. Mesmo os partis-pris, os julgamentos explícitos ou a produção, através da narrativa, de uma imagem de si ou do grupo edificantes, como ocorre quando se ambiciona arrumar e ordenar os fatos e contá-los em causa própria, são evidências em si a serem levadas em conta pelo pesquisador.

Os depoimentos da cúpula do Partido Comunista do Paraná aqui reunidos contêm, cada um a seu modo, não apenas uma exposição íntima de si, mas uma interpretação pessoal sobre a história do PCB no Brasil e no estado entre os anos 1940 e 1960. Os entrevistados falam quase sempre do ponto de vista dos ativistas, mas possuem uma visão mais geral, que é a visão privilegiada do dirigente político. Graças a ela os testemunhos não perdem sua dimensão heróica (ou trágica) e ganham no “conhecimento da máquina”, das suas lutas e oposições internas e externas, das eficiências e deficiências (ou impotências) da organização.

Possivelmente a maior dificuldade das reminiscências pessoais como fonte para a reconstituição histórica não seja nem a qualidade mágica do dado que acompanha uma “revelação”, uma informação de primeira mão, uma notícia “secreta” transmitida como confidência, nem o engano simétrico, que vê no documento escrito e no arquivo oficial o nec plus ultra da atividade de pesquisa científica[10]. Nesse último caso, ou o que E. H. Carr definiu muito apropriadamente como o fetichismo pela documentação[11], a tentação de supervalorizar a “racionalidade e a transparência dos registros escritos”, trai a fé que “os documentos encerram, em si próprios, toda a realidade. Esta idéia [...] pressupõe que a história já está toda feita, escondida ou esquecida nalgum porão em pilhas bem arrumadas. Ao pesquisador [...] cabe apenas descobri-la, ou melhor, reencontrá-la”[12]. A maior dificuldade deriva daquilo que Pierre Bourdieu chamou de “ilusão biográfica”.

As autobiografias e os livros de memórias – gênero diferente de registro dos depoimentos de “participantes diretos”, de “observadores privilegiados”, mas que podem ser incluídos na mesma categoria de história de vida – padecem do mesmo defeito, aparentemente insuperável: supor que uma vida constitui um conjunto compacto e coerente, alinhavado por um projeto, pessoal ou político, e que é permitido, ao biógrafo ou ao biografado, firmar nexos causais, encontrar razões ocultas e desvendar as verdadeiras intenções de tais ou quais posturas, imprimindo uma coerência artificial onde ela não pode existir senão a posteriori.

O “discurso sobre si” é, em geral, “produção de si”, e o antídoto para a “apresentação oficial de si”, e para a confiança nessa representação como história objetiva, é a predisposição do leitor ou do analista (historiógrafo, cientista social) de levar em conta, necessariamente, a matriz das relações sociais objetivas e suas transformações históricas na qual uma vida – suas propriedades e poderes, atributos e atribuições – sempre está encerrada[13]. Essa precaução é tão mais útil quando se prevê desde logo os julgamentos retrospectivos sobre “erros” e “acertos” que um observador, que tem o privilégio do tempo decorrido, só pode fazer post festum.

O livro

Reunimos aqui depoimentos de dez dirigentes do PCB que ocuparam postos de responsabilidade política no Paraná entre 1945 e 1964. Dividimos o livro em duas partes, além dessa nota metodológica. A primeira contém dois capítulos para situar o leitor no universo político e ideológico que as entrevistas recriam. A segunda parte traz as entrevistas dos dirigentes da seção “sul” do Partido Comunista no Paraná. Um outro livro como esse poderia ser realizado com os dirigentes do Partido no norte do estado. Havia dois comitês distritais do PCB (possivelmente um caso único no Brasil) que funcionavam independentemente um do outro. O comitê de Curitiba estava mais ligado aos comunistas de Santa Catarina e o comitê sediado em Londrina, ao Partido em São Paulo.

O primeiro capítulo (“A elite dos comunistas e sua história no Paraná”) é um resumo bem escolar da história política do PCB dos anos 1920 aos anos 1960. O leitor razoavelmente informado sobre a esquerda brasileira pode saltá-lo sem nenhum prejuízo. Sua utilidade maior é informar como o Partido no Paraná acompanhou fielmente o andamento da dinâmica nacional, suas viradas ideológicas, sua força e fraqueza como organização. O segundo capítulo (“Mulheres comunistas no Paraná: experiências e militância nas décadas de 40 e 50”) é um estudo mais analítico sobre a presença feminina na organização. Viviane Zeni centra sua atenção nos processos de construção de identidade, tema ainda pouco explorado pela Sociologia Política brasileira.

Foi acrescentado a cada depoimento um razoável aparato crítico. As notas de rodapé servem para situar melhor o leitor não especialista na história e na política da IV República, explicar os nomes próprios mencionados e certos acontecimentos internacionais. Algumas notas estão repetidas (aquelas que contêm as informações contextuais mais importantes). Isso permite ler a entrevistas em qualquer ordem. Os títulos que estipulamos dão um resumo do assunto principal tratado pelo dirigente, sempre sob sua óptica.

Em cada entrevista há uma curta nota biográfica. Ela deve funcionar como um indicador mínimo da trajetória social, cultural e política do dirigente. Destacamos seis variáveis básicas e usualmente presentes em perfis de elites: local e de data de nascimento; escolaridade; carreira profissional paralela à atividade no Partido; formação como militante; e carreira sindical e partidária.

Não há aqui, entretanto, uma interpretação das informações trazidas pelas entrevistas, mas apenas algumas indicações mais evidentes das conexões entre opiniões pessoais e acontecimentos históricos. Deixamos a primeira tarefa a cargo do leitor. Esse livro pode ser lido, assim, como um livro de consulta para a formulação de hipóteses ou como uma plataforma para a preparação de pesquisas futuras.

Os critérios

Para definir quem fazia parte da elite partidária no estado adotamos o critério “posicional”, e não o critério “reputacional” (prestígio ou reconhecimento no meio político) ou o critério decisional (participação efetiva no processo decisório da organização)[14]. A base de constituição desse grupo está na razão direta dos recursos institucionais – posições – que seus membros controlam. Esse procedimento, simples, mas eficaz, consiste em identificar as posições formais de mando numa comunidade ou organização (cargos, postos, funções); em seguida, discriminar os ocupantes dessas posições – a “elite”, enfim[15]. Essas posições envolvem aqui os seguintes cargos: o Presidente do Partido Comunista no estado, o Secretário-Geral ou Secretário Político, o Secretário de Organização, o Secretário de Massas Eleitorais, o Secretário Sindical, o Secretário de Finanças (ou Tesoureiro) e o Secretário de Divulgação, que são os postos políticos mais importantes da Comissão Executiva da Direção Estadual do PCB. Os depoimentos mostraram ainda que o cargo de Secretário de Divulgação (que posteriormente se chamaria Secretário de Agitação e Propaganda) geralmente era ocupado pelo diretor do jornal do Partido no estado, a Tribuna do Povo[16]. Incluímos ainda a função de Dirigente de Célula dado seu caráter estratégico na ligação entre a cúpula e as bases do Partido.

O método

As entrevistas dos dirigentes comunistas do Paraná foram editadas. Conservaram-se, sem exceção, todas as informações relevantes que recolhemos, mas o depoimento perdeu um pouco de seu tom oral em certas passagens e o estilo excessivamente coloquial que caracterizaria uma conversa. Esse procedimento foi necessário por três razões.

Algumas inquirições foram executadas em duas sessões, algumas razoavelmente longas. Havia, portanto, muitas repetições e também muitas digressões: os entrevistados dificilmente se atinham somente às nossas questões. O entrevistador deveria perguntar sobre os pontos específicos que nos interessavam, mais particularmente sua história no PCB/PC do B e a história do PCB/PC do B no Paraná nos anos 1940, 1950 e 1960. Era apenas isso que desejávamos conhecer. Nem sempre a memória dos entrevistados era precisa e algumas vezes eles partiam do que fora perguntado para refletir sobre a política em geral e o comunismo em geral. As passagens pertinentes foram, todavia, mantidas. Por fim, muitos dirigentes (até pelo hábito e por interesse) fizeram questão de analisar a política brasileira contemporânea, a situação das organizações de esquerda e o quadro partidário atual, o que não era o assunto deste livro. Aqui também o que estava ligado direta ou indiretamente à pergunta inicial não foi suprimido, mas rearranjado. As entrevistas integrais podem ser consultadas nos arquivos do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da Universidade Federal do Paraná.

Buscou-se também, num segundo momento, ordenar as respostas de acordo com o roteiro original e não segundo o andamento do encontro. A conversa continha muitas trocas de turno entre o entrevistado e o entrevistador, pedidos de esclarecimento ou solicitações para que ele se aprofundasse num tema que poderia ser mais rentável em função da posição ocupada no aparelho partidário. Esse recurso tornou o ritmo do livro um tanto repetitivo, mas a vantagem é que se pode comparar as visões e as posições individuais sobre um mesmo assunto. Dentro do possível e conforme os imprevistos de uma pesquisa real, procuramos ficar dentro dos parâmetros básicos que os guias de investigação social estipulam.

O questionário

Foi elaborado um questionário padrão não para ser apresentado aos dirigentes (“aplicado”), mas para orientar e estruturar a conversa conforme o método diretivo direto, o que garantiu uma razoável flexibilidade no tratamento do rol de assuntos definidos de antemão (ver o instrumento no final deste livro). Escolhemos fazer entrevistas semi-estruturadas com questões nem muito amplas que dessem margem para que o respondente articulasse livremente suas recordações, nem totalmente fechadas.

Nossas razões para construir um instrumento de pesquisa assim são praticamente as mesmas alegadas por Joel Aberbach e Bert Rockman. Refletindo sobre seus próprios estudos a respeito de valores, atitudes e crenças da elite parlamentar e político-administrativa dos EUA e as decisões metodológicas que tomaram[17], eles projetaram um questionário aberto com base em três critérios: i) o grau de conhecimento prévio sobre o assunto (quanto mais informações, maior a chance de propor questões fechadas); ii) a possibilidade de dar ao entrevistado a chance de organizar as respostas conforme seus próprios padrões e percepções de sua atividade, posição, relações (o que aumenta a validez das respostas); e iii) a receptividade dos entrevistados: elites, eles notam, não gostam de ser encaixadas em categorias muito justas, já que preferem explicar porque pensam o que pensam[18].

O questionário estava dividido em dois grandes blocos: um sobre a elite partidária, outro sobre a instituição partidária. O primeiro diz respeito à trajetória política dos dirigentes do Partido Comunista no Paraná. O propósito das perguntas desse bloco era estabelecer o cursus honorum desses agentes na organização, seus itinerários políticos prévios, suas posições na burocracia partidária, o sentido da trajetória (ascendente, descendente), o tipo de recurso que controlavam, as facções às quais se aliaram depois da divisão política da grande organização etc.

O segundo bloco foi pensado como um meio para estudar a estrutura e a ação da agremiação partidária no Paraná. Sobre o PCB estadual interessava a nós três pontos: i) a história do Partido (origens históricas, eventos ligados à sua formação, os seus principais quadros desde o início até 1964); ii) o Partido na História local (suas plataformas específicas, sua relação com outras agremiações, suas estratégias de atuação; e iii) a organização político-administrativa, o modo de funcionamento e a atuação efetiva do Partido Comunista no Paraná (o papel de dirigentes, diretórios e militantes, os mecanismos de intervenção e controle do Comitê Central sobre a organização local, sua relação com sindicatos e movimentos sociais, o desempenho político dos eleitos e sua ação na clandestinidade, o financiamento da máquina e a imprensa partidária).

Como o conhecimento nessa área (elites políticas/partidárias) no Brasil não é extenso, sendo menos freqüente ainda um corpus de informações sobre dirigentes de partidos de esquerda e lideranças populares, as conversas foram essencialmente prospectivas. Não havia uma hipótese a refutar, um ponto de vista para confirmar (sobre o partido ou sobre seus dirigentes), nem se buscava peças avulsas para completar um quebra-cabeça. As indagações sobre o PCB-PR e as possibilidades de comparação com outras seções regionais dos comunistas em outros contextos podem começar daqui.

Notas
[1] Cito o título em sua versão francesa. Ver Robert Michels, Les partis politiques. Essai sur les tendances oligarchiques des démocraties. Paris: Flammarion, 1971. (Os interessados devem ler o imprescindível prefácio de René Rémond).

[2] Ver, no caso, Leôncio Martins Rodrigues, Mudanças na classe política brasileira. São Paulo: Publifolha, 2006.

[3] John Scott, Les élites dans la sociologie anglo-saxonne. In: Suleiman, Ezra e Mendras, Henri (dirs.), Le recrutement des élites en Europe. Paris: La Décuverte, 1997, p. 9; grifos meus.

[4] José Murilo de Carvalho, A construção da ordem: a elite política imperial; e Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ/Relume-Dumará, 1997, p. 16.

[5] Como é o caso do livro de Peter Burke, Venice and Amsterdam: a Study of 17th Century Elites. 2 ed. Cambridge: Polity Press, 1994.

[6] Andrew Bennett e Alexander L. George, Case Studies and Process Tracing in History and Political Science: Similar Strokes for Different Foci. In: Elman Colin & Elman Miriam Fendius (eds.), Bridges and Boundaries: Historians, Political Scientists, and the Study of International Relations. Cambridge: The MIT Press, 2001, p. 148; grifos meus.

[7] Robert D. Putnam, The Comparative Study of Political Elites. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1976, p. 43.

[8] Ver Bernard Pudal, Les dirigeants comunistes: du “fils du peuple” a “l’instituteur des masses”. Actes de la recherche em sciences sociales, n. 71-72, p. 46-70, mars 1988.

[9] Marc Bloch, Apologia da História ou O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 142.

[10] Fábio Wanderley Reis observa, não sem alguma maldade, que sempre se pode tropeçar no arquivo do IPES. Ver O tabelão e a lupa: teoria, método generalizante e idiografia no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 16, jun. 1991, p. 29.

[11] Edward Hallet Carr, Que é História? 9ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006, p. 51-53.

[12] Luiz Felipe Alencastro, “Não sabem dizer coisa certa”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 16, jun. 1991, p. 64.

[13] Pierre Bourdieu, Razões práticas, op. cit., p. 80-82.

[14] Sobre as três maneiras de definir quem faz parte da elite política, v. Robert A. Dahl, A Critique of the Ruling Elite Model. American Political Science Review, n. 52, p. 463-469, June 1958.

[15] Conforme a observação clássica de Wright Mills, “o poder não pertence a um homem. A riqueza não se centraliza na pessoa do rico. A celebridade não é inerente a qualquer personalidade. Ser célebre, ser rico, ter poder, exige o acesso às principais instituições, pois as posições institucionais determinam em grande parte as oportunidades de ter e conservar essas experiências a que se atribui tanto valor”. C. Wright Mills, A elite do poder. 4ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 19, grifos meus.

[16] O restante dos dirigentes que compunham a Direção Estadual do PCB no Paraná somente participava das reuniões quando eram chamados os “plenos ampliados” da Direção Estadual. Os “plenos” eram reuniões deliberativas do Comitê Estadual do Partido. Contavam com a participação dos dirigentes partidários que a Executiva estadual considerasse importantes.

[17] Ver Joel D. Aberbach, Robert D. Putnam e Bert A. Rockman, Bureaucrats and Politicians in Western Democracies. Cambridge: Harvard University Press, 1981; e Joel D. Aberbach e Bert A. Rockman, In the Web of Politics: Three Decades of the U.S. Federal Executive. Washington, DC: The Brooking Press, 2000.

[18] Joel D. Aberbach e Bert Rockman, Conducting and Coding Elite Interviews. PS Political Science & Politics, vol. 35, n. 4, Dec. 2002.
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