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Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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23 de fevereiro de 2009

"ditabranda" e "democradura"

[general
Ernesto Geisel]



Adriano Codato

O barulho que se fez nos círculos acadêmicos e jornalísticos em torno do editorial da Folha de S. Paulo de 17 de fevereiro último tem lá sua razão de ser.

Comentando o plebiscito na Venezuela, naquele tom professoral dos que acreditam ter o dom da Revelação e o monopólio sobre o segredo e o sentido da Democracia Verdadeira, o diretor daquele jornal decretou: “[...] se as chamadas ‘ditabrandas’ – caso do Brasil entre 1964 e 1985 – partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça, o novo autoritarismo latino-americano, inaugurado por Alberto Fujimori no Peru”, e continuado agora por Hugo Chávez, “faz o caminho inverso. O líder eleito mina as instituições e os controles democráticos por dentro, paulatinamente”.

Como seria de se esperar, choveram cartas à redação.

O motivo da indignação geral não foi a censura ao presidente venezuelano, mas a referência ao modelo político que vigorou no Brasil entre os governos Castello Branco e Figueiredo. A expressão “ditabranda” (neologismo derivado da contração da palavra ‘ditadura’ com a palavra ‘branda’) evoca, para qualquer um, uma forma de dominação cujo traço distintivo é sua amenidade e, como quer o jornal, o caráter autolimitado do exercício do poder pelos militares. As ditabrandas seriam portanto a alternativa educada aos regimes tirânicos, arbitrários e opressivos, como foi o caso das ditaduras nada suaves que usaram e abusaram do recurso à violência física contra os adversários.

Boa parte dos leitores protestou lembrando as perseguições, as prisões, as torturas, os assassinatos políticos da ditabranda brasileira. Impávido, o jornal reafirmou seu ponto de vista dois dias depois: “Na comparação com outros regimes instalados na região no período, a ditadura brasileira apresentou níveis baixos de violência política e institucional”.

Como não se define um regime político pela contabilidade de mortos que ele produz, mas pelas regras do jogo que ele estipula e que decidem como serão as relações no interior do governo (o exercício do poder) e como serão as relações entre o governo e a sociedade (o controle do poder), penso que vale a pena aprender um pouco mais sobre a cultura política nacional a partir dessa discussão. Assim, essa querela semântica interessa mais pelo que ela deixa de fora do que por aquilo que inclui.

No debate público, os conceitos teóricos perdem aquela estampa de neutralidade e objetividade que os justifica para tornarem-se acusações políticas. Talvez por isso todos aqueles circunlóquios inventados, seja por especialistas, seja por protagonistas, para evitar o termo cientificamente correto – ditadura militar – para discriminar o “caso do Brasil entre 1964 e 1985”: situação autoritária, Estado de Segurança Nacional, democracia relativa, regime forte e outros parentes do tipo. O próprio Manual da Redação da Folha adverte seus funcionários para utilizar “com critério” o termo ditadura. “É melhor qualificar regimes autoritários de forma objetiva: governo militar”. Além disso, solicita-se não usar “a expressão ditadura militar”. Solicita-se também não escrever “Revolução de 64 para designar o movimento militar ocorrido no Brasil naquele ano”.

As razões de tanta objetividade não são um mistério tão grande assim. Ditadura, ditador, ditatorial são vocábulos do mesmo gênero daquelas expressões condenadas pelo dicionário dos políticos e dos seus assessores de imagem. Ninguém quer ser populista, oligarca, tecnocrata etc. A propósito, partidos de esquerda e de centro-esquerda não se referem bondosamente à ditadura do Estado Novo (1937-1945) como “o primeiro governo Vargas”?

Empenhado em encontrar um designativo mais de acordo com sua própria concepção histórica de como foi o regime brasileiro “entre 1964 e 1985”, o redator da Folha enganou-se duas vezes.

A primeira vez porque, como lembraram vários intelectuais que se mobilizaram para repudiar a versão do jornal (corre inclusive um abaixo-assinado na Internet; assine aqui), a repressão não é uma questão de grau (mais, menos, médio...), mas uma questão de método. A forma de excluir os oponentes do regime não passava apenas pelo monopólio das posições políticas através da manipulação de dispositivos eleitorais, mas pela eliminação física dos adversários.

Fosse a polarização ideológica tão crítica como no Chile, fosse a politização tão intensa como na Argentina, fosse a esquerda armada brasileira mais representativa socialmente, quem garante não teria havido mais baixas?

Acrescentaria que o redator enganou-se uma segunda vez porque empregou de maneira displicente, e errada, a expressão ditabranda. Esse emprego é sintomático de uma certa disposição da cultura política nacional.

Ditabranda é um termo inventado por Guillermo O’Donnell e Philippe Schmitter, dois cientistas políticos que se especializaram em estudar transições do “regime autoritário”, como querem eles (ver o livro Transitions from Authoritarian Rule: Tentative Conclusions about Uncertain Democracies).

Ela não designa um regime político, mas uma fase intermediária entre um regime ditatorial e um regime democrático. Portanto, “ditabrandas” não são ditaduras incompletas, limitadas ou amenas, com baixo grau de repressão política e pouco controle social. São estruturas políticas que já deixaram de ser completamente autoritárias, mas que ainda não são plenamente democráticas. As ditabrandas são definidas pelo grau de liberdades políticas que toleram. Digamos que parte do governo do general Figueiredo e o governo de José Sarney se encaixam aqui.

Sua continuação são as “democraduras”, palavrão dos mesmos autores acima. Esses regimes intermediários são democracias limitadas onde a competição política ainda é restrita a alguns grupos confiáveis e onde há formas atípicas de consulta eleitoral, como plebiscitos, assembléias corporativas, apelos diretos ao “povo” etc. O governo Collor seria o exemplo.

Essas classificações não dizem respeito a palavras, como é óbvio.

No entanto, chama a atenção a resistência difundida ao emprego da expressão ditadura militar, tão corrente, por exemplo, na imprensa da Argentina ou do Chile. Penso que esse fato tem menos a ver com o placar de mortos e desaparecidos dos três regimes e mais com a interdição que pesou sobre o debate político no Brasil a respeito dos governos “entre 1964 e 1985”. Qual foi a natureza, quais foram as razões, qual o legado desse período para a configuração política nacional?

A pressa com que se decretou o restabelecimento da democracia no Brasil em 1985 impediu inclusive de matutarmos sobre a democracia tutelada que se seguiu e seus efeitos sobre o sistema político.
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13 de fevereiro de 2009

lançamento: Velhos vermelhos. editora da ufpr

[A painting of Lenin at the Kremlin
during the 22nd Party Congress.
Moscow, 1961. Howard Sochurek. Life]


[Adriano Codato e Marcio Kieller (orgs.), Velhos vermelhos: história e memória dos dirigentes comunistas no Paraná. para comprar o livro, clique aqui]

leia matéria sobre a obra na Gazeta do Povo aqui
veja a discussão metodológica sobre a concepção do livro aqui

Prefácio
João Quartim de Moraes


A despeito de faltar um estudo pormenorizado, sistematizado e abrangente da bibliografia sobre o comunismo no Brasil (o mais completo que conhecemos está em The Brazilian Communist Party de Ronald Chicote, que data de 1974), não é arriscado dizer que suas dimensões são bastante razoáveis. Se nela incluirmos, além de livros e artigos, as muitas teses defendidas pelo Brasil afora, chegaremos a um acervo considerável, mesmo se adotarmos um critério estrito de classificação, considerando tão somente as obras consagradas exclusiva ou principalmente ao tema.

Boa parte dessa bibliografia compõe-se de escritos produzidos pelos próprios comunistas. Nenhum outro movimento político confere maior importância aos fundamentos teóricos de sua ação. Já em agosto de 1924, pouco mais de dois anos depois da fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), Octávio Brandão, escondendo-se da polícia de Artur Bernardes, havia composto o essencial de Agrarismo e industrialismo, primeira tentativa de explicação marxista da sociedade brasileira. O texto circulou em cópias datilografadas, servindo de subsídio para as teses que Astrojildo Pereira apresentou no II Congresso do PCB (maio de 1925). Em décadas posteriores, ampliando e aprofundando essa iniciativa pioneira, intelectuais comunistas de reconhecida estatura desenvolveram interpretações marxistas da evolução econômica e política brasileira que constituem marcos teóricos decisivos para a compreensão de nossa história.

Compreensivelmente, entretanto, tiveram maior impacto no grande público as obras biográficas e os relatos das muitas lutas que os comunistas travaram e dos trágicos episódios de que foram protagonistas. Décadas de perseguição policial (no mais das vezes acompanhadas das mais torpes e odiosas atrocidades) e de contínua intoxicação mental (há sempre um sicofanta de plantão para tripudiar, por exemplo, a respeito do que a direita chama a “Intentona” de 1935, repetindo mentiras grosseiras a respeito desse trágico episódio), não lograram turvar a imagem de abnegação e heroísmo associada à trajetória do PCB nos períodos mais sombrios de nossa história. Com o fim do “sufoco” ditatorial, eclodiu vasta produção literária, consagrada principalmente à luta contra a ditadura militar, mas evocando também combates de outras gerações: a vida curta, bela e trágica de Olga Benário inspirou um livro e depois um filme de muito sucesso. Até a muito manipulada televisão apresentou vários programas sobre a vida e as lutas de Luís Carlos Prestes.

Velhos vermelhos inscreve-se nessa longa, vasta e multiforme produção cultural apresentando dez entrevistas consagradas à história e à memória dos dirigentes comunistas no Paraná entre 1945 e 1964, conforme esclarece o subtítulo do livro. É de se esperar, dos depoimentos de participantes e protagonistas de um longo combate revolucionário, narrativas penetrantes e comentários esclarecedores. Essa expectativa é largamente satisfeita, mas o livro oferece mais. Os entrevistados são convidados a responder a um bloco de questões, das quais as básicas são retomadas em cada entrevista. Outras variam em função das características da trajetória política de cada qual. O recurso ao questionário, indispensável para aferir com objetividade os traços comuns e as singularidades diferenciais que caracterizam a experiência da militância, é feito com inteligência não somente na escolha e formulação das questões, mas também na liberdade deixada aos entrevistados de desenvolver espontaneamente as respostas. O resultado, enfatizado pelos títulos de capítulos que os editores colocaram no topo de cada entrevista, destacando-lhe pontos fortes, aspectos originais, episódios marcantes, é um documento histórico de qualidade que oferece retratos sem retoques do que significou ser comunista durante o regime instaurado pelo golpe militar que depôs Getúlio Vargas em 1945 e derrubado pela contra-revolução de 1964.

As entrevistas têm por cenário o Paraná, mas cumprem, em suas circunstâncias de tempo e lugar, o estupendo preceito dialético que Tolstoi formulou em seu próprio século e em sua Rússia natal: “se queres ser universal, pinta tua aldeia”. As idéias gerais, em si mesmas, são vazias de conteúdo. Não são, pois, efetivamente universais. É indo ao fundo das próprias circunstâncias, embrenhando-se na espessa trama dos fatos, que podemos conferir uma dimensão universal ao aqui e agora. Tomemos o exemplo da corrupção, sempre atual entre nós. Enquanto idéia geral, ela é muito utilizada pela retórica moralista, que divide os cidadãos em honestos e corruptos, sem analisar as condições sociais que geram a imoralidade pública. Ater-se a essa generalidade, porém, banaliza a questão: são tantos os corruptos! Não é essa a atitude dos velhos vermelhos. Um deles mostra como se concretizou a abominável trapaça por meio da qual o então governador Moyses Lupion, por meio de uma fictícia “dação em pagamento”, fez passar para o nome de uma empresa de fachada da qual ele e um comparsa, um certo José Houp, eram sócios, as chamadas glebas do rio Piquiri, propriedade do estado do Paraná. Essas glebas eram, porém, habitadas e cultivadas há muito tempo por posseiros, que já se haviam mobilizado para obter sua titulação. Lupion fez como se eles não existissem. Criou um cartório a seu serviço e começou a vender títulos de participação. Quando os incautos compradores perceberam que o peculiar empreendimento só existia no papel, foram aconselhados a ressarcir-se “revendendo” aos posseiros as terras que esses, a justo título, consideravam suas... Alguns aceitaram pagar pelo que já era deles; outros resistiram e foram cruelmente atacados pelos jagunços a soldo de Lupion. Na defesa dos camponeses esbulhados, o PCB paranaense honrou seu compromisso com a causa do povo.

A importância decisiva que o movimento comunista, em escala internacional, sempre conferiu à função de organizador coletivo exercida pela imprensa partidária inspira-se no célebre Que fazer? de Lênin. Não se pode levar a sério um partido que pretenda mudar o mundo sem sequer dispor de meios próprios de propaganda (legais ou clandestinos). Formados na escola revolucionária do leninismo, praticamente todos os entrevistados enfatizaram o esforço para manter presente e atuante a palavra do Partido, através das dificuldades materiais (não por acaso o tema principal de uma das entrevistas é o mito do “ouro de Moscou”) e da constante perseguição policial.

Vale enfatizar, enfim, que Velhos vermelhos oferece, num texto ágil, muito bem editado, que mantém aceso o interesse da leitura, não somente importantes subsídios para a história das lutas sociais e do combate revolucionário no Paraná, mas principalmente, um auto-retrato verídico da militância comunista na singularidade de suas circunstâncias concretas e na universalidade de seu projeto político.

João Quartim de Moraes
Professor Titular de Filosofia Política da
Universidade Estadual de Campinas
São Paulo, março de 2007.


leia também o Posfácio, por Dainis Karepovs aqui
leia também a introdução metodológica do livro aqui
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3 de dezembro de 2008

os decretos secretos da ditadura militar brasileira

[foto: Ernesto Geisel e
Golbery do Couto e Silva]



Adriano Codato

O jornalista Rubens Soares, da Folha de S. Paulo, prepara uma reportagem sobre a "atividade legislativa da ditadura".
Ele está pesquisando o paradeiro dos decretos baixados pela Presidência da República e/ou Ministério do Exército após o AI-5.

Diz ele: "Tais decretos começaram a ser baixados em 11/1971. No dia 11/11, a ditadura baixou o decreto 69.534, que não apenas alterou o decreto 60.417 de 1967, que tratava da guarda e classificação dos documentos secretos, sigilosos, reservados etc. mas também inovou, ao autorizar o presidente da República a de fato legislar sobre assuntos referentes à Segurança Nacional por meio desses decretos secretos/reservados.
Assim, passaram a ser publicados no Diário Oficial apenas o numero do ato e sua curta ementa.

Em seu livro Estado de Oposição no Brasil, Maria Helena Moreira Alves disse ter tido acesso a apenas 10 desses decretos secretos, mas não dá maiores detalhes. Recentemente, para surpresa da CPI que investigou tráfico de armas, a Câmara descobriu que até hoje existe um decreto secreto da época da ditadura que veda a correta comunicação dos armamentos exportados pelo país.

Acho que é de alta importância conhecermos a íntegra desses decretos sigilosos. Pois o que poderiam abrigar? Pelo que apurei até agora, os Decretos Reservados são voltados mais para política interna das Forças Armadas, redefinição de objetivos e quadro de pessoal de unidades militares. Mas nada sei sobre outros tipos de decretos confidenciais" (RS).


Respondi à seguinte entrevista sobre o assunto, por e-mail.

-O teor desses decretos já foi conhecido e estudado? Alguns dos principais estudiosos do período me contaram que nunca conseguiram ler nenhum deles.

Que eu saiba, não. Contrariamente àquilo que se esperaria, não há muitos estudos no Brasil (ou no estrangeiro) sobre o funcionamento militar e/ou burocrático da ditadura militar brasileira. Por um bom tempo os temas de política econômica (inflação, crise do balanço de pagamentos, crise do modelo de desenvolvimento estatista)
dominaram a agenda de pesquisa; depois, esses assuntos sairam de moda. Não tenho visto ou lido artigos em periódicos científicos brasileiros sobre esse aspecto --- o funcionamento interno --- da ditadura brasileira.
Na realidade, nem sobre outros aspectos.


-Em caso positivo, o sr. tem cópia ou onde podem ser obtidas cópias desses decretos?

Não os tenho e não tenho idéia de como consegui-los. Mas se eles eram oriundos da Presidência da República, há (pelo menos havia...) no Palácio do Planalto um arquivo muito bom. Quem sabe eles estejam guardados lá. Na realidade, seria preciso reconstruir a cadeia decisória de um desses decretos para determinar o que eles regulavam exatamente (que tipo de política, que decisão específica etc.). Assim pode-se ir atrás, no destino final, do documento. Talvez.

-Em caso negativo, o que impede de esses decretos virem a público? Como o Brasil trata do tema dos papéis secretos/sigilosos?

São duas questões aqui. O Brasil tem uma legislação bastante restritiva em relação a documentos públicos. Inclusive o prazo para um documento governamental tornar-se público foi aumentado no governo FHC.
Você acha isso em inúmeras reportagens de jornal nos últimos anos. Mas é bom checar isso.

A outra questão, a primeira ("o que impede esses decretos de virem a público"), é mais importante e mais difícil.

Acho que o que os impede de vir a público é a mesma interdição que pesa sobre qualquer assunto ligado à ditadura militar no Brasil: não se pode discutir o Araguaia, a tortura, o "terrorismo" das organizações comunistas, o terrorismo de Estado, a contribuição das empresas privadas no financiamento da repressão etc.

Esse véu sobre o assunto, essa espécie de pacto do silêncio firmado entre políticos e militares que dirigiram a "transição democrática" é tributário de duas coisas, no mínimo:

a) o conteúdo da mudança política da ditadura para a democracia: instituições e práticas liberais (eleições, partidos, que continuaram existindo) conviveram muito bem com instituições e práticas autoritárias (o poder discricionário dos militares em manipular as regras do jogo eleitoral)
; isso significa, em resumo, que não houve propriamente uma contradição (apesar dos conflitos) entre o sistema político e o "sistema militar"; e

b) o método de mudança política
da ditadura para a democracia: a centralização do poder na cúpula do executivo federal (militarizado), de um lado, e o controle estrito sobre a agenda da transição (o que, quando e como poderia ser mudado), de outro, a marca por execlência do governo Geisel, permitiram que as cúpulas das forças armadas estabelecessem o que seria lícito ou não, legítimo ou não.

A conclusão é que a saída dos militares do poder foi bastante negociada, o que impediu "revisionismos", como eles gostam de dizer. Assim, vez por outra surge um esqueleto do armário.

-Como vê o objetivo e o papel desses decretos?

Penso que eles deveriam cumprir dois objetivos: legalizar a ditadura e organizar a ditadura. O segundo é mais importante que o primeiro. Ou melhor, o primeiro decorre do segundo.

As ditaduras no Brasil (o Estado Novo, o "regime militar", como diz o manual de redação da Folha) sempre se apressaram em dar aos governos um aparato jurídico para que eles funcionassem dentro da lei e da ordem. Isso tem a ver não só com a tentativa de garantir uma fachada liberal (o poder funcionando "conforme os marcos institucionais" etc.), mas especialmente com a preocupação em organizar a distribuição do poder entre os agentes políticos.

Após o AI-5, o "marco legal" mais importante e mais eloqüente da ditadura, uma das tarefas assumidas pelo Estado era a de superintender e controlar os ramos "desgarrados" do aparelho repressivo (a comunidade de informações, as organizações paramilitares, as seções regionais do Exército, o DOPS).
Como se recorda, o começo, o meio e o fim do governo Medici são caracterizados pelas ações militares e paramilitares da “máquina de informações e repressão”, ou o “porão” na expressão do Elio Gaspari, comandado pelo médio oficialato (a “tigrada”), e apoiado e protegido pelos comandantes e pelos ministros militares, contra a guerrilha urbana e a guerrilha rural.

O problema central aqui é o da necessidade de regular (não diminuir, repare) a repressão ou, mais propriamente, regular a relação entre o aparelho repressivo militar (DOI-CODI, CENIMAR, etc.) e o aparelho político militarizado (o Planalto, a presiência da República). Suponho que esses decretos fizessem isso, ou principalmente isso. Eu trabalharia com essa HIPÓTESE.

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