artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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18 de novembro de 2023

Ditadura militar: nove ensaios sobre a política brasileira

[capa Gabriela Koentopp] 




Este livro trata de temas do passado, mas que são, cinquenta anos depois, surpreendentemente atuais. 

Passeatas desandaram a plagiar as pautas ultraconservadoras das Marchas da Família com Deus pela Liberdade, manifestações exigiram a reedição do Ato Institucional número 5 e o estabelecimento de uma ditadura militar “constitucional”. 

Retornou o interesse da opinião pública pelas divisões políticas e ideológicas nas Forças Armadas, militares foram generosamente empregados em cargos tipicamente civis, voltou-se a especular sobre o nível de entusiasmo efetivo do Exército pela democracia liberal, generais recuperaram o seu protagonismo na cena política e os termos de negociação para a implantação da Nova República foram postos em xeque. 

Estes nove ensaios fornecem algumas chaves interpretativas para compreender e explicar essas várias faces desse nosso passado que nunca passa.


Como citar:
Codato, Adriano. Ditadura militar: nove ensaios sobre a política brasileira. São Paulo: Edições 70, 2023. 236 p.


comprar:

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3 de outubro de 2012

verbete "corporativismo"

[Workers attending an automotive worker's union meeting.1958
Francis Miller. Life]


Adriano Codato


O sentido mais usual de corporativismo é ‘defesa dos próprios interesses em detrimento dos interesses da coletividade’. O termo é empregado quando uma categoria profissional organizada (uma “corporação”) mobiliza-se para garantir algum direito ou privilégio. Fala-se então em exercício de “espírito de corpo” – ou em “corporativismo” – geralmente em tom pejorativo. Essa ação pode envolver desde a pressão por reajustes salariais, até a criação de proteções contra a concorrência numa economia de mercado.

Num sentido mais específico, corporativismo é uma doutrina ideológica que defende que a ordem política, econômica e social não pode estar centrada nem no indivíduo e nas suas iniciativas (como pretende o liberalismo), nem nas classes sociais e no conflito entre elas (como sustenta o marxismo). Uma sociedade deve ser constituída por agrupamentos profissionais organizados (isto é, corporações) tutelados por um Estado autoritário. Nesse caso, a disputa política e/ou a representação de interesses sociais, por exemplo, não deveriam ser feitas por meio de partidos políticos. Os partidos segmentam a sociedade em muitas “partes” (essa é a origem do nome), incentivando a concorrência pelo poder e o conflito social com base em projetos ideológicos muito diferentes entre si. Ao contrário, se os indivíduos e seus interesses forem reunidos em grandes corporações profissionais (empresários da indústria, trabalhadores do comércio, profissionais liberais, etc.), o Estado pode tanto regular a competição econômica (fixando salários e preços) como atuar preventivamente contra a luta de classes (conciliando interesses contraditórios). A colaboração entre as classes é uma das ideias-força dessa doutrina. O corporativismo tem assim um sentido claramente autoritário e anticapitalista, ou ao menos antimoderno, já que se contrapõe às instituições características da sociedade industrial: mercado, conflito social, concorrência econômica, etc.

[continua...]

Referência:

CODATO, A. CORPORATIVISMO. Teixeira, Francisco M. P. coord. DICIONÁRIO BÁSICO DE SOCIOLOGIA. São Paulo: Global Editora, 2012 (no prelo).
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19 de setembro de 2012

verbete "ditadura"

[fotografia: Rafael Bertelli
Curitiba, Brasil
1 out. 2008]


Adriano Codato


A definição mais aceita de ditadura é a seguinte: a ditadura é um regime político onde um indivíduo (o ditador), ou um grupo de indivíduos (um partido, uma assembleia), exerce o poder político de modo absoluto, sem limites constitucionais ou legais.

Nesse sentido bastante genérico, ditadura é sinônimo de autocracia, autoritarismo, despotismo, tirania, totalitarismo. Conforme a tipologia proposta por Aristóteles (384-322 a. C.) na Política, a “tirania” (o nome clássico da ditadura) era o regime onde um só exercia o poder soberano exclusivamente no seu interesse particular. A tirania é, assim, a forma degenerada da monarquia. Em Montesquieu (1689-1755), a palavra para designar ditadura é “despotismo”. No seu livro mais importante, O espírito das leis (1748), o despotismo aparece como o regime onde um só detém o governo. O poder político é uma extensão da vontade pessoal do soberano e ele não obedece nem leis nem regras (isto é, quaisquer limites). O que induz os súditos a obedecer é o medo, e não a honra do monarca ou a virtude dos cidadãos. Foi justamente o medo como o princípio da obediência nas ditaduras/despotismos o que permitiu mais tarde que os conservadores classificassem o regime dos jacobinos na França pós-revolucionária como o “regime do terror” (Bobbio, 1998, p. 135).

As ditaduras podem ser civis (cesarismo, bonapartismo, fascismo) ou militares. Neste caso, o poder executivo pode ser ocupado todo o tempo por um comandante militar (como o Chile de Pinochet) ou exercido em sistema de rodízio entre as altas patentes das forças armadas (o regime dos generais no Brasil entre 1964 e 1985). As ditaduras civis podem ser apoiadas por um movimento popular ou um partido político, em geral o único partido existente nesse sistema político (casos da Alemanha nazista, da URSS, da China comunista). Algumas classificações, mais problemáticas, introduzem critérios apenas quantitativos para definir os regimes ditatoriais. Ditaduras seriam aquelas formas de governo onde a taxa de violência (ou a repressão política) é bastante alta. Isso conduz a algumas dificuldades, já que mesmo democracias consolidadas podem, excepcionalmente, lançar mão da força policial contra cidadãos particulares ou movimentos sociais.

Do ponto de vista institucional, as ditaduras se caracterizam pela supremacia do poder executivo, pela irrelevância do poder legislativo e pela submissão do poder judiciário. Nas ditaduras, os direitos civis (isto é, os direitos individuais, tais como ir e vir, a liberdade de associação, a liberdade de expressão, de opinião e de contestação do governo, a liberdade de informação) são severamente controlados; e os direitos políticos (direito à participação, direito de voto, direito a disputar eleições livres e idôneas) veem-se severamente comprometidos. Daí se afirmar que a ditadura é uma forma de governo que não respeita o “Estado de direito”. Em algumas classificações a ditadura é um “regime de exceção” (sendo a regra a democracia liberal).

[continua...]

Referência:

CODATO, A. DITADURA. Teixeira, Francisco M. P. coord. DICIONÁRIO BÁSICO DE SOCIOLOGIA. São Paulo: Global Editora, 2012 (no prelo).
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6 de maio de 2009

Idéias, práticas e instituições: qual a direção da causalidade?


[Modern parachute cord chair.
Yale Joel, US, March 1953. Life]



Adriano Codato

paper a ser apresentado no
XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - ANPUH 2009.

O discurso oficial do Estado Novo inspirou a concepção e a criação das Interventorias Federais e dos Departamentos Administrativos dos estados. Esses aparelhos, e em especial os Departamentos Administrativos, foram uma manifestação eloqüente da ideologia autoritária e da sua forma de conceber e exercer a política. Por outro lado, eles são também o canal privilegiado por onde a ideologia de Estado se manifesta. Esse aspecto, que a relação linear postulada entre discurso, instituições e práticas administrativas negligencia, é inclusive mais importante para entender o sucesso do autoritarismo no Brasil. A comunicação apresenta alguns elementos empíricos para entender porque os Departamentos Administrativos podem ser, nesse contexto, o meio eficiente de integração entre as oligarquias tradicionais e as idéias do regime estadonovista.

para ler o trabalho completo, clique aqui.
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2 de março de 2009

dictabranda - o capítulo final

14 de fevereiro de 2009

a construção autoritária da autoridade do Estado no Brasil: a ditadura de Vargas


[foto: Getulio Vargas
no Palácio do Catete.
1941. Hart Preston. Life]

Adriano Codato

A nacionalização das estruturas de poder, ao mesmo tempo propósito e produto da centralização política no pós-1930, foi em geral interpretada pela historiografia e pela sociologia brasileiras de duas maneiras: em termos teóricos, como condição de possibilidade de autonomização do Estado diante da sociedade; em termos históricos, como a concretização da vontade de um Presidente imperial.

Nesse registro, o “caudilhismo”, ou sua versão modernizada, o “populismo autoritário” são confissões de um modo de desenvolvimento político em que o programa de superação dos poderes privados (os “imperialismos estaduais”) ou carece de mediações institucionais, tal como no fenômeno da ligação direta entre o Presidente e as elites políticas; ou excede em mediações institucionais, como atestam todos os relatos sobre o crescimento e a burocratização do Executivo federal nesse período (1).

Em quaisquer dessas explicações o Estado Novo fica assimilado apenas a uma experiência relativamente bem-sucedida de “‘desapropriação’ dos instrumentos locais e regionais de poder estruturados sob o Estado oligárquico”(2).

Talvez não tenha sido enfatizado suficientemente que a transferência de poder de um nível a outro do sistema político brasileiro – do regional para o nacional – não foi apenas uma questão de cessão de direitos ou alienação de “funções” dos estados ao Estado. Esse processo não poderia prescindir de arranjos formais que garantissem, ao lado da unificação do mercado econômico, a unificação do “mercado político”. Explico.

Assim como o deslocamento do eixo dinâmico da acumulação (da economia agromercantil para a industrial), ele mesmo o resultado prático da ação efetiva de órgãos de planejamento, agências decisórias, burocracias públicas e da atuação de uma elite estatal planejadora – enfim, da “intervenção” do Estado – não resultou da “lógica do sistema capitalista” (seja nacional, seja internacional), a mudança de escala em que o poder de classe e o poder de Estado passaram a ser exercidos não derivou de adaptações paulatinas e sucessivas da estrutura de poder.

Tanto é assim que o problema da hierarquização e da integração entre os subsistemas econômicos regionais, o problema do controle político sobre as elites políticas estaduais e a questão da dominação ideológica sobre a sociedade só foram suficientemente resolvidos no Estado Novo. Eles exigiram uma mudança de regime, uma transformação política, portanto (3).

Assim, gênese institucional do Estado ditatorial e sua compreensão são estratégicas para entender o programa de construção institucional da capacidade estatal, afastando assim as concepções que, com base numa “história administrativa” que faz abstração da sociedade e de seus conflitos, tende a ver a criação e a imposição de novos parâmetros burocráticos apenas como o efeito de manobras adaptativas ao novo “ambiente político”; ou como correções marginais das disfunções do desenho institucional original; ou ainda, tende a tomar tais parâmetros por simples imitação de modelos externos, ou por decorrências automáticas de reformulações das visões correntes sobre a melhor forma de governar, e assim por diante.

Pierre Bourdieu lembrou que, em se tratando do Estado e dos processos de instituição do poder do Estado, não há maneira de romper com a visão naturalizada do desenvolvimento natural das instituições políticas e das práticas administrativas e jurídicas estabelecidas desde sempre “mais poderosa do que a reconstrução da gênese: ao fazer com que ressurjam os conflitos e os confrontos dos primeiros momentos e, concomitantemente, os possíveis excluídos”, essa perspectiva sócio-genética “reatualiza a possibilidade de que houvesse sido [...] de outro modo [...] e recoloca em questão” aquele modo de organização que historicamente “se concretizou entre todos os outros” (4).

Notas:
1. Ver Mario Wagner Vieira da Cunha, O sistema administrativo brasileiro (1930-1950). Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, 1963.

2. Sônia Draibe, Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização no Brasil, 1930/1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 62.

3. Para a idéia, ver Luciano Martins, A revolução de 1930 e seu significado político. In: CPDOC/FGV, A revolução de 1930: seminário internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983, p. 685.

4. Pierre Bourdieu, Espíritos de Estado. Gênese e estrutura do campo burocrático. In: _____. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996, p. 98.
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16 de dezembro de 2008

40 anos do AI-5 (2)


[Foto: Tribuna da Imprensa. Arquivo CEDOC. Castello Branco (de gravata), atrás dele, da direita para a esquerda, Ernesto Geisel, Frotta, Médici]




A Folha de S. Paulo produziu um caderno especial sobre o Ato Institucional n. 5. Entre os documentos disponíveis, há a versão fac-símile do Ato, a ata da reunião, a transcrição dos votos dos ministros e o áudio da sessão histórica do Conselho de Segurança Nacional.

Abaixo, o famoso trecho do voto de Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho e Previdência Social do governo Costa e Silva (1967-1969). Em seguida, a íntegra do voto do ministro Delfim Netto, da Fazenda.

Um dos passatempos acadêmicos ociosos é a discussão sobre se o regime foi ou não uma "ditadura". A própria Folha de S. Paulo prefere o designativo inócuo "regime militar". Seguindo esse raciocínio, deveríamos chamar o regime brasileiro atual de "regime civil" e não de regime democrático.

As declarações de voto:

[Jarbas Passarinho] "De minha parte, senhor presidente, quero, já que estamos em uma sessão histórica, quero me referir às vezes que ouvi de Vossa Excelência, não só coletivamente, como individualmente em despacho, palavras remarcadas de absoluta sinceridade, pois Vossa Excelência não estava, em nenhum momento, sendo menos sincero do que é agora, neste instante, quando Vossa Excelência, inclusive, aqui mesmo neste palácio, no dia do seu aniversário, chamou a atenção para o peso da responsabilidade da ditadura sobre os ombros dos homens, mesmo que fosse um triun... um triunvirato, que fosse um colegiado. Sei que a Vossa Excelência repugna, como a mim, e creio que a todos os membros deste conselho, enveredar para o caminho da ditadura pura e simples, mas parece que claramente é esta que está diante de nós. Eu seria menos cauteloso do que o próprio ministro das Relações Exteriores, quando diz que não sabe se o que restou caracterizaria a nossa ordem jurídica como não sendo ditatorial, eu admitiria que ela é ditatorial. Mas, às favas, senhor presidente, neste momento, todos, todos os escrúpulos de consciência".

[Delfim Netto] "Senhor presidente, senhores membros do Conselho. Eu creio que a revolução veio não apenas para restabelecer a moralidade administrativa neste país, mas, principalmente, para criar as condições que permitissem uma modificação de estruturas que facilitassem o desenvolvimento econômico. Este é realmente o objetivo básico. Creio que a revolução, muito cedo, meteu-se numa camisa de força que a impede, realmente, de realizar esses objetivos. Mais do que isso, creio que, institucionalizando-se tão cedo, possibilitou toda a sorte de contestação que terminou agora com este episódio que acabamos de assistir [sic]. Realmente, esse episódio é simplesmente o sinal mais marcante da contestação global do processo revolucionário. É por isso, senhor presidente, que eu estou plenamente de acordo com a proposição que está sendo analisada no Conselho. E, se Vossa Excelência me permitisse, direi mesmo que creio que ela não é suficiente. Eu acredito que deveríamos atentar e deveríamos dar a Vossa Excelência, ao presidente da República, a possibilidade de realizar certas mudanças constitucionais, que são absolutamente necessárias para que este país possa realizar o seu desenvolvimento com maior rapidez. Eram essas as considerações que eu gostaria de fazer".

Clique aqui para ouvir a sessão completa da reunião que decidiu pela aprovação do Ato 5 em 13 de dezembro de 1968.
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14 de dezembro de 2008

40 anos do AI-5

No dia 13 de dezembro do Ato Institucional n. 5 fez 40 anos.
Essa disposição legal alterou a natureza do regime político brasileiro.
Neste artigo, publicado em 2004, (baixe aqui em pdf), procuro discutir o processo político "revolucionário" e seu desfecho em dezembro de 68.

O golpe de 1964 e o regime de 1968: aspectos conjunturais e variáveis históricas
Adriano Codato

O trabalho trata da evolução política do Brasil num período determinado de seu desenvolvimento. Discute-se o processo de conversão do “regime autoritário” no pós-1964 em regime ditatorial-militar no pós-1968. O objetivo do artigo é examinar a causa da edição do Ato Institucional no. 5, logo, a causa da vitória da extrema-direita militar, e, portanto, do fracasso político do movimento oposicionista nessa conjuntura.

A questão central que informa a análise é a seguinte: é possível encontrar uma variável explicativa na interpretação desse processo histórico que dê conta do porquê da supremacia do “grupo palaciano” (a corrente ideológica militar então mais influente), e da sua solução para a crise do regime, bem como da derrota das “oposições”?
O problema teórico de fundo aqui é o das determinações de um evento político, isto é, a articulação dos nexos causais que explicam determinado resultado histórico.
São examinadas duas explicações correntes da literatura de Ciência Política e História Política e proposta uma terceira, que enfatiza principalmente variáveis de tipo ideológico.
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8 de setembro de 2008

elites e instituições no Brasil: uma análise contextual do estado novo


Adriano Codato

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ciência Política da Unicamp - 2008.

[clique no link para baixar a tese em pdf]

Esta tese aborda, de um ponto de vista contextual, a relação entre elites políticas estaduais e instituições de governo durante o regime do “Estado Novo” no Brasil (1937-1945). A partir do caso de São Paulo, são analisados quatro problemas: os aparelhos político-burocráticos do regime, as transformações do perfil sócio-profissional da classe política, sua colaboração na gestão dos aparelhos do Estado ditatorial e o processo de adesão dessa elite à ideologia do Estado autoritário. O estudo focalizou o grupo político de quatorze indivíduos abrigado no Departamento Administrativo do estado de São Paulo. A fim de explicar o declínio da
oligarquia paulista (junto com seus partidos políticos, suas lideranças nacionais, sua ideologia liberal e seu poder estadual) quatro hipóteses foram testadas: i) a nova hierarquia política entre os diversos grupos de elite é o resultado da nova ordem estipulada pelos círculos dirigentes do regime entre os diferentes níveis decisórios do sistema institucional do Estado; ii) as instâncias intermediárias de governo que abrigam as elites estaduais, como os Departamentos Administrativos, não são instâncias de decisão sobre a política de Estado, mas de participação controlada no jogo político; iii) a modificação dos perfis sociais das elites políticas estaduais é o efeito tanto das sucessivas transformações nas condições de competição política, quanto da estrutura institucional concebida para recrutá-la e conformála aos propósitos do regime ditatorial; e iv) a presença de certos grupos da elite estadual nas novas estruturas do Estado contribuiu decisivamente para sua conversão à ideologia autoritária. Constatou-se a importância decisiva das instituições políticas no processo de transformação das elites políticas no Brasil após a Revolução de 1930.

orientador: Sebastião Velasco e Cruz
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16 de outubro de 2006

Outras abordagens de dois velhos conhecidos

[Gen. Jorge Rafael Videla (R) and Admiral Emilio Massera leaders of the military dictatorship that ruled Argentina (1976-1983)]

Apresentacao do Dossiê da Revista de Sociol. e Polít. n. 25, 2005.
DOSSIÊ "DEMOCRACIAS E AUTORITARISMOS"

Adriano Codato




"O que uma democracia é não pode ser separado do que a democracia deve ser. Uma democracia só existe à medida que seus ideais e valores dão-lhe existência" (Giovanni Sartori).

Jorge Luís Borges lembrou que "escassas disciplinas devem ter mais interesse que a etimologia; isto se deve às imprevisíveis transformações do sentido primitivo das palavras, ao longo do tempo. Dadas tais transformações, que podem beirar o paradoxal, de nada ou de muito pouco serve a origem das palavras para a elucidação de um conceito" ("Sobre os clássicos", Outras inquisições, 1952).

O fato de, em grego, "democracia" (demokratía) significar "governo do povo" é útil como uma advertência, mas insuficiente para definir um nome. Já o fato de "ditadura" (dictatura) em latim querer dizer "dignidade do ditador" só torna hoje as coisas mais obscuras. Tampouco resolve saber que o dictator é o magistrado supremo romano, o que dita a lei, o que determina e faz cumprir as leis do Estado (tudo isso de acordo com o Houaiss).

Fora da Lingüística, na parte que nos cabe na elucidação do problema, não andamos muito. É provável que a maneira menos produtiva de compreender e explicar regimes políticos seja tomá-los apenas como "formas de governo". Se os esquemas classificatórios mais tradicionais, baseados em critérios numéricos (número de governantes, número de partidos etc.) ou vagamente normativos (o "bom governo" e o seu oposto) já não dizem quase nada, a dimensão estritamente política, seja ela comportamental, seja ela institucional (o grau e o tipo de liberdades políticas, por exemplo) tem um valor muito relativo para compreender a estrutura de poder de uma sociedade dada. Isso para não mencionar o contra-senso da versão tradicional dos Estudos Constitucionais sobre o assunto, que costumam derivar a política do direito.

Não há dúvida que a lição dos clássicos, ensinada pela história das doutrinas políticas (ou numa versão mais sofisticada e contemporânea, pela Filosofia Política), é indispensável para pensar a essência da ditadura e da democracia e as transformações ou os deslocamentos de sentidos dessas palavras. Mas essa sentença é tão verdadeira quanto óbvia. Mesmo que não se concorde com a declaração que abre o conhecido livro de Norberto Bobbio, La teoria delle forme di governo nella storia del pensiero político ("O Ocidente deve à Política de Aristóteles um sistema conceitual que resistiu ao tempo e chegou até nós praticamente intacto" (BOBBIO, 1980 [1976], p. X), parece um pouco excessiva a sugestão de Gabriel Almond para que se considere que Michael Walzer tem um conceito de justiça melhor do que o de Platão, ou Robert Dahl teve insights mais úteis e uma teoria da democracia bem mais rigorosa do que Aristóteles (ALMOND, 1998, p. 51).

É possível sem muita dificuldade contestar as duas sentenças. Tanto a tipologia aristotélica era "rigorosa" (nos limites empíricos possíveis da sua pesquisa de campo1), quanto esse sistema classificatório foi contrariado e superado mais de uma vez. Para ficarmos no melhor exemplo, a frase que abre o Príncipe – "Todos os estados, todos os domínios que tiveram e têm poder sobre os homens foram e são ou repúblicas ou principados" (MAQUIAVEL, 1990 [1513], p. 3) – quer sim revogar a tripartição clássica, mas não apenas. O autor, nota Claude Lefort (1972), altera por assim dizer o princípio de classificação. O que está em questão agora é "o modo que se adquirem" os direitos de dominação: pela virtù, pela fortuna, pela violência e pelo consentimento dos cidadãos.

O objetivo, contudo, deste dossiê do n. 25 da Revista de Sociologia e Política – "Democracias e autoritarismos" – não é discutir a discussão sobre os regimes políticos ou suas definições, em busca da mais correta (ou da mais "operacional"). Nem retomar, abstratamente, as polarizações tradicionais que estão implicadas nesse problema: coerção-consenso, autoridade-liberdade, participação-representação etc. Como se sabe, estudos em Ciência Política e Sociologia Política devem buscar ser objetivos e basear seus achados em evidências e inferências (outra lição de Maquiavel...). Nesse sentido, nosso conhecimento sobre a política pode ser cumulativo e tanto as conquistas conceituais das disciplinas acima ao longo do seu desenvolvimento, quanto os diversos métodos ou abordagens os quais elas lançam mão (história dos conceitos, estudo de casos empíricos, interpretações históricas, análises comparadas, surveys, modelos matemáticos etc.) são úteis e válidos. O problema é que, como advertiu Giovanni Sartori, "a teoria da democracia enquanto tal é uma macroteoria que gira, em grande parte, em torno de generalizações abrangentes. Inversamente, a pesquisa que alimenta a teoria empírica da democracia produz microevidência, no sentido de que a evidência é pequena demais para as generalizações que se propõe testar" (SARTORI, 1994 [1897], p. 15).

Este dossiê, dividido em dois blocos, é um exemplo do esforço dos cientistas sociais (em sentido lato) em muitas dessas direções, tanto no nível "macro", como no nível "micro". Há aqui uma crítica teórica da teoria democrática contemporânea (seja na sua versão representativa, seja na participativa) e uma análise "prática", por assim dizer, das fórmulas institucionais que viabilizariam uma relação mais rente entre representantes e representados, corrigindo a versão segundo a qual a democracia radical é apenas uma perspectiva normativa. O primeiro artigo, de Chantal Mouffe, defende um modelo combativo de democracia, que reponha a idéia de conflito e decisão. Ao recusar o ideal da democracia pluralista, contesta os festejados paradigmas que têm, no centro de sua argumentação, as questões da racionalidade (Habermas) ou da moralidade (Rawls). Para ela, "idéias de que o poder poderia ser dissolvido por meio de um debate racional e de que a legitimidade poderia ser baseada na racionalidade pura são ilusões que podem colocar em risco as instituições democráticas". O texto de Luís Felipe Miguel analisa pacientemente os prós e os contras das diversas propostas, desde as cotas eleitorais até os sorteios, para tornar efetiva a accountability vertical: isto é, a "necessidade que os representantes têm de prestar contas e submeter-se ao veredicto da população". O ponto forte do artigo é, em minha opinião, a discussão sobre o conteúdo da representação. Numa relação política o que está em jogo são tanto interesses e opiniões quanto perspectivas comuns diante do mundo.

Ainda no capítulo das análises conceituais, Gadea e Scherer-Warren sublinham a importância e a atualidade das reflexões sobre a democracia que levem em conta as especificidades latino-americanas. Todo o debate sobre o problema "quem governa/como governa" é centrado nas realidades européia e estadunidense. Ao trazer a discussão para nossa vizinhança, os autores argumentam que as contribuições teóricas de Alain Tourraine são decisivas para compreender o movimento neozapatista de Chiapas, no México, ou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, no Brasil.

Há por fim um estudo de caso que não pretende ser apenas um estudo de caso destinado a descrever uma peculiaridade regional. Mário Fuks, em seu exame da dinâmica interna do Conselho Municipal de Saúde de Curitiba, aproveita para mostrar a defasagem, no âmbito do processo deliberativo, entre a posse efetiva de recursos políticos e a influência política real dos grupos sociais. Um bom exemplo, a propósito, de como a microevidência, nos termos de Sartori, ilustra um problema central da macroteoria.

Sobre os autoritarismos contemporâneos reunimos, no segundo bloco, quatro artigos. Como as formas de dominação envolvem práticas distintas, é esperável que o fenômeno do autoritarismo recubra pelo menos três dimensões. Existe não apenas um autoritarismo político (sua face mais conhecida e estudada), mas um autoritarismo social e outro ideológico, e os dois últimos podem viger mesmo na ausência de um "regime autoritário". O autoritarismo social envolve valores e atitudes e o autoritarismo ideológico, cultura (no sentido antropológico) e idéias (codificadas em uma doutrina ou não, mas que sempre pretendem influenciar ou dirigir práticas). O artigo de Geraldo Leão recorda que o autoritarismo, do ponto de vista ideológico, tem uma dimensão bem concreta. Ele não quer apenas conformar uma sociedade, disciplinar os cidadãos ou restringir a prática política, mas dar a ela uma nova estética. O documentário de Peter Cohen, Arquitetura da destruição, mostra o paroxismo desse ideal, em parte projetado, em parte realizado, sob o nazismo. Por meio da análise das esculturas públicas em Curitiba no período posterior à II Guerra Mundial, Geraldo enfatiza que os monumentos não têm um apelo apenas plástico: são inspirados por e produzem uma "mentalidade". A arte figurativa "realista" que o diga.

Os três demais textos – de Adriano Codato, Jorge Zaverucha e Cristina Neme – podem ser lidos juntos, pois há um fio que os amarra: a persistência das instituições políticas e práticas de controle social autoritárias na democracia brasileira contemporânea. Meu próprio artigo refaz a história da transição do regime ditatorial-militar para o regime liberal-democrático no Brasil a partir de 1974 para mostrar como o modo pelo qual se deu a mudança política condicionou a qualidade da política nacional atual. Jorge Zaverucha estuda o caso do Ministério da Defesa, criado no governo de Fernando Henrique Cardoso, e argumenta que esse é um bom exemplo da permanência da autonomia (e da insubordinação) militar diante do poder civil. Por fim, Cristina Neme, ao comparar os problemas da violência criminal e segurança pública no Brasil e na França, mostra como, de fato, no Brasil sua abordagem continua incivilizada: militarizada e selvagem.

Em seu livro Um prefácio à teoria democrática, de 1956, Robert Dahl enumera o que para ele seria "uma assustadora lista das maneiras alternativas pelas quais poderíamos tentar formular uma teoria da democracia" (1989 [1956], p. 9). Poderíamos perguntar-nos sobre as precondições sociais que autorizam a existência de uma determinada instituição política ou fixar uma instituição política como um valor a ser alcançado (a igualdade política, em seu exemplo) e indagar das condições sociais que seriam necessárias para atingir essa meta; poderíamos "nos satisfazer com uma teoria não-operacional", essencialmente ética ou prescritiva da democracia, "ou exigir que fosse tornada operacional", isto é, imaginada de acordo com as observações sobre o "mundo real"; poderíamos "aceitar como válida uma teoria que não requeresse qualquer medição ou exigir que alguns fenômenos fossem mensuráveis"; poderíamos ainda "construir uma teoria que estabelecesse apenas requisitos constitucionais básicos" para o funcionamento da democracia ou "tentar edificar uma outra teoria que incluísse também as condições sociais e psicológicas necessárias" (DAHL, 1989 [1956], p. 10) – etc.

Assim como não existe nem uma teoria dos regimes políticos mais correta que a outra – ou porque estabelece uma ordem de grandeza entre duas variáveis, ou porque entroniza uma variável nova em lugar de outra, ao gosto da ocasião2 –, não há um princípio ético universalmente aceito. O que é diferente, bem entendido, de não haver princípios éticos. Os artigos deste dossiê deixam ver, implícita ou explicitamente, esses problemas e essas alternativas a fim de mostrar como a agenda de Dahl é ao mesmo tempo, passados cinqüenta anos exatos, atual e difícil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMOND, G. (1998). Political Science : the History of the Discipline. In: GOODIN, R. E. & KLINGEMANN, H.-D. (eds.). A New Handbook of Political Science. Oxford : Oxford University.

BOBBIO, N. (1980 [1976]). A teoria das formas de governo. 3ª ed. Brasília : UNB.

DAHL, R. (1989 [1956]). Um prefácio à teoria democrática. Rio de Janeiro : Zahar.

LEFORT, C. (1972). Le travail de l'oeuvre : Machiavel. Paris : Gallimard.

MAQUIAVEL, N. (1990 [1513]). O príncipe. São Paulo : M. Fontes.

SARTORI, G. (1994 [1897]). A teoria da democracia revisitada. Vol. 1 : O debate contemporâneo. São Paulo : Ática.

Notas
1 Conforme Norberto Bobbio, "O próprio Aristóteles tinha coligido 158 constituições [políticas] do seu tempo, em obra que se perdeu" (1980 [1976], p. 74)

2 Talvez fosse o caso lembrar a afirmação de L. Althusser: a filosofia é luta de classes na teoria

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