Réalisateur Pierre Carles;
durée: 2h 26min;
année de production: 2001.
Adriano Codato
« Une bonne partie de ceux qui se désignent comme sociologues ou économistes sont des ingénieurs sociaux qui ont pour fonction de fournir des recettes aux dirigeants des entreprises privées et des administrations. Ils offrent une rationalisation de la connaissance pratique ou demi-savante que les membres de la classe dominante ont du monde social. Les gouvernements ont aujourd’hui besoin d’une science capable de rationaliser, au double sens, la domination, capable à la fois de renforcer les mécanismes qui l’assurent et de la légitimer. »[Palestra proferida na Semana de Antropologia UFPR: Desafios da Alteridade; Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 2007]
Pierre Bourdieu, Choses dites (1).
I. O filme: as escolhas da narrativa
Se vocês repararam, no filme de Pierre Carles nunca encontramos Pierre Bourdieu na intimidade. Em seu apartamento, em sua residência secundária, almoçando ou jantando, com sua mulher: isto é, “em família”. Por que isso?
Eu penso que Carles não quer suscitar aquela simpatia fácil que decorre da humanização da personagem: alguém como nós, mas mais famoso; alguém como nós, mas mais inteligente; alguém como nós, mas mais poderoso etc. Dessa maneira, a via escolhida para desmontar a torre de marfim onde, diz-se, os intelectuais vivem encerrados, não é a camaradagem diante de alguém, afinal, “simpático”: atencioso, solidário, paternal.
Nesse sentido, a sedução da Sociologia não vem de quem exerce o ofício, o mestre, o guru, como nas seitas, mas a sedução da Sociologia vem da sua prática por um sociólogo radical que leva os princípios da disciplina ao extremo.
Daí que o documentário de não seja um olhar íntimo sobre o homem Pierre Bourdieu. Como vocês viram, o Autor, em carne e osso, só surge em seu cotidiano de trabalho: num seminário de pesquisa no CSE, num debate com outro “grande intelectual” (Günter Grass), numa escola da periferia de Paris, na rádio comunitária etc.
Creio que essa é a forma para produzir no espectador um olhar simpático sem que a abordagem tenha de ser hagiográfica.
II. A Sociologia como arma
A opção de Pierre Carles, penso eu, é mostrar o interesse prático da Sociologia através do pensamento de um sociólogo em particular e sugerir o interesse político que sua mensagem pode ter para os destinatários privilegiados desse “esporte de combate”: os miseráveis do mundo.
Comentando a seqüência do encontro com as pessoas em Mantes-la-Jolie, onde o protagonista do filme se explica com uma clareza até desconcertante para nós acostumados com a sua escritura, e comparando-a com a irritação de Bourdieu diante do anti-intelectualismo dos jovens do Val-Fourré, Pierre Carles diz o seguinte:
« Dans cette séquence, Bourdieu s'énerve surtout contre l'anti-intellectualisme ambiant qui tend à faire passer l'intellectuel pour un type chiant, éloigné des réalités. Citant l'exemple du sociologue algérien Abdelmalek Sayad, dont il a édité le livre posthume, Bourdieu dit à ces jeunes d'origine algérienne : ce livre, c'est vous, c'est votre histoire, vos expériences. C'est une boite à outils pour vous prendre en main. Si vous vous privez de ce livre sous prétexte qu'il a été écrit par un universitaire, vous vous privez d'un instrument qui vous permettrait de comprendre votre propre situation et d'être un peu moins écrasée par elle. (2) »
A Sociologia é uma caixa de ferramentas para seu utilizada. Quando se recusa a Sociologia, se recusa o conhecimento e o potencial libertador que esse conhecimento pode produzir.
Loïc Wacquant sugeriu a seguinte interpretação:
“Je pense que ce film va profondément modifier le regard que les gens portent sur la sociologie, qui est souvent perçue comme une science-guimauve. Telle que la pratiquent les consultants d'entreprise et que l'invoquent les journalistes bavards, elle ne sert qu'à renforcer une vision molle du monde. Le film de Carles, lui, donne à voir une science dure, tranchante comme un couteau. Il montre le processus qui mène à faire de la sociologie une forme de service public de la pensée critique. C'est un film qui donne envie d'en être et qui va sûrement créer des vocations...” (3)
III. O filme: o estilo a serviço de uma idéia
Uma qualidade importante do filme, a meu ver, é que ele é documental sem ser oficial.
Ele é fiel a uma idéia (isto é, defende uma “tese”, um argumento) sem ser pretensamente “objetivo”. Daí que não haja “outras posições” sobre o assunto. Os críticos de Bourdieu não comparecem para o contraditório.
Enfim, o filme, como os outros dois documentários do diretor sobre a imprensa na França, não é neutro. É engajado e militante, mas de uma militância estranha: uma militância que aposta no poder revelador e liberador da Ciência – no caso, da Sociologia; posição tanto mais esquisita para aqueles que estão, graças aos “delírios pós-modernos” (4), sempre desconfiados da Razão e do discurso científico.
A ausência de artifícios – sem narração em off (não há uma história para contar, a vida do biografado, a sociologia francesa do século XX etc., ou uma moral edificante para transmitir), sem edição aparente, cortes abruptos, sem “estilização”: isto é, um filme “feio” – parece ter um objetivo explícito: mostrar que o pensamento de Bourdieu responde a problemas reais, concretos, colocados pelas pessoas e que não segue um esquema pré-fixado. Um modelo que a edição revelará.
Mas por que no filme não aparece o Bourdieu militante das causas sociais antiliberais?
« L’ambiguïté dans le combat de Pierre Bourdieu est qu’en tant que sociologue, surtout dans la haute idée qu’il s’en fait, il se doit de ne pas clairement exprimer ses opinions politiques sur l’ultra-libéralisme, afin de protéger l’indépendance et la place de la sociologie, mais tout en exposant sa pensée et ses travaux qui, par constat, sont une critique radicale des effets de ce système économique et politique sur le corps social » (5).
IV. Por que a sociologia deve ser um esporte de combate?
O que é mais curioso é que se trata de um filme feito não de imagens, mas de palavras.
O objetivo declarado de Pierre Carles não era ilustrar o discurso cientifico de Bourdieu (e assim facilitar a compreensão de sua sociologia através de associações simples retiradas do repertório do senso comum), mas justamente apostar no poder de evocação da palavra: “O filme deve conduzir o espectador a produzir suas próprias imagens” (6).
Há, claro, uma pedagogia aí. Loïc Wacquant, ao comentar a fita, disse em uma entrevista, o seguinte:
« la sociologie est effectivement un " sport de combat ", dans la mesure où elle sert à se défendre contre la domination symbolique, l'imposition de catégories de pensée, la fausse pensée. Elle permet de ne pas être agi par le monde social comme un bout de limaille dans un champ magnétique. Pour Bourdieu, il s'agit au contraire de penser les forces qui agissent sur nous afin de s'en libérer et de se réapproprier sa propre histoire. » (7)
Notas:
1. cit. por Sylvain Marcelli http://www.interdits.net/2001juin/bourdieu.htm
2. http://www.homme-moderne.org/images/films/pcarles/socio/cyran.html
3. http://www.homme-moderne.org/images/films/pcarles/socio/cyran.html
4. P. Bourdieu, Science de la science et réflexivité. Paris: Éditions Raisons d'Agir.
5. Jerome Bonnefoi, La démocratie est un sport de combat.
http://www.homme-moderne.org/kroniks/blabla/bonnefoi/democ.html
6. http://www.homme-moderne.org/images/films/pcarles/socio/cyran.html
7. http://www.homme-moderne.org/images/films/pcarles/socio/cyran.html
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2 comentários:
Vejam só esse curso de história política do Brasil(1930-85) e seus aspectos sociológicos: www.epesp.com.br
Prezado Adriano, onde consigo localizar este documentário?
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