artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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7 de dezembro de 2008

o racismo da inteligência


[Students at New York University. 1949
Photographer: Herbert Gehr. Life]



A política de cotas (sociais e "raciais", i.e., baseadas na cor), os vários programas de apliação do acesso à universidade pública e privada (REUNI, PROUNI, PROVAR etc.) desencadearam uma discussão tensa entre os intelectuais brasileiros, particularmente entre os profissionais das ciências sociais (em sentido amplo). Entidades estudantis também se pronunciaram, principalmente para combater os critérios baseados em atributos socio-econômicos ou "raciais".

É impossível analisar e comentar aqui todas as teses CONTRA as políticas de inclusão e universalização. Chamo a atenção, todavia, para um ponto recorrente e renitente: a defesa do critério do "mérito". A defesa dessa idéia como princípio, ou mais propriamente, a defesa desse princípio como uma idéia, em abstrato, desligado das CONDIÇÕES SOCIAIS de produção de indivíduos capazes de exibir mais méritos que outros, produz o que P. Bourdieu chamou de "racismo da inteligência". Abaixo, uma conferência de Bourdieu sobre. Destaquei em negrito as partes essenciais e em vermelho escuro as teses principais. Pretendo voltar a esse tema em outro post a fim de tratar de outro tipo de discriminação: o racismo de classe.


o racismo da inteligência
Pierre Bourdieu

Primeiramente eu gostaria de dizer que é preciso ter em mente que não há um racismo, mas vários racismos: há tantos racismos quantos grupos que precisem justificar sua existência como tal, o que constitui a função invariante dos racismos.

Parece-me muito importante analisar as formas de racismo que, sem dúvida, são as mais sutis, as mais irreconhecíveis, e portanto as mais raramente denunciadas, talvez porque os que comumente denunciam o racismo possuam certas propriedades que levam a esta forma de racismo.

Estou pensando no racismo da inteligência. O racismo da inteligência é um racismo da classe dominante que se distingue por uma enorme quantidade de propriedades daquilo que se costuma designar como racismo, isto é, o racismo pequeno-burguês que é o objetivo central da maior parte das críticas clássicas ao racismo, a começar pelas mais vigorosas, como a de Sartre [trad.: Reflexões sobre o racismo. Rio de Janeiro: Difel, 1968].

Este racismo é próprio de uma classe dominante cuja reprodução depende em parte da transmissão do capital cultural, capital herdado que tem como propriedade o fato de ser um capital incorporado, e portanto, aparentemente natural, inato. O racismo da inteligência é aquilo que os dominantes utilizam para produzir uma "teodicéia de seu próprio privilégio", como diz Weber, isto é, uma justificativa da ordem social onde eles dominam. É isto que faz com que os dominantes se sintam justificados de existir como dominantes; que eles se sintam como possuindo uma essência superior. Todo racismo é um essencialismo e o racismo da inteligência é a forma da sociodicéia característica de uma classe dominante cujo poder repousa em parte sobre a posse de títulos que, como os títulos escolares, são considerados como uma garantia de inteligência e que substituíram, em muitas sociedades, inclusive para o próprio acesso às posições de poder econômico, os antigos títulos, como os títulos de propriedade e os títulos de nobreza.

Este racismo deve também algumas de suas propriedades ao fato de que, tendo sido reforçadas as censuras em relação às formas de expressão grosseiras e brutais do racismo, a pulsão racista só pode se exprimir sob formas altamente eufemizadas e sob a máscara da denegação (no sentido da psicanálise): o G.R.E.C.E (Groupe de Recherche et Étude sur Ia Civilization Europèene) mantém um discurso onde o racismo é dito, mas sob uma forma que não o diz. Levado assim a um grau muito alto de eufemização, o racismo se torna quase irreconhecível [ver nota 1]. Os novos racistas são colocados diante de um problema de otimização: ou aumentar o conteúdo do racismo declarado do discurso (afirmando-se, por exemplo, a favor do eugenismo), mas com o risco de chocar e perder em comunicabilidade, em transmissibilidade, ou aceitar dizer pouco e sob uma forma altamente eufemizada, de acordo com as normas de censura em vigor (falando, por exemplo, de genética ou ecologia), e assim aumentar as chances de "passar" a mensagem fazendo-a passar desapercebida.

O modo de eufemização mais difundido hoje em dia é evidentemente a cientificidade aparente do discurso. Se o discurso científico é invocado para justificar o racismo da inteligência, não é apenas porque a ciência representa a forma dominante do discurso legítimo; é também e sobretudo porque um poder que se crê fundado na ciência, um poder de tipo tecnocrático, pede naturalmente à ciência para fundar o poder; 
quando a inteligência é o que legitima para governar, o governo se pretende fundado na ciência e na competência "científica" dos governantes (pensamos no papel das ciências na seleção escolar, onde a matemática se tornou a medida de qualquer inteligência). A ciência pactua com aquilo que lhe pedem para justificar.

Dito isto, acho que se deve pura e simplesmente recusar o problema, no qual os psicólogos se deixaram encerrar, dos fundamentos biológicos ou psicológicos da "inteligência". E, antes de tentar resolver cientificamente o dilema, tentar fazer ciência com a própria questão; tentar analisar as condições sociais do surgimento deste tipo de dúvida e do racismo de classe que ela introduz.

De fato, o discurso do G.R.E.C.E. não passa da forma limite dos discursos mantidos há anos por certas associações de antigos alunos das grandes escolas, das propostas de chefes que se sentem fundados pela "inteligência" e que dominam uma sociedade fundada numa discriminação baseada na "inteligência", isto é, fundada naquilo que o sistema escolar mede sob o nome de inteligência. A inteligência é aquilo que os testes de inteligência medem, isto é, aquilo que o sistema escolar mede. Eis a primeira e a última palavra do debate que não poderá ser resolvido enquanto permanecermos no terreno da psicologia, porque a própria psicologia (ou pelo menos, os testes de inteligência) é o produto de determinações sociais que estão na origem do racismo da inteligência, racismo próprio das "elites" que têm vínculos com a [promoção] escolar, com uma classe dominante que consegue sua legitimidade pelas classificações escolares.

A classificação escolar é uma classificação social eufemizada, portanto naturalizada, absolutizada, uma classificação social que já sofreu uma censura, portanto uma alquimia, uma transformação tendendo a transformar as diferenças de classe em diferenças de "inteligência", de "dom", isto é, em diferenças de natureza.

As religiões jamais fizeram isto tão bem. A classificação escolar é uma discriminação social legitimada e que recebe a sanção da ciência. É lá que se encontra a psicologia e o reforço que ela deu desde o começo ao funcionamento do sistema escolar. O aparecimento de testes de inteligência, como o teste Binet-Simon, está ligado à escolarização obrigatória, com a entrada de alunos que o sistema de ensino não sabia como lidar, pois não eram "predispostos", "dotados", isto é, dotados por seu ambiente familiar das predisposições que o funcionamento comum do sistema escolar pressupõe: um capital cultural e uma boa vontade em relação às sanções escolares. Testes que medem a predisposição social exigida pela escola − daí seu valor preditivo dos sucessos escolares − são bons para legitimar com antecedência os vereditos escolares que os legitimam.

Por que esta recrudescência atual do racismo da inteligência? Talvez porque inúmeros professores, intelectuais − que sofreram em cheio os contragolpes da crise do sistema de ensino − estejam mais inclinados a exprimir ou a deixar que se exprimam sob as formas mais brutais aquilo que até então não passava de um elitismo da boa sociedade (quero dizer dos bons alunos).

Mas é preciso se perguntar também por que a pulsão que leva ao racismo da inteligência também aumentou. Acho que isto se deve em grande parte ao fato do sistema escolar ter se defrontado recentemente com problemas relativamente sem precedentes, como a entrada de pessoas desprovidas das predisposições socialmente constituídas que tacitamente são exigidas por ele; pessoas que sobretudo devido a seu número, desvalorizam os títulos escolares e desvalorizam até mesmo as funções que ocuparão graças a estes títulos. Daí o sonho, já realizado em alguns domínios, como o da medicina, do numerus clausus [número restrito*]. Todos os racismos se parecem. O numerus clausus é uma espécie de medida protecionista, análoga ao controle da imigração, uma resposta contra a obstrução que é suscitada pelo fantasma do número, da invasão pelo número.

Estamos sempre prontos a estigmatizar o estigmatizador, a denunciar o racismo elementar, "vulgar", do ressentimento pequeno-burguês. Mas é fácil demais. Temos que fazer o papel dos credores endividados e nos perguntarmos qual é a contribuição que os intelectuais dão ao racismo da inteligência. Seria bom estudar o papel dos médicos na medicalização, isto é, na naturalização das diferenças sociais, dos estigmas sociais, e o papel dos psicólogos, dos psiquiatras e dos psicanalistas na produção dos eufemismos que permitem designar os filhos de sub-proletários ou de emigrados de tal forma que os casos sociais se tornam casos psicológicos, as deficiências sociais, deficiências mentais, etc. Colocando de outra maneira, seria preciso analisar todas as formas de legitimação de segunda ordem que vêm redobrar a legitimação escolar como discriminação legítima, sem esquecer os discursos de aparência científica, o discurso psicológico e os próprios propósitos que nós temos.

*The numerus clausus is currently used in countries and universities where the number of applicants greatly exceeds the number of available places for students. This is the case in many countries of continental Europe. ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Numerus_clausus

Fonte: In: BOURDIEU, Pierre. 1983. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero. p. 205-208. Intervenção no colóquio do MRAP, em maio de 1978, publicada em Cahiers Droit et Liberte (Races, societés et aptitudes: apports et limites de la science).

Disponível em:
http://www.mhariolincoln.jor.br/arquivos/RACISMO.pdf
Acesso em: 7 dez. 2008


NOTAS
1. Nota da tradução em espanhol: «Méconnuhsable»: término que significa habitualmente «irreconocible», pero que viene de méconnaitre, «desconocer», «no reconocer». Bourdieu subraya la palabra para subrayar su parentesco con la méconnaissance, con el des-conocimiento, término muy utilizado por el autor para subrayar una dimensión esencia] de las sociedades: la negación de intereses, coaccio¬nes, etc., que resulta imprescindible para el mantenimiento de la legitimidad de instituciones, grupos o agentes y que suele ser fruto, como la represión freudiana, de un trabajo continuo de ocultamiento, de negación (N. del T.)

O autor do site de onde tirei o texto recomenda a leitura também de:

Pierre Bourdieu, Classement, déclassement, reclassement.
Actes de la Recherche en Sciences Sociales,
Volume 24 Numéro 24 pp. 2-22, 1978.

baixe o artigo aqui (em francês; em pdf).


3 de dezembro de 2008

política de cotas na universidade - avaliação crítica

[foto: Dmitri Kessel, Brasil, s.d.; Life]

do blog de Simon Schwartzman:

'Análise do impacto quantitativo e qualitativo da lei de cotas para o ensino superior público aprovada recentemente pelo Congresso.

A conclusão principal é a de que a política de cotas é inócua, porque afeta um número relativamente pequeno de estudantes – menos de 5% do total de estudantes de nível superior no país, que era de 5.8 milhões segundo a PNAD de 2007 - e busca resolver um problema que estará sendo resolvido naturalmente à medida em que o ensino médio melhore e o ensino superior público se expanda.

O efeito sobre o ensino superior público, e especialmente o setor federal, no entanto, pode ser bastante sério, e negativo, já que deverá fazer com que as universidades públicas percam uma fração importante de seus melhores alunos, que passarão para o setor privado'.

para ler o texto completo, clique aqui.

[com mais tempo, comento o texto, do qual discordo vivamente].

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27 de novembro de 2008

sistemas de cotas: um multiculturalismo brasileiro?

SANTOS, Jocélio Teles dos; QUEIROZ, Delcele Mascarenhas
Ciência e Cultura, São Paulo, v. 59, n. 2, 2007.
[clique no link ou aqui para ler o artigo completo]

[comentário meu: as ideologias teóricas e as ideologias práticas que condenam a política de cotas estão baseadas em princípios abstratos (mérito, igualdade "constitucional", condenação do racismo de Estado e outras mistificações), não em fatos. Seria interessante começar enfim a avaliar as políticas de discriminação positiva para interpretar --- sociologicamente --- seu significado. Este é um bom artigo sobre.]

"Este artigo tem como objetivo trazer alguns dados sobre a educação superior no período anterior ao sistema de cotas e nos dois primeiros anos da adoção desse sistema diferenciado. O espaço de análise é a Universidade Federal da Bahia (Ufba), a terceira instituição federal de ensino superior a reservar vagas para estudantes oriundos da escola pública (43%), aí inclusos os negros (85% dessa reserva) e índios aldeados (02 vagas para cada curso). O objetivo é discutir o impacto de uma nova política em uma instituição pública de ensino superior, nos dois primeiros anos da adoção do sistema. Afinal, os argumentos contrários ao programa de ações afirmativas priorizaram tanto a manutenção do mérito quanto a preservação da ideologia da mestiçagem, tão característica da sociedade brasileira, posto que nesses argumentos a reserva de vagas teria como conseqüência um novo modelo de relações raciais no país – mais polarizado e, segundo alguns, com menos espaço para os mestiços. Cabe, então, priorizar a análise dos dados".

[...]

"Esses resultados confirmam a hipótese do bom desempenho de estudantes negros oriundos da escola pública, apontados por Queiroz na análise do desempenho de estudantes no vestibular da Ufba, em 2001(10), num momento em que a universidade não havia implantado o sistema de cotas. Naquele momento, detectava-se a existência de um elevado contingente (576) de estudantes pretos e pardos, oriundos de escolas públicas, que tiveram bom desempenho no vestibular, portanto, foram aprovados para cursos considerados de alto prestígio social, mas não foram classificados "por falta de vagas" (11).

Os dados sobre o rendimento dos cotistas nos cursos, analisados acima, demonstram que o sistema de cotas permitiu que estudantes de bom desempenho acadêmico ingressassem na Ufba; tratava-se de uma demanda reprimida das escolas públicas que, pelo sistema tradicional, classificatório, não teriam nenhuma oportunidade na instituição.

Como demonstrado, a introdução de novas práticas no ensino superior em perspectiva multiculturalista teve, de imediato, uma maior eqüidade na participação dos estudantes que se auto-classificaram como pretos e pardos, pois eles compõem, majoritariamente, o grupo dos estudantes que adentraram pelo sistema de cotas. Em termos percentuais tivemos no ano de 2005 uma representação destes estudantes (74,6%) próxima do percentual da população do estado da Bahia (75%) Um dado extremamente relevante é que pela primeira vez na história da Ufba, e poderíamos também incluir a UFPR, tivemos a inclusão de estudantes oriundos de sociedades indígenas em cursos como agronomia, letras, ciências sociais, enfermagem e artes plásticas.

A mudança na distribuição da cor em cursos tradicionalmente competitivos é um dado que tem chamado a atenção dos professores, pois nas turmas dos calouros nota-se uma maior presença dos que se auto-classificaram como pardos. Conseqüentemente, o número de estudantes brancos diminuiu em cursos como medicina e odontologia. O efeito do novo sistema pode, inicialmente, ser medido tanto em termos estatísticos quanto na percepção de docentes desses cursos".

14 de novembro de 2008

mérito e cotas: dois lados da mesma moeda


[J.Baptiste Debret - Retour d'un propriétaire]


por
André Marenco,
cientista político - UFRGS

Os argumentos de críticos e defensores de políticas afirmativas convergem em um ponto: para ambos, haveria uma oposição entre a instituição da meritocracia como regra para recrutamento acadêmico e a implantação de mecanismos compensatórios, sociais ou raciais.

Adversários das cotas, retomando uma espécie de retórica da ameaça (Hirschman, 1992) afirmam que sua adoção eliminaria o mérito e o conhecimento prévio, premiando os menos capazes, com efeitos agregados sob a forma de mediocrização universitária. Defensores das cotas subestimam o significado racionalizador de instituições meritocráticas, resumindo a discussão com o argumento de que fins socialmente justos justificam a adoção dos meios necessários para atingi-los.

O equívoco de ambos consiste em não perceber a coerência existente entre meritocracia e a adoção de uma regra de cotas como procedimento para a ocupação de vagas universitárias. Em suas origens, meritocracia surge como alternativa ao status herdado pelo nascimento como critério para ocupação de postos públicos. Trata-se de substituir ascription por achievement, premiando a capacidade individual e não o berço na configuração da hierarquia social. A ironia é que vantagens adscritivas foram capazes de adaptar-se às novas regras impostas pela individualização das sociedades modernas, reconvertendo capital econômico e social familiar, em capital escolar (Bourdieu, 1989, Boltanski, 1982). Investindo, desde o ensino fundamental, na formação escolar de seus herdeiros, famílias bem providas asseguram sua continuidade no interior das instituições universitárias de maior prestígio e qualidade, que oferecem títulos e diplomas mais valorizados no mercado, reproduzindo hierarquias plutocráticas dissimuladas em capacidade intelectual individual.
A conversão de exames vestibulares em simulacros de mérito individual não deve induzir-nos ao desprezo pela relevância de regras meritocráticas, como condição para o estabelecimento de instituições racionais e impessoais. Trata-se de controlar as distorsões provocadas pela origem social, neutralizando o efeito path-dependent berço=diploma=renda.

John Rawls, o maior expoente do liberalismo político do século XX, ao apresentar sua concepção de justiça como eqüidade, ressalta que as desigualdades sociais e econômicas para serem aceitáveis, devem satisfazer duas condições: estar ligadas a posições abertas a todos, segundo condições de igualdade de oportunidades, e, beneficiar aos membros menos favorecidos da sociedade (Rawls, 1971). Quem quer ser liberal, que ao menos seja coerente, e honre o significado desta consigna.

Meritocracia constitui um sistema distributivo, que confere de modo desigual vagas e títulos universitários, premiando a capacidade, responsabilidade e talento individuais. Para que seja justo, é preciso que esteja baseado em uma efetiva igualdade de oportunidades, julgando apenas o esforço e competência individual, e não o sobrenome (o que, parece óbvio, não constitui mérito próprio). Desta forma, instituir um sistema de cotas é a alternativa eficaz e racional para assegurar um indispensável critério meritocrático, como procedimento para o recrutamento aos bancos universitários.

A probabilidade de um branco ingressar na universidade é, no Brasil, 137 vezes superior a de um negro. O percentual de negros com diploma universitário hoje no Brasil equivale ao dos Estados Unidos dos anos 40, quando leis segregacionistas estaduais impediam negros de frequentar, como alunos, universidades para brancos. Equivale ao percentual de negros com diploma na África do Sul, durante o apartheid (PNUD, 2005). Frente a estes números, questionar se existe racismo ou se a implantação de cotas raciais poderiam introduzir o racismo no Brasil, é um modo de tergiversar sobre o problema. Na ausência de oportunidades e de mobilidade social reais, conflitos raciais estão presentes da pior forma possível, traduzidos nos indicadores de violência e criminalidade, enquando nossa classe média vive seu Baile da Ilha Fiscal, falando em harmonia racial e talento individual.

Políticas afirmativas devem oferecer oportunidades de mobilidade social inter-geracional, projetando as condições para a constituição de uma ampla classe média negra, que incremente uma economia de mercado no Brasil. Trata-se de ir além da hipocrisia de falar em cursos técnicos e profissionalizantes para jovens pobres e negros, como se fosse suficiente oferecer a estes a auspiciosa perspectiva de serem, no futuro, balconistas, garçons ou recepcionistas. Teremos harmonia racial quando for corriqueiro consultar-nos com médicos negros, sermos julgados por magistrados negros, dirigidos por executivos negros e ensinados por professores negros. Mas, talvez, seja isso precisamente que amedronta nossa classe média.
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