A publicação do livro de Adriano Codato e Marcio Kieller (orgs.), Velhos vermelhos: história e memória dos dirigentes comunistas no Paraná (1945-1964) foi feita neste mês de fevereiro de 2009.
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Posto abaixo o Posfácio ao livro escrito por Dainis Karepovs.
Este Velhos vermelhos, de Adriano Codato e Márcio Kieller, é daquelas obras que certamente ajudam a preencher um dos vários e enormes vazios ainda existentes na história político-partidária da esquerda no Brasil e servem de estímulo a que o trabalho avance solidamente. Além disso, deixa abertas várias sendas a serem percorridas pelos pesquisadores e que desembocarão no caminho de uma história da classe operária do Paraná. Isto não é pouco. Se o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo aparenta lhe dar uma orientação geral homogênea – mas que, na verdade, dá a cada segmento seu uma especificidade –, é no seu caráter desequilibrado que se podem encontrar muitas das respostas para suas diversidades. Reside nisto justamente a importância das histórias regionais e locais da classe trabalhadora.
Como observaram os autores no capítulo um, o novo tipo de partido surgido na cena política brasileira, de caráter nacional e de direção verticalizada, acabou involuntariamente estimulando uma historiografia que pouca atenção deu às suas estruturas regionais e locais. Na verdade, a este fenômeno é necessário agregar um outro: o da transformação dos estudos regionais da zona predominante política e economicamente do Brasil, em particular Rio de Janeiro e São Paulo, em obras de caráter nacional ou globalizante, como o bem já observou Silvia Petersen . Felizmente, as novas perspectivas da historiografia da classe operária brasileira têm conseguido superar este quadro e têm conseguido dar um impulso renovador aos seus estudos regionais e locais, dos quais Velhos vermelhos é mais um indubitável índice. Pelas vozes dos combatentes e defensores dos anseios da classe trabalhadora paranaense, brasileira e mundial aqui reunidas por Adriano Codato e Márcio Kieller, acompanhadas por um aparato crítico que não deixa o leitor desamparado em momento algum, nos encontramos e reencontramos com episódios e personagens da história da classe trabalhadora brasileira que ganham vida e novas faces.
Pessoalmente, até aqui, os comunistas do Paraná haviam sido para mim uma ponta de um novelo que se desenrolou em outro sentido. São inevitáveis o relato e algumas reflexões daí decorrentes.
Quando realizava a pesquisa para um capítulo de minha dissertação de mestrado sobre uma cisão que varreu de alto a baixo o então Partido Comunista do Brasil (PCB), durante a segunda metade dos anos 1930, também tive um pequeno contato com a história dos comunistas do Paraná . Eu procurava descobrir como a polícia política da ditadura varguista reunira as informações sobre a cisão, o que lhe permitiria mais tarde reprimir duramente as facções que se digladiavam. Embora o epicentro dessa luta fracional tivesse ocorrido em São Paulo, debaixo do nariz do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS-SP), foi a partir da prisão de parte da direção do Comitê Regional do PCB do Paraná (CR-PR) que a polícia política paulista despertou de sua letargia.
Foto: Pichação em Curitiba em apoio à Constituição
da Frente Democrática de Libertação Nacional.
Arquivo Público do Paraná.
da Frente Democrática de Libertação Nacional.
Arquivo Público do Paraná.
No início de dezembro de 1937 foram presos em Curitiba vários dirigentes do CR-PR: Altair Zubaran Menna Barreto (de acordo com a Polícia, ele seria o secretário do Comitê Regional e também usaria o nome de Adalberto Rodrigues Netto), Jacob Schmidt, Max Laszek, Jorge Herlein e Arthur Heladio Neves (o qual havia fugido do presídio do Paraíso, em São Paulo, em fevereiro daquele ano). Com eles a Polícia apreendeu importante documentação que fez chegar às mãos da repressão elementos de informação sobre a cisão no interior do Partido Comunista.
Mas este primeiro contato e compreensão da cisão só ocorreriam com a ida a Curitiba do encarregado da Seção de Investigações da Delegacia de Ordem Social de São Paulo, Luiz Apollonio. Acreditando ter obtido possíveis informações sobre a realização de uma conferência nacional do PCB no Rio ou em São Paulo, o delegado de Ordem Política e Social do Paraná, Mario Augusto de Queiroz, em 14 de dezembro de 1937 solicitou ao seu colega de São Paulo elementos para a identificação de “Maurício”, que teria enviado um telegrama cifrado de São Paulo no qual ele estaria pedindo a suspensão de envio de relatório do Comitê Regional do PCB de São Paulo (CR-SP), também apreendido em Curitiba. Além disso, o delegado Queiroz também pediu a identificação de outros militantes paranaenses refugiados em São Paulo. Sem ainda saber exatamente do que se tratava, o delegado de São Paulo enviou Luiz Apollonio a Curitiba no dia 16 de dezembro.
A partir do exame da documentação, das informações colhidas pela Polícia do Paraná e do interrogatório realizado com Adalberto Barreto, Apollonio, ao voltar a São Paulo, redigiu um relatório de três páginas dando conta do que havia ali visto. Depois de historiar como se dera a prisão dos dirigentes comunistas paranaenses, Apollonio, em seu relatório de 23 de dezembro, detalhando seu conteúdo, destacou a importância da documentação apreendida, pois ela dava conta de uma “séria divergência na direção nacional do PCB tendo motivado, até, uma cisão” . Além de estabelecer a identidade do enviado do CR-PR a São Paulo, “Maurício”, como sendo o estudante Attila Medeiros Rodrigues Silva, o encarregado da Seção de Investigações paulista obteve informações sobre um suposto sistema de ligação entre os comunistas do Paraná e São Paulo. Apollonio concluiu seu relatório constatando que o PCB agia nacionalmente e não regionalmente e, por isso, lançou um apelo em prol de “um perfeito intercâmbio entre as polícias dos vários estados”.
Entre os documentos apreendidos e arquivados no DEOPS-SP havia um relatório, datado de dezembro de 1937, em que o CR-PR informava que, até o envio de José Stachini e Arthur Heladio Neves pelo Comitê Regional de São Paulo para orientar o trabalho dos comunistas paranaenses – o que, de acordo com o relatório, teria resultado em um incremento das suas atividades –, “praticamente não existia um Partido organizado, pois este se limitava ao Comitê Regional e a alguns grupos aliás sem vida partidária e quase em completa inatividade”. Além da informação sobre a inoperância do CR-PR, chama aqui a atenção a relação existente entre os comitês regionais do PCB de São Paulo e do Paraná.
A explicação para este fato aparece em outro relatório dirigido à Internacional Comunista, preservado em Moscou. Nele, o dirigente comunista Honório de Freitas Guimarães, sob o pseudônimo de Martins, então em Paris, aguardando o visto de entrada para a então União Soviética, apresentou informações sobre o PCB, com dados relativos a maio de 1937 . De acordo com tal balanço, embora faltassem dados referentes a dez estados, havia pelo menos 2 160 militantes em todo o País, dos quais quase metade localizados no estado de São Paulo. Entre os comitês regionais do partido, quatro eram classificados como os mais fortes pela direção: São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. São Paulo contava com mais de 1 000 militantes, dos quais 200 situavam-se na sua Capital. O CR-SP dirigia nove Comitês Locais e cuidava das ligações e do crescimento de outros três CRs: Triângulo Mineiro, Mato Grosso e Paraná. Nesta informação nota-se que – como resultado da intensa repressão movida contra os comunistas por conta do “putsch” de novembro de 1935 e que ocasionou dificuldades de comunicações entre a direção nacional e as regionais – a ação de comitês regionais mais fracos era tutelada e filtrada por comitês mais fortes, o que ajuda a compreender o poder de nomear dirigentes exercido pelo Comitê Regional de São Paulo sobre o do Paraná, poder usualmente atribuído ao Comitê Central. Tal situação, aliás, repetia-se entre vários outros comitês regionais.
A compreensão para esta fraca implantação, além da permanente perseguição promovida pelo Estado brasileiro aos grupos de esquerda, advém de vários motivos, que estão no aguardo de pesquisas a serem realizadas. Alguns deles, aliás, encontramos nos depoimentos de Velhos vermelhos. Outras razões, além da incipiente industrialização do Paraná naquela época , podem ser encontradas nas dificuldades resultantes da orientação dos comunistas. A mais notável era a débil inserção dos comunistas no campo, em contraposição a uma prática que privilegiava o operariado urbano como seu interlocutor central. Quando relatórios como os acima citados são esmiuçados, percebe-se uma forte implantação dos comunistas em grandes centros urbanos e em regiões com certo patamar de industrialização e, por oposição, dificuldades de implantação e crescimento no campo. Exceção feitas a casos isolados, a falta de ligação do Partido com o campo sempre foi ressaltada por seus dirigentes e pela Internacional Comunista de maneira recorrente ao longo dos anos 1920 e 1930, evidenciado sua fraca ou quase inexistente atuação neste segmento. Tal quadro somente começou a ser revertido pelos comunistas a partir dos anos 1940, ainda que de modo lento. Inclusive no Paraná, como avulta claramente das memórias dos Velhos vermelhos. Todavia, ainda é necessário destacar, nelas ainda aparece a maior ênfase do trabalho dos comunistas nos centros urbanos, decorrente da aceleração do desenvolvimento econômico do estado na época em que se centram os depoimentos.
Apenas recentemente é que a organização dos trabalhadores do campo constituiu-se em um elemento efetivo e de peso no quadro da luta de classes no Brasil. Justamente neste aspecto é que ressalta de seus depoentes um dos pontos altos de Velhos vermelhos: o processo de construção dessa organização, na qual o Paraná detém até hoje um papel de destaque e na qual os comunistas tiveram uma importante contribuição, tendo isso ficado marcante no caso de Porecatu, nele se destacando a figura de Manuel Jacinto Corrêa, e no da criação de uma série de entidades de classe no campo.
Aos que aqui chegaram ficam estas reflexões e o prazer compartilhado na leitura dos depoimentos desses extraordinários velhos vermelhos. Danis Karepovs é Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Autor de Luta subterrânea. O PCB em 1937-1938. São Paulo, Hucitec/Ed. da UNESP, 2004; A classe operária vai ao Parlamento. O Bloco Operário e Camponês do Brasil (1924-1930). São Paulo, Alameda, 2006. Foi Pesquisador colaborador do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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Um comentário:
Parabéns Adriano, a iniciativa é valiosa. Também escrevo pra saber onde posso adquirir o livro, meu e-mail é onalves@uol.com.br.
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