Em eleições onde não há polarização ideológica efetiva (esquerda x direita, por exemplo), é difícil distinguir propostas e candidatos. Tudo é muito, muito parecido. Via de regra, um postulante assume a agenda de governo do outro, só que numa versão melhorada, segundo eles mesmos.
Para desenredar essa trama, é preciso olhar o panorama não em função das campanhas atuais, mas a partir da história eleitoral recente. Desse ponto de vista, percebem-se mudanças importantes, (des)continuidades, momentos críticos onde foi útil incorporar o assunto e o perfil dos adversários. Relacionar grupos/partidos e discursos/agendas é um bom exercício para pensar como e por que, em Curitiba, estamos diante de políticos cada vez mais semelhantes e que, curiosamente, lutam para ficar cada vez mais idênticos.
Após anos de supremacia de Lerner e sua confraria à frente da prefeitura de Curitiba, o discurso da racionalidade técnica e da competência administrativa foi desafiado, na eleição de 2000, pelo slogan “a cidade quer ser gente”, inventado pela campanha de Ângelo Vanhoni, do PT. Menos a frase e mais o que ela prometia – uma administração “humana”, isto é, voltada para o bem-estar das “pessoas” – foi responsável pela mais severa contestação da aliança política que, com os devidos ajustes, ocupa hoje a prefeitura. Cassio Taniguchi (PFL) disputou o segundo turno correndo sério risco de perder a eleição para um partido relativamente pequeno e para um desafiante até então pouco conhecido.
Com o crescimento do PT na cidade (em 2000, elegeu seis vereadores, a segunda maior bancada na Câmara Municipal) e a entronização de Vanhoni como alternativa eleitoral viável, a assessoria de Beto Richa cunhou, para a eleição de 2004, o slogan “a cidade da gente”, em clara alusão ao lema petista anterior. Deixando de lado sua conotação bairrista, que estigmatizava os demais candidatos e partidos como estrangeiros, no limite intrometidos e, portanto, indesejáveis, o fraseado pretendia incorporar, no plano discursivo, um assunto até então ausente nas campanhas dessa turma: a assistência social. Aparentemente, o cardápio de idéias da gestão lernista estava esgotado e a elite no poder viu-se impelida a adicionar à imagem tradicional – uma administração técnica, racional, voltada para a construção de uma cidade-modelo a partir das diretrizes científicas do planejamento urbano – a preocupação com “o social”. A estampa de Richa como engenheiro civil, ainda presente e sempre muito útil, mesclou-se à do político. Herdeiro da mitologia recém-edificada em nome do pai, ele pôde, como pode agora, apresentar-se não como mais um “técnico”, mas como o “ético”. Não era precisamente o PT que pretendia ter o monopólio nessa área?
Em Curitiba, a tecnocracia (seja o grupo político, seja a idéia política) já foi bem mais forte. Em 2008, ela é muitíssimo menos valorizada eleitoralmente. Nenhum candidato, todavia, pode abrir mão de proclamar o cuidado com o ordenamento e o desenvolvimento urbano da cidade. Trata-se de um valor local enraizado. Por outro lado, a questão social entrou de fato na agenda pública municipal. Essa foi, possivelmente, a principal mudança no plano das idéias e dos discursos.
Não é preciso acompanhar todos os programas eleitorais para perceber que a ênfase dos dois principais candidatos sobre esse ponto produziu um curto-circuito tanto na imagem como na mensagem do PT. Até por isso, a figura maternal de Gleisi Hoffmann, prometendo “cuidar das pessoas”, nada menos é do que a radicalização um tanto piegas daquela disposição assistencial, e teve de ser complementada pela exibição (e exaltação) do seu currículo profissional: técnica em orçamento público, especialista em finanças, secretária de governo etc. O drama é que nos últimos quatro anos seu oponente incorporou, de forma bem mais pragmática, essa inclinação para as questões sociais, sem abrir mão do figurino circunspecto de administrador.
Esse é um exemplo muito simplório de como ideologias, plataformas e programas partidários acabam se mesclando. Em função do apelo eleitoral, candidatos tendem a mudar de posição, ajustar discursos e compartilhar agendas. Em certas eleições, as diferenças estão muito bem dispostas diante do eleitor. Em outras, nem tanto. Procurar as origens dessa miscigenação é importante para desembaralhar o cenário político. Promover todos os assuntos, assumir o estereótipo mais rentável e ostentar quaisquer bandeiras parece ser em todo o lugar a lógica subjacente às estratégias dos candidatos, mesmo que isso possa minar a identidade dos partidos. Movimento perigoso, já que depende da dose. Ela oscila entre o que uma agremiação pretende incorporar e aquilo de que não pode abrir mão. Recuar um pouco no tempo para atentar não só para diferenças, mas para como as distinções foram se borrando e as propostas perdendo substância pode ser um antídoto para esse sintoma da política contemporânea.
Luiz Domingos Costa (ldomingosc@uol.com.br) é editor do Blog de Análise de Conjuntura Política da UFPR (http://gac-nusp-conjuntura.blogspot.com).
Adriano Codato (adriano@ufpr.br) é professor de Ciência Política na UFPR.
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