retirei a imagem daqui:
http://napraticaateoriaeoutra.org/
artigo recomendado
Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164.
Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy.
keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
25 de maio de 2010
22 de maio de 2010
o bolsa família e a ideologia da preguiça (dos analistas)
[Jean Manzon,
Estação Rodoviária,
c. 1950
Pirelli/MASP]
O programa de renda mínima do governo federal já apanhou muito, e por vários motivos. Quem é contra o Bolsa Família costuma usar alguns argumentos básicos. O mais importante diz que o programa tem apenas função paliativa, e que não resolve o problema da pobreza de verdade. É o argumento de que o programa não funciona. O outro ponto que costuma entrar no debate é o uso político que se faz do benefício: ou seja, a intenção seria usar dinheiro público para montar um imenso curral eleitoral para o governo.
O tempo e os fatos que acabam vindo à tona têm frequentemente mostrado que nenhum dos dois argumentos se sustenta por muito tempo. Quer ver? Comece com dois fatos que foram notícia nesta semana. Um deles tem relação com a funcionalidade do programa. O outro, com seu suposto maquiavelismo político.
Primeiro fato. O Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade acaba de publicar um trabalho mostrando que o número de pobres tem caído de maneira consistente no país nos últimos anos. O levantamento indica que de 2006 para cá o número de pobres no Brasil caiu de 33% para 23% na população. Isso significa 19 milhões a menos de pessoas na linha da pobreza.
A pesquisadora responsável pelo trabalho, Sônia Rocha, afirma que não foram apenas as políticas de transferência de renda que influenciaram aqui. Mas é perceptível que o dinheiro faz diferença na renda dos mais pobres. Atualmente, segundo o estudo, entre as famílias mais pobres, a transferência de renda é responsável, em média, por 18% de tudo o que entra na casa.
Mas e a acomodação? Talvez esse pessoal desista de trabalhar, diz um outro argumento. A Folha de S.Paulo achou, esses dias, beneficiários do programa no interior do Nordeste que não queriam carteira assinada para não perder o benefício. Tratava-se de trabalho temporário e mal pago, numa situação pontual, mas o jornal preferiu o caminho fácil de dizer que essa era a prova de que o programa “dificulta a formalização do trabalho no campo”. Os números oficiais são de que 2 milhões de beneficiários devolveram o cartão por terem conseguido emprego ou melhorado de renda. E 77% dos beneficiários trabalham.
Outro fato importante foi a pesquisa CNT/Sensus que mostrou que José Serra, candidato de oposição na eleição deste ano, tem 33% de intenção de voto entre os beneficiários de programas sociais do governo. É verdade que Dilma Rousseff, do PT, tem mais votos entre esse público, de acordo com o levantamento: são 46%. Mas fica claro que não há um alinhamento automático dos eleitores com o governo em função do programa.
O resumo da ópera é que programas de renda mínima, em primeiro lugar, funcionam, sim, para dar melhores condições de vida da pobreza. Segundo, não há nenhum prova de que, como regra, as pessoas se acomodam por receber R$ 120 do governo (o que seria, inclusive, difícil de se imaginar, a não ser que a teoria venha de alguém que não tenha a mínima ideia de como seria viver com tão pouco). Por fim, a eleição deste ano pode finalmente desmistificar a noção de que o programa é “eleitoreiro”. Até porque qualquer programa que melhore a vida das pessoas mais pobres, que obviamente precisam de ajuda emergencial, por esse raciocínio, poderia ser definido como populista. É um argumento que impede o governo de ser solidário com os mais pobres.
Os fatos, de qualquer maneira, são tão evidentes, que, ao contrário do que alguém poderia imaginar, não haverá candidato neste ano aderindo ao discurso fácil de que o Bolsa Família é populista e sem efeito. O programa já mostrou a que veio. Ajudou a tirar milhões da pobreza. Agora, o caminho natural é se transformar em política de estado, enterrando de vez as dúvidas sobre as intenções por trás do benefício.
Serviço: A pesquisa foi realizada entre os dias 10 e 14 de maio, em 136 municípios de 24 estados. Foram ouvidas 2 mil pessoas. A margem de erro é de 2,2 pontos porcentuais, para mais ou para menos. A pesquisa CNT/Sensus foi registrada no TSE com o Número 11.548/2010.
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Estação Rodoviária,
c. 1950
Pirelli/MASP]
O Bolsa Família deixou de ser a Geni
Caixa Zero
Gazeta do Povo
Publicado em 22/05/2010 |
Rogério Waldrigues Galindo • rgalindo@gazetadopovo.com.br
Caixa Zero
Gazeta do Povo
Publicado em 22/05/2010 |
Rogério Waldrigues Galindo • rgalindo@gazetadopovo.com.br
O programa de renda mínima do governo federal já apanhou muito, e por vários motivos. Quem é contra o Bolsa Família costuma usar alguns argumentos básicos. O mais importante diz que o programa tem apenas função paliativa, e que não resolve o problema da pobreza de verdade. É o argumento de que o programa não funciona. O outro ponto que costuma entrar no debate é o uso político que se faz do benefício: ou seja, a intenção seria usar dinheiro público para montar um imenso curral eleitoral para o governo.
O tempo e os fatos que acabam vindo à tona têm frequentemente mostrado que nenhum dos dois argumentos se sustenta por muito tempo. Quer ver? Comece com dois fatos que foram notícia nesta semana. Um deles tem relação com a funcionalidade do programa. O outro, com seu suposto maquiavelismo político.
Primeiro fato. O Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade acaba de publicar um trabalho mostrando que o número de pobres tem caído de maneira consistente no país nos últimos anos. O levantamento indica que de 2006 para cá o número de pobres no Brasil caiu de 33% para 23% na população. Isso significa 19 milhões a menos de pessoas na linha da pobreza.
A pesquisadora responsável pelo trabalho, Sônia Rocha, afirma que não foram apenas as políticas de transferência de renda que influenciaram aqui. Mas é perceptível que o dinheiro faz diferença na renda dos mais pobres. Atualmente, segundo o estudo, entre as famílias mais pobres, a transferência de renda é responsável, em média, por 18% de tudo o que entra na casa.
Mas e a acomodação? Talvez esse pessoal desista de trabalhar, diz um outro argumento. A Folha de S.Paulo achou, esses dias, beneficiários do programa no interior do Nordeste que não queriam carteira assinada para não perder o benefício. Tratava-se de trabalho temporário e mal pago, numa situação pontual, mas o jornal preferiu o caminho fácil de dizer que essa era a prova de que o programa “dificulta a formalização do trabalho no campo”. Os números oficiais são de que 2 milhões de beneficiários devolveram o cartão por terem conseguido emprego ou melhorado de renda. E 77% dos beneficiários trabalham.
Outro fato importante foi a pesquisa CNT/Sensus que mostrou que José Serra, candidato de oposição na eleição deste ano, tem 33% de intenção de voto entre os beneficiários de programas sociais do governo. É verdade que Dilma Rousseff, do PT, tem mais votos entre esse público, de acordo com o levantamento: são 46%. Mas fica claro que não há um alinhamento automático dos eleitores com o governo em função do programa.
O resumo da ópera é que programas de renda mínima, em primeiro lugar, funcionam, sim, para dar melhores condições de vida da pobreza. Segundo, não há nenhum prova de que, como regra, as pessoas se acomodam por receber R$ 120 do governo (o que seria, inclusive, difícil de se imaginar, a não ser que a teoria venha de alguém que não tenha a mínima ideia de como seria viver com tão pouco). Por fim, a eleição deste ano pode finalmente desmistificar a noção de que o programa é “eleitoreiro”. Até porque qualquer programa que melhore a vida das pessoas mais pobres, que obviamente precisam de ajuda emergencial, por esse raciocínio, poderia ser definido como populista. É um argumento que impede o governo de ser solidário com os mais pobres.
Os fatos, de qualquer maneira, são tão evidentes, que, ao contrário do que alguém poderia imaginar, não haverá candidato neste ano aderindo ao discurso fácil de que o Bolsa Família é populista e sem efeito. O programa já mostrou a que veio. Ajudou a tirar milhões da pobreza. Agora, o caminho natural é se transformar em política de estado, enterrando de vez as dúvidas sobre as intenções por trás do benefício.
Serviço: A pesquisa foi realizada entre os dias 10 e 14 de maio, em 136 municípios de 24 estados. Foram ouvidas 2 mil pessoas. A margem de erro é de 2,2 pontos porcentuais, para mais ou para menos. A pesquisa CNT/Sensus foi registrada no TSE com o Número 11.548/2010.
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20 de maio de 2010
tortura, ditadura e quotidiano
[Rothko]
Tortura, por que não?
Maria Rita Kehl
O Estado de S.Paulo,
3 maio 2010
O motoboy Eduardo Pinheiro dos Santos nasceu um ano depois da promulgação da lei da Anistia no Brasil, de 1979. Aos 30 anos, talvez sem conhecer o fato de que aqui, a redemocratização custou à sociedade o preço do perdão aos agentes do Estado que torturaram, assassinaram e fizeram desaparecer os corpos de opositores da ditadura, Pinheiro foi espancado seguidas vezes, até a morte, por um grupo de 12 policiais militares com os quais teve o azar de se desentender a respeito do singelo furto de uma bicicleta. Treze dias depois do crime, a mãe do rapaz recebeu um pedido de desculpas assinado pelo comandante-geral da PM. Disse então aos jornais que perdoa os assassinos de seu filho. Perdoa antes do julgamento. Perdoa porque tem bom coração. O assassinato de Pinheiro é mais uma prova trágica de que os crimes silenciados ao longo da história de um país tendem a se repetir. Em infeliz conluio com a passividade, perdão, bondade, geral.
Encararemos os fatos: a sociedade brasileira não está nem aí para a tortura cometida no País, tanto faz se no passado ou no presente. Pouca gente se manifestou a favor da iniciativa das famílias Teles e Merlino, que tentam condenar o coronel Ustra, reconhecido torturador de seus familiares e de outros opositores do regime militar. Em 2008, quando o ministro da Justiça Tarso Genro e o secretário de Direitos Humanos Paulo Vannuchi propuseram que se reabrisse no Brasil o debate a respeito da (não) punição aos agentes da repressão que torturaram prisioneiros durante a ditadura, as cartas de leitores nos principais jornais do País foram, na maioria, assustadoras: os que queriam apurar os crimes foram acusados de ressentidos, vingativos, passadistas. A culpa pela ferocidade da repressão recaiu sobre as vítimas. A retórica autoritária ressurgiu com a força do retorno do recalcado: quem não deve não teme; quem tomou, mereceu, etc. A depender de alguns compatriotas, estaria instaur ada a punição preventiva no País. Julgamento sumário e pena de morte para quem, no futuro, faria do Brasil um país comunista. Faltou completar a apologia dos crimes de Estado dizendo que os torturadores eram bravos agentes da Lei em defesa da - democracia. Replico os argumentos de civis, leitores de jornais. A reação militar, é claro, foi ainda pior. "Que medo vocês (eles) têm de nós."
No dia em que escrevo, o ministro Eros Graus votou contra a proposta da OAB, de revisão da Lei da Anistia no que toca à impunidade dos torturadores. Para o relator do STF, a lei não deve ser revista. Os torturadores não serão julgados.
O argumento de que a nossa anistia foi "bilateral" omite a grotesca desproporção entre as forças que lutavam contra a ditadura (inclusive os que escolheram a via da luta armada) e o aparato repressivo dos governos militares. Os prisioneiros torturados não foram mortos em combate. O ministro, assim como a Advocacia Geral da União e os principais candidatos à Presidência da República sabem que a tortura é crime contra a humanidade, não anistiável pela nossa lei de 1979. Mas somos um povo tão bom. Não levamos as coisas a ferro e fogo como nossos vizinhos argentinos, chilenos, uruguaios. Fomos o único país, entre as ferozes ditaduras latino-americanas dos anos 60 e 70, que não julgou seus generais nem seus torturadores. Aqui morrem todos de pijamas em apartamentos de frente para o mar, com a consciência do dever cumprido.
A pesquisadora norte-americana Kathrin Sikking revelou que no Brasil, à diferença de outros países da América latina, a polícia mata mais hoje, em plena democracia, do que no período militar. Mata porque pode matar. Mata porque nós continuamos a dizer tudo bem.
Pouca gente se dá conta de que a tortura consentida, por baixo do pano, durante a ditadura militar é a mesma a que assistimos hoje, passivos e horrorizados. Doença grave, doença crônica contra a qual a democracia só conseguiu imunizar os filhos da classe média e alta, nunca os filhos dos pobres.
Um traço muito persistente de nossa cultura, dizem os conformados. Preço a pagar pelas vantagens da cordialidade brasileira. "Sabe, no fundo eu sou um sentimental (...). Mesmo quando minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar/ Meu coração fecha os olhos e sinceramente, chora." (Chico Buarque e Ruy Guerra).
Pouca gente parece perceber que a violência policial prosseguiu e cresceu no País porque nós consentimos - desde que só vitime os sem-cidadania, digo: os pobres.
O Brasil é passadista, sim. Não por culpa dos poucos que ainda lutam para terminar de vez com as mazelas herdadas de 21 anos de ditadura militar.
É passadista porque teme romper com seu passado. A complacência e o descaso com a política nos impedem de seguir frente. Em frente. Livres das irregularidades, dos abusos e da conivência silenciosa com a parcela ilegal e criminosa que ainda toleramos, dentro do nosso Estado frouxamente democratizado.
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15 de maio de 2010
a farra do racismo de classe
[Queimada, 1981
Santa Luzia d'Oeste, RO
Marcos Santilli.
Santa Luzia d'Oeste, RO
Marcos Santilli.
Pirelli/MASP]
“O Setor de Ciências Humanas Letras e Artes, por iniciativa do Departamento de Antropologia, manifesta repúdio à matéria publicada na revista VEJA intitulada “A Farra da Antropologia Oportunista” (edição 2163, de 5 de maio de 2010). Apresentada como um alerta aos seus leitores, a matéria da VEJA afirma que a antropologia é responsável pelo “surgimento de uma aberração científica” que defende direitos territoriais e sociais de grupos que criam obstáculo ao desenvolvimento do país. Segundo a revista, atualmente 77,6% da extensão territorial brasileira é formada por terras indígenas, quilombolas e por áreas de proteção ecológica. Informação manipulada, incorreta e absurda que embasa não apenas a crítica à antropologia, mas também a ridicularização de povos tradicionais e suas lideranças. Neste caso o desrespeito configura-se como racismo, pois grupos indígenas e quilombolas são retratados por meio de expressões explicitamente pejorativas como: “Os novos Canibais”, “Teatrinho na Praia”, “Made in Paraguay”, “Macumbeiros de Cocar” e “Os Carambolas”. Apesar de o Brasil ser signatário de convenções internacionais de proteção a minorias étnicas e a despeito dos dispositivos constitucionais que garantem a reprodução física e cultural destas populações, a revista VEJA define as terras indígenas e quilombolas como ameaças à soberania e ao futuro do país. As informações incorretas, o declarado escárnio às estratégias locais de ascensão à cidadania e a crítica grosseira à antropologia envergonham o jornalismo brasileiro e nossa capacidade intelectual.
O conhecimento antropológico ganha estatuto científico a partir do emprego de princípios metodológicos rigorosos e da constante sistematização do conhecimento adquirido. A valorização do ponto de vista dos grupos pesquisados bem como o comprometimento ético do pesquisador são condições fundamentais para a produção antropológica. Condições estas reconhecidas e respeitadas internacionalmente, seja no âmbito da pesquisa acadêmica seja no âmbito dos debates políticos, jurídicos ou administrativos. A Universidade Federal do Paraná orgulha-se de participar, há mais de cinqüenta anos, da formação da antropologia brasileira. Em nossas salas de aula, nos museus, nos eventos científicos, na realização de pesquisas acadêmicas e na contribuição com a elaboração de laudos e estudos institucionais, acolhemos, ao lado de nossos professores e pesquisadores, indígenas, quilombolas, pescadores, faxinalenses, caiçaras e todos aqueles que constroem a diversidade cultural brasileira. Matérias como a veiculada pela revista semanal de maior circulação nacional merecem nosso total descrédito, repúdio e desaprovação."
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11 de maio de 2010
o financiamento da política brasileira
[Brasília. 1957.
Life]
Dinheiro híbrido
BRUNO WILHELM SPECK
O Estado de S. Paulo
9 maio 2010
O debate sobre a reforma do financiamento da política travou há quase uma década. Por mais que haja unanimidade em que o papel do dinheiro na política seja uma das chagas do sistema de representação, o tema só entra na agenda política na forma do projeto de lei para a introdução do financiamento público exclusivo das campanhas (em combinação com listas fechadas). Mas isso é medição de forças, não debate. E aparentemente o confronto divide a elite política no meio. A minoria, defensora da reforma, tem mais argumentos. Mas a maioria, oposição silenciosa, acaba vencendo a batalha. O sentimento é de mal-estar geral. Já seja na hora de ver alternativas, tanto de encaminhamento do debate como de modelo de financiamento. Aqui vai uma ideia que poderá fazer diferença nos dois sentidos.
Como fazer os defensores irreconciliáveis do financiamento público e seus adversários saírem das trincheiras? O que propomos aqui é um sistema híbrido de financiamento público e privado de campanhas. Este é um sistema diferente do financiamento misto, em vigor para o financiamento dos partidos, que recebem recursos do fundo partidário, mas podem adicionalmente arrecadar doações privadas. No sistema híbrido, aqui proposto, cada candidato no início de sua campanha deve escolher entre o financiamento privado e o financiamento público exclusivo.
O sistema se baseia na escolha entre dois caminhos alternativos de financiamento de campanha, que estarão à disposição de cada candidato. Ao início da campanha, o candidato terá que declarar à Justiça Eleitoral sua opção de financiamento - público ou privado -, que será vinculante até o final da campanha. Ao optar pelo financiamento privado, ele terá que tocar a campanha nos moldes atuais. Terá que correr atrás de doadores e explicar aos seus eleitores por que optou por essa modalidade de financiamento. Em compensação, terá a vantagem de poder turbinar sua campanha, conforme sua capacidade de arrecadação.
No entanto, os candidatos com financiamento privado hão de obedecer a um teto máximo de gastos, estabelecido pelo legislador. Enquanto os candidatos que optarem pelo financiamento privado podem alcançar esse teto de gastos com recursos privados, aos candidatos financiados com recursos públicos estaria garantido o financiamento público, num patamar inferior, digamos a metade do teto de gastos. O candidato que optar pelo caminho do financiamento público exclusivo terá que arcar com o risco de tocar uma campanha com menos recursos. Em compensação, ele terá a vantagem de poder concentrar os seus esforços na comunicação com os eleitores. Não vai precisar passar o chapéu entre doadores. Adicionalmente, esses candidatos poderão capitalizar o fato de não receber recursos privados. Toda a comunicação dos candidatos terá que identificar sua opção de financiamento: público ou privado.
Quais as vantagens desse sistema híbrido de financiamento, no qual candidatos de ambos os tipos de financiamento concorrem? Primeiro, ele envolve tanto candidatos como eleitores na escolha entre os dois modelos de financiamento, sobre os quais aparentemente não existe consenso no Legislativo. Os candidatos terão que justificar sua escolha perante os eleitores e estes darão o veredicto final sobre as alternativas apresentadas, por meio do seu voto.
A segunda vantagem é que esse sistema de reforma se presta a ajustes posteriores, graduais. Caso os legisladores queiram futuramente aumentar o financiamento público, poderão fazê-lo, ou por meio da redução do teto para o financiamento privado, ou por meio do incremento dos recursos públicos alocados aos candidatos que optarem por esse caminho. Nesse sentido, o modelo híbrido poderá servir como mecanismo de transição para a introdução do financiamento público exclusivo na medida em que esse modelo convencer a sociedade e a classe política.
Em comparação à proposta que há uma década divide o campo político, em parte porque representa um pulo no escuro, a introdução do financiamento híbrido permite reavaliações e ajustes no meio do caminho. Com esse sistema, os defensores do financiamento público exclusivo teriam uma chance de testar as suas propostas no mercado dos votos. É improvável que os que se opõem ao financiamento público por razões ideológicas se deixem convencer pela prática. Mas há certamente um grupo considerável na classe política que teme mais a incerteza que a ideia do financiamento público em si.
O teto para gastos de campanha torna realidade uma velha aspiração do legislador brasileiro, injetando mais equidade na competição entre candidatos nas eleições. O modelo híbrido de financiamento público ou privado das campanhas tem potencial de quebrar o impasse atual da reforma que promete tudo, mas nunca anda.
Bruno Wilhelm Speck é cientista político, doutor em ciência política pela Universidade de Freiburg (Alemanha) e professor da Unicamp.
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