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15 de outubro de 2009

Entrevista com Lúcio Costa: a concepção da Superquadra de Brasília








entre[]vista
revista trimestral
portalVitruvius
Lucio Costa
abr/mai/jun 2009
ano 10, vol. 38, p. 073

Esta entrevista aborda as intenções de Lúcio Costa (1902-1998) quando da elaboração do projeto da Superquadra de Brasília, oferecendo-nos sua visão sobre estes espaços de moradia, com comentários sobre as transformações ocorridas no processo de produção urbana nestes locais.

Juan Zapatel: Como nasceu a idéia da superquadra?

Lucio Costa: A idéia da quadra nasceu de uma primeira dificuldade quando comecei a elaborar o projeto de Brasília. Tratando-se de uma cidade singular, talvez não possa servir de exemplo para outras cidades, mas é o caso único em cada país, uma capital.

A parte fundamental que a caracteriza é a parte administrativa, burocrática, a parte simbólica da administração, de modo que os edifícios do governo, os ministérios, os prédios da justiça e do executivo, exigem um planejamento com uma determinada escala, ampla, generosa, para propiciar essa sensação de ambientação adequada, de dignidade, para qualquer brasileiro que esteja ou venha a cidade.

Mas como conciliar essa escala generosa, ampla assim, a escala da vida cotidiana, à escala residencial que é uma escala íntima, num grau menor?

É dai que nasceu a idéia da quadra, ou superquadra como foram chamadas, porque eram grandes, as quadras habitualmente têm cento e poucos metros e aí eram trezentos por trezentos aproximadamente.

Agora, o fato dessas quadras serem definidas no espaço, não por muralhas medievais como se fossem muros formando uma área fechada completamente, mas por renques contínuos de árvores ao longo desses quadrados, definiriam com o tempo no espaço, as copas se emendando, uma verdadeira parede de fato verde que não tinha nada a ver com aquela muralha medieval de pedra, porque é uma muralha que mexe com o vento, que respira, você vê através.

Renques regulares, duas alas de árvores em toda a periferia da quadra, aquela alameda verde que é até um passeio agradável para o pedestre, tem a vantagem de servir de enquadramento, de servir de passeio, de modo que me pareceu muito feliz, e até deixei 20m de largura em torno de cada quadra para expandir além da quadra propriamente dita. Todas elas têm no interior 240m, sendo que esses 20m de cada lado das quadras, nos quatro lados.

De modo que é preenchendo essa função de enquadramento e de delimitar uma determinada área, esses quadrados sendo grandes, eles naturalmente por suas dimensões, por sua escala, pudessem dialogar com a escala monumental, da parte administrativa, de modo que não haveria o risco da cidade ficar dividida.

Assim critérios para uma coisa sim, embora as características devessem ser bem definidas num todo orgânico e estruturado. Isso permitiu dar características urbanas à cidade; tem a parte administrativa, a parte digamos monumental, que se entrosa aquelas duas alas, 6 Km de cada lado, destinadas à habitação, à moradia. De modo que essas quadras seriam sempre para edifícios de apartamentos, quem quisesse morar numa casa individual, teria de ir mais longe, mas penínsulas, de modo que havia essa opção.

Agora, na quadra tem sempre aquele problema, eu que procuro respeitar as pessoas que são de índole fechada, que não gostam de convívio, outras são extrovertidas, de modo que cada quadra propicia oportunidade de caracterizar mais num sentido ou num outro, se for o caso, e além disso eu tive a feliz ideia de estabelecer logo um gabarito limitado a seis pavimentos, quer dizer é o gabarito anterior ao elevador. Quando não havia elevador as cidades tinham esses gabaritos, eram cinco pavimentos e mais a mansarda, era a escada que comandava de modo que ficou essa ideia tradicional de cidade mais humana, mais concentrada pela altura.

Como na época já havia adequação arquitetônica as novas tecnologias construtivas, permitiam que os prédios fossem construídos sem fechar, sem estar apoiados no chão, mas sobre um tabuleiro de colunas, segurando um tabuleiro. Isso alterava muito porque você então permite que as pessoas atravessem a vista também, entrem não pela frente ou pelos fundos, mas por baixo do prédio. O acesso flui livremente através dos prédios, apesar dos prédios.

JZ: No memorial do Plano Piloto de Brasília, o Sr estabelece esses princípios gerais para os edifícios habitacionais, denominando-os por “blocos”. Essa menção era uma sugestão à adoção generalizada dessa tipologia?

LC: Para não ficarem nas quadras edifícios muito pequenos, individualizados, só com um acesso, me parecia que deviam ser geminados, três ou quatro, conforme as possibilidades de formar então um bloco contínuo e com vários acessos. Pareceu-me que agrupando-os teria mais liberdade de espaço entre os edifícios. A quadra então teria um certo número desses blocos geminados, conjuntos geminados que eu chamei de “blocos”.

JZ: Porque a média desses edifícios é de onze por quadra?

É o que resultou mais ou menos, e ficou estabelecido como se fosse um tabu, eu não tinha esse propósito.

JZ: Como o Sr. Previa os espaços abertos?

LC: Gostaria que fossem até mais livres, mais a moda inglesa, aqueles parques ingleses que têm o chão gramado sem definir muitos caminhos, ter alguns encaminhamentos naturais. O gramado é um lugar mais para uso, não um gramado daquele tipo “não pise na grama“, ao contrário “pise na grama”, um gramado para você usar, como se fosse um tapete verde, as pessoas sentam, põem suas cadeiras ai se quiserem, deitam, ficam ali, usam, brincam a vontade! Se o pisoteio gastasse certa área, não teria importância, depois recuperava-se. Mas começaram logo a urbanizar, a fazer caminhos, com muito espaço asfaltado sem necessidade.

Inclusive as crianças aproveitam bem os espaços abertos, protegidos pelas árvores, elas brincam, correm...

Livres, é ... (pausa). Sem ser aquela coisa murada, aquela coisa fechada, com guarda de entrada, onde você tem que mostrar passaporte. É uma coisa nobre por causa do espaço existente. As crianças ficam naturalmente controladas pelo fato dos prédios e do enquadramento verde definir a área, e pela própria presença dos porteiros que conhecem as famílias que estão ai, independente de qualquer outra fiscalização mais rigorosa, de modo que a sensação de liberdade é total.

JZ: Existem filiações entre os blocos habitacionais e as unidades de habitação projetadas por Le Corbusier, como a Unidade de Marselha?

LC: Aquela proposição de Marselha e mais algumas três outras, eu acho, inclusive na Alemanha. Aquilo era uma concepção abrangente, era uma coisa muito coletiva, estabelecendo prédios bastante grandes, com muitas unidades, para que tivessem uma espécie de vida autônoma.

Na Unidade de Habitação de Marselha fora prevista uma rua comercial, era uma rua interna dentro do edifício. Como o prédio era muito grande, tinha muitos apartamentos, era uma solução para propiciar uma chamada “Rua-corredor” para dispor o comércio; de modo que com o mau tempo no inverno, todo aquele frio, você não teria a necessidade de ir para fora, pegar neve, chuva. Teria comércio, padaria e todas as facilidades de bairro no próprio prédio, essa era a ideia.

Além dessa rua comercial, os edifícios tinham muros sempre bastante altos na cobertura, para permitir que servissem de áreas de recreio das crianças, uma escola, um jardim de infância, de modo que deixam o resto então muito livre, a ideia dele sempre foi a criação de um espaço bastante livre.

JZ: E do Sr.?

LC: Eu reduzi à uma escala mais individualizada, mais rasteira, é mais próxima de nossa tradição digamos, e isso se estabeleceu nas quadras assim limitadas a seis pavimentos.

Cada conjunto de quatro quadras formaria uma espécie de área de vizinhança, com as facilidades de comércio e de interesse comunitário: cinema, igreja. Essas áreas de vizinhança iriam se suceder ao longo dos 6 Km, como se fosse uma cadeia, um colar, uma corrente, você ia passando pelas unidades de vizinhança, mas cada uma com sua autonomia relativa. Estabelecer a comunhão ai num ponto.

Passa-se de uma quadra para outra e tem-se as interquadras que são faixas intermediarias de 300m por 80 m, separando umas quadras das outras. Essas interquadras são destinadas precisamente a implantar jogos, clubes, recreios.

Aquelas que estão contíguas às vias de acesso puderam servir para um cinema, uma igreja ou qualquer coisa assim de uso mais coletivo, e as restantes, as mais profundas, para a criação de grupos mais recreativos.

JZ: Sua intenção era ter vários tipos de unidades nos blocos habitacionais, para diversos tipos de moradores?

LC: Sempre sugerindo que cada área de vizinhança, composta de quatro quadras, tivesse dois ou três padrões de apartamentos diferentes, para permitir justamente, como numa cidade ideal, o convívio da escola, o convívio normal de populações de vários graus econômicos diferentes.

O esquema de implantação da cidade permitia prever esses serviços: escolas, centros de saúde e assistência social, servindo umas três unidades de vizinhança, teriam esses centros como se fossem bairros.

Escolas primárias em todas as quadras e escolas secundárias para cada conjunto de quatro quadras, uma igrejinha, o clube também. Auto-suficiente. Estabelecer uma vida comunitária agradável. Esses serviços foram muito bem projetados, mas depois abandonaram, as pessoas que tomaram conta da cidade não tomaram partido disso.

JZ: E o senhor como se sente agora, visitando Brasília?

LC: Sinto-me muito feliz, por mais que critiquem, apesar das coisas terem sido muito deturpadas. O projeto era uma coisa e ficou outra, mas acho que sobreviveu muita coisa que caracteriza a cidade, cidade serena, diferente das demais cidades brasileiras em geral, tem personalidade própria.

Mas de qualquer maneira é uma cidade burocrática, que tem essa característica que não é como uma cidade normal. Agora querer transformar uma cidade que foi projetada para ser ocupada dentro do período de três anos como capital do país, uma cidade burocrática, isso e aquilo, como se fosse cidade espontânea é um absurdo, porque nunca terá essas características de cidade espontânea que muitas pessoas reclamam.

Numa cidade normal, o objetivo da urbanização é criar a cidade propiciando oportunidade para que desabroche como uma planta, como uma flor, e não uma coisa racional, imposta, como no caso de um ato de vontade como Brasília, que foi com o objetivo definido de transferir a capital.

A intenção foi fazer uma vida agradável, mas caracterizada como uma cidade de fato administrativa, com características próprias, bem definidas, de significação.

JZ: Muito obrigado por esta entrevista.

LC: De nada, sempre as ordens.

A presente entrevista, disponibilizada no Portal Vitruvius em julho de 2009,
foi concedida por Lúcio Costa a Juan Antonio Zapatel em dezembro de 1990.


Referências bibliográficas

COSTA, Lúcio. “Relatório do Plano Piloto de Brasília”. Distrito Federal, NOVACAP, 1957.

ZAPATEL, Juan Antonio. “Brasília, Habitação em Superquadra: Avaliação Pós-Ocupação (APO)”. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 1992. 149 pp.

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