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16 de outubro de 2009

Campinas não existe

[Prédio dos Correios
e Telégrafos, 1957.
Instituto Geográfico
e Cartográfico]


Octavio Lacombe
*

minha cidade
portalVitruvius
ano 10, vol. 02,
setembro 2009, p. 274
Campinas SP Brasil

Este artigo não é acadêmico nem jornalístico. Este artigo não é coisa nenhuma. Portanto nele se pode afirmar que Campinas não é uma cidade.

A afirmação acima foi provocada por um texto de Laymert Garcia dos Santos, que começa assim: “São Paulo não é mais uma cidade – constatação dura de aceitar” (1). A afirmação de Laymert pressupõe que São Paulo foi uma cidade em algum momento anterior. Mais adiante expõe o por que: “A cidade deixou de ser porque o espírito da cidade não habita mais seus moradores”. E isso se dá, pois, segundo ele, “ninguém se importa com o que já aconteceu, acontece ou está por acontecer”.

Campinas, na verdade nunca foi e nunca será uma cidade. Nem aqui, na revista Minha Cidade, mapa virtual dos assuntos urbanos, onde cidades entram e saem da pauta das discussões e debates movidos pelos mais variados assuntos. Nem nessa geografia impalpável, de escritos sobre cidades, Campinas existe. É inacreditável que depois de 10 anos da existência desse fórum, depois de mais de 270 números publicados, quase 80 cidades figuraram como protagonistas dos debates e Campinas não tenha aparecido nem uma vez sequer. Isso porque Campinas conta com três cursos de arquitetura e urbanismo, que devem formar mais de 200 profissionais por ano. Um desses cursos faz parte de uma das melhores universidades públicas do país, outro foi considerado por muitos anos o melhor curso de arquitetura e urbanismo de uma universidade particular no país. Supõe-se que contam em seus quadros com arquitetos e urbanistas e profissionais de outras áreas capacitados a discutir as questões da cidade. Nem assim Campinas aparece como cidade.

Só mesmo Italo Calvino poderia transformar Campinas em uma cidade. Campinas poderia ser uma das cidades fantásticas de suas fábulas maravilhosas, transformada em cidade fantasma de si mesma; um espectro, um duplo inexistente, paradoxal, uma imagem da irrealidade cotidiana [Eco] de seus inabitantes; um poço profundo e mal cheiroso no mais completo breu; um ponto perdido no espaço; um amontoado de edifícios ocos, vazios, sem papel definido; uma malha tão intrincada de relações que se desfaria de repente como um jogo de cama de gato; uma inversão tão completa, mais-que-de-ponta-cabeça que a fizesse desaparecer em si mesma. Ao menos na literatura fabulosa de Calvino Campinas seria uma cidade, invisível, por certo. Mas por infelicidade dessa anticidade, Calvino não está mais entre nós para dar vida à cidade que insiste em ficar invisível.

Campinas não é mais uma cidade:
“Os privilegiados, sentindo na pele os efeitos da desagregação, desertaram, refugiando-se nos bunkers em que se transformaram as casas, os edifícios, os shoppings. Foi tudo quase imperceptível, talvez porque estendeu-se ao longo de duas décadas. Primeiro a elite abandonou a rua, trocando-a pelos espaços fechados; depois, abriu mão do urbano e da urbanidade: enquanto alguns se transferiam para Miami, os que ficaram trancaram os automóveis, para não falar dos blindados que estão se ‘democratizando’ e chegando à classe média. Agora, com a saturação do tráfego, a pane dos serviços, a escalada da criminalidade, o assédio dos miseráveis, a proliferação das máfias e a corrupção e a falência do poder municipal, a elite parece ter desistido da cidade mesma. São Paulo só é metrópole do capitalismo global nas redes cibernéticas, nos restaurantes e boutiques de luxo, nas pequenas ilhas de afluência guardadas por cães, seguranças e toda uma arquitetura de campo de concentração que protege seus felizes prisioneiros. O resto é o que ninguém quer ver e todos se esforçam por ignorar.

[...]

No espaço urbano agonizante a elite projeta e constrói, com imagens, a sua cidade – que é tão ou mais miserável quanto aquela que pretende ignorar. O resultado exibe obscenidade, vulgaridade, truculência por meio das quais uma classe dirigente impõe, sobre a realidade, a realidade da imagem. O resultado é esse acordo-desacordo da força virtual do mercado com a violência atual da miséria.

[...]

Entre os que deserdaram e os que foram deserdados, nem privilegiados nem excluídos, passam pela cidade, anônimos e desenraizados, os trabalhadores que compõem a massa urbana. Para eles a cidade parece reduzir-se ao longo e cansativo trajeto de casa ao trabalho, ao tempo perdido do transporte. Da periferia ao centro, do centro à periferia: o espaço urbano é o que se inscreve entre dois pontos, cujo sentido ameaçador será dado pelos programas de rádio e pelos telejornais sensacionalistas. Que vínculos podem eles tecer como uma cidade temida e evitada sempre que possível?”
Transcrevi trechos do texto de Laymert porque me parece que Campinas tem São Paulo como modelo de cidade. Claro que não é uma escolha consciente da cidade, de seus dirigentes em tomar um modelo equivocado para seguir. Pior que isso, é uma atitude inconsciente, pois que está entranhada como parte de nossa cultura.

Nasci em São Paulo e mudei para Campinas quando tinha 12 anos, com meus pais. Fomos morar na área rural da cidade e posso dizer que só fui conhecer a cidade de fato 12 anos depois, quando entrei na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas. De São Paulo, além das memórias de infância, tive a experiência de freqüentá-la uma vez por semana dos 15 aos 18, quando ia a Rua 25 de Março comprar camisetas para serigrafar. Depois de concluir o curso de arquitetura, morei dois anos na capital, trabalhando com produção de vídeo. Mais tarde, entre 2002 e 2006, durante o doutorado, tinha que ir a São Paulo duas vezes por semana.

Hoje percebo que Campinas também é uma cidade arruinada, mas que não pode ser reconstruída, porque a aura da cidade já não existe, é uma impossibilidade. Os privilegiados se encastelaram em condomínios e se refugiam em espaços fechados, evitam a cidade a todo o custo. O resto, como diz Laymert, os trabalhadores, desaparecem no deslocamento entre casa e trabalho. E os miseráveis são fantasmas que ninguém quer ver. O espaço urbano, apenas um percurso, um tempo, entre dois pontos.

No ano 2000, escolhi morar no centro da cidade. Então, eu acreditava que o centro mudaria, seria revitalizado, seria um ponto irradiador de transformações por toda a cidade. Agora, nove anos depois, nada mudou. Ao contrário, piorou.

Campinas não é uma cidade. Dificilmente será uma, se é que um dia já foi. Então, o que dizer sobre uma cidade que não é? Nada há para dizer. Nada mais. Não vale a pena perder tempo com algo que não é. Apenas esperar que outros habitantes se manifestem, caso haja algo em contrário a ser dito. Mas se a cidade não existe, seus habitantes são impossíveis. Não há esperança.

Parafraseando Laymert: “Campinas é a morte da aura da cidade”.

Nota 1. "São Paulo não é mais uma cidade", Laymert Garcia dos Santos em 2000, para Paolo Gasparini, fotógrafo ítalo-venezuelano. In PALLAMIN, Vera (org.). Cidade e cultura. São Paulo, Estação Liberdade, 2002.


*Octavio Lacombe é Arquiteto e Urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas (1991), Mestre em Multimeios pelo Instituto de Artes da UNICAMP (1998) e Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e urbanismo da USP (2006).

Minha Cidade 274 – setembro 2009
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