[Rio de Janeiro.
Thomaz Farkas,
1947]
Especial
À moda da ditadura: “Vestir a camisa da seleção e homenagear militares”
Cientista político analisa cultura do mandonismo no futebol brasileiro e questiona protestos com escudo da CBF
Por: Breiller Pires, da PLACAR16/04/2015 às 17:14 - Atualizado em 16/04/2015 às 18:16
Cartolas e seus mandatos intermináveis à frente de clubes e federações. Desmandos e monopólio de poder da Confederação Brasileira de Futebol. Censura e repressão nos estádios. Para Adriano Codato, doutor em ciência política, professor da Universidade Federal do Paraná e coordenador do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, as medidas autoritárias do futebol remetem ao período da ditadura. No momento em que alguns brasileiros clamam por intervenção militar no governo, ele critica as tentativas de açoite à democracia por parte do movimento que ostenta a camisa da seleção como símbolo de suas reivindicações.
O fato de ter sido um dos braços de sustentação da ditadura militar no Brasil contribui para que o futebol continue nutrindo resquícios daquele período?
Não é possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre esses dois fenômenos. Os traços autoritários e, mais do que isso, arbitrários e despóticos presentes no futebol, seja na prática de juízes, seja na de dirigentes e técnicos, têm mais a ver com a cultura autoritária do país. Essa cultura a ditadura não inventou, mas aprofundou-a e a expandiu para além da política. No futebol nacional, há cultura do mandonismo: segundo o raciocínio das torcidas e de parte da crônica esportiva, o capitão deve mandar no time, o técnico no capitão (e, por extensão, em todo o time), o diretor de futebol no técnico e o presidente no diretor. Não é propriamente uma cadeia racional de comando, mas uma estrutura hierárquica, parodiando a estrutura militar (daí as metáforas “capitão”, “comandante”, etc.), que só se justifica em função dos caprichos daquele que pode mais nessa relação perversa. Com isso, quem se engana é a torcida, porque lhe contaram que ela é o patrão máximo do clube.
Um terço dos presidentes de federações está no poder há mais de 20 anos. A falta de alternância nas posições de comando do futebol interfere diretamente em medidas autoritárias, como a recente “lei da mordaça”, no Rio de Janeiro?
Esse é um efeito da cultura autoritária e da sua representação política no futebol, o mandão local. Pode ser o chefe de uma facção de torcida organizada, o dirigente sabe-tudo, o presidente do clube ou da Federação. Os dirigentes comportam-se como se estivessem administrando um negócio que lhes pertence, como uma fazenda. Isso ajuda a explicar comportamentos como os do “coronel Eurico Miranda”, do “coronel” Mario Celso Petraglia, do “coronel” Marin.
Na época da Democracia Corintiana e das Diretas Já, os estádios se tornaram espaços notórios de questionamento do regime, tanto nas arquibancadas como no campo. Hoje, nas novas arenas, torcedores têm sido impedidos de levar faixas de protesto contra clubes e federações. Acredita que houve o futebol, como um instrumento democrático, retrocedeu?
Como canal de vocalização de demandas democráticas, sim. Mas o futebol segue sendo uma arena, até mesmo nas novas “arenas”, em que toda sorte de recalque político se manifesta. E se manifesta da maneira menos politizada possível. Três exemplos: o racismo, a homofobia e a intolerância.
Manifestações de pessoas vestidas com camisas da seleção e bandeiras do Brasil, que pedem a volta da ditadura, se encaixam nesse contexto?
No Brasil, há um fenômeno sintomático e contraditório em curso. Ele pode ser visto nas passeatas que exigem a destituição da presidente eleita em 2014. A contradição mais óbvia é protestar contra a corrupção fantasiado com a camisa da seleção da CBF. Existe também um fenômeno que não se via desde os anos 1970: a identificação da seleção brasileira, das suas cores, da sua simbologia, com o Brasil. Como se o país se reduzisse a isso ou se essa fosse sua melhor expressão. Esse orgulho nacionalista surge, paradoxalmente, num momento em que não há muito do que se orgulhar em termos futebolísticos. Essa é a segunda contradição. Por fim, não deixam de ser sintomáticas as manifestações autoritárias contra as regras do jogo, contra a democracia. Amaldiçoar o comunismo, cantar a plenos pulmões o hino nacional, vestir a camisa da seleção e homenagear os militares são coisas que eu só havia visto no governo do general [Emílio Garrastazu] Médici.
Fonte: PLACAR
.
Ce que parler veut dire Pierre Bourdieu
Há uma semana
Nenhum comentário:
Postar um comentário