[A woman reaches into her bag, which rests on a
fallen Soviet hammer-and-sickle on a Moscow street in 1991.
Alexander Nemenov/AFP/Getty Images]
Gazeta do Povo, Curitiba,
Entrevista por
Rogerio Waldrigues Galindo, 12/11/2013
A época da superpolitização da universidade passou, diz professor
Uma segunda entrevista sobre o possível predomínio de intelectuais da esquerda nas universidades brasileiras. Dessa vez com o cientista político Adriano Codato, da Universidade Federal do Paraná.
1- Há um predomínio de intelectuais de esquerda nas universidades públicas brasileiras? Por quê?
A universidade pública brasileira, qualquer uma que se considere, é uma instituição muito grande, muito heterogênea e que cumpre, para clientelas sociais diferentes, funções diferentes.
Por isso, na universidade convivem “intelectuais” com “profissionais” com “cientistas”. Esses tipos sociais diversos, encontráveis uns mais uns menos em carreiras diferentes, são muitas vezes desinteressados da política quotidiana, como é o caso da maioria das pessoas normais. A época da superpolitização da universidade, da sua relevância para o debate político, da sua centralidade ideológica como ponto de referência para a sociedade brasileira ficou nos anos 1980.
Imagino que quando se fale em “universidades públicas brasileiras” e “intelectuais de esquerda” se refira a departamentos responsáveis por cursos de ciências humanas, filosofia, direito, pedagogia, serviço social, jornalismo.
Respondo com base na minha observação (e não através de um censo sistemático): há uma “sensibilidade de esquerda” por parte da maioria desses professores, que seriam mais bem classificados como “progressistas” (por oposição a “conservadores”).
O que é bem diferente de serem marxistas, comunistas, socialistas. Até há. E onde há, eles são muito mais visíveis, fazem muito mais barulho do que seu número (minoritário) faria supor.
Por exemplo: sindicatos de docentes são, desde a transição política, controlados por correntes radicais de esquerda (facções do PT de extrema-esquerda, ou de esquerda, micropartidos como PSOL, PSTU, PCO, centrais sindicais – CUT e agora Conlutas). Como esse discurso sindical é o mais público, e como, por força das coisas, eles representam (ou pretendem representar) o professorado, parece que todos na Universidade são esquerdistas fanáticos. O mesmo vale para o movimento estudantil: partidos de extrema-esquerda ou de esquerda controlam a representação mas refletem pouquíssimo o estudante médio.
2- A direita acusa a esquerda de “aparelhar” as universidades. Isso seria possível? Como?
Novamente: se por “universidades” entendermos os departamentos de ciências humanas acho essa afirmação francamente exagerada. (Para outros cursos, creio que essa questão nem se colocaria, certo?).
Na sociologia/ciência política até existem enclaves departamentais de esquerda/extrema-esquerda, mas à medida que vamos nos aproximando dos cursos de pós-graduação mais bem avaliados, mais conceituados, mais profissionais, o viés ideológico é inexistente.
Evidentemente, como em qualquer organização, grupos de pessoas têm suas preferências. Essas preferências são muito mais ditadas por estilos de trabalho acadêmico (quantitativistas versus qualitativistas, para ficarmos numa oposição tola), do que por comunistas versus liberais.
Num curso de graduação e/ou de pós-graduação de sociologia, filosofia, ciência política em instituições de elite, o critério não é esquerda versus direita. As ciências sociais, e mais especificamente a ciência política, se especializaram demais, se profissionalizaram demais, se autonomizaram demais do mundo político e dos seus embates para que ele afete diretamente esse campo intelectual.
Há sempre uma refração da influência do mundo político no mundo universitário, e essa refração é tanto maior quanto maior for a centralidade da universidade, ou do curso de pós-graduação, no sistema científico nacional. O que não há, definitivamente, é um curso desses controlado pela direita tradicional. (No programa de pós-graduação em Ciência Política da UFPR não há um marxista sequer).
3- Questões de vestibular, Enade e Enem, segundo parte da direita, seriam usadas como instrumento de doutrinação e de seleção de alunos que corroboram teses do atual governo. Isso faz sentido?
Não. Trata-se de um delírio ou de pura má fé de intelectuais que fazem oposição ao governo ou propaganda partidária para as agremiações concorrentes.
Questões do Enade e Enem refletem mais uma disposição contra o cânone de pedagogos do que qualquer outra coisa.
Há manuais de sociologia para o ensino médio com algum marxismo vulgar, mas aí a história é mais comprida.
4- Por que a direita não tem mais representantes nos cursos de humanas? Faltam intelectuais à direita? Por quê?
Não sei bem, teria de pensar melhor. Mas a grande maioria, na minha área, é de “moderados” politicamente, “progressistas” em questões de costumes/moral. Penso que não há mais porque a direita tradicional sempre considerou a universidade e o mundo da cultura em geral, irrelevantes ou assunto de “mulherzinha”.
5- Há risco de “doutrinação ideológica” dos alunos nas universidades?
Na minha área, só se por doutrinação ideológica se entender a preferência por modelos estatísticos…
“Marx” é cada vez mais um entre muitos outros autores estudados em ciências sociais. Ainda bem.
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