artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections

12 de fevereiro de 2013

Carta de Graciliano para Antonio Cândido, em 1945

[João Pedro do Juazeiro 
Lampião em Mossoró
Xilogravura - 20 x 20] 



Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1945.

Antonio Cândido:

Só agora, lido o último artigo da série que V. me dedicou, posso mandar-lhe estas linhas e conversar um pouco. Muito obrigado. Mas não lhe escrevo apenas por causa dos agradecimentos: o meu desejo é trazer-lhe uma informação ajustável ao que V. assevera num dos seus rodapés.

Arriscar-me-ia a fazer restrições ao primeiro e ao segundo, se isto não fosse considerado falsa modéstia. E impertinência: com as vivas atenções dispensadas a meu romance de estreia, foram apontados vários defeitos, o que de certo modo atenua a parcialidade otimista.
Onde as nossas opiniões coincidem é no julgamento de Angústia. Sempre achei absurdos os elogios concedidos a este livro, e alguns, verdadeiros disparates, me exasperaram, pois nunca tive semelhança com Dostoiévski nem com outros gigantes. O que eu sou é uma espécie de Fabiano, e seria Fabiano completo se a seca houvesse destruído minha gente, como V. muito bem reconhece.

Por que é que Angústia saiu ruim? Diversas pessoas procuraram razões, que não me satisfizeram. Olívio Montenegro usou frases ingênuas e pedantes, misturando ética e estética. João Gaspar Simões afirmou que o americano é incapaz de introspecção – e com esta premissa arrasou-me. Veja só. Nada há mais falso que um silogismo. Álvaro Lins veio com aquele negócio de tempo metafísico. Mas isso diz pouco, não é verdade? Se eu constituísse uma exceção à regra de João Gaspar Simões e contentasse Olívio Montenegro e Álvaro Lins,Angústia não deixaria de ser um mau livro, apesar de haver nele páginas legíveis.

Por que é mau? Devemos afastar a ideia de o terem prejudicado as reminiscências pessoais, que não prejudicaram Infância, como V. afirma. Pego-me a esta razão, velha e clara: Angústia é um livro mal escrito. Foi isto o que o desgraçou. Ao reeditá-lo, fiz uma leitura atenta e percebi os defeitos horríveis: muita repetição desnecessária, um divagar maluco em torno de coisinhas bestas, desequilíbrio, excessiva gordura enfim, as partes corruptíveis tão bem examinadas no seu último artigo. É preciso dizermos isto e até exagerarmos as falhas: de outro modo o nosso trabalho seria inútil.

E aqui vem a informação a que me referi. Forjei o livro em tempo de perturbações, mudanças, encrencas de todo o gênero, abandonando-o com ódio, retomando-o sem entusiasmo. Matei Julião Tavares em vinte e sete dias; o último capítulo, um delírio enorme, foi arranjado numa noite. Naturalmente seria indispensável recompor tudo, suprimir excrescências, cortar pelo menos a quarta parte da narrativa. A cadeia impediu-me essa operação. A 3 de março de 1936 dei o manuscrito à datilógrafa e no mesmo dia fui preso. Nos longos meses de viagens obrigatórias supus que a polícia me houvesse abafado esse material perigoso. Isto não aconteceu – e o romance foi publicado em agosto. Achava-me então na sala da capela. Não se conferiu a cópia com o original. Imagine. E a revisão preencheu as lacunas metendo horrores na história. Só muito mais tarde os vi. Um assunto bom sacrificado, foi o que me pareceu.

Esta explicação tem apenas o fim de exibir-lhe o prazer que me causou o seu juízo. Quando um modernista retardatário e pouco exigente me vem seringar amabilidades a Angústia, digo sempre: – “Nada impede que seja um livro pessimamente escrito. Seria preciso fazê-lo de novo.”

Permita-me que apenas toque nos seus estudos relativos a São BernardoVidas secas Infância. Ser-me-ia difícil estender-me sobre eles. O que faço é agradecer. Por muito vaidoso que sejamos, às vezes certas opiniões nos amarram: diante delas ficamos atrapalhados e sem jeito.

Adeus, Antonio Candido. Abraços do admirador e amigo

Graciliano Ramos

.

Nenhum comentário: