July 1967.
Lee Balterman.
Life]
Fábia Berlatto*
Acompanhando a cobertura da imprensa sobre a implementação do projeto “Nova Luz” em São Paulo e o objetivo de acabar com a “Cracolândia”, lembrei-me de como foram veiculadas, aqui em Curitiba, as ações da Guarda Municipal e da Polícia Militar no ano passado no Parque Barigui tanto contra a frequência de jovens da periferia, como contra o consumo de álcool naquele local. Gostaria de refletir sobre essa espécie de jornalismo que se pratica cotidianamente.
Nós sabemos que a imprensa dispõe de um poder real que é não apenas o de veicular, mas o de impor um modo de representação do mundo social. Por isso que os jornalistas são conhecidos como formadores de opinião. E isso se dá, em grande medida, porque a imprensa é portadora de um discurso autorizado, e por isso legítimo, sobre a realidade social. Então, mais do que produzir e difundir “informação”, a imprensa contribui para que se desenvolva uma visão de mundo que reflete a forma mais comum de representar esse mundo. É por isso que ela acaba, na maioria das vezes, reforçando o senso comum.
Apesar do discurso da neutralidade, da objetividade, da função apenas informativa ou por vezes crítica, os enunciados da imprensa – sejam as reportagens, sejam as análises – devem ser tomados como uma versão negociada dos fatos.
A realidade social que o noticiário apresenta, representa uma duplicação, um reforço e uma confirmação da legitimidade de um modelo de sociedade e, no caso dos eventos que citei, de uma política de segurança pública que nós adotamos.
Sobre quem sempre recai o rótulo, que acaba se transformando em identidade, de perigoso, de intratável, de indesejável? Esses estereótipos acabam encobrindo a realidade, encobrindo o que gera, por exemplo, o elevado consumo de álcool, ou de crack, as agressões aos guardas municipais e as agressões dos policiais a esses jovens que se encontram em situações que nem lhes caberia lidar. É como se existisse uma categoria social de frequentadores dos espaços públicos – os manos, os vileiros – que fosse constituída por uma espécie de inimigos não integráveis à sociedade. Eles não deveriam estar nos nossos parques, nos nossos shoppings, mas em outro lugar. De preferência, longe dos nossos olhos. No caso do Bairro da Luz, trata-se de recuperar áreas degradadas, de combater o consumo e o tráfico de drogas através da mera eliminação dos indesejáveis.
Essa visão do mundo social que a imprensa repercute influencia o comportamento dos cidadãos e dita as políticas de governo. E essas políticas tem privilegiado o reforço do controle social pelo viés policial. Então, há uma circularidade entre o que dizem os diversos veículos e o que diz o Estado através dos seus porta-vozes autorizados. Recuperem e reparem, no caso do Parque Barigui, o que disseram os guardas municipais, o secretário de defesa social, por exemplo, e o que disseram os jornalistas. Os parques, os locais públicos são lugares de acesso das famílias apenas, das pessoas “de bem”.
Os jornalistas acabam trabalhando muitas vezes como agentes do campo estatal tanto pelas questões que eles colocam, quanto pelas que deixam de colocar. Essa coisa da “boa sociedade” e da “má sociedade”, “de gente de bem”, de “gente de família”, de “gente bem intencionada”, de “gente mal intencionada” é exatamente o que a população quer ouvir. Não são assim os programas “jornalísticos” de TV no final das tardes? É essa percepção sobre como o mundo social estaria dividido e organizado que acaba, no fim das contas, gerando um tipo de demanda por segurança pública.
Essa circularidade entre os discursos do senso comum, da imprensa e dos governos se deve aos próprios mecanismos de funcionamento da profissão jornalística, cuja lógica de concorrência restringe, entre outras coisas o tempo, mas principalmente as fontes de informação.
Assim é que se constitui uma espécie de impregnação mútua de representações sobre o mundo social que circulam, de forma viciada, entre o campo político/burocrático e o campo jornalístico, na medida em que os operadores de um e de outro se constituem em fontes de consulta recíproca. E, em geral, os “especialistas” acionados só são escolhidos na medida exata em que confirmem essa percepção.
Para entender os processos sociais em que essas pessoas indesejáveis – jovens, pobres, pretos, etc. – se envolvem, é preciso recorrer à forma como eles expressam seus comportamentos, os seus gostos, as suas esperanças e desesperanças. Só que não podemos deixar de lado as condições sociais e políticas que determinam as características peculiares dos seus comportamentos.
* Fábia Berlatto é mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná e integra o CESPDH – Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR.
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