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30 de maio de 2013

resenha: Marxismo como ciência social, por Luiz Eduardo Motta

[Lothar Charoux,
Composição
serigrafia, 32 x 32 cm
1975] 

Marxismo como ciência social. Curitiba: Editora UFPR, 2011, 282 p.
ADRIANO CODATO e RENATO PERISSINOTTO


publicada em: Crítica Marxista, São Paulo, 36, 2013.

Luiz Eduardo Motta
Professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro; luizpmotta@ig.com.br 

O livro de Adriano Codato e Renato Perisinotto Marxismo como ciência social, Curitiba, editora UFPR, 2011, premiado na ANPOCS como melhor Obra Científica de Ciências Sociais em 2012, veio sem dúvida a preencher uma importante lacuna no campo das ciências sociais do Brasil, sobretudo no tocante à ciência política: a ausência de obras teóricas sobre o Estado, e sobre os agentes políticos pela ótica marxista, haja vista a abundância de textos e livros que tratam dessa problemática pelo prisma do neo-institucionalismo. Como bem observa o cientista político e pesquisador do IESP, João Feres Jr. que escreveu a apresentação do livro, a teoria marxista a despeito de toda a sua riqueza conceitual constituída ao longo de 150 anos por meio de ricos debates teóricos, foi implodida com a crise do socialismo do leste europeu a partir da queda do Muro de Berlim em 1989, no qual o pensamento marxista foi intensamente (e injustamente) associado a esse fracasso.

O livro de Codato e Perissinotto soma-se ao livro de Armando Boito Jr. Estado, política e classes sociais como uma das raras análises sobre o Estado capitalista sob influência da teoria marxista de Louis Althusser, no que concerne à descontinuidade das obras científicas de Marx em relação às suas obras filosóficas de juventude, além da contribuição da teoria do Estado capitalista de Nicos Poulantzas. O fato de esse livro ter sido premiado pela ANPOCS demonstra que outros sinais no campo acadêmico têm emergido, haja vista que não é muito comum uma obra de teor marxista (sobretudo de corte althusseriano) receber um importante prêmio acadêmico, pelo menos no Brasil.

Adriano Codato e Renato Perissinotto, professores e pesquisadores de ciência política da UFPR, têm marcado presença no cenário acadêmico nos últimos dez anos pela intensa produção de qualidade no trato da problemática do Estado capitalista e da cena política, não se restringindo à vertente marxista, mas também no trato de outras perspectivas teóricas como a chamada teoria das elites e do neoinstitucionalismo, tanto da corrente histórica de Peter Evans e de Theda Skopol, como também da vertente da teoria da escolha racional. Esse livro reúne os mais significativos artigos escritos pela dupla (tanto juntos como separados), publicados por diferentes revistas acadêmicas tanto do Brasil como no exterior, e alguns deles apresentados em congressos na área das Ciências Sociais.

Dos nove capítulos, três textos foram escritos por ambos os autores: o primeiro “O Estado como instituição”, e os polêmicos “Marxismo ou elitismo” e “Por uma análise societalista da política”. No primeiro demarcam uma distinção da teoria do Estado capitalista marxista (apoiados nas análises de Marx, Poulantzas e Therborn ) com o neoinstitucionalismo no qual precisamente afirmam que não há nenhuma novidade teórica por parte dessa corrente, já que reproduzem em larga escala os velhos (e originais) argumentos tecidos por Max Weber no início do século XX sobre o Estado moderno. Além disso, se limitam a guiar as suas análises históricas a partir de uma oposição entre “Estados fortes” e “Estados fracos”, oposição essa de “caráter estritamente quantitativo, extremamente formalista e altamente abstrata, a despeito de todo o seu discurso historicizante” (p. 59).

Os outros dois artigos buscam ao mesmo tempo diferenciar e aproximar o marxismo da perspectiva elitista, seja pelo viés da teoria da escolha racional, seja por outras vertentes, inclusive divergentes entre si, como a de Dahl e Wrigth Mills. Nesse aspecto não há novidade nisso no marxismo: Miliband e Bottomore já apontavam essa aproximação ao considerarem que o conceito de elite seria útil ao marxismo à medida que explica algumas formações sociais às quais o conceito de classe não se aplicaria ou não se ajustaria adequadamente. Para Codato e Perissinotto é preciso avançar nessa posição. Para eles “é mais razoável pensar que o conceito de elite pode ajudar a operacionalizar empiricamente a análise classista da política” (p. 239, grifos no original). Contudo, apesar da tentativa da aproximação, ambos os autores apontam os limites da teoria da escolha racional quando afirmam que embora possa ser útil na busca na semelhança de comportamento entre indivíduos com posições políticas distintas e até antagônicas, não dizem nada a respeito do conteúdo substantivo das estratégias tomadas por eles. Afinal de contas, qual é o motivo real que conduz os atores adotarem uma posição e não outra? Além disso, a teoria da escolha racional é pobre no tocante ao conteúdo histórico devido ao alto grau de suas abstrações em torno das ações dos indivíduos, deixando de lado uma riqueza de variações culturais (ideológicas), construídas socialmente. As instituições foram (e são) criadas mediante as relações de forças, dos interesses socialmente determinados, e não são entidades meramente abstratas constituídas, como afirmam os autores, de modo espontâneo. E tampouco os autores incorporam em suas análises a visão “cíclica” da teoria das elites onde não haveria mudança de fato, já que sempre haveria uma elite substituindo outra, o que vai de encontro à perspectiva de ruptura e descontinuidade da teoria marxista.

Os demais artigos solos articulam-se com os escritos pela dupla. Os artigos de Codato “Lendo Marx à luz de Marx” e “O espaço político segundo Marx”, e o de Perissinotto “Marx e a teoria contemporânea do Estado” têm em comum ao analisarem a questão da cena/espaço político, e do papel da autonomia do Estado, a rica obra de Marx “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, certamente o texto político central de Marx no que tange o desempenho político das classes sociais no espaço político e da atuação da burocracia de Estado na construção das relações de poder das diversas frações burguesas sem serem necessariamente subordinada a estas; ademais, no caso do primeiro artigo de Codato, a interessante análise da relação da determinação (em última instância) da estrutura econômica (ou das relações de produção e das forças produtivas) à superestrutura estatal, relaciona a problemática da determinação e da contingência; em outras palavras, Codato articula a análise de Marx do “Prefácio à contribuição crítica da economia política” de 1859 (determinação do econômico) ao texto do “18 Brumário” (contingência/acaso); essa questão tensa da determinação com a contingência é por sinal uma das mais ricas contribuições de Althusser ao marxismo como pode-se ver no seu artigo “Contradição e sobredeterminação”. Ambos os autores nesses três artigos demarcam uma severa crítica à concepção instrumental do Estado de forte teor economicista/reducionista já que o Estado capitalista não se confunde com um Estado controlado pela burguesia, i.e, o Estado não é um comitê de negócios da burguesia, mas algo bem mais complexo e contraditório.

Os três artigos restantes são ricos e instigantes estudos sobre a teoria política de Nicos Poulantzas (Codato), do marxismo analítico e das classes sociais na teoria marxista (Perissinotto). Codato faz um amplo mapeamento da obra de Poulantzas no qual ele aponta três momentos distintos e descontínuos do cientista político marxista, no quais ele considera divergentes entre si. Contudo, Codato também poderia buscar quais aspectos que articulam essas diferentes fases como o primado das relações de produção sobre as forças produtivas, e da distinção entre o Marx científico do filosófico, questões das quais Poulantzas manteve-se coerente na sua fase intelectual de 1968 a 1979 (o que o diferencia radicalmente de seu período inicial na primeira metade dos anos 1960). Além disso, seria de fato Gramsci a principal influência de Poulantzas na sua última fase, se lembrarmos que o greco-francês afirma a dificuldade de constituir a hegemonia de uma classe mediante a multiplicidade de micro-políticas nos aparatos estatais que dificultam (quando não impossibilitam) a formação de uma política coerente e coesa mediante os acasos e as contingências derivadas dessas micro-políticas e deslocamentos constantes de relações de forças? Em que grau a crítica de Poulantzas a Foucault o aproximou do filósofo francês?

Já Perissinotto faz uma rigorosa análise das diferentes perspectivas do marxismo analítico - G. A. Cohen, Jon Elster e John Roemer – na qual o primeiro incorpora a filosofia analítica na leitura dos textos clássicos para uma “reconstrução” do marxismo, o segundo na análise de temas centrais da teoria sociológica e o terceiro na redefinição da teoria econômica marxista a partir dos cânones metodológicos da teoria econômica neoclássica. E numa das partes mais interessantes desse capítulo, Perissinotto mostra o diálogo e a incorporação por parte do marxismo analítico do individualismo metodológico, da teoria da escolha racional e da teoria dos jogos, que muitas vezes se confundem devido a aproximação teórica e analítica dessas três vertentes que têm predominado no campo da ciência política liberal. O interessante deste capítulo é como o autor demarca as diferenças do marxismo analítico da escola econômica neoclássica, pois enquanto o marxismo analítico insiste na importância da ação coletiva e da relação de poder entre os “atores”, os neoclássicos têm uma interpretação puramente individualista da qual está ausente qualquer idéia de dominação. No artigo “Marx e a análise contemporânea de classe” Perissinoto mapeia a partir de Marx (e o de seu inevitável “18 Brumário”) a contribuição da teoria marxista ao tema – Poulantzas, Eric, Olin Wright, E. P. Thompson, Przeworsky – mas não se atendo apenas ao marxismo já que inclui a importante contribuição de Pierre Bourdieu a esse tema.

O livro embora suscite diversas questões para reflexão e debate, infelizmente não podem ser tratadas numa resenha descritiva como essa. No entanto, há uma observação a ser feita aos dois autores no que diz respeito a cederem a acusação de “funcionalismo” por parte das vertentes não marxistas, como a do neoinstitucionalismo, particularmente atingindo as análises de Poulantzas. O limite dessa crítica esbarra no tocante de que as funções (ou mais precisamente na acepção marxista: práticas) de Estado são movidas pelas contradições reproduzidas pelas estruturas, e do conflito entre as classes sociais, o que inexiste numa perspectiva de fato funcionalista já que não há o conflito de classes (ou mesmo de grupos), mas sim “disfunções” (ou anomias) dentro do sistema. Essa tem sido a principal marca das teorias sistêmicas/funcionalistas desde Durkheim, até Parsons, Merton, Easton e Luhmann, enquanto para o marxismo o conflito faz parte da própria constituição da sociedade e do Estado, e o que nos faz compreender as ações dos atores políticos, e o que eles representam de fato, para além do discurso universalista da modernidade burguesa. Esse é apenas um dos aspectos que esse excelente livro provoca, e os debates que serão constituídos a partir dele estão apenas no início.
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