artigo recomendado
30 de julho de 2013
profissionalização ou popularização da classe política brasileira? um perfil dos senadores da República
Oscar Niemeyer 1965.
Brasília DF / Foto:
Marcel Gautherot]
Referência:
COSTA, Luiz Domingos; CODATO, Adriano. Profissionalização ou popularização da classe política brasileira? Um perfil dos senadores da República. In: André Marenco (org.). Os Eleitos. Representação e carreiras políticas em democracias. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2013, p. 107-134.
O objetivo deste capítulo é comparar alguns achados disponíveis na literatura nacional sobre a trajetória política e a ocupação profissional de deputados federais para o caso específico dos senadores. Nosso experimento leva em consideração, ao lado de outras fontes, uma base de dados relativamente ampla sobre o Senado (240 indivíduos) num intervalo de tempo considerável: 1986-2010. Na primeira e na segunda seções resumimos algumas análises sobre o processo de recrutamento parlamentar no Brasil focados na Câmara dos Deputados, realçando a dificuldade de comunicação entre elas e, sobretudo, a baixíssima capacidade de, em função dos respectivos achados, se estabelecer uma proposição geral que contemple processos intimamente relacionados, dentre os quais a magnitude da experiência política dos congressistas, as altas taxas de circulação das elites no Legislativo e a transformação do perfil social do pessoal político do país. Na terceira e quarta seções procuramos verificar se o que já se sabe sobre a Câmara Federal vale também para o Senado da República. Ou se, nesse caso, o tempo e o tipo de carreira, aliados aos perfis sociais e políticos dos senadores são um tanto diferentes.
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24 de outubro de 2011
a profissionalização da classe política brasileira no século XXI
Poland, 1947
Tony Linck
Life]
paper acadêmico
CODATO, Adriano ; COSTA, Luiz Domingos . A profissionalização da classe política brasileira no século XXI: um estudo do perfil sócio-profissional dos deputados federais (1998-2010). In: 35º Encontro Anual da ANPOCS, 2011, Caxambu - MG.
O propósito desse paper é discutir o significado sociológico de alguns achados empíricos sobre os processos recentes de recrutamento da classe política brasileira. Ao mesmo tempo, pretendemos apresentar uma visão diferente sobre o assunto. Ou mais exatamente: pretendemos ressaltar a necessidade de combinar, nesse debate, variáveis históricas e sociais, além das variáveis institucionais usuais.
Na primeira parte resumimos o que é "democracia" e o que é "participação democrática" para as teorias empíricas da democracia. Em seguida, são listadas as condições institucionais essenciais para a realização desse tipo de participação política (que é basicamente eleitoral), com destaque para o que nos parece ser um ponto cego nessas formulações. Essa discussão serve como introdução para destacar a importância e a relevância de estudos sobre elites políticas para determinar a qualidade da democracia.
Na segunda e terceira seções discutimos as principais análises sobre o processo de recrutamento parlamentar no Brasil, realçando a dificuldade de comunicação entre elas e, sobretudo, a baixíssima capacidade de se estabelecer uma tese que contemple processos intimamente relacionados, dentre os quais se destacam a experiência política dos legisladores, a alta circulação das elites e a popularização do pessoal político do país.
Na quarta parte apresentamos dados preliminares sobre os deputados federais para apontar novas perspectivas de pesquisa sobre o objeto. Também discutimos empiricamente a dificuldade em sustentar a tese da popularização a partir de dados sobre os senadores brasileiros.
Por fim, avançamos um modelo para dar conta desse problema do recrutamento. Esse modelo deve congregar variáveis históricas, institucionais e sociais. Isso permitirá então propor uma hipótese um pouco diferente sobre o problema. Ao final, pretende-se ressaltar as consequências analíticas do modelo e como esse tipo de explicação – histórica e sociológica – se diferencia das constatações disponíveis até o momento.
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o paper
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11 de outubro de 2011
as transformações da classe política brasileira no século XXI
Professor of Sociology at Columbia Univ.
Date taken: 1952
Photographer: Gjon Mili
Life]
PROJETO DE PESQUISA DO NUSP:
As transformações da classe política brasileira no século XXI: um estudo do perfil socioprofissional de deputados federais e senadores (1986-2014)
Os objetivos deste projeto são:
1) traçar um perfil social da classe política brasileira (especificamente dos deputados federais e senadores) no período compreendido entre 1986-2014; e
2) verificar o processo de mudança e/ou conservação das elites políticas no Brasil após o novo regime da Constituição de 1988 e seus impactos sobre os limites para o aprofundamento da democracia.
De um ponto de vista mais geral, pretende-se: discutir os problemas da democracia em conexão com os diferentes tipos de desigualdades (sociais, econômicas) e seu impacto sobre as oportunidades de participação política dos indivíduos.
Para tanto, será preciso determinar a estrutura atual do campo político nacional e os constrangimentos à participação e à ocupação de posições centrais por integrantes de grupos subalternos.
Com isso, desejamos debater a tese segundo a qual tem havido uma relativa popularização da classe política brasileira, basicamente depois das eleições de 2002.
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6 de outubro de 2011
o enigma dos políticos brasileiros
© Ed Viggiani.
Pirelli/MASP]
Adriano Codato e
Luiz Domingos Costa
Há muitos desacordos entre os especialistas sobre qual é o perfil de senadores e deputados federais e como esse perfil tem se transformado ao longo do tempo. Possivelmente, a existência dessas discrepâncias é um sintoma tanto da ausência de debate e de interesse público sobre o assunto, quanto do pouco desenvolvimento desse tipo de pesquisas entre nós. Afinal, quem são os parlamentares brasileiros?
As respostas disponíveis ainda não apresentam um retrato nítido do perfil dos nossos representantes. Nos estudos de Ciência Política, podemos contar pelo menos quatro visões sobre o meio social de onde provém a elite legislativa e sobre como essa elite chegou à Câmara e ao Senado (isto é, qual foi sua trajetória política, por quantos e por quais tipos de cargos passou, se eles influenciaram positiva ou negativamente suas chances de sucesso na carreira política, etc.).
A primeira dessas visões sustenta que se a taxa de renovação de nomes na Câmara dos Deputados é alta, hoje em torno de 50% (enquanto que no Congresso dos EUA ela fica na casa dos 10 a 15%), é porque a Casa aceita com muita frequência indivíduos estranhos ao campo político (“outsiders”).
Se em 1946, 30% daqueles que chegavam à Câmara Federal tinham atrás de si uma longa trajetória na vida pública, em 1994 menos de 10% dos deputados federais possuíam esse perfil. Uma década após o fim da ditadura militar, nada menos de 50% dos membros da Câmara eram indivíduos que haviam conquistado sua respectiva cadeira num período não superior a quatro anos de dedicação exclusiva à política. Predominaria então no Brasil um sistema político mais aberto que garantiria espaço a políticos sem grandes vínculos com partidos tradicionais e com pouca experiência na “vida pública”. Nosso Legislativo seria assim povoado de self-made men, que se fizeram basicamente à margem do mundo político oficial. Isso abriria espaço para o declínio das oligarquias tradicionais.
Outra interpretação argumentou que o elevado índice de revezamento dos políticos brasileiros nas cadeiras legislativas deve-se a uma razão completamente diferente. Ela não diria respeito à estrutura de oportunidades do mercado político (cada vez maiores), mas ao cálculo que os candidatos sempre fazem entre o custo de permanecer ou não numa instituição altamente competitiva do ponto de vista eleitoral, mas com pouco poder decisório. Daí que os legisladores mais experientes e/ou com melhor currículo seriam também aqueles que deixariam mais rapidamente o Legislativo em busca de uma posição com maior poder, em especial no Executivo.
Paralelamente a essa divergência sobre o tipo de carreira, surgiu uma terceira interpretação. Centrada no perfil social dos legisladores, ela constatou um fato absolutamente novo: a “popularização” da classe política brasileira.
A vitória de Lula na eleição presidencial em 2002 – e seu reflexo no aumento da bancada de deputados federais do PT – foi responsável por uma relativa mudança no perfil da classe política da Câmara dos Deputados. Note bem: não se verificou a entrada das classes populares, dos pobres ou indivíduos despossuídos na Casa. O que se verificou foi sim uma queda no percentual de indivíduos com perfil mais tradicional e elitista (isto é, os mais ricos, e dentre esses sobretudo os empresários) e um aumento no número de indivíduos de profissões típicas da classe média.
Percebe-se por quaisquer indicadores que se olhe que a morfologia social dos parlamentares tem se alterado. Essa mudança não significa, contudo, que estamos diante de um processo de popularização da classe política brasileira, nem de democratização do campo político nacional. De toda forma, esses achados descartam a visão convencional de que os políticos são todos iguais, de que a política nacional é o reino dos mesmos homens de sempre e todas aquelas acusações correlatas presente no imaginário “crítico”.
Estudos mais recentes, conduzidos no Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da UFPR, têm descoberto que, ao contrário do que se imaginava, ser político profissional é, de longe, a variável mais importante para determinar o sucesso eleitoral de um candidato a deputado federal no Brasil. Nas eleições de 2006, 47% dos vitoriosos já eram membros do poder legislativo (leia o artigo aqui http://bit.ly/nzIzJM).
Isso significa basicamente que se encontra em andamento uma dimensão importante do processo de institucionalização da Câmara dos Deputados: a profissionalização dos seus membros. E que os partidos tendem a levar muito em conta, na seleção dos candidatos, aqueles que já têm grande experiência prévia na política.
Esse é um fato observável em todas as democracias institucionalizadas. A profissionalização das carreiras políticas é a contraface do declínio do poder e da influência dos “notáveis”. Cada vez mais os recursos externos ao mundo político (poder familiar, influência regional, prestígio profissional) passam a contar cada vez menos, o que abre a porta para a entrada das camadas médias nos postos políticos – antes privilégio dos muito ricos.
Por outro lado, que relação há (ou deve haver) entre a profissionalização política dos nossos políticos e a qualidade da representação? Políticos mais profissionais significa melhores políticos ou o contrário?
Adriano Codato (adriano@ufpr.br) é professor dos programas de pós-graduação em Ciência Política e em Políticas Públicas da Universidade Federal do Paraná.
Luiz Domingos Costa é professor dos cursos de Ciência Política, Relações Internacionais, Direito, Administração e Comunicação Social na Faculdade Internacional de Curitiba - FACINTER.
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10 de agosto de 2011
seminário: o centenário de 'sociologia dos partidos políticos', de robert michels
Em 1911, era publicado Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna, obra fundamental do sociólogo alemão Robert Michels (1876-1936), que viria a marcar de modo indelével os estudos sobre partidos políticos e democracia em todo o mundo. Nesse sentido, o Seminário propõe-se como um evento de reflexão plural e crítica sobre essa clássica e duradoura obra, em todas as suas facetas, marcando o seu centenário.
Departamento de Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Ciência Política
Programação
9:00 – 10:00: Conferência de abertura
André Marenco dos Santos (UFRGS)
O que faz da obra seminal de Robert Michels um clássico da Ciência Política?
Sessão I (10:15 – 12:00): Situando a obra de Michels
Coordenação: Maria do Socorro Sousa Braga (UFSCar)
Mário Grynszpan (CPDOC/FGV)
A sociologia de Michels: contextualizando a Sociologia dos partidos políticos
O objetivo principal desta fala será fazer um exercício de contextualização do livro Sociologia dos partidos políticos, do alemão Robert Michels. O livro de Michels se impôs como referência obrigatória, sobretudo na Ciência Política, sendo associado a trabalhos dos italianos Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca como base do que se tornou conhecido como a teoria das elites. O que se buscará fazer é, a partir de elementos da trajetória social de Michels e do contexto em que viveu, contribuir para uma sociologia da sua sociologia, do seu livro, da produção e da sua notoriedade.
Pedro Floriano Ribeiro (UFSCar)
As fontes teóricas de Robert Michels
A exposição apresenta e discute os principais autores que influenciaram Robert Michels na construção de sua obra central – Sociologia dos Partidos Políticos. Procura-se ir além daqueles nomes mais conhecidos na ciência política, como Mosca e Weber, para explorar também outros autores que, em maior ou menor grau, também alicerçaram a teoria de Michels – como G. Sorel e G. Le Bon. A exposição termina discutindo qual a contribuição de Michels à sociologia política, cem anos depois.
Adriano Codato (UFPR)
A crítica de Gramsci a Michels: otimismo da vontade e da inteligência
Antonio Gramsci formulou basicamente duas críticas à sociologia dos partidos de Michels: segundo o comunista italiano, é sempre preciso observar que há uma diferença entre a democracia no partido e a democracia que deverá existir no Estado futuro e que quase sempre, para conquistar a democracia no socialismo, é preciso um partido fortemente centralizado; segundo, que as questões relacionadas com democracia e oligarquia têm um significado preciso que é dado, segundo a leitura que Gramsci faz de Michels, pela diferença de classe entre chefe e seguidores. Se não existir essa diferença, a questão, segundo Gramsci, torna-se meramente “técnica”, de divisão do trabalho e que bastaria o desenvolvimento de uma ampla camada média, entre os chefes e as massas, para que se evitasse o despotismo dos primeiros. A apresentação quer discutir a inadequação e os limites óbvios dessas críticas, mas também apontar os erros frequentes dos comunistas no assunto, que tendem a substituir a sociologia empírica das organizações pela idealização das organizações futuras.
12:15 – 14:00 almoço
Sessão II (14:15- 16:30): Michels e os partidos na atualidade
Coordenação: Pedro Floriano Ribeiro (UFSCar)
Cláudio Gonçalves Couto (EAESP-FGV)
O conceito micheliano de oligarquia: um aporte descritivo à análise política contemporânea
A maior contribuição do clássico trabalho de Robert Michels, Sociologia dos Partidos Políticos, foi ter-nos legado um conceito descritivo de oligarquia. Superou as concepções clássicas do termo, centradas na preocupação normativa com o bom ou mal governo, assim como o uso dessa palavra pelo senso comum, centrado na detratação de grupos políticos dos quais não se gosta. O conceito micheliano de oligarquia permite identificar processos mediante os quais certos grupos apoderam-se do poder organizacional, entrincheirando-se e tornando-se infensos a controles, sejam eles democráticos ou meritocráticos. Tal aporte conceitual permite problematizar questões centrais da análise política contemporânea, como a representação, a accountability, a corrupção e a eficácia dos órgãos de a ção coletiva, dentre eles, notadamente, o Estado e suas instituições representativas e de governo.
Valeriano Costa (UNICAMP)
Michels e os partidos: a relevância da perspectiva organizacional nas poliarquias contemporâneas
O argumento central do texto é que uma leitura contemporânea da obra clássica de Robert Michels passa por uma recontextualização dos seus achados empíricos sobre as tendencias oliquarquizantes dos partidos. Minha estratégia é demonstrar que as conclusões pessimistas de Michels estão assentadas numa visão negativa das democracias emergentes na Europa (especialmente central e mediterranea) da primeira metade do século passado. No entanto, é possivel argumentar com Michels contra Michels que várias das características dos partidos modernos apontadas por ele como obstaculos a uma democracia de massas, na verdade são necessárias ao desenvolvimento dessas democracias. Para isso me utilizo da interpretação de Rob ert Dahl sobre o lugar central das organizações nas poliarquias contemporâneas elaborado no seu livro Dilemmas of Pluralist Democracy combinanda com a análise organizacional dos partidos elaborada por Angelo Panebianco em Modelos de Partido. Concluo o argumento com um breve balanço da aplicação da abordagem organizacional aos partidos no Brasil, especialmente sobre o impacto do PT no sistema partidário
Rachel Meneguello (UNICAMP)
Politica intra-partidaria, organização e relações de poder: Michels e o estado da arte dos estudos partidários
O trabalho avalia como a bibliografia recente nacional e internacional trata o estudo da dinâmica e funcionamento interno dos partidos políticos e aponta a adequação persistente dos parâmetros inseridos por Michels na teoria partidária, em específico, os indicadores sobre a organização das relações de poder e o processo decisório interno partidário.
Maria do Socorro Sousa Braga (UFSCar)
Participação e Organização nos Partidos Políticos: revisitando os microfundamentos de Michels
O objetivo primordial deste artigo é resgatar os microfundamentos da tese de Michels a respeito da suposta inevitável dinâmica organizacional dos partidos políticos marcada por duas tendências antagônicas: a propensão à concentração de poderes nas mãos de uma oligarquia e a aspiração de participação. Um segundo objetivo será verificar como estudiosos do fenômeno partidário vinculados à perspectiva organizacional contemporânea avaliaram os conceitos de Michels em seus estudos.
*Cartoon published in the Communist Yiddish newspaper Freiheit caricatures delegates to a 1926 AFL convention in Atlantic City. Faced with stiff business opposition, a conservative political climate, hostile courts, and declining membership, leaders of the American Federeration of Labor (AFL) grew increasingly cautious during the 1920s. Labor radicals viewed AFL leaders as overpaid, self-interested functionaries uninterested in organizing unorganized workers into unions.
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29 de julho de 2011
mesa-redonda: democracia, representação e participação
Brasília, DF
André Dusek.
XV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA
Mesa-redonda 13 - Democracia, Representação e Participação
Democracia, representação e participação: uma hipótese sobre a estrutura do campo político brasileiro, hoje*
O propósito dessa conferência é discutir o significado sociológico de alguns achados empíricos sobre os processos recentes de recrutamento da classe política brasileira. Ao mesmo tempo, pretendemos apresentar uma visão diferente sobre o assunto. Ou mais exatamente: a necessidade de incorporar, nessa discussão, variáveis históricas e sociológicas, além das vaiáveis institucionais usuais.
Na primeira parte menciono o que é "democracia" e o que é "participação democrática" para as teorias empíricas da democracia. Em seguida, listo as condições institucionais essenciais para a realização desse tipo de participação política (que é basicamente eleitoral), e localizo o que me parece ser um ponto cego nessas formulações. Essa discussão serve como introdução para destacar a importância e a relevância de estudos sobre elites políticas para determinar a qualidade da democracia.
Na segunda parte, apresento duas conclusões (em certa medida opostas) das pesquisas recentes sobre o processo de recrutamento parlamentar no Brasil: aquela que sustenta estar em curso um processo de popularização da classe política; e aquela que sustenta que a variável fundamental que incide no recrutamento político no Brasil é o profissionalismo político.
Na terceira parte avanço um modelo mais complexo para dar conta desse problema do recrutamento. Esse modelo deve congregar variáveis históricas, institucionais e sociais. Isso permitirá então propor uma hipótese um pouco diferente sobre o problema. Ao final, pretende-se resslatar as conseqüências analíticas do modelo e como esse tipo de explicação --- histórica e sociológica --- se diferencia da corrente dominante.
25 de agosto de 2009
o "mundo político" em Marx

[Paulo Vainer.
Série Penumbra, 1991.
Pirelli / Masp]
Uma leitura menos literal de Marx faz surgir o “mundo político” como um mundo à parte, dotado de uma lógica própria, códigos próprios e de princípios próprios.
Embora ele não seja real (realmente existente), tem efeitos reais (i.e., efetivos) sobre a existência e a consciência daqueles que vivem e operam nesse mundo.
Há uma anotação em A ideologia alemã a respeito das “formas da consciência social” de religiosos, moralistas, juristas e também dos políticos profissionais que mereceria ser lida mais uma vez. Trata-se de uma idéia, apenas sugerida, mas que procura indicar a fonte da “autonomização da ocupação profissional pela divisão do trabalho” social (a ênfase é de Marx) e seus (d)efeitos ideológicos.
"Cada um considera seu próprio ofício como o verdadeiro [ofício]. Sobre a relação entre seu ofício e a realidade, [os homens] criam ilusões tão mais necessárias quanto mais condicionadas [elas são] pela própria natureza do ofício. As relações [reais] na jurisprudência, [na] política etc. tornam-se conceitos na consciência [dos homens]; e como eles [os homens] não estão acima dessas relações, os conceitos das mesmas tornam-se idéias fixas na sua cabeça; o juiz, por exemplo, aplica o Código, e por isso, para ele, a legislação é tida como o verdadeiro motor ativo [das suas práticas e das práticas sociais]"*.Como interpretar essa passagem?
* Karl Marx e Friedrich Engels, A ideologia alemã (I – Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 1984, p. 133-134, trad. modific.; inserções entre colchetes minhas; grifos meus. A nota foi redigida apenas por Marx.
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4 de junho de 2009
a reeleição e as falácias dos políticos

Mussolini looking through binoculars
on deck of war ship. 1940. Life]
Adriano Codato e
Luiz Domingos Costa
O apoio “popular” à possibilidade do Presidente Lula disputar já no ano que vem mais um mandato e a expectativa, entre alguns políticos da base, de que ele vença facilmente a eleição dá o que pensar.
Há pelo menos dois problemas que se impõem por si mesmos e que podem ser abordados a partir desse episódio: os valores do campo político e as interseções entre o campo político e o campo jornalístico. Porque o assunto é comprido, vamos falar aqui só do primeiro.
Existem três falácias embutidas no argumento a favor do continuísmo. A primeira falácia diz respeito ao “clamor popular”.
O conceito de democracia supõe, evidentemente, que se atenda à vontade dos eleitores. Mas não é apenas isso caracteriza o regime liberal-democrático. Outros elementos são fundamentais na definição e na prática da democracia ocidental. Dentre esses, a alternância no poder e a estabilidade das regras do jogo.
É necessário que um candidato derrotado nas urnas entregue o governo aos seus opositores quando estes forem vencedores. Paralelamente, a oposição tem de acreditar que um governante, na iminência de perder seu mandato nas urnas, não vire a mesa e desfaça o acordo legal e tácito de que o próximo vencedor assume o poder. Este tipo de confiança, fundamental para garantir a alternância no poder, só existe com base na fé de todos na legalidade e na legitimidade das regras do jogo e na continuidade das mesmas.
Por isso, um líder ou um partido que altera as regras do jogo em benefício próprio sabota dois princípios fundamentais da democracia representativa. Isso abala tanto a confiança que a classe política deposita no tipo de jogo (a democracia como o melhor método de seleção de lideranças), como a confiança popular na natureza do jogo (a democracia como um valor político generoso).
Os políticos e os partidos intuem que a chance de ganhar eleições e assumir o poder é uma das principais garantias não só de que continuem disputando, mas que haja disputa (isto é, democracia). Paradoxalmente, a democracia, como bem público, é o resultado indireto do interesse privado dos políticos no sucesso da própria carreira.
A manutenção das regras e a mudança de líderes são fundamentais para assegurar não só a reprodução política dos políticos profissionais, mas a legitimidade do sistema. Bem ou mal, essa é a causa da estabilidade democrática. Ela não é só uma tara jurídica ou uma miragem liberal, mas uma garantia contra eventuais tiranias, populares ou não.
A segunda falácia diz respeito à submissão do tema da reeleição a um plebiscito popular agora. Há aqui um problema menos de forma (o plebiscito como método de consulta) do que de oportunidade.
Plebiscitos, consultas periódicas, mandatos mais curtos, mecanismos mais eficientes de controle sobre os representantes, eleições para postos político-administrativos e judiciários, formas de deliberação alternativas à parlamentar não são práticas estranhas a democracias consolidadas. Nem foram inventadas pelo socialismo bolivariano, como imaginam, escandalizados, os conservadores. Há muitos mecanismos e mecanismos muito diferentes de participação cívica. Nos EUA, em alguns estados elege-se desde magistrados das cortes estaduais até o administrador regional da prefeitura. Na França, o cargo de vereador recebe uma remuneração simbólica (pouco mais de 200 euros), as reuniões são à noite, uma vez por semana e após o trabalho. Os conselheiros municipais se especializam em um assunto apenas e têm de prestar contas das suas decisões, além de ouvir as associações civis envolvidas em cada questão. Por exemplo.
No Brasil, junto com a consolidação democrática consolidou-se a idéia errada na “opinião pública” e naqueles que fazem a opinião pública que democracia é igual a eleições periódicas. E só. E que os mandatos executivos e legislativos são propriedade dos políticos de carreira. O fato de eles usarem essas posições de poder para, na maioria do tempo, investir na própria carreira e o fato dos eleitores se esquecerem em quem votaram em menos de seis meses depois da “festa da democracia” dá bem a medida do caráter limitado do regime democrático entre nós.
Um plebiscito agora e para isso – a emenda da reeleição – é oportunismo. Por que plebiscitos e outras formas de mobilização da opinião pública não são utilizados com mais freqüência? Parece óbvio que os parlamentares que insistem nesse assunto estão preocupados exclusivamente com a manutenção dos privilégios que dispõem: cargos na burocracia do executivo e posições de comando no legislativo. Além das vantagens materiais consideráveis derivadas dessas primeiras.
A terceira falácia diz respeito ainda ao plebiscito popular. Há na proposta também um problema de conteúdo: o “popular” como metro da opinião pública.
Se decidirmos estender os mandatos de cada presidente com alta popularidade no Brasil (de dois para três, de três para quatro etc.), correremos dois riscos. Manter um único presidente por períodos muito longos, experiência que dificilmente dá certo. O segundo risco é transferir o poder de deliberação não para o eleitorado, mas para os institutos que medem e as empresas que divulgam a “popularidade”. Quem já fez pesquisa sabe como pesquisas podem ser feitas. Além de tudo, sempre pode surgir a mesma proposta, só que pelo verso: a destituição de governantes por falta de apoio “popular” ou por baixos índices de aprovação da “opinião pública”. Desnecessário lembrar como a opinião pública é produzida.
Portanto, a emenda da reeleição não tem nada a ver com “popularidade”. Essa manobra oportunista e casuísta só pode surgir de um mundo político que gira em falso, se preocupa demais em legislar sobre suas próprias vantagens e privilégios, e, como confessou um ilustre parlamentar, se lixa para a opinião pública. O distinto público só é chamado a opinar em plebiscitos quando se tem certeza de que o resultado será favorável a tal ou qual facção política.
Assim, o que está em jogo hoje não é responder ao apelo geral de uma fictícia opinião pública, mas aos interesses particulares do campo político. Raciocínio idêntico poderia ser aplicado à “emenda da reeleição” do doutor Fernando Henrique. Que os políticos que apoiaram esta estejam contra a emenda atual não é uma incoerência. É um sintoma da falta de responsabilidade de toda a classe política com os princípios e pressupostos da democracia liberal.
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17 de maio de 2009
partidos e mandatos na América Latina: uma comparação

[Foreign delegates ordering a meal.
William Gropper, 1946]
Camila Tribess (NUSP/UFPR)
Analisando as Constituições Políticas de países da América do Sul e da América Central, incluindo o México, bem como suas leis eleitorais, regulamentos internos dos parlamentos e demais leis sobre partidos e eleições, foram coletados dados de 29 países da América Latina.
Foram excluídas desta pesquisa as ilhas que não são consideradas independentes politicamente ou que, sendo independentes, adotam ainda as Constituições e leis dos países que lhes colonizaram. Assim, se buscou encontrar leis que falem, diretamente ou não, da possibilidade do parlamentar perder seu mandato em caso de mudar de partido ou de infidelidade às diretrizes partidárias.
Todos os países analisados são, por suas Constituições Políticas, democracias pluripartidárias (com a exceção de Cuba, com partido único), com eleições regulares para os mandatos legislativos e executivos. Quase todos são bicamerais, e suas Constituições inspiradas no modelo dos Estados Unidos da América. Os deputados e senadores destes países não podem ser responsabilizados criminalmente por seus votos ou decisões políticas como parlamentares e têm foro privilegiado, não estão sujeitos à prisão sem que sejam julgados pelo próprio parlamento.
Na seqüência apresento as leis coletadas nas Constituições, nos regulamentos nas leis eleitorais de cada país, divididas em alguns grupos que podem facilitar uma visão mais ampla das leis nos países da América Latina.
para ler o trabalho, clique aqui
Este texto é uma parte de uma pesquisa realizada para Inter Parliamentary Union (IPU) e o trabalho foi financiado por este instituto.
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13 de fevereiro de 2009
lançamento: Velhos vermelhos. editora da ufpr

during the 22nd Party Congress.
Moscow, 1961. Howard Sochurek. Life]
[Adriano Codato e Marcio Kieller (orgs.), Velhos vermelhos: história e memória dos dirigentes comunistas no Paraná. para comprar o livro, clique aqui]
leia matéria sobre a obra na Gazeta do Povo aqui
veja a discussão metodológica sobre a concepção do livro aqui
João Quartim de Moraes
A despeito de faltar um estudo pormenorizado, sistematizado e abrangente da bibliografia sobre o comunismo no Brasil (o mais completo que conhecemos está em The Brazilian Communist Party de Ronald Chicote, que data de 1974), não é arriscado dizer que suas dimensões são bastante razoáveis. Se nela incluirmos, além de livros e artigos, as muitas teses defendidas pelo Brasil afora, chegaremos a um acervo considerável, mesmo se adotarmos um critério estrito de classificação, considerando tão somente as obras consagradas exclusiva ou principalmente ao tema.
Boa parte dessa bibliografia compõe-se de escritos produzidos pelos próprios comunistas. Nenhum outro movimento político confere maior importância aos fundamentos teóricos de sua ação. Já em agosto de 1924, pouco mais de dois anos depois da fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), Octávio Brandão, escondendo-se da polícia de Artur Bernardes, havia composto o essencial de Agrarismo e industrialismo, primeira tentativa de explicação marxista da sociedade brasileira. O texto circulou em cópias datilografadas, servindo de subsídio para as teses que Astrojildo Pereira apresentou no II Congresso do PCB (maio de 1925). Em décadas posteriores, ampliando e aprofundando essa iniciativa pioneira, intelectuais comunistas de reconhecida estatura desenvolveram interpretações marxistas da evolução econômica e política brasileira que constituem marcos teóricos decisivos para a compreensão de nossa história.
Compreensivelmente, entretanto, tiveram maior impacto no grande público as obras biográficas e os relatos das muitas lutas que os comunistas travaram e dos trágicos episódios de que foram protagonistas. Décadas de perseguição policial (no mais das vezes acompanhadas das mais torpes e odiosas atrocidades) e de contínua intoxicação mental (há sempre um sicofanta de plantão para tripudiar, por exemplo, a respeito do que a direita chama a “Intentona” de 1935, repetindo mentiras grosseiras a respeito desse trágico episódio), não lograram turvar a imagem de abnegação e heroísmo associada à trajetória do PCB nos períodos mais sombrios de nossa história. Com o fim do “sufoco” ditatorial, eclodiu vasta produção literária, consagrada principalmente à luta contra a ditadura militar, mas evocando também combates de outras gerações: a vida curta, bela e trágica de Olga Benário inspirou um livro e depois um filme de muito sucesso. Até a muito manipulada televisão apresentou vários programas sobre a vida e as lutas de Luís Carlos Prestes.
Velhos vermelhos inscreve-se nessa longa, vasta e multiforme produção cultural apresentando dez entrevistas consagradas à história e à memória dos dirigentes comunistas no Paraná entre 1945 e 1964, conforme esclarece o subtítulo do livro. É de se esperar, dos depoimentos de participantes e protagonistas de um longo combate revolucionário, narrativas penetrantes e comentários esclarecedores. Essa expectativa é largamente satisfeita, mas o livro oferece mais. Os entrevistados são convidados a responder a um bloco de questões, das quais as básicas são retomadas em cada entrevista. Outras variam em função das características da trajetória política de cada qual. O recurso ao questionário, indispensável para aferir com objetividade os traços comuns e as singularidades diferenciais que caracterizam a experiência da militância, é feito com inteligência não somente na escolha e formulação das questões, mas também na liberdade deixada aos entrevistados de desenvolver espontaneamente as respostas. O resultado, enfatizado pelos títulos de capítulos que os editores colocaram no topo de cada entrevista, destacando-lhe pontos fortes, aspectos originais, episódios marcantes, é um documento histórico de qualidade que oferece retratos sem retoques do que significou ser comunista durante o regime instaurado pelo golpe militar que depôs Getúlio Vargas em 1945 e derrubado pela contra-revolução de 1964.
As entrevistas têm por cenário o Paraná, mas cumprem, em suas circunstâncias de tempo e lugar, o estupendo preceito dialético que Tolstoi formulou em seu próprio século e em sua Rússia natal: “se queres ser universal, pinta tua aldeia”. As idéias gerais, em si mesmas, são vazias de conteúdo. Não são, pois, efetivamente universais. É indo ao fundo das próprias circunstâncias, embrenhando-se na espessa trama dos fatos, que podemos conferir uma dimensão universal ao aqui e agora. Tomemos o exemplo da corrupção, sempre atual entre nós. Enquanto idéia geral, ela é muito utilizada pela retórica moralista, que divide os cidadãos em honestos e corruptos, sem analisar as condições sociais que geram a imoralidade pública. Ater-se a essa generalidade, porém, banaliza a questão: são tantos os corruptos! Não é essa a atitude dos velhos vermelhos. Um deles mostra como se concretizou a abominável trapaça por meio da qual o então governador Moyses Lupion, por meio de uma fictícia “dação em pagamento”, fez passar para o nome de uma empresa de fachada da qual ele e um comparsa, um certo José Houp, eram sócios, as chamadas glebas do rio Piquiri, propriedade do estado do Paraná. Essas glebas eram, porém, habitadas e cultivadas há muito tempo por posseiros, que já se haviam mobilizado para obter sua titulação. Lupion fez como se eles não existissem. Criou um cartório a seu serviço e começou a vender títulos de participação. Quando os incautos compradores perceberam que o peculiar empreendimento só existia no papel, foram aconselhados a ressarcir-se “revendendo” aos posseiros as terras que esses, a justo título, consideravam suas... Alguns aceitaram pagar pelo que já era deles; outros resistiram e foram cruelmente atacados pelos jagunços a soldo de Lupion. Na defesa dos camponeses esbulhados, o PCB paranaense honrou seu compromisso com a causa do povo.
A importância decisiva que o movimento comunista, em escala internacional, sempre conferiu à função de organizador coletivo exercida pela imprensa partidária inspira-se no célebre Que fazer? de Lênin. Não se pode levar a sério um partido que pretenda mudar o mundo sem sequer dispor de meios próprios de propaganda (legais ou clandestinos). Formados na escola revolucionária do leninismo, praticamente todos os entrevistados enfatizaram o esforço para manter presente e atuante a palavra do Partido, através das dificuldades materiais (não por acaso o tema principal de uma das entrevistas é o mito do “ouro de Moscou”) e da constante perseguição policial.
Vale enfatizar, enfim, que Velhos vermelhos oferece, num texto ágil, muito bem editado, que mantém aceso o interesse da leitura, não somente importantes subsídios para a história das lutas sociais e do combate revolucionário no Paraná, mas principalmente, um auto-retrato verídico da militância comunista na singularidade de suas circunstâncias concretas e na universalidade de seu projeto político.
10 de fevereiro de 2009
"quem vence?" classes sociais e processo decisório
É sempre possível, e freqüentemente desejável, estabelecer conexões explicativas entre os políticos profissionais e suas organizações partidárias com as bases sociais e com os interesses econômicos que eles exprimem (quando exprimem...), ainda que essa operação não seja nada trivial.
Sérgio Miceli, que procurou atar a análise da origem social e da carreira política/burocrática dos políticos do PSD e da UDN em São Paulo nos anos 1940 às forças sociais e às forças políticas da sociedade paulista, encontrou dois padrões bem distintos entre os grupos dirigentes estaduais.
Conforme a agremiação política, eles podiam ligar-se alternativamente aos setores econômicos voltados para o mercado interno ou externo; podiam ligar-se aos setores empresariais industriais, comerciais ou bancários; podiam estar vinculados às camadas médias; ou mesmo aos setores oriundos da burocracia do Estado (1).
Contudo, o que suas conclusões destacam (ou revelam) é antes uma relação de pertencimento de classe, e não uma relação de representação, quer por delegação, quer por autodelegação.
Problema semelhante a esse das ligações entre representação política e interesse social é aquele que a mera ordenação das informações dos processos decisórios induz.
Quando se estabelece uma seqüência significativa entre a articulação de interesses (na sociedade), a formulação de reivindicações (nas organizações políticas), o processamento de iniciativas (em uma instância burocrática qualquer) e a tomada de decisão (numa arena política) no âmbito de uma política qualquer (econômica, financeira etc.), acredita-se que se pode provar que numa relação hipotética entre "A" e "B"
(i) "A" tem poder sobre "B", porque é efetivamente "A" quem afinal decide (como, por exemplo, no modelo de R. Dahl) (2),
ou
(ii) "B" domina "A" porque "A" enfim sempre decide em nome de "B", a favor de "B", a mando de "B" etc., ainda que isso só seja verificável “em termos gerais”, “a longo prazo” etc. (como na formulação dos marxistas: e.g., N. Poulantzas) (3).
G. W. Domhoff propôs, há um bom tempo, uma solução de compromisso entre esses dois métodos, que dizem respeito a quem governa e a quem se beneficia das políticas do governo, acrescentando a essas questões mais uma pergunta: quem vence?
“Quem vence” implica saber quem, em situações de confronto sobre o conteúdo ou a direção de uma dada política, pode efetivamente iniciar, modificar ou vetar uma decisão (4).
Veja o site do professor Domhoff, da Universidade da California, aqui.
Notas:
1. Ver Sergio Miceli, Carne e osso da elite política brasileira pós-1930. In: Fausto, Boris (org.), História geral da civilização brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 3º. vol. Sociedade e Política (1930-1964). 5ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991, p. 557-597.
2. Cf. Robert Dahl, Who Governs? Democracy and Power in an American City. New Haven, Yale University Press, 1961
3. Cf. Nicos Poulantzas, The Problem of the Capitalist State. New Left Review, n. 58, p. 67-78, Nov.-Dec. 1969.
4. Veja G. William Domhoff, Who Rules America Now? New York: Touchstone, 1983, p. 12-13. .
22 de novembro de 2008
A elite da política paranaense: composição, lógicas de recrutamento e valores democráticos

[Kazimir Malevitch]
resenha
Perissinotto, Renato et alii. Quem Governa? Um estudo das elites políticas do Paraná. Curitiba: UFPR, 2007.
Revista de Sociologia e Política, Curitiba-PR, n. 31. 2009. (Resenha bibliográfica), no prelo.
por
Camila Lameirão
O regime democrático, segundo Giovanni Sartori (1994), produz minorias, no plural, que executam funções de liderança e direção no sistema político. Assim, a idéia de que uma sociedade democrática é governada por um único grupo coeso, como supunha Wright Mills (1981) em sua análise sobre a elite norte-americana, não pode ser comprovada. Empiricamente, na visão de Sartori, “as democracias são caracterizadas pela difusão do poder”, em que diversos grupos, antagônicos ou não, através de procedimentos de seleção e escolha, podem alcançar capacidade de mando. De acordo com o autor italiano, a democracia pode ser descrita como um “modelo de liderança de minorias caracterizado pela multiplicidade de grupos de poder entrecruzados e envolvidos em manobras de coalizão” (1994, p. 203).
Comumente, atribui-se a essas minorias, que exercem alguma função ou cargo político, a
denominação de elite. Para ser melhor examinado, cumpre destacar que o termo elite envolve duas dimensões, uma conceitual e outra empírica. O plano conceitual refere-se à definição do que é a elite, suas características e identificação, definindo-a em uma estrutura e/ou tipologia. Quanto à dimensão empírica, consiste em verificar quem é a elite, isto é, se existe realmente e quem tem o controle do quê. Acima de tudo, essa dimensão é fundamental para mostrar qual elite existe e se está de acordo com a definição conceitualmente estabelecida. Neste sentido, ter a noção de quem é a elite política é uma tarefa imprescindível para saber quais elites compõem uma dada democracia e quão democrático é um regime.
No Brasil, pouco a pouco estudos sobre a dimensão empírica das elites têm ganhado espaço,
posto que desde a redemocratização em 1985, vêm surgindo no campo das ciências sociais algumas pesquisas e análises sobre o perfil e a composição dos grupos que integram instituições como a Assembléia Constituinte (Rodrigues, 1987), a Câmara dos Deputados (Coradini, 2007; Miguel, 2003; Rodrigues, 2002; Santos, 1997), ministérios e agências do governo federal (D’Araujo, 2007; Olivieri, 2007; Loureiro et al, 1998a e 1998b), partidos políticos (Amaral, 2007; Meneguello, 1989; Rodrigues, 1989), entre outras. A partir desses estudos vem sendo possível identificar e conhecer parte da elite do país. Entretanto, tais trabalhos constituem-se um esforço analítico ainda incipiente nas ciências sociais, posto que sua consolidação em um campo de pesquisa de destaque em congressos acadêmicos e produções bibliográficas parece, por ora, restrita, apesar de na área da ciência política esse ramo vir avançando consideravelmente nos últimos anos.
A publicação do livro Quem Governa? sob a coordenação de Renato Perissinotto, Adriano Codato, Mario Fuks e Sérgio Braga constitui-se uma contribuição de peso e um marco relevante para essa linha de pesquisa em via de consolidação, na medida em que é um esforço de análise de três diferentes elites que compõem o sistema político brasileiro: a elite político-administrativa, a parlamentar e a partidária, além de ter como objeto um governo subnacional, o do estado do Paraná. Esse último ponto merece ser destacado já que se constitui uma iniciativa valorosa em meio a um campo de pesquisa em que predominam trabalhos focados no âmbito federal. Como se vê nas referências bibliográficas apontadas acima, o estudo sobre as elites políticas, tanto do poder Legislativo como do Executivo, concentra-se na esfera de governo federal.
[para baixar e ler a resenha completa, clique aqui]
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21 de novembro de 2008
I Workshop do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira – NUSP/UFPR

[clique aqui para o programa completo]
[os papers podem ser baixados aqui]
O workshop será realizado nos dias 9 e 10 de dezembro de 2008 no ANF 900 do prédio Dom Pedro I, da UFPR.
Esta iniciativa é um primeiro esforço de divulgar, em âmbito local, a produção que é realizada no NUSP, permitindo um maior debate das hipóteses, fontes, dados e interpretações produzidas pelas investigações dos pesquisadores.
O Workshop visa dar voz crítica a terceiros, envolvidos ou não no meio acadêmico, fazendo com que as produções do NUSP se fortaleçam e que se crie um espaço de discussões e maior vínculo entre sociedade e universidade.
9 e 10 de dezembro
ANF 900
UFPR
Ed. Dom Pedro I
[Kazimir Malevitch]
19 de novembro de 2008
a formação do campo político profissional no Brasil: uma hipótese a partir do caso de São Paulo

Rev. Sociol. Polit. [online]. 2008, vol. 16, no. 30, pp. 89-105.
[clique no link para ler o artigo]
A partir do exame das propriedades sociais e das características políticas ocupacionais dos representantes da bancada de São Paulo na Assembléia Nacional Constituinte de 1946, o artigo constata que houve uma mudança importante no perfil dessa elite. Os dados sugerem que a variação dos atributos da classe política paulista ocorre durante o Estado Novo (1937-1945) e, hipótese a ser confirmada, por causa do Estado Novo. À primeira vista, a alteração do perfil da elite é resultado de duas transformações sucessivas: primeiramente, nas condições de competição política, fato que tem impacto direto sobre os critérios de recrutamento; em seguida, na estrutura e nos mecanismos de recrutamento, graças ao rearranjo dos aparelhos burocráticos do Estado. Essas variáveis institucionais não esclarecem, contudo, como o 'bacharel' substituiu tanto o 'coronel' quanto o 'oligarca' como figura dominante na política estadual. Conclui-se que uma hipótese para explicar a peculiaridade da reforma dos contornos da elite não pode prescindir de uma análise histórica, onde variáveis contextuais jogam um papel decisivo.
[foto: Brasília, construção do Congresso Nacional]
Palavras-chave : elite política; profissionalização política; Estado Novo; São Paulo; Getúlio Vargas.
7 de outubro de 2008
O voto de legenda nas eleições de Curitiba
UFPR / UEPG
Gostaria de chamar a atenção para um detalhe dessa eleição, que por ser técnico não interessa muito à mídia, mas que para nós pesquisadores e cidadãos tem relevância.
Já que a eleição para prefeito está resolvida, vamos voltar a atenção à disputa para vereador.
Primeira informação: em Curitiba houve uma renovação razoável, de 18 cadeiras.
Além disso, os dados sobre voto de legenda parecem apontar um problema no nosso sistema de votação (quero, antes de mais nada dizer que isso não tem nenhuma relação com a teoria da conspiração).
O PSDB fez, em 2008, mais de 7% de votos de legenda para a Câmara de vereadores de Curitiba. Isso significa quase 50 mil votos. Considerando que o quociente eleitoral foi de 25 mil votos na cidade por vaga, isso representa quase duas cadeiras só de votos de legenda. Bem, o problema número um é que nunca o PSDB tinha chegado perto desse percentual. Em 2004 ele fez 2,3% de votos de legenda e em 2000 tinha ficado com 0,9% de votos de legenda. Ou seja, digamos que ele esteja crescendo e, seguindo a lógica, teríamos dentro da normalidade cerca de 4,5% de votos de legenda para o PSDB este ano. A diferença, de 3%, representa na pior das hipóteses uma cadeira a mais para o PSDB e uma a menos para outro partido. Até aqui tudo bem, caso não houvesse uma forte indicação de que esse crescimento tenha sido provocado por erro na votação, ou seja, é artificial.
Nossas urnas, por força de lei, estão programadas para receber primeiro votos para o Legislativo, no caso, vereador, e depois para o Executivo, no caso prefeito. Mas, essa não é a lógica do cidadão brasileiro, que considera o Executivo mais importante que o Legislativo (não sem razão, diga-se de passagem). Então, o eleitor pouco informado chega na urna e digita primeiro o voto para prefeito, como ele acha ser correto, e confirma. O que ele fez? votou na legenda para
vereador. Depois, vai tentar votar para vereador, mas a urna só apresenta espaço para dois dígitos. Está feita a confusão e não dá para voltar atrás.
Quem trabalhou nessa eleição relata diversas ocorrências desse tipo, em especial de eleitores mais idosos. Isso torna-se mais evidente em casos como o de Curitiba, onde um candidato a prefeito teve muito mais votos que os demais, refletindo no crescimento artificial do voto de legenda para vereador.
Enfim, creio estarmos diante de um problema duplo.
Primeiro, problema para democracia, pois distorce a vontade do eleitor. Pode parecer pouco, mas 5% a mais de votos na legenda de um partido garante até mais duas cadeiras na câmara. Segundo, problema para os pesquisadores porque não podemos mais considerar o voto de legenda como um indicador indireto de preferência/simpatia por determinado partido.
É visível, pelos primeiros resultados, o crescimento de votos de legenda para vereador em partidos de candidato a prefeito com altos índices de votação. O mesmo aconteceu em Maringá, onde o PP teve o maior percentual de votos de legenda. Historicamente, o PT que sempre foi campeão de votos de legenda para os legislativos perdeu espaço nessas eleições - o que faz pouco sentido, considerando que o eleitor de legenda é mais estável e constituído ideologicamente.
Acho essa distorção muito grave. Vejo duas soluções: o TSE pode investir mais, na próximas eleições, em campanha educativa de fato ao invés de campanha publicitária com mulher grávida que pede para não votar em corruptos; ou os nossos deputados federais, responsáveis pela legislação ordinária, podem deixar de ser mais realistas que o rei e reconhecerem que o eleitor brasileiro vota
primeiro no Executivo e depois no Legislativo, alterando a legislação e invertendo a ordem nas próximas disputas. Só assim aprimoraremos nosso sistema de recepção de votos, que já é bom, mas apresenta algumas falhas.
6 de outubro de 2008
REPÚDIO: qual Curitiba foi às urnas ontem?
“Não sei ao certo se a sensacional reeleição de Beto Richa significa a satisfação do eleitorado curitibano, se essa satisfação supera ou reafirma o lernismo, e tampouco se a reeleição se apóia no carisma personalista do re-eleito.
Mais uma vez, o imaginário homofóbico dos curitibanos ganhou disparado nas urnas. Não é apenas a violência dos policiais que assusta, mas, sobretudo, o tom fascista das opiniões ali veiculadas. Na contramão do todo nacional, a Curitiba higienizada se mantém firme na liderança de um conservadorismo banhado a leitE quentE.
Em tempo,
http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidapublica/conteudo.phtml?tl=1&id=811787&tit=Me-destruiram
JOSE E. SZWAKO”
3 de outubro de 2008
Que Curitiba sairá das urnas no domingo?

Personalities, 1950.
Mark Kauffman]
Sexta-feira, 03/10/2008
Emerson Urizzi Cervi
Para responder objetivamente à pergunta do título, pode-se afirmar que em se concretizando as previsões das pesquisas, o próximo domingo deve produzir um recordista de votos da cidade, pelo menos desde o período da redemocratização. Beto Richa, candidato à reeleição, pode terminar a campanha com cerca de dois terços dos votos válidos, fato inédito por aqui desde 1985, quando as capitais de estado voltaram a ter eleição direta para prefeito. Isso, claro, se o eleitor não decidir mudar o voto na última hora.
Apenas para lembrar, em 1985 Roberto Requião foi eleito prefeito de Curitiba com 45% dos votos válidos; em 1988, Jaime Lerner elegeu-se com 57%; em 1992, Rafael Greca obteve 52%; em 1996, Cassio Taniguchi fez 54% e em 2000 obteve 44% dos votos válidos no primeiro turno. Em 2004, Richa ficou com 35% dos votos válidos em Curitiba no primeiro turno.
Dois elementos chamam a atenção na comparação de eleições anteriores com a atual. O primeiro é que se Beto Richa concretizar o desempenho previsto pelas pesquisas, praticamente dobrará o porcentual de votos obtidos no primeiro turno de 2004. O segundo é que pela primeira vez existem chances reais de um candidato a prefeito de Curitiba ultrapassar a votação obtida por um ícone recente da administração local – Jaime Lerner. Se acontecer, teremos um indicador material – além da retórica dos grupos políticos – apontando para um processo de substituição do perfil tecnocrático lernerista na preferência dos eleitores, porém, sem se identificar com o discurso populista do requianismo.
Estaremos no limiar de um perfil de liderança política em Curitiba que alia o argumento técnico à participação relativa do “povo” no processo de tomada das decisões públicas. Mas o que explica tal mudança de preferência quanto ao perfil da elite política? Creio que a explicação não está na elite. A diferença no número de eleitores no período mostra isso. Em 1988, na eleição de Jaime Lerner com 57% de preferência, votaram em Curitiba cerca de 600 mil eleitores. No próximo domingo, teremos cerca de 1 milhão de votos válidos na cidade: em duas décadas praticamente dobramos o número de participantes das votações, algo que tem conseqüência no perfil, no imaginário e nas demandas do eleitor. Portanto, é legítimo que as características da elite política reproduzam a nova realidade.
Mais importante neste momento é tentar apontar as motivações para o crescimento tão significativo da preferência eleitoral por Beto Richa nos últimos quatro anos. Um erro comum em candidatos que alcançam grandes porcentuais de aceitação é julgar que o resultado deve-se exclusivamente a atos administrativos e/ou decisões políticas. O processo de decisão do voto sempre é comparativo; nunca absoluto. Ou seja, o eleitor decide votar em um candidato após compará-lo com as demais opções, o que significa que votar em alguém depende também da não-escolha dos demais – em especial nas disputas majoritárias. Nesse sentido, o perfil dos opositores a Beto Richa na disputa, às vezes muito próximo dele (neste caso, pensa o eleitor, para que mudar?) e às vezes muito distante das demandas que realmente interferem na decisão do voto, explica em grande parte o desempenho do atual prefeito.
O professor Morris Fiorina tentou sintetizar o processo de decisão de voto ao se considerar a experiência mais recente na avaliação geral (chamado de voto retrospectivo) com a seguinte frase: o eleitor olha para todas as alternativas e pergunta: “O que você andou fazendo por mim nos últimos tempos?” Diante desse questionamento, as posturas da atual administração e das oposições recentes em Curitiba ajudam a explicar.
O grupo político de Beto Richa começou a construir o desempenho eleitoral de agora há cerca de dois anos, quando um dos principais partidos de oposição na cidade, o PMDB, ficou sem bancada na Câmara Municipal. Os quatro vereadores peemedebistas eleitos em 2004, que deveriam fazer oposição à administração local, migraram para partidos da base do governo. A ineficiência de oposição durante o mandato fez com que muitas críticas surgidas na campanha fossem desacreditadas pelo eleitor comum.
Outra medida política com importantes efeitos no desempenho eleitoral de Beto Richa foi a “neutralização” do PPS de Rubens Bueno que, ao abrir mão de lançar candidato próprio em 2008, gerou condições necessárias para uma disputa polarizada – o que quase sempre favorece governos bem avaliados. O partido que também deveria fazer oposição ao governo municipal, PT, preferiu dirigir energias à defesa do governo Lula, tentando vincular líderes locais à forte aceitação do presidente da República. Estratégia legítima, porém válida apenas em disputas municipais federalizadas. Nas eleições dominadas por temas locais – creches, metrô, transporte coletivo –, o impacto eleitoral da proximidade ao presidente da República tende a ser baixo.
Chegamos, assim, ao cenário em que o atual prefeito tem ampla vantagem na preferência dos eleitores pela quase ausência de oposição ao longo de todo o governo e, em conseqüência, por falta de legitimidade da oposição na própria campanha. Há grande chance de experimentarmos um resultado inédito para a cidade, porém, que não pode ser creditado exclusivamente às qualidades dos tucanos locais, sob pena de simplificarmos explicações que devem ultrapassar o período eleitoral. Mais relevante neste momento é tentar identificar até que ponto a mudança de perfil na preferência do eleitor será consistente ao longo do tempo.
Emerson Urizzi Cervi, cientista político, é pesquisador na UFPR.
1 de outubro de 2008
Os candidatos e suas agendas

Em eleições onde não há polarização ideológica efetiva (esquerda x direita, por exemplo), é difícil distinguir propostas e candidatos. Tudo é muito, muito parecido. Via de regra, um postulante assume a agenda de governo do outro, só que numa versão melhorada, segundo eles mesmos.
Para desenredar essa trama, é preciso olhar o panorama não em função das campanhas atuais, mas a partir da história eleitoral recente. Desse ponto de vista, percebem-se mudanças importantes, (des)continuidades, momentos críticos onde foi útil incorporar o assunto e o perfil dos adversários. Relacionar grupos/partidos e discursos/agendas é um bom exercício para pensar como e por que, em Curitiba, estamos diante de políticos cada vez mais semelhantes e que, curiosamente, lutam para ficar cada vez mais idênticos.
Após anos de supremacia de Lerner e sua confraria à frente da prefeitura de Curitiba, o discurso da racionalidade técnica e da competência administrativa foi desafiado, na eleição de 2000, pelo slogan “a cidade quer ser gente”, inventado pela campanha de Ângelo Vanhoni, do PT. Menos a frase e mais o que ela prometia – uma administração “humana”, isto é, voltada para o bem-estar das “pessoas” – foi responsável pela mais severa contestação da aliança política que, com os devidos ajustes, ocupa hoje a prefeitura. Cassio Taniguchi (PFL) disputou o segundo turno correndo sério risco de perder a eleição para um partido relativamente pequeno e para um desafiante até então pouco conhecido.
Com o crescimento do PT na cidade (em 2000, elegeu seis vereadores, a segunda maior bancada na Câmara Municipal) e a entronização de Vanhoni como alternativa eleitoral viável, a assessoria de Beto Richa cunhou, para a eleição de 2004, o slogan “a cidade da gente”, em clara alusão ao lema petista anterior. Deixando de lado sua conotação bairrista, que estigmatizava os demais candidatos e partidos como estrangeiros, no limite intrometidos e, portanto, indesejáveis, o fraseado pretendia incorporar, no plano discursivo, um assunto até então ausente nas campanhas dessa turma: a assistência social. Aparentemente, o cardápio de idéias da gestão lernista estava esgotado e a elite no poder viu-se impelida a adicionar à imagem tradicional – uma administração técnica, racional, voltada para a construção de uma cidade-modelo a partir das diretrizes científicas do planejamento urbano – a preocupação com “o social”. A estampa de Richa como engenheiro civil, ainda presente e sempre muito útil, mesclou-se à do político. Herdeiro da mitologia recém-edificada em nome do pai, ele pôde, como pode agora, apresentar-se não como mais um “técnico”, mas como o “ético”. Não era precisamente o PT que pretendia ter o monopólio nessa área?
Em Curitiba, a tecnocracia (seja o grupo político, seja a idéia política) já foi bem mais forte. Em 2008, ela é muitíssimo menos valorizada eleitoralmente. Nenhum candidato, todavia, pode abrir mão de proclamar o cuidado com o ordenamento e o desenvolvimento urbano da cidade. Trata-se de um valor local enraizado. Por outro lado, a questão social entrou de fato na agenda pública municipal. Essa foi, possivelmente, a principal mudança no plano das idéias e dos discursos.
Não é preciso acompanhar todos os programas eleitorais para perceber que a ênfase dos dois principais candidatos sobre esse ponto produziu um curto-circuito tanto na imagem como na mensagem do PT. Até por isso, a figura maternal de Gleisi Hoffmann, prometendo “cuidar das pessoas”, nada menos é do que a radicalização um tanto piegas daquela disposição assistencial, e teve de ser complementada pela exibição (e exaltação) do seu currículo profissional: técnica em orçamento público, especialista em finanças, secretária de governo etc. O drama é que nos últimos quatro anos seu oponente incorporou, de forma bem mais pragmática, essa inclinação para as questões sociais, sem abrir mão do figurino circunspecto de administrador.
Esse é um exemplo muito simplório de como ideologias, plataformas e programas partidários acabam se mesclando. Em função do apelo eleitoral, candidatos tendem a mudar de posição, ajustar discursos e compartilhar agendas. Em certas eleições, as diferenças estão muito bem dispostas diante do eleitor. Em outras, nem tanto. Procurar as origens dessa miscigenação é importante para desembaralhar o cenário político. Promover todos os assuntos, assumir o estereótipo mais rentável e ostentar quaisquer bandeiras parece ser em todo o lugar a lógica subjacente às estratégias dos candidatos, mesmo que isso possa minar a identidade dos partidos. Movimento perigoso, já que depende da dose. Ela oscila entre o que uma agremiação pretende incorporar e aquilo de que não pode abrir mão. Recuar um pouco no tempo para atentar não só para diferenças, mas para como as distinções foram se borrando e as propostas perdendo substância pode ser um antídoto para esse sintoma da política contemporânea.
Luiz Domingos Costa (ldomingosc@uol.com.br) é editor do Blog de Análise de Conjuntura Política da UFPR (http://gac-nusp-conjuntura.blogspot.com).
Adriano Codato (adriano@ufpr.br) é professor de Ciência Política na UFPR.
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23 de setembro de 2008
Entrevista - eleições municipais e política contemporânea

jornal do SINDITEST-PR
ano 17 / n° 06 / setembro . 2008
Desde que se tornou possível a reeleição para cargos eletivos, notamos pelo Brasil afora que a imensa maioria dos candidatos ganha um segundo mandato. De forma geral, o que essa baixa renovação mostra e quais as conseqüências disso para a democracia brasileira?
O cientista político Antonio Lassance, da Universidade de Brasília, analisou dados relativos às eleições para prefeito de 1996, 2000 e 2004 em todos os municípios brasileiros. Ele constatou uma taxa de reeleição de 64%. As dimensões desta 'não-renovação' são positivas ou negativas, dependendo do ponto de vista que se olhe. Pode ser que determinadas agendas com apoio popular sejam implementadas por governos que são, depois, premiados com novo mandato. Por outro lado, pode ser apenas que os governos façam uso dos recursos à disposição (a 'máquina pública') para conquistar votos de forma nem sempre limpa. Entretanto, estas são duas visões extremadas. A questão principal seria a seguinte: é preciso definir de uma vez por todas uma regra, assumi-la e mantê-la. Esse vai-e-vem de regras e princípios eleitorais acaba sabotando a consolidação de certo padrão de competição política, e isto é ruim para a democracia liberal, que depende de tempo e rotina para se enraizar.
Sabemos que um tema muito discutido atualmente é o financiamento público de campanha. Que relação se estabelece entre as candidaturas majoritárias (prefeito) e proporcionais (vereadores) e a "elite dominante" nas eleições? De que forma essa relação pode influenciar o perfil dos mandatos na prefeitura e na Câmara?
Há várias questões sobrepostas aqui. Vamos separá-las. Sobre financiamento público tenho mais dúvidas que certezas, mesmo porque quando se cogita a idéia, nunca se sabe que modelo será adotado. Se por um lado o financiamento público poderia (enfatizo: poderia) trazer mais equilíbrio entre os competidores, por outro penso que o cientista político Leôncio Martins Rodrigues tem razão em perguntar: por que, afinal de contas, nós, os eleitores, devemos gastar mais dinheiro ainda para viabilizar um empreendimento político que não concordamos? Talvez uma saída fosse criar uma cultura de doações voluntárias, pessoais. O ponto principal seria a transparência. Os eleitores deveriam poder acompanhar em tempo real quem doou quanto para que candidato. Alguém lê prestação de contas na justiça eleitoral? Aliás, alguém acredita que esses números sejam fiéis à realidade?
Qual a relação entre a elite dirigente em Curitiba e a elite dirigente nacional? Existem mais regularidades ou mais diferenças nas suas ações quando se trata das políticas públicas?
Diferenças, sem dúvida. O PT representa certa novidade na política brasileira, responsável pela inclusão (na burocracia federal) de setores sociais e políticos distintos daqueles convencionalmente observados na história política do país: maior presença de sindicalistas, profissionais do magistério superior, profissionais ligados às “novas questões sociais” como ONGs ambientalistas e movimentos das minorias (negros, índios, mulheres etc.). Por sua forma de militância e inserção nas organizações políticas, defendem determinadas posições mais ligadas a estas posições 'de classe', embora o núcleo do governo acabe por reproduzir posições tradicionalmente atribuídas ao pólo da direita ou do centro (melhor seria dizer “liberais”, como a política econômica). Em Curitiba isto não se deu. Embora o PT tenha representação na Câmara Municipal e participe do governo estadual, nunca chegou a conquistar o Executivo municipal e isso é crucial, já que Curitiba nunca experimentou uma administração destes líderes com perfis políticos e ideológicos distintos. Menciono o PT porque é, ao lado do PSDB, a maior força eleitoral do país e o principal desafiante à candidatura de Beto Richa.
Como tem se portado o legislativo em Curitiba diante da prefeitura Municipal?
Em termos gerais, a Câmara Municipal de Curitiba atua conforme a lógica dos legislativos no Brasil (inclusive no plano federal e estadual). Como não há estudos empíricos sobre o legislativo municipal da capital, falo como observador: o Prefeito coopta o maior número possível de vereadores ou para seu partido, ou para a base de apoio. Essa é uma via de mão dupla: a maioria da Casa oferece apoio à administração municipal em troca de recursos político-eleitorais (a construção de escola, creche, posto de saúde etc.). A possibilidade de propor leis da Câmara Municipal é reduzida e os projetos são muito localizados ou dedicados a assuntos pontuais, quando não completamente irrelevantes (nomes de ruas, homenagens etc.). Em algumas situações (raríssimas), a Câmara pode utilizar seu poder de veto diante das políticas do Executivo, forçando-o a negociar. Essa é a base para arranjos e concessões de alguns benefícios (pessoais ou não) e do incremento dos recursos para obras político-eleitorais.
Nessas eleições o discurso da tecnocracia ganhou mais peso, inclusive nos discursos oficiais, como do TSE, que reforça em propagadas oficiais na TV a necessidade do candidato ter um perfil de administrador experiente, de ser um tecnocrata. Qual o peso desse fenômeno na política municipal?
Um “tecnocrata” é um profissional que se distingue mais por seus méritos técnicos ou pessoais do que pelo tamanho do currículo político. Em geral, tecnocratas se afirmam como apolíticos, ou dotados de certa neutralidade em relação a certas posições políticas (esquerda, direita, reformista, socialista, conservador), preferindo ressaltar, ao invés de ideologias ou um vago “compromisso popular”, sua competência acadêmica,técnica, profissional. Numa campanha, há candidatos que apelam mais para um aspecto de sua biografia do que outro. Há aqueles que procuram mesclar sua dupla capacitação: tanto técnica, quanto política, enfatizando a passagem por partidos, postos legislativos, cargos políticos por nomeação. No caso de Curitiba, a tecnocracia (seja o grupo político, seja a idéia política) já foi bem mais forte, mas ainda persiste. Lembremos da figura emblemática de Jaime Lerner. Hoje, Beto Richa não precisa mais se afirmar como engenheiro civil, mas precisou em 2004, para afirmar que iria saber conduzir as obras que Curitiba precisava. Hoje, não pode deixar de lembrar que era filho de José Richa, que tinha a política (a boa política herdada do pai) no sangue. Moreira associa sempre melhorias na saúde à sua condição de médico capacitado (“diretor do Hospital de Clínicas”) e enaltece o fato de ser um “professor”: só um professor sabe cuidar da educação etc. Essas coisas que qualquer um fala em toda eleição. Ao mesmo tempo, faz questão de lembrar que é o candidato do governador Requião. O importante é que, observe, são maneiras de mesclar atributos individuais com heranças políticas para seduzir eleitores, ou de uma maneira, ou de outra. Trata-se, contudo, de uma publicidade muito menos enfática do que aquela que celebrava a racionalidade e a competência para cuidar de Curitiba. De toda forma há ainda resquícios deste tipo de marketing eleitoral porque, parece, o eleitor gosta de acreditar nisso.