artigo recomendado
23 de fevereiro de 2011
sociografia da bancada de deputados do pr (2011-2014)
22 de outubro de 2010
“Fui absolvido pelas urnas”
1999. José Bassit.
A sentença santificada das urnas
“Fui absolvido pelas urnas”. A frase, declamada pelos políticos que foram denunciados pelo Ministério Público por improbidade administrativa e que conseguiram gloriosamente reeleger-se no último dia 3, dá o que pensar. Apesar de todas as reportagens, depois de tantas matérias, logo quando se procurou incentivar o voto consciente e informado, por que isso acontece e acontece assim?
Comentaristas de noitadas eleitorais na TV, oráculos de revistas semanais e profetas de rádio jornal tendem a concordar em um ponto: o povo, infelizmente, ainda não sabe votar direito. Por mais que ensinemos. Ora se menciona o abominável incentivo do clientelismo (bolsa-família e outras pragas “assistencialistas”), ora se discute a inextinguível capacidade de manipulação dos políticos diante dos seus fiéis. A terminologia varia de veículo para veículo, mas o sistema de razões acaba sempre voltando ao mesmo ponto. Os reeleitos, por sua vez, acham essas lições irrelevantes. E, de boa ou má-fé, realmente acreditam que a voz do povo é a voz de Deus e da sua infinita capacidade de perdoar.
Para tentarmos entender esse fenômeno, eu arriscaria duas hipóteses. Hipóteses são, recordem-se, conjecturas, suposições, enfim, palpites sobre que fatores poderiam esclarecer um problema. A ordem em que os fatores explicativos são apresentados aqui não tem necessariamente a ver com a importância que eles assumiriam na realidade. Uma compreensão menos apressada e menos improvisada das causas da recondução de políticos que estiveram por semanas na pauta dos jornais exigiria, talvez, uma pesquisa caso a caso.
Em primeiro lugar é preciso considerar que os critérios de julgamento dos eleitores são muito variados. E que todos eles são igualmente legítimos (já que há a tentação em achar os nossos mais sábios, mais ponderados, mais racionais).
Pode-se avaliar um político por seus compromissos com causas, programas e ideias. Simplificando, esse seria o “voto ideológico”. Ele tem a ver com visões de mundo. Por comodidade incluímos aqui o “voto ético”, ou seja, aquele que se preocupa com a honestidade, a honradez do representante. Em geral, essas duas orientações aparecem juntas sob um rótulo um tanto pomposo: “voto consciente”. O voto consciente é orientado pelo que na literatura de Ciência Política chamamos de valores pós-materialistas: a preocupação com níveis de corrupção, a preservação do meio ambiente, os direitos das mulheres, a necessidade de aumentar o envolvimento dos cidadãos nas decisões do governo, etc. Esses valores alimentam uma taxa considerável de participação política e uma expressiva capacidade de reflexão e crítica por parte dos membros da comunidade. Eles são típicos de sociedades onde os níveis de desenvolvimento econômico são altos.
Por outro lado, pode-se avaliar um político por sua capacidade de trazer ou não benefícios públicos para sua base. Por oposição, esse seria o “voto pragmático”. O candidato é medido em função do seu potencial de realizações. Isso vale tanto para o seu desempenho no passado (“obras”) como para a expectativa depositada nas suas ações no futuro (“promessas”). A escolha eleitoral é guiada aqui por valores materialistas: renda, emprego, segurança, inflação, etc. Simplificando, este seria o voto mais racional. O eleitor é capaz de distinguir seus interesses e, em razão disso, recomendar o candidato que pareça bancar melhor seus objetivos concretos: uma escola, uma creche, um ônibus escolar.
Pois bem. Pesquisa recente do cientista político Emerson Cervi, da UFPR, demonstrou que a taxa de sucesso na reeleição de um político da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) está diretamente ligada ao seu comprometimento em obter recursos junto ao executivo estadual para realizar políticas no seu reduto eleitoral. Quanto mais localizada sua produção legislativa, maiores seus percentuais de votos regionalizados e, assim, mais seguras são as chances de ser reconduzido ao cargo. (O fato de o candidato a deputado estadual mais votado ter sido um dos personagens do drama de escândalos da ALEP coloca não um, mas dois problemas a serem investigados: por que ele foi tão bem votado; e por que, apesar das denúncias, ele foi tão bem votado).
A segunda hipótese que eu formularia para entender o baixo impacto eleitoral da série de reportagens da RPC/Gazeta do Povo sobre os “diários secretos” com nomeações de funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa, e mesmo da repercussão muito localizada (no tempo e no espaço) do movimento “O Paraná que Queremos” contra o esquema de desvio de recursos envolvendo diretores e deputados, tem a ver com a confusão entre oferta de informação e habilidade para processá-la.
Salvo engano, nunca antes na história deste estado uma investigação jornalística foi tão insistente e tão eficiente. Tão profissional e tão pedagógica. É natural então que os setorialistas de política se perguntem o que deu errado (ou melhor, porque não teve enfim os resultados que se esperava).
É preciso atentar que o percentual bastante alto de oferta de informação política esbarra em duas dificuldades. O custo para ter acesso a essa informação e o aparato indispensável para entendê-la, ou o que o cientista político A. Downs chama de “conhecimento contextual” (que não tem nada a ver com cultura formal).
Tomar decisões eficientes (no caso, votar “bem”) não é uma questão de vontade. É preciso estar informado, isto é, possuir dados atualizados sobre os fatores que influenciam determinados processos, casos, acontecimentos; e é preciso pôr essa informação no seu devido contexto, isto é, interpretá-la. Essa interpretação está ligada à capacidade do eleitor em estabelecer relações causais (“isso determina aquilo”). Informação sem conhecimento contextual é praticamente inútil – tanto é que posso ser muito bem informado sem entender realmente nada.
Tanto a obtenção de conhecimento contextual quanto de informação objetiva tem um custo bastante elevado em termos econômicos e em termos de tempo despendido (é preciso ter tempo para escrever este artigo e tempo para lê-lo). Por isso eles não estão disponíveis de maneira idêntica a todos. Essa assimetria faz com que a capacidade de julgar politicamente os políticos fique comprometida. (Se eles são culpados ou não é uma questão da Justiça).
Conclusão: possivelmente as duas explicações contribuem para perceber porque os personagens comprometidos com os escândalos da Assembleia saíram politicamente intactos das últimas eleições. Falta determinar o peso de cada uma dessas explicações ou, caso queira, matutar outras tantas hipóteses para resolver esse problema. Só assim, creio, podemos passar do “absolver” para o “entender”.
Adriano Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná.
[versão editada
aqui]
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14 de setembro de 2009
A história social e intelectual do Paraná

Colônia Thomas Coelho,
1988. João Urban. Pirelli/MASP]
Marcio Oliveira
José Swakzo
Ensaios de sociologia e história intelectual do Paraná. Editora da UFPR, 2009.
A história social e intelectual do Paraná ainda está por ser escrita. Esta obra tem consciência disso.
Para contribuir com o esforço de “contar” essa história, é necessário um esforço amplo e crítico em torno dos termos história intelectual, sociologia do campo intelectual, assim como Paraná, estabelecendo, dentro de um processo de longo prazo, conexões entre tais termos.
O conjunto de ensaios aqui reunidos contribui para pensar as partes dessa equação (história, sociologia intelectual e Paraná) sem, necessariamente, pretender uma síntese entre elas. Olhando para as transformações históricas das estruturas regionais e locais, o objetivo perseguido foi o de pensar a multiplicidade concreta das formas assumidas pela relação entre o Paraná, sua vida intelectual e sua história social.
Em torno desse objetivo, dois pressupostos e uma constatação conduziram à seleção e à organização dos temas.
O primeiro pressuposto diz respeito às concepções tanto de história intelectual quanto de intelectual. Menos que apresentar um compêndio histórico-institucional sobre a atividade intelectual stricto senso no Paraná, restrito aos campos literário e acadêmico, nossa concepção de história intelectual amplia o repertório de objetos que historicamente produziram intelectuais e idéias.
O segundo pressuposto diz respeito à definição de quem são os intelectuais e, além disso, quais produções e conteúdos culturais se caracterizam por serem produções intelectuais. Ao invés de elencar variáveis sociológicas capazes de delinear uma possível intelligentsia paranaense, reconhecemos que qualquer delimitação e definição a priori de 'intelectual' tanto impede quanto dificulta a compreensão da gênese histórica de determinadas representações intelectuais.
Uma última questão guiou a seleção dos ensaios: o Paraná. Afinal, de que Paraná se fala? Seria aquela espécie de região-ponte que servia de passagem entre o “Brasil” e o “sul” ou o estado das silenciosas elites erva-mateiras? Ou ainda aquele da Curitiba planejada e da Londrina pioneira?
Em nosso caso, o todo parece ser menor que as partes que o compõem, o estado sendo muito maior do que aparenta ser. É sobre este Paraná múltiplo que se debruçam os diversos trabalhos reunidos.
É este Paraná diverso que entregamos aos leitores.
Os organizadores
Márcio de Oliveira é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFPR. Além de diversos artigos em revistas nacionais e estrangeiras, publicou “Brasília, o mito na trajetória da nação” (Paralelo 15) e “As Ciências Sociais no Paraná” (Contexto).
José Eduardo Léon Swakzo é mestre em Sociologia pela UFPR. Atualmente, é doutorando em Ciências Sociais na UNICAMP.
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8 de setembro de 2009
história intelectual do paraná

A gralha azul desbotou?
J. Szwako
A Editora da UFPR acaba de publicar o livro Ensaios de sociologia e história intelectual do Paraná.
Dedicadas a questões como intelectuais, política e cultura paranaense, as seções do livro oferecem um amplo panorama dos projetos políticos e das disputas em torno do Paraná e de sua identidade. Mais que isso, Ensaios oferece uma perspectiva alternatina e crítica à do 'Paraná Tradicional' com suas alegorias míticas tais como a gralha azul ou a araucária.
Aos olhos dessa versão alternativa, esses temas folclóricos e hegemônicos não se desbotam, eles apenas ganham sua devida nuança.
[para comprar, clique na capa]
31 de março de 2009
Feias, sujas e malvadas...

[Mussolini/Hitler Pins celebrating
the Rome-Berlin Axis Pact, 1936.
Peter Stackpole, Life]
José L. Szwako
Curitiba, mais uma vez, teve de encarar seus monstros. Semana passada, a Câmara Municipal de Vereadores negou o Título de Utilidade Pública à Associação Paranaense da Parada da Diversidade, APPAD. Os dois lados da peleja, contra ou favor do reconhecimento público da organização, tiveram em comum as referências à Cidade: os contrários empunhavam a ‘família curitibana’, com a prosápia dos ‘bons costumes’ e, de quebra, alegavam que eventos assim ‘não acrescentam nada à nossa cidade’. Do outro lado, aqueles que se colocaram a favor da APPAD não hesitaram em dizer que aquele era ‘um dia para envergonhar os curitibanos’.
As escassas coberturas jornalísticas enfatizaram o clima de ‘tensão’ no dia da votação e também o fato de que esse tipo de reconhecimento nunca havia sido objeto de discussão tão calorosa naquela casa. A descrição da distribuição das pessoas nas bancadas era clara: de um lado, feias, sujas e malvadas, estavam as travestis, as bichas, as lésbicas, ... De outro lado, os evangélicos e, pasmem, as crianças. Essa descrição acompanha a auto-imagem das pessoas veiculada pelos argumentos na internet: tudo se passa como se não existissem intersecções. Ou você é um, ou é Outro, afinal, não existem travestis evangélicas e sequer evangélicos gays. (E isso deixa a argumentação muito mais fácil para o lado progressista da peleja.) Mas, pior: “Como seria seu filho ou filha aderindo a isto?” – questionou um leitor. Ora, as nossas crianças não serão imundas, assim como essa gente estranha que, tendo nascido já adulta, não é (e alguns se desesperam, ‘essa gente não pode ser !‘) curitibana, como ‘nós’.
No olho do furacão conservador, estava a pergunta que não quer calar: Porque cargas d’água o Estado – e não é qualquer Estado, é a Câmara-de-Vereadores-de-Curitiba – deveria reconhecer um grupo tão estranho de pessoas? Ou, como vi no site de um jornal tradicional: "QUAL O INTERESSE PÚBLICO RELEVANTE NA REALIZAÇÃO DESTA PARADA?" Ironia das ironias, coube a essa minoria imaginária a hercúlea tarefa de publicizar para um público mais amplo o fato de que a Cidade é habitada por múltiplas cidades. Por meio da luta por reconhecimento, com ou sem sucesso imediato, o grupo mobilizado em torno da APPAD torna público que existe um tipo de opressão baseada em supostas ‘opções sexuais’, civiliza o público curitibano e o convida à democratização de seu imaginário – tudo isso, de graça.
José L. Szwako é doutorando em Ciência Sociais na Unicamp.13 de fevereiro de 2009
lançamento: Velhos vermelhos. editora da ufpr

during the 22nd Party Congress.
Moscow, 1961. Howard Sochurek. Life]
[Adriano Codato e Marcio Kieller (orgs.), Velhos vermelhos: história e memória dos dirigentes comunistas no Paraná. para comprar o livro, clique aqui]
leia matéria sobre a obra na Gazeta do Povo aqui
veja a discussão metodológica sobre a concepção do livro aqui
João Quartim de Moraes
A despeito de faltar um estudo pormenorizado, sistematizado e abrangente da bibliografia sobre o comunismo no Brasil (o mais completo que conhecemos está em The Brazilian Communist Party de Ronald Chicote, que data de 1974), não é arriscado dizer que suas dimensões são bastante razoáveis. Se nela incluirmos, além de livros e artigos, as muitas teses defendidas pelo Brasil afora, chegaremos a um acervo considerável, mesmo se adotarmos um critério estrito de classificação, considerando tão somente as obras consagradas exclusiva ou principalmente ao tema.
Boa parte dessa bibliografia compõe-se de escritos produzidos pelos próprios comunistas. Nenhum outro movimento político confere maior importância aos fundamentos teóricos de sua ação. Já em agosto de 1924, pouco mais de dois anos depois da fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), Octávio Brandão, escondendo-se da polícia de Artur Bernardes, havia composto o essencial de Agrarismo e industrialismo, primeira tentativa de explicação marxista da sociedade brasileira. O texto circulou em cópias datilografadas, servindo de subsídio para as teses que Astrojildo Pereira apresentou no II Congresso do PCB (maio de 1925). Em décadas posteriores, ampliando e aprofundando essa iniciativa pioneira, intelectuais comunistas de reconhecida estatura desenvolveram interpretações marxistas da evolução econômica e política brasileira que constituem marcos teóricos decisivos para a compreensão de nossa história.
Compreensivelmente, entretanto, tiveram maior impacto no grande público as obras biográficas e os relatos das muitas lutas que os comunistas travaram e dos trágicos episódios de que foram protagonistas. Décadas de perseguição policial (no mais das vezes acompanhadas das mais torpes e odiosas atrocidades) e de contínua intoxicação mental (há sempre um sicofanta de plantão para tripudiar, por exemplo, a respeito do que a direita chama a “Intentona” de 1935, repetindo mentiras grosseiras a respeito desse trágico episódio), não lograram turvar a imagem de abnegação e heroísmo associada à trajetória do PCB nos períodos mais sombrios de nossa história. Com o fim do “sufoco” ditatorial, eclodiu vasta produção literária, consagrada principalmente à luta contra a ditadura militar, mas evocando também combates de outras gerações: a vida curta, bela e trágica de Olga Benário inspirou um livro e depois um filme de muito sucesso. Até a muito manipulada televisão apresentou vários programas sobre a vida e as lutas de Luís Carlos Prestes.
Velhos vermelhos inscreve-se nessa longa, vasta e multiforme produção cultural apresentando dez entrevistas consagradas à história e à memória dos dirigentes comunistas no Paraná entre 1945 e 1964, conforme esclarece o subtítulo do livro. É de se esperar, dos depoimentos de participantes e protagonistas de um longo combate revolucionário, narrativas penetrantes e comentários esclarecedores. Essa expectativa é largamente satisfeita, mas o livro oferece mais. Os entrevistados são convidados a responder a um bloco de questões, das quais as básicas são retomadas em cada entrevista. Outras variam em função das características da trajetória política de cada qual. O recurso ao questionário, indispensável para aferir com objetividade os traços comuns e as singularidades diferenciais que caracterizam a experiência da militância, é feito com inteligência não somente na escolha e formulação das questões, mas também na liberdade deixada aos entrevistados de desenvolver espontaneamente as respostas. O resultado, enfatizado pelos títulos de capítulos que os editores colocaram no topo de cada entrevista, destacando-lhe pontos fortes, aspectos originais, episódios marcantes, é um documento histórico de qualidade que oferece retratos sem retoques do que significou ser comunista durante o regime instaurado pelo golpe militar que depôs Getúlio Vargas em 1945 e derrubado pela contra-revolução de 1964.
As entrevistas têm por cenário o Paraná, mas cumprem, em suas circunstâncias de tempo e lugar, o estupendo preceito dialético que Tolstoi formulou em seu próprio século e em sua Rússia natal: “se queres ser universal, pinta tua aldeia”. As idéias gerais, em si mesmas, são vazias de conteúdo. Não são, pois, efetivamente universais. É indo ao fundo das próprias circunstâncias, embrenhando-se na espessa trama dos fatos, que podemos conferir uma dimensão universal ao aqui e agora. Tomemos o exemplo da corrupção, sempre atual entre nós. Enquanto idéia geral, ela é muito utilizada pela retórica moralista, que divide os cidadãos em honestos e corruptos, sem analisar as condições sociais que geram a imoralidade pública. Ater-se a essa generalidade, porém, banaliza a questão: são tantos os corruptos! Não é essa a atitude dos velhos vermelhos. Um deles mostra como se concretizou a abominável trapaça por meio da qual o então governador Moyses Lupion, por meio de uma fictícia “dação em pagamento”, fez passar para o nome de uma empresa de fachada da qual ele e um comparsa, um certo José Houp, eram sócios, as chamadas glebas do rio Piquiri, propriedade do estado do Paraná. Essas glebas eram, porém, habitadas e cultivadas há muito tempo por posseiros, que já se haviam mobilizado para obter sua titulação. Lupion fez como se eles não existissem. Criou um cartório a seu serviço e começou a vender títulos de participação. Quando os incautos compradores perceberam que o peculiar empreendimento só existia no papel, foram aconselhados a ressarcir-se “revendendo” aos posseiros as terras que esses, a justo título, consideravam suas... Alguns aceitaram pagar pelo que já era deles; outros resistiram e foram cruelmente atacados pelos jagunços a soldo de Lupion. Na defesa dos camponeses esbulhados, o PCB paranaense honrou seu compromisso com a causa do povo.
A importância decisiva que o movimento comunista, em escala internacional, sempre conferiu à função de organizador coletivo exercida pela imprensa partidária inspira-se no célebre Que fazer? de Lênin. Não se pode levar a sério um partido que pretenda mudar o mundo sem sequer dispor de meios próprios de propaganda (legais ou clandestinos). Formados na escola revolucionária do leninismo, praticamente todos os entrevistados enfatizaram o esforço para manter presente e atuante a palavra do Partido, através das dificuldades materiais (não por acaso o tema principal de uma das entrevistas é o mito do “ouro de Moscou”) e da constante perseguição policial.
Vale enfatizar, enfim, que Velhos vermelhos oferece, num texto ágil, muito bem editado, que mantém aceso o interesse da leitura, não somente importantes subsídios para a história das lutas sociais e do combate revolucionário no Paraná, mas principalmente, um auto-retrato verídico da militância comunista na singularidade de suas circunstâncias concretas e na universalidade de seu projeto político.
19 de dezembro de 2008
Velhos vermelhos: história e memória dos dirigentes comunistas no Paraná

A publicação do livro de Adriano Codato e Marcio Kieller (orgs.), Velhos vermelhos: história e memória dos dirigentes comunistas no Paraná (1945-1964) foi feita neste mês de fevereiro de 2009.
para comprar o livro, clique aqui
leia matéria sobre a obra na Gazeta do Povo aqui
veja a discussão metodológica sobre a concepção do livro aqui
Posto abaixo o Posfácio ao livro escrito por Dainis Karepovs.
Este Velhos vermelhos, de Adriano Codato e Márcio Kieller, é daquelas obras que certamente ajudam a preencher um dos vários e enormes vazios ainda existentes na história político-partidária da esquerda no Brasil e servem de estímulo a que o trabalho avance solidamente. Além disso, deixa abertas várias sendas a serem percorridas pelos pesquisadores e que desembocarão no caminho de uma história da classe operária do Paraná. Isto não é pouco. Se o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo aparenta lhe dar uma orientação geral homogênea – mas que, na verdade, dá a cada segmento seu uma especificidade –, é no seu caráter desequilibrado que se podem encontrar muitas das respostas para suas diversidades. Reside nisto justamente a importância das histórias regionais e locais da classe trabalhadora.
Como observaram os autores no capítulo um, o novo tipo de partido surgido na cena política brasileira, de caráter nacional e de direção verticalizada, acabou involuntariamente estimulando uma historiografia que pouca atenção deu às suas estruturas regionais e locais. Na verdade, a este fenômeno é necessário agregar um outro: o da transformação dos estudos regionais da zona predominante política e economicamente do Brasil, em particular Rio de Janeiro e São Paulo, em obras de caráter nacional ou globalizante, como o bem já observou Silvia Petersen . Felizmente, as novas perspectivas da historiografia da classe operária brasileira têm conseguido superar este quadro e têm conseguido dar um impulso renovador aos seus estudos regionais e locais, dos quais Velhos vermelhos é mais um indubitável índice. Pelas vozes dos combatentes e defensores dos anseios da classe trabalhadora paranaense, brasileira e mundial aqui reunidas por Adriano Codato e Márcio Kieller, acompanhadas por um aparato crítico que não deixa o leitor desamparado em momento algum, nos encontramos e reencontramos com episódios e personagens da história da classe trabalhadora brasileira que ganham vida e novas faces.
Pessoalmente, até aqui, os comunistas do Paraná haviam sido para mim uma ponta de um novelo que se desenrolou em outro sentido. São inevitáveis o relato e algumas reflexões daí decorrentes.
Quando realizava a pesquisa para um capítulo de minha dissertação de mestrado sobre uma cisão que varreu de alto a baixo o então Partido Comunista do Brasil (PCB), durante a segunda metade dos anos 1930, também tive um pequeno contato com a história dos comunistas do Paraná . Eu procurava descobrir como a polícia política da ditadura varguista reunira as informações sobre a cisão, o que lhe permitiria mais tarde reprimir duramente as facções que se digladiavam. Embora o epicentro dessa luta fracional tivesse ocorrido em São Paulo, debaixo do nariz do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS-SP), foi a partir da prisão de parte da direção do Comitê Regional do PCB do Paraná (CR-PR) que a polícia política paulista despertou de sua letargia.

da Frente Democrática de Libertação Nacional.
Arquivo Público do Paraná.
No início de dezembro de 1937 foram presos em Curitiba vários dirigentes do CR-PR: Altair Zubaran Menna Barreto (de acordo com a Polícia, ele seria o secretário do Comitê Regional e também usaria o nome de Adalberto Rodrigues Netto), Jacob Schmidt, Max Laszek, Jorge Herlein e Arthur Heladio Neves (o qual havia fugido do presídio do Paraíso, em São Paulo, em fevereiro daquele ano). Com eles a Polícia apreendeu importante documentação que fez chegar às mãos da repressão elementos de informação sobre a cisão no interior do Partido Comunista.
Mas este primeiro contato e compreensão da cisão só ocorreriam com a ida a Curitiba do encarregado da Seção de Investigações da Delegacia de Ordem Social de São Paulo, Luiz Apollonio. Acreditando ter obtido possíveis informações sobre a realização de uma conferência nacional do PCB no Rio ou em São Paulo, o delegado de Ordem Política e Social do Paraná, Mario Augusto de Queiroz, em 14 de dezembro de 1937 solicitou ao seu colega de São Paulo elementos para a identificação de “Maurício”, que teria enviado um telegrama cifrado de São Paulo no qual ele estaria pedindo a suspensão de envio de relatório do Comitê Regional do PCB de São Paulo (CR-SP), também apreendido em Curitiba. Além disso, o delegado Queiroz também pediu a identificação de outros militantes paranaenses refugiados em São Paulo. Sem ainda saber exatamente do que se tratava, o delegado de São Paulo enviou Luiz Apollonio a Curitiba no dia 16 de dezembro.
A partir do exame da documentação, das informações colhidas pela Polícia do Paraná e do interrogatório realizado com Adalberto Barreto, Apollonio, ao voltar a São Paulo, redigiu um relatório de três páginas dando conta do que havia ali visto. Depois de historiar como se dera a prisão dos dirigentes comunistas paranaenses, Apollonio, em seu relatório de 23 de dezembro, detalhando seu conteúdo, destacou a importância da documentação apreendida, pois ela dava conta de uma “séria divergência na direção nacional do PCB tendo motivado, até, uma cisão” . Além de estabelecer a identidade do enviado do CR-PR a São Paulo, “Maurício”, como sendo o estudante Attila Medeiros Rodrigues Silva, o encarregado da Seção de Investigações paulista obteve informações sobre um suposto sistema de ligação entre os comunistas do Paraná e São Paulo. Apollonio concluiu seu relatório constatando que o PCB agia nacionalmente e não regionalmente e, por isso, lançou um apelo em prol de “um perfeito intercâmbio entre as polícias dos vários estados”.
Entre os documentos apreendidos e arquivados no DEOPS-SP havia um relatório, datado de dezembro de 1937, em que o CR-PR informava que, até o envio de José Stachini e Arthur Heladio Neves pelo Comitê Regional de São Paulo para orientar o trabalho dos comunistas paranaenses – o que, de acordo com o relatório, teria resultado em um incremento das suas atividades –, “praticamente não existia um Partido organizado, pois este se limitava ao Comitê Regional e a alguns grupos aliás sem vida partidária e quase em completa inatividade”. Além da informação sobre a inoperância do CR-PR, chama aqui a atenção a relação existente entre os comitês regionais do PCB de São Paulo e do Paraná.
A explicação para este fato aparece em outro relatório dirigido à Internacional Comunista, preservado em Moscou. Nele, o dirigente comunista Honório de Freitas Guimarães, sob o pseudônimo de Martins, então em Paris, aguardando o visto de entrada para a então União Soviética, apresentou informações sobre o PCB, com dados relativos a maio de 1937 . De acordo com tal balanço, embora faltassem dados referentes a dez estados, havia pelo menos 2 160 militantes em todo o País, dos quais quase metade localizados no estado de São Paulo. Entre os comitês regionais do partido, quatro eram classificados como os mais fortes pela direção: São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. São Paulo contava com mais de 1 000 militantes, dos quais 200 situavam-se na sua Capital. O CR-SP dirigia nove Comitês Locais e cuidava das ligações e do crescimento de outros três CRs: Triângulo Mineiro, Mato Grosso e Paraná. Nesta informação nota-se que – como resultado da intensa repressão movida contra os comunistas por conta do “putsch” de novembro de 1935 e que ocasionou dificuldades de comunicações entre a direção nacional e as regionais – a ação de comitês regionais mais fracos era tutelada e filtrada por comitês mais fortes, o que ajuda a compreender o poder de nomear dirigentes exercido pelo Comitê Regional de São Paulo sobre o do Paraná, poder usualmente atribuído ao Comitê Central. Tal situação, aliás, repetia-se entre vários outros comitês regionais.
A compreensão para esta fraca implantação, além da permanente perseguição promovida pelo Estado brasileiro aos grupos de esquerda, advém de vários motivos, que estão no aguardo de pesquisas a serem realizadas. Alguns deles, aliás, encontramos nos depoimentos de Velhos vermelhos. Outras razões, além da incipiente industrialização do Paraná naquela época , podem ser encontradas nas dificuldades resultantes da orientação dos comunistas. A mais notável era a débil inserção dos comunistas no campo, em contraposição a uma prática que privilegiava o operariado urbano como seu interlocutor central. Quando relatórios como os acima citados são esmiuçados, percebe-se uma forte implantação dos comunistas em grandes centros urbanos e em regiões com certo patamar de industrialização e, por oposição, dificuldades de implantação e crescimento no campo. Exceção feitas a casos isolados, a falta de ligação do Partido com o campo sempre foi ressaltada por seus dirigentes e pela Internacional Comunista de maneira recorrente ao longo dos anos 1920 e 1930, evidenciado sua fraca ou quase inexistente atuação neste segmento. Tal quadro somente começou a ser revertido pelos comunistas a partir dos anos 1940, ainda que de modo lento. Inclusive no Paraná, como avulta claramente das memórias dos Velhos vermelhos. Todavia, ainda é necessário destacar, nelas ainda aparece a maior ênfase do trabalho dos comunistas nos centros urbanos, decorrente da aceleração do desenvolvimento econômico do estado na época em que se centram os depoimentos.
Apenas recentemente é que a organização dos trabalhadores do campo constituiu-se em um elemento efetivo e de peso no quadro da luta de classes no Brasil. Justamente neste aspecto é que ressalta de seus depoentes um dos pontos altos de Velhos vermelhos: o processo de construção dessa organização, na qual o Paraná detém até hoje um papel de destaque e na qual os comunistas tiveram uma importante contribuição, tendo isso ficado marcante no caso de Porecatu, nele se destacando a figura de Manuel Jacinto Corrêa, e no da criação de uma série de entidades de classe no campo.
Aos que aqui chegaram ficam estas reflexões e o prazer compartilhado na leitura dos depoimentos desses extraordinários velhos vermelhos. Danis Karepovs é Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Autor de Luta subterrânea. O PCB em 1937-1938. São Paulo, Hucitec/Ed. da UNESP, 2004; A classe operária vai ao Parlamento. O Bloco Operário e Camponês do Brasil (1924-1930). São Paulo, Alameda, 2006. Foi Pesquisador colaborador do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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22 de novembro de 2008
A elite da política paranaense: composição, lógicas de recrutamento e valores democráticos

[Kazimir Malevitch]
resenha
Perissinotto, Renato et alii. Quem Governa? Um estudo das elites políticas do Paraná. Curitiba: UFPR, 2007.
Revista de Sociologia e Política, Curitiba-PR, n. 31. 2009. (Resenha bibliográfica), no prelo.
por
Camila Lameirão
O regime democrático, segundo Giovanni Sartori (1994), produz minorias, no plural, que executam funções de liderança e direção no sistema político. Assim, a idéia de que uma sociedade democrática é governada por um único grupo coeso, como supunha Wright Mills (1981) em sua análise sobre a elite norte-americana, não pode ser comprovada. Empiricamente, na visão de Sartori, “as democracias são caracterizadas pela difusão do poder”, em que diversos grupos, antagônicos ou não, através de procedimentos de seleção e escolha, podem alcançar capacidade de mando. De acordo com o autor italiano, a democracia pode ser descrita como um “modelo de liderança de minorias caracterizado pela multiplicidade de grupos de poder entrecruzados e envolvidos em manobras de coalizão” (1994, p. 203).
Comumente, atribui-se a essas minorias, que exercem alguma função ou cargo político, a
denominação de elite. Para ser melhor examinado, cumpre destacar que o termo elite envolve duas dimensões, uma conceitual e outra empírica. O plano conceitual refere-se à definição do que é a elite, suas características e identificação, definindo-a em uma estrutura e/ou tipologia. Quanto à dimensão empírica, consiste em verificar quem é a elite, isto é, se existe realmente e quem tem o controle do quê. Acima de tudo, essa dimensão é fundamental para mostrar qual elite existe e se está de acordo com a definição conceitualmente estabelecida. Neste sentido, ter a noção de quem é a elite política é uma tarefa imprescindível para saber quais elites compõem uma dada democracia e quão democrático é um regime.
No Brasil, pouco a pouco estudos sobre a dimensão empírica das elites têm ganhado espaço,
posto que desde a redemocratização em 1985, vêm surgindo no campo das ciências sociais algumas pesquisas e análises sobre o perfil e a composição dos grupos que integram instituições como a Assembléia Constituinte (Rodrigues, 1987), a Câmara dos Deputados (Coradini, 2007; Miguel, 2003; Rodrigues, 2002; Santos, 1997), ministérios e agências do governo federal (D’Araujo, 2007; Olivieri, 2007; Loureiro et al, 1998a e 1998b), partidos políticos (Amaral, 2007; Meneguello, 1989; Rodrigues, 1989), entre outras. A partir desses estudos vem sendo possível identificar e conhecer parte da elite do país. Entretanto, tais trabalhos constituem-se um esforço analítico ainda incipiente nas ciências sociais, posto que sua consolidação em um campo de pesquisa de destaque em congressos acadêmicos e produções bibliográficas parece, por ora, restrita, apesar de na área da ciência política esse ramo vir avançando consideravelmente nos últimos anos.
A publicação do livro Quem Governa? sob a coordenação de Renato Perissinotto, Adriano Codato, Mario Fuks e Sérgio Braga constitui-se uma contribuição de peso e um marco relevante para essa linha de pesquisa em via de consolidação, na medida em que é um esforço de análise de três diferentes elites que compõem o sistema político brasileiro: a elite político-administrativa, a parlamentar e a partidária, além de ter como objeto um governo subnacional, o do estado do Paraná. Esse último ponto merece ser destacado já que se constitui uma iniciativa valorosa em meio a um campo de pesquisa em que predominam trabalhos focados no âmbito federal. Como se vê nas referências bibliográficas apontadas acima, o estudo sobre as elites políticas, tanto do poder Legislativo como do Executivo, concentra-se na esfera de governo federal.
[para baixar e ler a resenha completa, clique aqui]
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21 de novembro de 2008
I Workshop do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira – NUSP/UFPR

[clique aqui para o programa completo]
[os papers podem ser baixados aqui]
O workshop será realizado nos dias 9 e 10 de dezembro de 2008 no ANF 900 do prédio Dom Pedro I, da UFPR.
Esta iniciativa é um primeiro esforço de divulgar, em âmbito local, a produção que é realizada no NUSP, permitindo um maior debate das hipóteses, fontes, dados e interpretações produzidas pelas investigações dos pesquisadores.
O Workshop visa dar voz crítica a terceiros, envolvidos ou não no meio acadêmico, fazendo com que as produções do NUSP se fortaleçam e que se crie um espaço de discussões e maior vínculo entre sociedade e universidade.
9 e 10 de dezembro
ANF 900
UFPR
Ed. Dom Pedro I
[Kazimir Malevitch]
26 de outubro de 2008
A política na "Província Esquecida": partidos e eleições no Paraná
CODATO, Adriano & SANTOS, Fernando José dos (orgs.). Partidos e eleições no Paraná : uma abordagem histórica. Curitiba : TRE, 2006.
Rev. Sociol. Polit. , Curitiba, v. 16, n. 30, jun. pp. 313-318, 2008.
por
O estado do Paraná tem a sexta população do país e é a quinta economia entre os estados (IBGE, 2008). Sua representação política é respeitável, contando com 30 deputados federais, além dos três senadores. Possui uma posição geopolítica crucial, pois faz divisa com países importantes – Argentina e Paraguai – para as relações internacionais brasileiras. Em seu território, está a maior hidrelétrica do mundo, a usina de Itaipu, e, em seu litoral, está o segundo maior porto do Brasil, o de Paranaguá. Apesar disso, suas lideranças não assumem um papel mais relevante no cenário político nacional. O senso comum apregoa que as causas seriam certa singularidade política e o conservadorismo dos paranaenses. Será?
7 de outubro de 2008
O voto de legenda nas eleições de Curitiba
UFPR / UEPG
Gostaria de chamar a atenção para um detalhe dessa eleição, que por ser técnico não interessa muito à mídia, mas que para nós pesquisadores e cidadãos tem relevância.
Já que a eleição para prefeito está resolvida, vamos voltar a atenção à disputa para vereador.
Primeira informação: em Curitiba houve uma renovação razoável, de 18 cadeiras.
Além disso, os dados sobre voto de legenda parecem apontar um problema no nosso sistema de votação (quero, antes de mais nada dizer que isso não tem nenhuma relação com a teoria da conspiração).
O PSDB fez, em 2008, mais de 7% de votos de legenda para a Câmara de vereadores de Curitiba. Isso significa quase 50 mil votos. Considerando que o quociente eleitoral foi de 25 mil votos na cidade por vaga, isso representa quase duas cadeiras só de votos de legenda. Bem, o problema número um é que nunca o PSDB tinha chegado perto desse percentual. Em 2004 ele fez 2,3% de votos de legenda e em 2000 tinha ficado com 0,9% de votos de legenda. Ou seja, digamos que ele esteja crescendo e, seguindo a lógica, teríamos dentro da normalidade cerca de 4,5% de votos de legenda para o PSDB este ano. A diferença, de 3%, representa na pior das hipóteses uma cadeira a mais para o PSDB e uma a menos para outro partido. Até aqui tudo bem, caso não houvesse uma forte indicação de que esse crescimento tenha sido provocado por erro na votação, ou seja, é artificial.
Nossas urnas, por força de lei, estão programadas para receber primeiro votos para o Legislativo, no caso, vereador, e depois para o Executivo, no caso prefeito. Mas, essa não é a lógica do cidadão brasileiro, que considera o Executivo mais importante que o Legislativo (não sem razão, diga-se de passagem). Então, o eleitor pouco informado chega na urna e digita primeiro o voto para prefeito, como ele acha ser correto, e confirma. O que ele fez? votou na legenda para
vereador. Depois, vai tentar votar para vereador, mas a urna só apresenta espaço para dois dígitos. Está feita a confusão e não dá para voltar atrás.
Quem trabalhou nessa eleição relata diversas ocorrências desse tipo, em especial de eleitores mais idosos. Isso torna-se mais evidente em casos como o de Curitiba, onde um candidato a prefeito teve muito mais votos que os demais, refletindo no crescimento artificial do voto de legenda para vereador.
Enfim, creio estarmos diante de um problema duplo.
Primeiro, problema para democracia, pois distorce a vontade do eleitor. Pode parecer pouco, mas 5% a mais de votos na legenda de um partido garante até mais duas cadeiras na câmara. Segundo, problema para os pesquisadores porque não podemos mais considerar o voto de legenda como um indicador indireto de preferência/simpatia por determinado partido.
É visível, pelos primeiros resultados, o crescimento de votos de legenda para vereador em partidos de candidato a prefeito com altos índices de votação. O mesmo aconteceu em Maringá, onde o PP teve o maior percentual de votos de legenda. Historicamente, o PT que sempre foi campeão de votos de legenda para os legislativos perdeu espaço nessas eleições - o que faz pouco sentido, considerando que o eleitor de legenda é mais estável e constituído ideologicamente.
Acho essa distorção muito grave. Vejo duas soluções: o TSE pode investir mais, na próximas eleições, em campanha educativa de fato ao invés de campanha publicitária com mulher grávida que pede para não votar em corruptos; ou os nossos deputados federais, responsáveis pela legislação ordinária, podem deixar de ser mais realistas que o rei e reconhecerem que o eleitor brasileiro vota
primeiro no Executivo e depois no Legislativo, alterando a legislação e invertendo a ordem nas próximas disputas. Só assim aprimoraremos nosso sistema de recepção de votos, que já é bom, mas apresenta algumas falhas.
6 de outubro de 2008
REPÚDIO: qual Curitiba foi às urnas ontem?
“Não sei ao certo se a sensacional reeleição de Beto Richa significa a satisfação do eleitorado curitibano, se essa satisfação supera ou reafirma o lernismo, e tampouco se a reeleição se apóia no carisma personalista do re-eleito.
Mais uma vez, o imaginário homofóbico dos curitibanos ganhou disparado nas urnas. Não é apenas a violência dos policiais que assusta, mas, sobretudo, o tom fascista das opiniões ali veiculadas. Na contramão do todo nacional, a Curitiba higienizada se mantém firme na liderança de um conservadorismo banhado a leitE quentE.
Em tempo,
http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidapublica/conteudo.phtml?tl=1&id=811787&tit=Me-destruiram
JOSE E. SZWAKO”
5 de outubro de 2008
Opinião - O eleitor juiz

[The line of light shows how the blind
man walked around obstacles guided
by echoes of his footsteps. Austria, 1953.
Ralph Crane. Life]
Jornal do Brasil
05 de julho de 2008
Luciana Fernandes Veiga
PROFESSORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ E PESQUISADORA DO LABORATÓRIO DE COMUNICAÇÃO POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA DOXA/IUPERJ
Mais uma vez, assistimos os eleitores se comportarem como juízes, dando um cartão verde ou vermelho ao prefeito que busca a reeleição ou que indica um substituto para a empreitada a partir da avaliação que fazem de sua gestão. O político que conta com uma administração bem avaliada tende a receber os louros no dia 26 de outubro ou mesmo no dia 05. Já o político mal avaliado deverá ser recusado nas urnas. De Sul a Norte, tem-se a tendência.
Em Curitiba, o atual prefeito Beto Richa (PSDB), cuja administração conta com a aprovação de mais de 80% da população, provavelmente sairá eleito das urnas ainda hoje. Caso semelhante tem-se em Maceió, em que Cícero Almeida (PP) ruma para a vitória ainda no primeiro turno com aproximadamente 80% de intenções de voto e uma taxa semelhante de aprovação de sua gestão. Na mesma linha, segue o desempenho de Íris Rezende, em Goiânia. Resguardadas as diferenças nas trajetórias e perfis dos candidatos aqui considerados, um par de argumentos predomina na justificativa para o voto de seus eleitores: satisfação com as melhorias urbanas, que beneficiam as vidas das pessoas, e o anseio de continuidade. E as campanhas reforçam com seus jingles: "O trabalho continua e é assim que tem que ser, Curitiba quer mais quatro anos com você". E ainda: "O que é bom a gente quer de novo", em Maceió.
Em Recife, João Paulo (PT) não pode se candidatar novamente e aproveita o seu prestígio, decorrente de uma administração bem avaliada para ajudar eleger João da Costa (PT). Em Belo Horizonte, Pimentel (PT) e Aécio (PSDB) – ambos bem avaliados – emprestam prestígio para Márcio Lacerda (PSB). Os dois apadrinhados lideram a disputa.
Mas o inverso também se aplica. No Rio de Janeiro, Cesar Maia (DEM), desgastado, não demonstra o desempenho enquanto padrinho de outrora, quando conseguiu eleger Luiz Paulo Conde. Sua candidata Solange Amaral demonstra um resultado ruim nas pesquisas de opinião, estando, de verdade, fora do páreo.
Em duas capitais, prefeitos que não obtiveram grandes resultados em suas gestões na avaliação da população, agora, correm em busca de votos para chegarem ao segundo turno e tentarem a reeleição. Em Salvador, João Henrique (PMDB) enfrenta a liderança de ACM Neto (DEM) e o máximo que obteve até agora foi 20% de intenções de voto, podendo chegar ou não ao segundo turno. Em São Paulo, Gilberto Kassab (DEM) deve conseguir chegar em segundo lugar no primeiro turno, garantindo a sua participação em 26 de outubro contra Marta Suplicy (PT), embora não tenha atingido ainda nem 30% de intenções de voto em pesquisas.
Todos esses casos apontam para o efeito da percepção da qualidade da gestão municipal em uma disputa para prefeitura. Que os próximos prefeitos entendam o recado das urnas: a melhor propaganda é uma boa administração. Pois diante do cálculo "o que o prefeito atual fez por mim nessa gestão?" e, ainda, "o que ele poderá fazer por mim se continuar por mais quatro?" não há milagre de marketing por parte da oposição que resista. E, por sua vez, é preciso entender a necessidade de a oposição atuar no decorrer dos quatro anos e não apenas a partir de agosto do ano eleitoral.
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3 de outubro de 2008
Que Curitiba sairá das urnas no domingo?

Personalities, 1950.
Mark Kauffman]
Sexta-feira, 03/10/2008
Emerson Urizzi Cervi
Para responder objetivamente à pergunta do título, pode-se afirmar que em se concretizando as previsões das pesquisas, o próximo domingo deve produzir um recordista de votos da cidade, pelo menos desde o período da redemocratização. Beto Richa, candidato à reeleição, pode terminar a campanha com cerca de dois terços dos votos válidos, fato inédito por aqui desde 1985, quando as capitais de estado voltaram a ter eleição direta para prefeito. Isso, claro, se o eleitor não decidir mudar o voto na última hora.
Apenas para lembrar, em 1985 Roberto Requião foi eleito prefeito de Curitiba com 45% dos votos válidos; em 1988, Jaime Lerner elegeu-se com 57%; em 1992, Rafael Greca obteve 52%; em 1996, Cassio Taniguchi fez 54% e em 2000 obteve 44% dos votos válidos no primeiro turno. Em 2004, Richa ficou com 35% dos votos válidos em Curitiba no primeiro turno.
Dois elementos chamam a atenção na comparação de eleições anteriores com a atual. O primeiro é que se Beto Richa concretizar o desempenho previsto pelas pesquisas, praticamente dobrará o porcentual de votos obtidos no primeiro turno de 2004. O segundo é que pela primeira vez existem chances reais de um candidato a prefeito de Curitiba ultrapassar a votação obtida por um ícone recente da administração local – Jaime Lerner. Se acontecer, teremos um indicador material – além da retórica dos grupos políticos – apontando para um processo de substituição do perfil tecnocrático lernerista na preferência dos eleitores, porém, sem se identificar com o discurso populista do requianismo.
Estaremos no limiar de um perfil de liderança política em Curitiba que alia o argumento técnico à participação relativa do “povo” no processo de tomada das decisões públicas. Mas o que explica tal mudança de preferência quanto ao perfil da elite política? Creio que a explicação não está na elite. A diferença no número de eleitores no período mostra isso. Em 1988, na eleição de Jaime Lerner com 57% de preferência, votaram em Curitiba cerca de 600 mil eleitores. No próximo domingo, teremos cerca de 1 milhão de votos válidos na cidade: em duas décadas praticamente dobramos o número de participantes das votações, algo que tem conseqüência no perfil, no imaginário e nas demandas do eleitor. Portanto, é legítimo que as características da elite política reproduzam a nova realidade.
Mais importante neste momento é tentar apontar as motivações para o crescimento tão significativo da preferência eleitoral por Beto Richa nos últimos quatro anos. Um erro comum em candidatos que alcançam grandes porcentuais de aceitação é julgar que o resultado deve-se exclusivamente a atos administrativos e/ou decisões políticas. O processo de decisão do voto sempre é comparativo; nunca absoluto. Ou seja, o eleitor decide votar em um candidato após compará-lo com as demais opções, o que significa que votar em alguém depende também da não-escolha dos demais – em especial nas disputas majoritárias. Nesse sentido, o perfil dos opositores a Beto Richa na disputa, às vezes muito próximo dele (neste caso, pensa o eleitor, para que mudar?) e às vezes muito distante das demandas que realmente interferem na decisão do voto, explica em grande parte o desempenho do atual prefeito.
O professor Morris Fiorina tentou sintetizar o processo de decisão de voto ao se considerar a experiência mais recente na avaliação geral (chamado de voto retrospectivo) com a seguinte frase: o eleitor olha para todas as alternativas e pergunta: “O que você andou fazendo por mim nos últimos tempos?” Diante desse questionamento, as posturas da atual administração e das oposições recentes em Curitiba ajudam a explicar.
O grupo político de Beto Richa começou a construir o desempenho eleitoral de agora há cerca de dois anos, quando um dos principais partidos de oposição na cidade, o PMDB, ficou sem bancada na Câmara Municipal. Os quatro vereadores peemedebistas eleitos em 2004, que deveriam fazer oposição à administração local, migraram para partidos da base do governo. A ineficiência de oposição durante o mandato fez com que muitas críticas surgidas na campanha fossem desacreditadas pelo eleitor comum.
Outra medida política com importantes efeitos no desempenho eleitoral de Beto Richa foi a “neutralização” do PPS de Rubens Bueno que, ao abrir mão de lançar candidato próprio em 2008, gerou condições necessárias para uma disputa polarizada – o que quase sempre favorece governos bem avaliados. O partido que também deveria fazer oposição ao governo municipal, PT, preferiu dirigir energias à defesa do governo Lula, tentando vincular líderes locais à forte aceitação do presidente da República. Estratégia legítima, porém válida apenas em disputas municipais federalizadas. Nas eleições dominadas por temas locais – creches, metrô, transporte coletivo –, o impacto eleitoral da proximidade ao presidente da República tende a ser baixo.
Chegamos, assim, ao cenário em que o atual prefeito tem ampla vantagem na preferência dos eleitores pela quase ausência de oposição ao longo de todo o governo e, em conseqüência, por falta de legitimidade da oposição na própria campanha. Há grande chance de experimentarmos um resultado inédito para a cidade, porém, que não pode ser creditado exclusivamente às qualidades dos tucanos locais, sob pena de simplificarmos explicações que devem ultrapassar o período eleitoral. Mais relevante neste momento é tentar identificar até que ponto a mudança de perfil na preferência do eleitor será consistente ao longo do tempo.
Emerson Urizzi Cervi, cientista político, é pesquisador na UFPR.
1 de outubro de 2008
Os candidatos e suas agendas

Em eleições onde não há polarização ideológica efetiva (esquerda x direita, por exemplo), é difícil distinguir propostas e candidatos. Tudo é muito, muito parecido. Via de regra, um postulante assume a agenda de governo do outro, só que numa versão melhorada, segundo eles mesmos.
Para desenredar essa trama, é preciso olhar o panorama não em função das campanhas atuais, mas a partir da história eleitoral recente. Desse ponto de vista, percebem-se mudanças importantes, (des)continuidades, momentos críticos onde foi útil incorporar o assunto e o perfil dos adversários. Relacionar grupos/partidos e discursos/agendas é um bom exercício para pensar como e por que, em Curitiba, estamos diante de políticos cada vez mais semelhantes e que, curiosamente, lutam para ficar cada vez mais idênticos.
Após anos de supremacia de Lerner e sua confraria à frente da prefeitura de Curitiba, o discurso da racionalidade técnica e da competência administrativa foi desafiado, na eleição de 2000, pelo slogan “a cidade quer ser gente”, inventado pela campanha de Ângelo Vanhoni, do PT. Menos a frase e mais o que ela prometia – uma administração “humana”, isto é, voltada para o bem-estar das “pessoas” – foi responsável pela mais severa contestação da aliança política que, com os devidos ajustes, ocupa hoje a prefeitura. Cassio Taniguchi (PFL) disputou o segundo turno correndo sério risco de perder a eleição para um partido relativamente pequeno e para um desafiante até então pouco conhecido.
Com o crescimento do PT na cidade (em 2000, elegeu seis vereadores, a segunda maior bancada na Câmara Municipal) e a entronização de Vanhoni como alternativa eleitoral viável, a assessoria de Beto Richa cunhou, para a eleição de 2004, o slogan “a cidade da gente”, em clara alusão ao lema petista anterior. Deixando de lado sua conotação bairrista, que estigmatizava os demais candidatos e partidos como estrangeiros, no limite intrometidos e, portanto, indesejáveis, o fraseado pretendia incorporar, no plano discursivo, um assunto até então ausente nas campanhas dessa turma: a assistência social. Aparentemente, o cardápio de idéias da gestão lernista estava esgotado e a elite no poder viu-se impelida a adicionar à imagem tradicional – uma administração técnica, racional, voltada para a construção de uma cidade-modelo a partir das diretrizes científicas do planejamento urbano – a preocupação com “o social”. A estampa de Richa como engenheiro civil, ainda presente e sempre muito útil, mesclou-se à do político. Herdeiro da mitologia recém-edificada em nome do pai, ele pôde, como pode agora, apresentar-se não como mais um “técnico”, mas como o “ético”. Não era precisamente o PT que pretendia ter o monopólio nessa área?
Em Curitiba, a tecnocracia (seja o grupo político, seja a idéia política) já foi bem mais forte. Em 2008, ela é muitíssimo menos valorizada eleitoralmente. Nenhum candidato, todavia, pode abrir mão de proclamar o cuidado com o ordenamento e o desenvolvimento urbano da cidade. Trata-se de um valor local enraizado. Por outro lado, a questão social entrou de fato na agenda pública municipal. Essa foi, possivelmente, a principal mudança no plano das idéias e dos discursos.
Não é preciso acompanhar todos os programas eleitorais para perceber que a ênfase dos dois principais candidatos sobre esse ponto produziu um curto-circuito tanto na imagem como na mensagem do PT. Até por isso, a figura maternal de Gleisi Hoffmann, prometendo “cuidar das pessoas”, nada menos é do que a radicalização um tanto piegas daquela disposição assistencial, e teve de ser complementada pela exibição (e exaltação) do seu currículo profissional: técnica em orçamento público, especialista em finanças, secretária de governo etc. O drama é que nos últimos quatro anos seu oponente incorporou, de forma bem mais pragmática, essa inclinação para as questões sociais, sem abrir mão do figurino circunspecto de administrador.
Esse é um exemplo muito simplório de como ideologias, plataformas e programas partidários acabam se mesclando. Em função do apelo eleitoral, candidatos tendem a mudar de posição, ajustar discursos e compartilhar agendas. Em certas eleições, as diferenças estão muito bem dispostas diante do eleitor. Em outras, nem tanto. Procurar as origens dessa miscigenação é importante para desembaralhar o cenário político. Promover todos os assuntos, assumir o estereótipo mais rentável e ostentar quaisquer bandeiras parece ser em todo o lugar a lógica subjacente às estratégias dos candidatos, mesmo que isso possa minar a identidade dos partidos. Movimento perigoso, já que depende da dose. Ela oscila entre o que uma agremiação pretende incorporar e aquilo de que não pode abrir mão. Recuar um pouco no tempo para atentar não só para diferenças, mas para como as distinções foram se borrando e as propostas perdendo substância pode ser um antídoto para esse sintoma da política contemporânea.
Luiz Domingos Costa (ldomingosc@uol.com.br) é editor do Blog de Análise de Conjuntura Política da UFPR (http://gac-nusp-conjuntura.blogspot.com).
Adriano Codato (adriano@ufpr.br) é professor de Ciência Política na UFPR.
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23 de setembro de 2008
Entrevista - eleições municipais e política contemporânea

jornal do SINDITEST-PR
ano 17 / n° 06 / setembro . 2008
Desde que se tornou possível a reeleição para cargos eletivos, notamos pelo Brasil afora que a imensa maioria dos candidatos ganha um segundo mandato. De forma geral, o que essa baixa renovação mostra e quais as conseqüências disso para a democracia brasileira?
O cientista político Antonio Lassance, da Universidade de Brasília, analisou dados relativos às eleições para prefeito de 1996, 2000 e 2004 em todos os municípios brasileiros. Ele constatou uma taxa de reeleição de 64%. As dimensões desta 'não-renovação' são positivas ou negativas, dependendo do ponto de vista que se olhe. Pode ser que determinadas agendas com apoio popular sejam implementadas por governos que são, depois, premiados com novo mandato. Por outro lado, pode ser apenas que os governos façam uso dos recursos à disposição (a 'máquina pública') para conquistar votos de forma nem sempre limpa. Entretanto, estas são duas visões extremadas. A questão principal seria a seguinte: é preciso definir de uma vez por todas uma regra, assumi-la e mantê-la. Esse vai-e-vem de regras e princípios eleitorais acaba sabotando a consolidação de certo padrão de competição política, e isto é ruim para a democracia liberal, que depende de tempo e rotina para se enraizar.
Sabemos que um tema muito discutido atualmente é o financiamento público de campanha. Que relação se estabelece entre as candidaturas majoritárias (prefeito) e proporcionais (vereadores) e a "elite dominante" nas eleições? De que forma essa relação pode influenciar o perfil dos mandatos na prefeitura e na Câmara?
Há várias questões sobrepostas aqui. Vamos separá-las. Sobre financiamento público tenho mais dúvidas que certezas, mesmo porque quando se cogita a idéia, nunca se sabe que modelo será adotado. Se por um lado o financiamento público poderia (enfatizo: poderia) trazer mais equilíbrio entre os competidores, por outro penso que o cientista político Leôncio Martins Rodrigues tem razão em perguntar: por que, afinal de contas, nós, os eleitores, devemos gastar mais dinheiro ainda para viabilizar um empreendimento político que não concordamos? Talvez uma saída fosse criar uma cultura de doações voluntárias, pessoais. O ponto principal seria a transparência. Os eleitores deveriam poder acompanhar em tempo real quem doou quanto para que candidato. Alguém lê prestação de contas na justiça eleitoral? Aliás, alguém acredita que esses números sejam fiéis à realidade?
Qual a relação entre a elite dirigente em Curitiba e a elite dirigente nacional? Existem mais regularidades ou mais diferenças nas suas ações quando se trata das políticas públicas?
Diferenças, sem dúvida. O PT representa certa novidade na política brasileira, responsável pela inclusão (na burocracia federal) de setores sociais e políticos distintos daqueles convencionalmente observados na história política do país: maior presença de sindicalistas, profissionais do magistério superior, profissionais ligados às “novas questões sociais” como ONGs ambientalistas e movimentos das minorias (negros, índios, mulheres etc.). Por sua forma de militância e inserção nas organizações políticas, defendem determinadas posições mais ligadas a estas posições 'de classe', embora o núcleo do governo acabe por reproduzir posições tradicionalmente atribuídas ao pólo da direita ou do centro (melhor seria dizer “liberais”, como a política econômica). Em Curitiba isto não se deu. Embora o PT tenha representação na Câmara Municipal e participe do governo estadual, nunca chegou a conquistar o Executivo municipal e isso é crucial, já que Curitiba nunca experimentou uma administração destes líderes com perfis políticos e ideológicos distintos. Menciono o PT porque é, ao lado do PSDB, a maior força eleitoral do país e o principal desafiante à candidatura de Beto Richa.
Como tem se portado o legislativo em Curitiba diante da prefeitura Municipal?
Em termos gerais, a Câmara Municipal de Curitiba atua conforme a lógica dos legislativos no Brasil (inclusive no plano federal e estadual). Como não há estudos empíricos sobre o legislativo municipal da capital, falo como observador: o Prefeito coopta o maior número possível de vereadores ou para seu partido, ou para a base de apoio. Essa é uma via de mão dupla: a maioria da Casa oferece apoio à administração municipal em troca de recursos político-eleitorais (a construção de escola, creche, posto de saúde etc.). A possibilidade de propor leis da Câmara Municipal é reduzida e os projetos são muito localizados ou dedicados a assuntos pontuais, quando não completamente irrelevantes (nomes de ruas, homenagens etc.). Em algumas situações (raríssimas), a Câmara pode utilizar seu poder de veto diante das políticas do Executivo, forçando-o a negociar. Essa é a base para arranjos e concessões de alguns benefícios (pessoais ou não) e do incremento dos recursos para obras político-eleitorais.
Nessas eleições o discurso da tecnocracia ganhou mais peso, inclusive nos discursos oficiais, como do TSE, que reforça em propagadas oficiais na TV a necessidade do candidato ter um perfil de administrador experiente, de ser um tecnocrata. Qual o peso desse fenômeno na política municipal?
Um “tecnocrata” é um profissional que se distingue mais por seus méritos técnicos ou pessoais do que pelo tamanho do currículo político. Em geral, tecnocratas se afirmam como apolíticos, ou dotados de certa neutralidade em relação a certas posições políticas (esquerda, direita, reformista, socialista, conservador), preferindo ressaltar, ao invés de ideologias ou um vago “compromisso popular”, sua competência acadêmica,técnica, profissional. Numa campanha, há candidatos que apelam mais para um aspecto de sua biografia do que outro. Há aqueles que procuram mesclar sua dupla capacitação: tanto técnica, quanto política, enfatizando a passagem por partidos, postos legislativos, cargos políticos por nomeação. No caso de Curitiba, a tecnocracia (seja o grupo político, seja a idéia política) já foi bem mais forte, mas ainda persiste. Lembremos da figura emblemática de Jaime Lerner. Hoje, Beto Richa não precisa mais se afirmar como engenheiro civil, mas precisou em 2004, para afirmar que iria saber conduzir as obras que Curitiba precisava. Hoje, não pode deixar de lembrar que era filho de José Richa, que tinha a política (a boa política herdada do pai) no sangue. Moreira associa sempre melhorias na saúde à sua condição de médico capacitado (“diretor do Hospital de Clínicas”) e enaltece o fato de ser um “professor”: só um professor sabe cuidar da educação etc. Essas coisas que qualquer um fala em toda eleição. Ao mesmo tempo, faz questão de lembrar que é o candidato do governador Requião. O importante é que, observe, são maneiras de mesclar atributos individuais com heranças políticas para seduzir eleitores, ou de uma maneira, ou de outra. Trata-se, contudo, de uma publicidade muito menos enfática do que aquela que celebrava a racionalidade e a competência para cuidar de Curitiba. De toda forma há ainda resquícios deste tipo de marketing eleitoral porque, parece, o eleitor gosta de acreditar nisso.