artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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29 de maio de 2012

elites and democracy

[EUA, 1938
Margaret Bourke-White
Life] 

Adriano Codato

The majority of empirical theories of politics defines “democracy” simply as method of selecting a government. They highlight the process of choosing candidates by means of elections and the conformation of institutional arrangements which authorize and structure these choices. Elections are, in this system, almost the only form of controlling and punishing political agents and equality among citizens does not go beyond universal suffrage; one person, one vote, regardless of his or her social standing.

Given these premises, institutionalized democracy is a political regime which establishes an upper limit for participation, through the electoral vote, and for opposition. Democratic regimes are regimes that are broadly open to the public contestation of those who govern, regulated by legislation.

Robert Dahl listed the institutional guarantees that would, based on these ideas, make it possible to assess whether or not a given society is politically democratic. This list contains only eight items used in evaluating an institutionalized poliarchy: liberty of organization and association, liberty of expression, voting rights, eligibility rights, competition for public offices mediated through the vote, the existence of alternative sources of information, free and impartial elections, and governments capable of truly converting citizen preferences into decisions mediated by legitimately elected governments.

An evaluation of the Brazilian political system today according to these parameters would indicate (not without some controversy) that it sufficiently meets each one of them.

In addition to the issue of the diffusion of information and its sources, the fifth proposition, especially with regard to the social conditions which underline electoral competition, requires further testing. It would make it possible, for example, to determine the degree of inclusion of each different social group/class in the political elite.

This is an essential dimension of democracy which obviously, has no bearing on the formal criteria of eligibility (the legal definition of who can be elected and to which positions), but rather with the problem of can and who cannot accede to positions of powers: the informal interdictions, the social mechanisms of exclusions, the economic barriers, etc. Studies on the homogeneous or heterogeneous socio-professional profile of the elite groups are thus essential in order to discuss the political system per se, for instance, since they refer to the socially sanctioned structure of opportunities which filters those who participate in politics.

It is in this sense that researches on elites – and especially studies on the social origins of the political elites and their transformation in the course of time – become more important in characterizing the degree of democratization of the political system. This can be measured without necessarily referring, as usual, to more participative mechanisms in decision-making processes. This is an essential dimension in considering the quality of democracy.
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12 de setembro de 2011

As elites políticas e a qualidade da democracia

[Muscovites listening to war speakers 
in Park of Culture as they relax outdoors.
August 1941. Margaret Bourke-White
Life] 

publicado na
Gazeta do Povo
25 set. 2011
Adriano Codato

As teorias empíricas da democracia, ao contrário das teorias normativas, analisam o funcionamento concreto dos sistemas de poder nacionais e preocupam-se em explicar basicamente duas coisas: como é o comportamento efetivo dos cidadãos diante da política e como se dá, na prática, a competição entre as lideranças pelo voto popular.

Como entendem por “democracia” apenas o método de seleção dos governantes (e não um ideal de sociedade), destacam os processos de escolha de candidatos por meio de eleições e a conformação dos arranjos institucionais que permitem e autorizam essas escolhas. Eleições são, nesse sistema, as maiores formas de controle e punição dos dirigentes políticos e a igualdade entre os cidadãos se resume ao sufrágio universal: a cada pessoa, independentemente da sua condição social, cabe um voto.

Dadas essas premissas, uma democracia institucionalizada é um regime político que prevê um máximo de participação, só que através do voto eleitoral, e um máximo de oposição. Regimes democráticos são regimes amplamente abertos à contestação pública dos governantes, mas ela deve estar regulada pela legislação.

Robert Dahl, um importante cientista político norte-americano, fixou uma lista de garantias institucionais que permitiriam, com base nessas ideias, medir se uma sociedade seria ou não politicamente democrática. Essa lista contém apenas oito itens: 1) liberdade de organização e associação, 2) liberdade de expressão, 3) direito de votar, 4) direito de ser votado, 5) competição pelos cargos públicos através do voto, 6) a existência de fontes alternativas de informação, 7) eleições livres e isentas e 8) instituições governamentais que realmente convertam preferências dos cidadãos em decisões através de governos legitimamente eleitos.

Se avaliássemos o sistema político brasileiro hoje conforme esses parâmetros, diríamos (com alguma polêmica) que ele atende suficientemente a maioria deles.

O que seria preciso testar melhor, além da questão da difusão da informação, é a proposição número 5, em especial as condições sociais da competição pelo voto.  Ela permitiria estipular, por exemplo, o grau de inclusão dos diferentes grupos/classes sociais na elite política.

Essa é uma dimensão essencial da democracia que não tem, obviamente, a ver com os critérios formais de elegibilidade (definição legal de quem pode ser eleito e para qual lugar), mas sim ao problema de quem pode e de quem não pode chegar ao poder.

Nesse sentido é que estudos sobre elites – em especial estudos sobre as origens sociais das elites políticas – adquirem importância essencial para caracterizar o grau de democratização do sistema político.

Como nas modernas democracias contemporâneas não há nenhuma exigência de qualquer critério técnico para exercer a política (habilidades especiais como conhecimento jurídico, por exemplo), nem uma interdição de classe nos processos de recrutamento eleitoral, cabe ao analista identificar, para uma dada sociedade, que mecanismos (culturais, sociais, econômicos, simbólicos, institucionais) operam na seleção daqueles que se dedicarão profissionalmente à política e daqueles que serão sistematicamente excluídos dela.

Assim, estudos sobre a homogeneidade ou a heterogeneidade socioprofissional da elite no poder são essenciais para discutir a estrutura de oportunidades socialmente sancionada para participar da política.
Essas são questões que dizem respeito ao grau e ao tipo de democracia de um sistema político e isso pode ser medido sem que necessariamente se faça referência, como é usual, apenas a mecanismos mais participativos em processos decisórios governamentais.

Quanto mais variada socialmente for a elite parlamentar, mais oportunidades de participação política há em uma dada sociedade. Quanto mais oportunidades, mais democrática ela deve ser.
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20 de agosto de 2011

democracia, arenas decisórias e política econômica no governo Lula

[Brasília.
Frank Scherschel.
Life] 

LOUREIRO, Maria Rita; SANTOS, Fábio Pereira dos; GOMIDE, Alexandre de Ávila. Democracia, arenas decisórias e política econômica no governo Lula. Rev. bras. Ci. Soc.,  São Paulo,  v. 26,  n. 76, jun.  2011 .




RESUMO

O texto analisa as características da política fiscal no governo Lula, enfatizando seu conteúdo e estilo decisório, em perspectiva comparada, ou seja, fazendo o confronto com governos anteriores e ainda entre seus dois mandatos. A análise é contextualizada no quadro dos desafios trazidos pela inserção do país na economia global e pela ampliação das demandas sociais permitidas pela nova ordem democrática. Indica-se que a despeito dos limites impostos pelo mercado financeiro que exigem credibilidade financeira diante dos investidores e, portanto, restrições fiscais e altos níveis de superávits primários, há espaços para que a política fiscal também se oriente para outros objetivos: estímulo ao crescimento e à expansão da demanda interna, por meio de programas de transferência de renda. Isso foi possível, em grande parte, pela ampliação das arenas decisórias governamentais e pela adoção de estilo mais negociado de tomada de decisão.

Palavras-chave: Governo Lula; Democracia; Arenas decisórias; Política fiscal; Burocracia.
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29 de julho de 2011

mesa-redonda: democracia, representação e participação

[Afonso Arinos, 1987
Brasília, DF
André Dusek.
Pirelli/MASP] 


XV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA

Mesa-redonda 13 - Democracia, Representação e Participação

Democracia, representação e participação: uma hipótese sobre a estrutura do campo político brasileiro, hoje*
Adriano Codato
(nusp/ufpr)

O propósito dessa conferência é discutir o significado sociológico de alguns achados empíricos sobre os processos recentes de recrutamento da classe política brasileira. Ao mesmo tempo, pretendemos apresentar uma visão diferente sobre o assunto. Ou mais exatamente: a necessidade de incorporar, nessa discussão, variáveis históricas e sociológicas, além das vaiáveis institucionais usuais.

Na primeira parte menciono o que é "democracia" e o que é "participação democrática" para as teorias empíricas da democracia. Em seguida, listo as condições institucionais essenciais para a realização desse tipo de participação política (que é basicamente eleitoral), e localizo o que me parece ser um ponto cego nessas formulações. Essa discussão serve como introdução para destacar a importância e a relevância de estudos sobre elites políticas para determinar a qualidade da democracia.

Na segunda parte, apresento duas conclusões (em certa medida opostas) das pesquisas recentes sobre o processo de recrutamento parlamentar no Brasil: aquela que sustenta estar em curso um processo de popularização da classe política; e aquela que sustenta que a variável fundamental que incide no recrutamento político no Brasil é o profissionalismo político.

Na terceira parte avanço um modelo mais complexo para dar conta desse problema do recrutamento. Esse modelo deve congregar variáveis históricas, institucionais e sociais. Isso permitirá então propor uma hipótese um pouco diferente sobre o problema. Ao final, pretende-se resslatar as conseqüências analíticas do modelo e como esse tipo de explicação --- histórica e sociológica --- se diferencia da corrente dominante.


para ler a conferência completa,
clique aqui (em breve)

* Este texto baseia-se no projeto de pesquisa As transformações da classe política brasileira no século XXI: um estudo do perfil sócio-profissional dos deputados federais (1994-2014) desenvolvido no Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP) da UFPR. Foi apresentado na Mesa-redonda 13: “Democracia, Representação e Participação”, no Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, em julho de 2011 em Curitiba (PR). Coordenação: Maria Francisca Pinheiro Coelho - (UNB). Participantes: Maria da Glória Gohn (UNICAMP); Débora Messenberg (UnB); Adriano Codato (UFPR); e Sayonara Leal (UnB). 
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11 de março de 2011

democracia e países árabes

[Saudi Arabia, 1961
James Burke. Life] 


Icarabe: Quais são os problemas do olhar ocidental sobre a política do Oriente Médio?
Paulo Hilu*: Existem vários erros. Um dos erros é achar que essa região nunca conheceu a democracia. Os países que emergem do colonialismo francês e inglês tinham um sistema democrático, ou pelo menos estruturadamente democrático. Então, Síria, Líbano, Jordânia e Iraque tinham regimes que apresentavam todas as aparências da democracia liberal. Eleições, multipartidarismo, liberdade de imprensa. Só que eram sistemas que, ou eram controlados por um grupo, no caso do Líbano os maronitas, no do Iraque, os sunitas, ou era uma pequena elite urbana ou rural que controlava o sistema, como era o caso do Egito e da Síria. Isso fazia com que a maioria da população ficasse de fora da ação política. Muito parecido com o que era a República Velha aqui no Brasil.

Icarabe: E continuava a ligação com as colônias?
PH: Esses regimes dependiam das antigas potências coloniais, aos quais estavam ligados por tratados, que colocavam as riquezas e as forças armadas sob tutela dessas potências. Então, obviamente, as transformações do século XX, como urbanização, desenvolvimento de uma classe operária, o deterioramento das condições no campo, onde os proprietários de latifúndio exploravam uma mão-de-obra proletarizada, levaram à queda desses regimes. Outro fator foi o fracasso militar diante da primeira guerra entre árabes e isralenses, que levou à criação do Estado de Israel. De certa maneira, deslegitimizou esses Estados, vistos então como meros fantoches coloniais. Isso levou à queda de todos eles nas mãos de líderes populistas, geralmente inspirados por visões nacionalistas, de caráter socialista, e o melhor exemplo é Nasser. Então, esses líderes vão subir um a um. Nasser no Egito em 1952, o Baath na Síria em 1963, o partido Baath no Iraque em 1968. Você já tem na época uma percepção que ligava a democracia a um goveno de elite e ao colonialismo europeu, e a sua substituição por esses regimes nacionalistas árabes traziam uma idéia de que eles estavam realmente incorporando as massas ao processo político, e que realmente estavam atendendo aos desígnios da nação. Então, vêm dessa época a pouca base social que as idéias liberais tinham no Oriente Médio.

Icarabe: E como se saíram esses novos regimes?
PH: Esses regimes também não conseguiram resolver a questão. Eles também construíram regimes que excluíam boa parte da população do sistema político. Sem dúvida, eles tinham bases sociais nobres, como camponeses e operários, mas também se apoiavam em um poderoso aparato repressivo de polícias secretas. Além disso, economicamente, eles não conseguiram trazer um bem-estar à população e politicamemnte não conseguiram enfrentar a questão do conflito com Israel de maneira satisfatória. A questão palestina continuou sendo o grande problema das relações internacionais do Oriente Médio. A partir da década de 80, você tem o descrédito desses regimes e uma movimentação nas sociedades árabes em dois sentidos. Em primeiro, a substituição de ideologias nacionalistas e socialistas seculares por versões politizadas do Islã e das identidades religiosas, já num contexto de declínio mundial do socialismo. Essas identidades religiosas atendiam a uma representação de autenticidade cultural, a idéia de que o Islã era nativo, era o que o Oriente Médio tinha de original em relação a ideologias políticas importadas da Europa, entre elas o socialismo. Ao mesmo tempo, você tinha entre a classe média uma demanda por democracia e liberalização do regime. O que acontece é que os regimes autoritários conseguem chantagear essa classe média por causa do medo que elas tinham de um regime islâmico. Elas sempre tiveram um estilo bastante capitalista e uma visão de mundo bastante secularizada. Ninguém estava interessado numa República Islâmica no modelo do que aconteceu no Irã, em 1979.

Icarabe: Como se posicionavam esses novos movimentos islâmicos na política da região?
PH: Eles eram uma forma de protesto contra a corrupção, o autoritarismo, a opressão. Mas o interessante é que muitos movimentos islâmicos incorporaram reivindicações democráticas. Muitos deles pediam a liberalização do sistema político, da democracia, porque sabiam que iam ganhar qualquer eleição. Eles pediam o fim da tortura, o respeito aos direitos humanos. Então você tem essa nebulosa islâmica que toma conta do imaginário político do Oriente Médio. Eles também mobilizaram toda uma rede de assitência social e religiosa para trazer benefícios políticos, coisa que os partidos seculares nunca conseguiram.

Icarabe: Como reagiram os Estados a essa movimentação do Islã político?
PH: Os Estados responderam com uma força maior ainda, o que levou a um processo de radicalização e de violência, que vai marcar todo o final da década de 80 e começo dos anos 90. Isso acontece em toda a região. Só que a partir da década de 90, você tem um outro fenômeno, que é o declínio do Islã político. Primeiro, a crescente radicalização e a transformação desses movimentos em grupos violentos afasta o apoio social que eles tinham. Outra coisa, é uma crescente difusão desses ideais religiosos como elementos culturais. Passa-se a ter a islamização da sociedade, e o que eram valores religiosos passam a ser simplesmente valores culturais, ou seja, valores que são constituídos pelas interações sociais difusas, horizontais, sem intermediação de uma entidade, texto ou local religioso.

Icarabe: E hoje? Como permanece essa disputa?
PH: Nos anos 90, os modelos revolucionários como o Irã, entram em uma fase pós-revolucionária, com uma grave crise econômica e social. Isso faz com que haja uma substituição da militância ideológica pela meritocracia individual no Irã. Isso faz com que os movimentos do Islã político também mudem de foco. O foco deixa de ser o Estado, de difícil conquista pela luta armada. A construção da sociedade islâmica deixa de ser pensada a partir do Estado islâmico e passa ser vista a partir da reforma do indivíduo. A idéia é que se você reformar todos os indivíduos em bons muçulmanos, você terá uma sociedade islâmica independente do Estado. Nos anos 90, emerge esse modelo de Islã social, de religião pública no Oriente Médio. Esse é o modelo que predomina até hoje. Não quer dizer que o Islã político tenha desaparecido. Ele perde a hegemonia.

Icarabe: Quem comandaria essa reforma?
PH: Voltam à cena os líderes religiosos tradicionais, que estavam marginalizados pela militância do Islã político. Geralmente, os agentes do Islã político não saem do ambiente religioso. São, na verdade, pessoas que têm uma formação secular e interpretam a religião. Então há uma individualização das práticas e crenças religiosas, uma maior autonomia em relação ao establishment religioso ou a grupos religiosos. Você tem uma difusão e fragmentação desse processo. O que não o torna mais fraco. Pelo contrário, ele se torna cada vez mais presente. É só olhar qualquer cidade do Oriente Médio, os sinais exteriores de religiosidade são muito mais presentes do que 30 anos atrás, como o uso do véu, por exemplo.

Icarabe: Cite um exemplo de grupo que seguiu esse caminho?
PH: O Hezbollah é um exemplo perfeito disso. Nesses movimentos, muitos militantes se institucionalizaram e entraram no jogo político. A entrada no jogo político é o início de um rápido processo de desradicalização. O Hezbollah, quando foi criado no Líbano em 1982, em relação íntima com serviços secretos iranianos, pregava uma revolução islâmica no Líbano, como a Revolução Iraniana, para criar um Estado islâmico, virando depois uma revolução mundial. Mas o Hezbollah ganha consistência na sua luta contra o exército israelense no Líbano e passa, desde seu início até 2000, com a saída de Israel sob a pressão militar do próprio Hezbollah, de um grupo islâmico para um grupo nacionaista libanês. Embora o discurso fosse religioso, as táticas do Hezbollah e o objetivo deles eram objetivos nacionais libaneses, ou seja, passa a ser expulsar os israelenses do Líbano.

Icarabe: Então o Hezbollah é um ponto importante na cena política do Líbano, por exemplo?
PH: Você tem uma crescente conformação da prática política e da apresentação à cena política libanesa por parte do Hezbollah como partido nacional libanês. É com esse capital que eles entram no jogo político em 1992, participando das eleições municipais. Desde então eles participam de todas as eleições, e sempre marcados por um extremo prgamatismo, fazendo alianças com grupos cristãos e com grupos sunitas. Muitas vezes o Ocidente não entende que a liberalização dos regimes do Oriente Médio nos anos 90 foi causado pela pressão dos grupos islâmicos, ou seja, insistem em usar categorias esquemáticas de tudo que é Islã político é ruim, é terrorista.

Icarabe: E com ocorre a substituição de França e Inglaterra pelos Estados Unidos como potência imperialista na região?
PH: Desde 1956, os Estados Unidos substituem a potência intervencionista no Oriente Médio. Isso é marcado por duas coisas. A aliança com Arábia Saudita, por causa do petróleo, e a aliança estratégica com Israel. Os Estados Unidos eram contra os Estados nacionalistas que surgiram após a queda dos regimes ligados a ex-metrópoles. Quando surgem esses grupos islâmicos, os Estados Unidos não vêem necessariamente com maus olhos, porque eles são contra o nacionalimo árabe. Muitos desses grupos islâmicos eram financiados pela Arábia Saudita. Os Estados Unidos também estavam financiando a guerrilha jihadista no Afeganistão. Em um primeiro momento, eles não olham para isso como um problema. Eles vão ver isso como problema no final dos anos 80, quando os regimes aliados dos Estados Unidos, como o Egito de Mubarak, e o regime da Jordânia, se vêem acuados pela oposição islâmica.

* Coordenador de pesquisa de pós-graduação em Antropologia e do Núcleo de Estudos sobre o Oriente Médio da Universidade Federal Fluminense, de Niterói. Na instituição, trabalha com três linhas de pesquisa: estudo do Islã na Síria, estudo do Islã no Brasil e estudo da identidade árabe no Rio de Janeiro. É graduado em História, além de Medicina, tem mestrado em Antropologia da Ciência e Ensino e doutorado em Antropologia, com enfoque em Islã e Sufismo. Nascido em 1968, é de origem árabe, além de portuguesa, e morou na Síria entre os anos de 1999 e 2001. Tem três livros publicados.

fonte: http://icarabe.provisorio.ws/entrevistas/e-erro-achar-que-essa-regiao-nunca-conheceu-a-democracia
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12 de fevereiro de 2011

robert fisk: eua, frança, alemanha, egito e a democracia

[Cul Afri Egypt Gods 
I-Z Seket Ptah Ect Ra
arquivo Life]

hipocrisia exposta pelos ventos da mudança
por Robert Fisk, The Independent, UK

Posted By Viomundo On 11 de fevereiro de 2011 @ 9:30 In Internacional |
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Nada como uma revolução árabe para expor a hipocrisia dos amigos. Sobretudo, se a revolução é revolução de civilidade e humanismo, movida pelo desejo de viver em democracia do tipo que conhecemos na Europa e na América.

A quantidade estrondosa de bobagens enunciadas por Obama e por La Clinton nas últimas duas semanas é só uma parte do problema. De “estabilidade” até “tempestade perfeita” – o Departamento de Estado deve andar assistindo muito “E o vento levou…”, em matéria de copiar Hollywood no eterno fracasso de jamais conseguir ver valores morais no Oriente Médio –, chegamos aos presidenciais “agora-significa-ontem” e “transição ordeira”, cuja tradução é: nenhuma violência até o ex-general Mubarak da Força Aérea afastar-se um pouco, para que o ex-chefe da segurança general Suleiman possa assumir o governo em nome dos EUA e de Israel.

O canal Fox News já informou seus telespectadores nos EUA que a Fraternidade Muçulmana – o mais “soft” dos grupos islamistas no Oriente Médio – estaria manipulando os valentes homens e mulheres que se atreveram a resistir à polícia política da ditadura. E magotes de ‘intelectuais’ franceses (as aspas são essenciais, no caso de figuras como Bernard-Henri Lévy, na inolvidável manchete do Le Monde) inventaram “a intelligentsia do silêncio”[1].

Todos sabemos por quê. Alain Finkelstein fala de sua “admiração” pelos democratas, mas também da necessidade de “vigilância” – o que sempre garante nota baixa para qualquer ‘filósofo’ – “porque hoje sabemos sobretudo que não sabemos em que dará tudo isso”. Essa citação quase rumsfeldiana só é superada pela ideia absolutamente ridícula, pela obviedade, da lavra de Lévy, segundo a qual “é essencial considerar a complexidade da situação”. Curiosamente, é exatamente o que os israelenses sempre dizem quando algum ocidental desorientado sugere que Israel pare de roubar terras árabes na Cisjordânia para lá instalar seus colonos de ocupação.

De fato, a própria reação de Israel aos acontecimentos no Egito – que ainda não seria hora de o Egito chegar à democracia (para não ameaçar o título de Israel como “a única democracia no Oriente Médio”) – tem tanto de inadmissível quanto de autoderrotista.

Israel estará sempre mais segura, se cercada por democracias verdadeiras, do que, como vive hoje, cercada de ditadores pervertidos e viciosos, ou de monarcas autocratas. Para seu alto crédito, o historiador francês Daniel Lindenberg disse uma verdade, essa semana: “Temos, infelizmente, de admitir a realidade: muitos intelectuais creem, sinceramente, que os povos árabes seriam geneticamente atrasados”.

Sem novidade. Aplica-se aos sentimentos subterrâneos dos europeus sobre todo o mundo muçulmano.

A chanceler Merkel da Alemanha anuncia que o multiculturalismo não funciona, e um aspirante ao trono da família real da Bavária disse, há pouco tempo, que há turcos demais na Alemanha porque “os turcos não querem ser parte da sociedade alemã”. E quando a própria Turquia – a mais perfeita combinação de Islã e democracia que há hoje no Oriente Médio – aspira a unir-se à União Europeia e quer partilhar nossa civilização ocidental, a Europa tenta por todos os meios, inclusive por meios racistas, impedir que a Turquia integre-se.

Em outras palavras, queremos que eles sejam iguais a nós, desde que fiquem bem longe. E então, se eles mostram que podem ser como nós, mas não querem invadir a Europa, fazemos o possível para instalar lá, no governo ‘deles’, mais um general adestrado nos EUA, para controlá-los.

Exatamente como Paul Wolfowitz reagiu ao Parlamento turco (porque não autorizara que as tropas que invadiriam o Iraque passassem por território turco), perguntando se “os generais nada disseram sobre aquela decisão?”, a Europa, agora, nos reduzimos a ouvir o que o secretário de Defesa Robert Gates dos EUA diz, rastejante, elogiando o exército egípcio por sua “contenção” – e aparentemente sem nem perceber que deveria elogiar, isso sim, o povo do Egito, os que desejam democracia, eles sim, magnificamente “contidos”, militantes da não-violência, em vez de elogiar um magote de generais-brucutus.

E é assim que, quando os árabes reivindicam dignidade, respeito e autorrespeito, quando clamam pelo futuro que o próprio Obama delineou no então elogiado – e hoje, suponho, já amaldiçoado – discurso na Universidade do Cairo em junho de 2009, nós desrespeitamos os árabes e manifestamos desprezo. Em vez de a Europa festejar que os egípcios estejam lutando por democracia, tratamos a luta e a reivindicação como um desastre.

É infinito alívio descobrir um jornalista norte-americano sério, Roger Cohen, que está “por trás das linhas” na praça Tahrir, e de lá fala a indesmentível verdade sobre essa nossa hipocrisia. E é desgraça sem alívio, quando falam os ‘líderes’. Macmillan deixou de lado as pretensões colonialistas, sobre a África não estar preparada para a democracia, e falou de “ventos de mudança”. Agora, os ventos de mudança sopram no mundo árabe. E nós lhes damos as costas.

[1] O artigo, “A Paris, l’intelligentsia du silence”, de Thomas Wieder, foi publicado no Le Monde do domingo, 6/2/2011 em http://www.lemonde.fr/cgi-bin/ACHATS/acheter.cgi?offre=ARCHIVES&type_item=ART_ARCH_30J&objet_id=1147799 [1], só para assinantes; pode ser lido na íntegra em http://www.protection-palestine.org/spip.php?article10086 [2] (em francês).


Article printed from CartaCapital: http://www.cartacapital.com.br
URL to article: http://www.cartacapital.com.br/internacional/robert-fisk-hipocrisia-exposta-pelos-ventos-da-mudanca
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[1] http://www.lemonde.fr/cgi-bin/ACHATS/acheter.cgi?offre=ARCHIVES&type_item=ART_ARCH_30J&objet_id=1147799: http://www.lemonde.fr/cgi-bin/ACHATS/acheter.cgi?offre=ARCHIVES&type_item=ART_ARCH_30J&objet_id=1147799
[2] http://www.protection-palestine.org/spip.php?article10086: http://www.protection-palestine.org/spip.php?article10086
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30 de outubro de 2010

as eleições de 2010 e a democracia brasileira

[Viagem Interior, 1996. 
Paulo Velloso. Pirelli/MASP] 

evento
Promoção: Uninter, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (UFPR), NUSP, TRE-PR.

Local: UFPR, Campus Reitoria, Ed. Dom Pedro I., Segundo Andar. Rua Gal. Carneiro, 150, Centro.

Entrada Franca






MESA 1 - AS REGRAS E OS ATORES NA DEMOCRACIA ELEITORAL BRASILEIRA
17 novembro 19 hs.
COORDENAÇÃO: Karla Gobbo (Uninter)

Emerson Cervi (UFPR) – Financiamento de campanhas e partidos políticos no Brasil: do público ao privado, do Estado à Sociedade
Doacir Quadros (Uninter) – Partidos políticos e propaganda política
Bruno Bolognesi (UFSCar) – Recrutamento político no Brasil: desafios e qualidade da representação política

MESA 2 - A DEMOCRACIA DE MASSAS NO BRASIL
18 novembro 19 hs.
COORDENAÇÃO: Adriano Codato (UFPR)

Renato Perissinotto (UFPR) – Como anda a poliarquia brasileira? Uma análise sobre as eleições de 2010
Luiz Domingos Costa (Uninter) – Os descompassos nas mudanças da classe política brasileira
Pedro Floriano Ribeiro (UFSCar) - As transformações internas do PT e as eleições de 2010: balanço e perspectivas

MESA 3 - INFORMAÇÃO E DEMOCRACIA
19 novembro 19 hs.
COORDENAÇÃO: Fernando José dos Santos (TRE-PR)

Marden Machado (TRE-PR) – O papel das Assessorias de Comunicação da Justiça Eleitoral
Maria Sandra Gonçalves (Gazeta do Povo) - Desafios e armadilhas da cobertura eleitoral na imprensa diária
Sérgio Braga (UFPR) – O papel da internet nas eleições de 2010: mapeamento de um debate e algumas evidências preliminares
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5 de janeiro de 2010

Jon Elster e a democracia

[Fazenda de Itu,
1973.

Stefania Bril.
Pirelli/MASP]

ENTREVISTA
JON ELSTER
A
CLAUDIA ANTUNES

Folha de S. Paulo,
17 jun. 2007

Essa entrevista de Elster à Folha, embora antiga, toca em dois pontos importantes, a meu ver: a necessidade de pensar a democracia deliberativa a partir de seus "mecanismos", e não apenas de valores; e a dificuldade do socialismo em manter as pessoas mobilizadas e interessadas em política todo o tempo.

FOLHA - Como vai a democracia no mundo, em sua opinião?
JON ELSTER - Eu considero que hoje só há uma escolha, entre democracia e ditadura; a possibilidade de um governo da elite ou da oligarquia está morta para sempre. Ninguém pode reivindicar superioridade em termos de riqueza, nascimento ou educação. Agora, o que vemos em alguns países como a Rússia é uma forma especial de democracia, que é autoritária. Embora baseada em eleições, é difícil dizer o quanto isso importa. Para uma democracia verdadeira, é preciso ter partidos políticos que se alternem no poder. É o teste para sabermos se estamos diante de um arremedo de democracia ou de uma democracia verdadeira. A Quinta República Francesa só provou ser uma democracia em 1981, quando os socialistas chegaram à Presidência.

FOLHA - Há o argumento de que partidos diferentes governam igual por causa da influência de oligarquias econômicas não eleitas.
ELSTER - Em primeiro lugar, eu não acho que isso se aplique à política externa. Um governo democrata nos EUA possivelmente não estaria numa guerra no Iraque. De maneira geral, há alguma correção no raciocínio de que, numa economia de mercado globalizada, há restrição às ações dos governos. Mas ela é muito ou pouco importante? Depende do país, das políticas. Não dá para generalizar.

FOLHA - O senhor defenderia o voto obrigatório em países onde a abstenção é alta, como os EUA?
ELSTER - Acho que dependeria de quais seriam as sanções para quem não votasse, ou a recompensa para quem votasse. É verdade que existe nos EUA um problema de participação democrática - o último presidente foi eleito por 29% dos eleitores, uma base popular muito pequena. Isso é perigoso.

FOLHA - O senhor diz que chegar a governos estáveis deve ser uma meta dos sistemas eleitorais. Como combinar representação justa e estabilidade?
ELSTER - Com compromissos. Para ter justiça, você pode ter representação proporcional; para ter alguma estabilidade, precisa ter uma cláusula de barreira de 3% ou até 5% dos votos, de modo que os pequenos partidos não possam chegar ao Parlamento. O voto proporcional pode gerar menos estabilidade do que o majoritário, mas pode levar a mais justiça.

FOLHA - O Congresso brasileiro debate a introdução de listas partidárias fechadas. É democrático?
ELSTER - Um sistema em que só os partidos podem designar a ordem dos eleitos é antidemocrático. O sistema ideal tem que combinar algum papel dos partidos na criação das listas mas também a possibilidade de os eleitores modificarem-na.

FOLHA - Que importância o senhor dá ao equilíbrio de poder entre as instituições do Estado?
ELSTER - Tanto a separação dos Poderes quanto a existência de pesos e contrapesos são importantes. Mas nos EUA, por exemplo, há contrapesos demais. O Senado americano é, acredito, uma instituição ridícula por causa do modo como é eleita, dando a todos os Estados o mesmo peso. Hoje, a Alemanha apresenta um bom equilíbrio. Embora tenha um modelo federativo, não dá poder igual a todos os Estados no Senado; há certa proporcionalidade.

FOLHA - O senhor é próximo de proponentes da chamada "democracia deliberativa", que enfatiza o consenso por meio do debate público mais do que a disputa político-eleitoral entre grupos de interesse. Qual a influência do alemão Jürgen Habermas em sua obra?
ELSTER - O meu trabalho sobre a democracia foi de certa maneira inspirado por Habermas. Mas há uma diferença fundamental: Habermas está mais preocupado com princípios normativos da deliberação e eu com os mecanismos de causa e efeito na deliberação e como características institucionais podem melhorar a qualidade da deliberação. Acho que as idéias de Habermas até certo ponto tolhem o debate de fato; quer dizer, as pessoas têm que falar e agir como se fossem "habermasianas".

FOLHA - Como se fossem neutras?
ELSTER - É, imparciais. Isso é o que chamo no meu trabalho de "a força civilizadora da hipocrisia". Então tento usar as idéias de Habermas para explicar o comportamento de pessoas de verdade que são constrangidas pelo meio público. Mesmo se as pessoas estão motivadas apenas pelos seus interesses individuais, as regras e mecanismos do debate público vão forçá-las a justificar suas posições em termos de interesse público. Isso limita o interesse particular, em alguma medida.

FOLHA - O que o senhor acha da idéia da democracia participativa, muito popular na América Latina?
ELSTER - Oscar Wilde disse que o problema do socialismo é que a semana só tem sete noites. Do mesmo modo, a democracia participativa às vezes parece exigir mais compromisso e mais recursos do que é razoável esperar das pessoas.
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21 de junho de 2009

Universidade e democracia

[World'S Fair. Undulating exterior detail of an unident.
exhibition bldg. at the New York World's Fair.
1939. Alfred Eisenstaedt. Life]


Folha de S. Paulo
São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

Que universidade é essa?

RENATO JANINE RIBEIRO

A USP é a melhor universidade da América do Sul. E é a única universidade pública brasileira que não tem eleições diretas para reitor. Esses dois traços estão ligados ou não? Parte da comunidade acredita que ela é a melhor porque não cai na demagogia. Outra parte acha que não ter eleições diretas é sério déficit democrático.
Muito da discussão se deve a uma confusão entre poder e autoridade. Na academia, o que conta é autoridade. Ter autoridade não é mandar. "Auctoritas" é algo difuso. Vem do latim "augere" -crescer, desenvolver, animar, embelezar-, que, por sinal, também dá "augusto". Expressa um sentido moral, um respeito à qualidade. Passa pelo reconhecimento do mérito no pensar, no criar. Na democracia, o poder vem da eleição. Mas nem voto nem nomeação dão autoridade.
Dentro da academia, um poder sem autoridade é vazio. Uma universidade ou um departamento chefiados por quem não tem autoridade acadêmica perde em respeito.

Povo USP
Assim, primeiro ponto: uma universidade deve ter qualidade. Esse é o seu diferencial específico. Deve formar bons alunos, mas, se tiver ambição de liderança, deve formar doutores muito bons e fazer pesquisa entre boa e ótima. Isso a USP faz. Segundo: "democracia", o poder do povo, exige uma pergunta. O que é o povo? Há um "povo USP", composto de seus docentes, funcionários e alunos, que teria o direito ético de eleger a direção da universidade? Não. O povo que existe é o paulista, que sustenta a USP. Os servidores, docentes ou não, que ele paga, e os alunos, que recebem de graça um ensino muito bom, não são um povo.
Ninguém de nós cogitaria que a direção das secretarias de Estado fosse eleita por seus funcionários, ou a dos hospitais pelos seus servidores. Mas, se o reitor da USP fosse nomeado (e demitido) pelo governador como um secretário de Estado, seria um desastre.
A autonomia é necessária -justamente, porque a universidade se distingue por sua qualidade. Sou contra a "meritocracia". Numa democracia, o poder ("kratos") é do povo. Ter poder implica definir metas para o governo. A universidade é um meio excelente para certos fins que nossa sociedade consensuou democraticamente: formação de profissionais (na graduação) e, nas melhores instituições, formação de pesquisadores e avanço na pesquisa.
Sendo um meio, a universidade tem de ser muito boa. Daí que nela deva contar não o poder, mas a autoridade. O governador recebe poder do povo. Já a autonomia da universidade decorre de sua autoridade. Isso a deve afastar dos confrontos partidários -cujo lugar correto está na disputa pelo poder político. A pesquisa pós-graduada constitui o segredo interno da boa universidade. Ninguém sabe disso fora dela. Quando a imprensa ou os políticos se debruçam sobre as universidades, quando discutem vestibular ou cotas, pensam na graduação.
Mas o que distingue uma universidade em segundo grau -isto é, aquela que forma quadros para serem criadas e desenvolvidas outras instituições de ensino superior, fazendo o que chamamos de "nucleação" (isto é, formar núcleos de bons docentes)- é sua pujança na pós-graduação. E isso porque, no Brasil, à diferença dos EUA, quase toda a pesquisa, inclusive parte da tecnológica, se faz nas universidades. Mas quem é o sujeito da autonomia, quem -dentro da universidade- detém legitimidade para, em nome dela ("autos"), dar-lhe suas regras, suas leis (o "nomos")? Aqui está o problema.
Neste ano, teremos a sexta eleição para reitor por regras que fazem com que, depois de um primeiro turno em que votam mais de 1.200 membros das congregações e conselhos, o nome se defina num segundo turno restrito aos 256 membros dos conselhos centrais. Das cinco eleições realizadas desde 1989, só numa venceu um candidato de oposição ao reitor. Milhares de docentes doutores nem sequer votam no primeiro turno, e o segundo turno é próximo demais do poder. Isso não é bom. Afasta o reitor da comunidade.
Tal situação favorece a greve de (quase) todo outono e a reivindicação, que não tem apoio da maioria acadêmica, por eleições diretas. Por que digo que não tem apoio? Porque em nenhuma escolha depois de 1985 houve um candidato sequer que fosse à consulta direta. Todos aceitaram as regras do jogo. Mas ficou uma distância entre o reitor e sua comunidade, que o enfraquece.

Outro sistema
Na comunidade acadêmica, muitos não aceitam eleições diretas. Vários bons pesquisadores prefeririam um sistema que funciona bem, fora da América Latina: o do comitê de busca que entrevista os selecionados e, em razão de seu currículo e de seus projetos, escolhe o reitor. Mas não creio que esse sistema funcione aqui, porque contraria as tradições construídas nas últimas décadas e que tendem à eleição. Nosso sistema foi testado, está superado e defendo sua mudança para o futuro. Mudá-lo a quatro meses das eleições seria ilegítimo. Mas ele precisa ser ampliado.
Concluindo: primeiro, toda e qualquer mudança na direção da universidade só terá valor se aumentar, e não diminuir, a qualidade da pesquisa científica que fazemos. É por isso que muitos se opõem à eleição direta, na qual veem a subordinação da qualidade a questões políticas, a redução da autoridade ao poder. Segundo, precisa aumentar sensivelmente o colégio que escolhe o reitor. Pessoalmente, defendo que um colégio mais amplo -que inclua os membros dos conselhos departamentais e das comissões estatutárias nas faculdades- vote no primeiro turno; que o segundo turno também se amplie, talvez com o mesmo colégio; e que se negocie com o governador a substituição da lista tríplice por uma representação da sociedade no colégio eleitoral, de modo que a eleição do reitor se complete pelo voto.
Há, sem dúvida, outras propostas de ampliação. Mas qualquer mudança na eleição só tem sentido se for para aumentar a legitimidade do reitor -fazê-lo mais representativo, sim, mas lhe dar maior "auctoritas". Na USP, a autoridade foi para os líderes de bons grupos de pesquisa. A reitoria precisa recuperar a liderança, mas esta não é questão de poder, e, sim, de qualidade.

RENATO JANINE RIBEIRO é professor titular de ética e filosofia política na USP e foi diretor de avaliação da Capes entre 2004 e 2008. É autor de "O Afeto Autoritário" (ed. Ateliê).



19 de dezembro de 2008

O Congresso Nacional em 2008


O raio-x das votações no Congresso em 2008

Antônio Augusto de Queiroz*
congressoemfoco

A produção legislativa em 2008, entendida como a transformação em leis ordinárias de proposições no período situado entre 1º de janeiro a 18 de dezembro, teve quatro características: grande quantidade, baixa qualidade, aumento da autoria de parlamentares e pouca participação dos Plenários das Casas em sua aprovação.

Em termos quantitativos, o número de leis de 2008, no total de 224, comparativamente com os anos de 2006 e 2007, respectivamente 178 e 170 leis, foi grande. Em pelo menos dois aspectos, houve coincidência nesses três anos: pauta bloqueada por medidas provisórias (MP) e obstrução da oposição, mas também houve diferenças. A primeira é que neste ano, ao contrário dos dois anteriores, não houve crise política no Congresso. A segunda é que, apesar de a imprensa registrar o contrário, houve grande redução no número de MPs editadas.

Qualitativamente, com raras exceções, as leis de 2008 deixam muito a desejar. Para se ter uma idéia, mais da metade delas tratam de homenagens, de datas comemorativas, de remanejamento de recursos orçamentários, criação de cargos em comissão, entre outras matérias de pouca importância, em termos de política pública.

Entre os temas relevantes, destacam-se as leis sobre o reconhecimento das centrais sindicais, proibição de dirigir alcoolizado (Lei Seca), o piso nacional dos professores, guarda compartilhada de filhos, aposentadoria para o trabalhador rural contratado por curto prazo, ampliação da licença-maternidade, estágio remunerado, combate à pedofilia, política nacional de turismo e medidas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Os parlamentares, neste ano, aumentaram significativamente sua participação na autoria de leis, passando de uma média inferior a 20%, para 36%. Das 224 leis, 81 são de autoria de parlamentares. Este dado ganha significado quando se analisa a natureza das matérias objeto das leis de iniciativa do Poder Executivo.

Das 224 leis de 2008, 130 são de iniciativa do Poder Executivo. Se considerarmos que 77 dessas leis tratam de matéria orçamentária, cuja iniciativa é privativa do Poder Executivo, e 25 cuidam de criação de cargos ou reestruturação de carreiras no governo federal e dos tribunais superiores, também privativas deste poder e dos tribunais, quem mais legislou em matérias de iniciativa comum dos três poderes foi o Legislativo, portanto, os parlamentares.

Quanto à forma de tramitação, das 224 leis, 69 foram aprovadas no plenário do Congresso (sessão conjunta da Câmara e Senado), 97 foram aprovadas conclusivamente pelas comissões técnicas e somente 58 passaram pelos plenários da Câmara e do Senado, separadamente. No caso das matérias votadas no Plenário do Congresso, todas de natureza orçamentária, foram aprovadas por acordo de liderança, já que as sessões do Congresso, diferentemente das realizadas pelas Casas separadamente, quase nunca dão quorum, ou seja, raramente reúnem, no mínimo, 257 deputados e 41 senadores.

Finalmente, registre-se a iniciativa das leis de 2008: 1) Judiciário: 13; 2) Congresso, 81, sendo 19 de deputados e 62 de senadores; 3) Poder Executivo, 130, sendo 23 de projetos de lei, 38 oriundos de MP (das quais, 14 aprovadas originalmente e 24 alteradas e convertidas em projeto de lei de conversão) e 69 de PLN (projeto de lei do Congresso: Câmara e Senado juntos).

A produção legislativa em 2008, apesar do empenho dos presidentes das duas Casas, ficou a desejar em termos de qualidade. O presidente da Câmara, por exemplo, fez um esforço pessoal enorme para aprovar conclusivamente as reformas política e tributária, as propostas de emenda à Constituição do trabalho escravo e a que regulamenta a edição de MPs, assim como outros temas de grande relevância, mas não houve concordância da oposição, cuja obstrução foi intransigente nas duas sessões desta legislatura, notadamente em 2008.
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*Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
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6 de dezembro de 2006

A lógica política e o segundo governo Lula


Artigo publicado na Revista dos Bancários Curitiba, n. 26, dez. 2006.

Luiz Domingos Costa* e
Adriano Codato**


O processo de institucionalização da democracia no Brasil tem sido acompanhado por um equilíbrio entre as principais agremiações partidárias no Congresso Nacional. A hegemonia dos partidos provenientes do período ditatorial-militar (o PMDB e o PFL), medida pelo número de cadeiras conquistadas a cada eleição, vem sendo atenuada pelo crescimento das bancadas de outros partidos. PSDB, PT, PP e PSB já são forças expressivas na arena legislativa. Parece ter deixado de ser a regra da política congressual partidos com bancadas superiores a 100 cadeiras na Câmara dos Deputados. Os maiores partidos, os mais competitivos, os mais votados detêm entre 50 e 100 cadeiras. As eleições deste ano confirmam essa tendência ao equilíbrio. A distribuição da força parlamentar entre as diferentes agremiações impede a existência de um sistema de partido dominante. O multipartidarismo é uma prova de que as forças políticas não cabem num regime artificialmente bipartidário.

Mas o que isto quer dizer na prática sobre a correlação de forças entre os partidos no Legislativo nacional? E como serão as conexões dos partidos políticos com o Executivo federal?

Com toda certeza, a lógica das coalizões multipartidárias para formação de maiorias mais ou menos sólidas no parlamento (as “alianças” políticas) continuará a predominar. Esta é a regra do presidencialismo brasileiro. Ou seja: à medida que nenhum partido político é numericamente hegemônico no Congresso, a possibilidade de aprovação de uma série de proposições do Executivo – principalmente as reformas constitucionais – depende necessariamente da formação de amplas coalizões entre vários partidos, independentemente de suas “ideologias”. Assim se constrói a “base de apoio” ao Executivo e a “governabilidade”.

Como se sabe, mas nunca é demais lembrar, as coalizões estão baseadas em trocas políticas: o presidente negocia a distribuição de cargos entre os partidos (ministérios, diretorias, assessorias etc.), que por sua vez irão apoiar o presidente nas votações no Congresso em matérias de interesse do Executivo. Sem este esforço – de resto tão malvisto pela opinião pública – os governos teriam de pactuar sua agenda caso a caso com os líderes dos partidos políticos. Ou teriam de mobilizar a opinião pública a cada votação decisiva, apelando para o estoque de capital político acumulado na eleição presidencial. Isso pode gerar vários problemas de coordenação política. No limite, isso tende a levar, quando o presidente for impopular ou quando as medidas forem mais ousadas, à “paralisia decisória”: isto é, o Executivo perde a capacidade de operar e implementar suas decisões. Reina, mas não governa.

Recorrer a alianças partidárias para a formação de governos (a composição do ministério) e de maiorias de sustentação política (a base governista) é uma prática usual, quer se trate de sistemas presidencialistas ou parlamentaristas. Aqui no caso a única coisa que muda é a forma de escolha do presidente, pois no primeiro o presidente é eleito diretamente pelo voto popular, e no segundo a escolha se dá pelos representantes eleitos para o parlamento. Mas a necessidade de sustentação política é idêntica e maneira pela qual ela é obtida é a mesma. Nada se dá “em torno de um programa de governo”. Os presidentes brasileiros aprenderam que não há almoço grátis. Sua força política ou seu poder pessoal, resultado do sucesso eleitoral e dos 58 milhões de votos de Lula, tem de se traduzir politicamente em força parlamentar.

As eleições desse ano, a exemplo das eleições de 2002, produziram uma Câmara dos Deputados razoavelmente equilibrada. As bancadas dos principais partidos variam entre 65 parlamentares eleitos (PSDB e PFL), a algo em torno de 85 cadeiras (caso do PMDB, com 89 cadeiras e do PT, que conseguiu eleger 83 representantes, embora tenha obtidos mais votos).

A despeito do crescimento ou do recuo de algumas siglas, a configuração das bancadas governista e oposicionista passa necessariamente pelos rumos tomados pelo PMDB, que além de ter direito à eleição do presidente da Casa (por ter conseguido a maioria dos parlamentares), é uma fonte de complicação adicional para a lógica do “presidencialismo de coalizão”. O partido possui uma bancada heterogênea, conflitante, ruidosa e, principalmente, consciente de seu poder de veto. Além disso, há uma dificuldade adicional. O PMDB abriga facções regionais de difícil acomodação.

Na conjuntura atual, o PMDB figura como o partido com maior poder de chantagem sobre o governo Lula, por ter feito a maior bancada para a Câmara Federal (cerca de 20% do total de cadeiras). Assim, a coordenação política do presidente terá de satisfazer o apetite do PMDB por ministérios, ao mesmo tempo em que terá de negociar pontualmente as iniciativas e proposições do Executivo, tendo em vista a heterogeneidade da bancada peemedebista. A “concertação nacional”, como quer Tarso Genro, passará necessariamente pela acomodação dos “dissidentes” do partido, geralmente lideranças regionais interessadas em recursos do orçamento ou outras ofertas. É sintomático, por exemplo, que Michel Temer (presidente do PMDB) tenha afirmado que o “partido é majoritariamente governista”, mas advertido sobre a falta de “alinhamento automático” da ala não-governista do partido com o Lula.

Independentemente destas questões, a entrada do PMDB na coalizão de apoio ao governo Lula neste segundo mandato coloca a bancada governista em patamares próximos dos 50% de cadeiras na Câmara. Considerando o previsível ingresso dos pequenos partidos na base do governo na retomada dos trabalhos legislativos, este percentual poderá ser, em fevereiro de 2007, em torno de 60%. Dependendo do grau de coesão do pacto firmado (que dependerá dos grupos partidários premiados com ministérios e outros cargos), o governo Lula poderá contar com algum grau de previsibilidade nas votações e evitar fracassos nas matérias que submeter ao Legislativo. Mas sempre lembrando, como ensina a sabedoria política nacional, que tudo passa pelo PMDB. E que o PMDB é uma legião de forças diferentes.

*Luiz Domingos Costa é graduado em Ciências Sociais pela a Universidade Federal do Paraná e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira.

**Adriano Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira.

2 de dezembro de 2006

SIMPÓSIO NA UFPR: AS ELEIÇÕES DE 2006 E A DEMOCRACIA NO BRASIL

[Athos Bulcão. Embaixada do Brasil em Buenos Aires]

Na segunda feira, dia 4 de dezembro, começa na UFPR um Simpósio que pretende fazer um balanço da política brasileira contemporânea após as eleições de 2006.

O evento está organizado em dois eixos, um conjuntural e outro estrutural.
Do primeiro haverá duas mesas sobre os seguintes temas: OPINIÃO PÚBLICA E DEMOCRACIA e IDÉIAS E DEMOCRACIA.
Do eixo estrutural haverá outras duas mesas: JUSTIÇA (ELEITORAL) E DEMOCRACIA e DEMOCRACIA ELEITORAL E OUTRAS DEMOCRACIAS.

Veja o programa completo abaixo.

PROGRAMA

Dia 4/12 – segunda-feira – 19 hs. OPINIÃO PÚBLICA E DEMOCRACIA
A mídia nas eleições de 2006.

Uma nova fase nas relações entre políticos e jornalistas
Rogério Galindo (Gazeta do Povo)
Institutos de pesquisa, autonomia do voto e aperfeiçoamento da democracia: há probabilidade de convergências?
Bruno Ricardo de Souza Lopes (Souza Lopes Consultoria e Pesquisa; Faculdades Curitiba)
A mídia impressa paranaense e as eleições
Nelson Rosário de Souza (Prof. Ciência Política/UFPR)
Coordenador: Bruno Bolognesi (NUSP/UFPR)

Dia 5/12 – Terça-feira – 19hs. JUSTIÇA (ELEITORAL) E DEMOCRACIA
Eleições limpas e justas: respeito às regras do jogo, controles e informação.

O juiz eleitoral e o aperfeiçoamento da democracia: a experiência das eleições 2006
João Pedro Gibran Neto (Justiça Federal)
Em defesa da República: Ministério Público Eleitoral, avanços e recuos nas eleições 2006
Neviton de Oliveira Batista Guedes (Procurador Eleitoral do Ministério Publico Federal)
A Justiça Eleitoral Paranaense nas eleições de 2006
Marden Machado (TRE-PR)
A Justiça Eleitoral e o uso da internet pelos candidatos às eleições de outubro de 2006 na região Sul do Brasil
Sérgio Braga (UFPR)
Coordenador: Carlos L. Strapazzon (Faculdades Curitiba)

Dia 6/12 – quarta-feira – 19 hs. IDÉIAS E DEMOCRACIA
Programas de governo e ideologias políticas.

Programas de governo de Roberto Requião e Osmar Dias: das propostas aos projetos há muito caminho a percorrer
Carlos L. Strapazzon (Prof. Ciência Política, Faculdades Curitiba).
Reflexões sobre o caráter inoportuno das ideologias de centro-direita na eleição presidencial de 2006
Luciana Veiga (Profa. Ciência Política, UFPR)
O que explica o voto para governador no Paraná: ideologia ou características sócio-econômicas?
Emerson Cervi (Prof. Ciência Política, UEPG/Facinter)
Do MDB ao PMDB em 2006: atores, projetos e ideologias
Ricardo Costa de Oliveira (Prof. Ciência Política, UFPR)
Coordenador: Julio Cesar Gouvea (NUSP/UFPR)

Dia 7/12 – quinta-feira – 19 hs.
DEMOCRACIA ELEITORAL E OUTRAS DEMOCRACIAS
Superar a democracia delegativa: desafios e perspectivas.

Alternativas à democracia representativa: os conselhos gestores de políticas públicas
Renato Monseff Perissinotto (Prof. Ciência Política,UFPR)
Da social-democracia ao social-liberalismo: a trajetória dos programas do PT de 1989 a 2006
Angela Lazagna (CEMARX/UNICAMP)
O futuro da consolidação do sistema partidário brasileiro: aspectos legais e o impacto do processo político e eleitoral
Marcio Rabat (Consultor Legislativo na Câmara dos Deputados)
Democracia X Representação: 'velhas' respostas para 'velhas' questões
Fabrício Tomio (Prof. Ciência Política, UFPR).
Coordenador: Luiz Domingos (NUSP/UFPR)

Local: Universidade Federal do Paraná - Campus Reitoria – Rua Gal. Carneiro 460 – Ed. D. Pedro I - 1º. andar - sala Homero de Barros Informações: Tel./fax:: 41 3360-5320 E-mail: conjuntura_politica@yahoo.com.br Inscrições: R$ 10,00 estudantes e R$ 15,00 profissionais (certificado de participação)

COORDENADORES:
Adriano Codato (UFPR)
Carlos L. Strapazzon (Faculdades Curitiba)
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16 de outubro de 2006

artigo: Uma história política da transição brasileira: da ditadura militar à democracia


CODATO, Adriano Nervo. Uma história política da transição brasileira: da ditadura militar à democracia. Rev. Sociol. Polit., nov. 2005, no.25, p.83-106. ISSN 0104-4478.

[clique no aqui para ler o artigo]

Abstract
This article discusses Brazilian political history, from the military-political coup in 1964 through Fernando Henrique Cardoso´s second presidential term. Written in the form of an explanatory summary, three themes are joined in a narrative on the transition from a military dictatorship to a liberal democratic regime: the military, the political and the bureaucratic. We seek to establish causal inferences linking content, methods and the reasons for and meaning of political change beginning in 1974 with the quality of the democratic regime as it emerged during the 1990s. Our explanation is premised on the need to analyze two different but interconnected spaces of the political: transformation in the institutional systems of the State apparatus and the evolution of the broader political scenario. We conclude that neo-liberal economic reforms not only dispensed with true political reform able to increase representation and with reform of the State in ways that would favor participation. Neo-liberal reforms also continued to be premised on authoritarian arrangements of governing processes inherited from the previous political period.



Resumo
O artigo trata da história política brasileira do golpe político-militar de 1964 ao segundo governo de Fernando Henrique Cardoso. Escrito sob a forma de um resumo explicativo, três temas unificam a narrativa sobre a transição do regime ditatorial-militar para o regime liberal-democrático: o militar, o político e o burocrático. Procura-se estabelecer inferências causais entre o conteúdo, o método, as razões e o sentido da mudança política a partir de 1974 e a qualidade do regime democrático na década de 1990. A explicação destaca a necessidade de se analisar dois espaços políticos diferentes, mas combinados: as transformações no sistema institucional dos aparelhos do Estado e as evoluções da cena política. Conclui-se que as reformas econômicas neoliberais não apenas prescindiram de uma verdadeira reforma política que aumentasse a representação, e de uma reforma do Estado que favorecesse a participação. As reformas neoliberais tiveram como precondição o arranjo autoritário dos processos de governo herdados do período político anterior.

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Outras abordagens de dois velhos conhecidos

[Gen. Jorge Rafael Videla (R) and Admiral Emilio Massera leaders of the military dictatorship that ruled Argentina (1976-1983)]

Apresentacao do Dossiê da Revista de Sociol. e Polít. n. 25, 2005.
DOSSIÊ "DEMOCRACIAS E AUTORITARISMOS"

Adriano Codato




"O que uma democracia é não pode ser separado do que a democracia deve ser. Uma democracia só existe à medida que seus ideais e valores dão-lhe existência" (Giovanni Sartori).

Jorge Luís Borges lembrou que "escassas disciplinas devem ter mais interesse que a etimologia; isto se deve às imprevisíveis transformações do sentido primitivo das palavras, ao longo do tempo. Dadas tais transformações, que podem beirar o paradoxal, de nada ou de muito pouco serve a origem das palavras para a elucidação de um conceito" ("Sobre os clássicos", Outras inquisições, 1952).

O fato de, em grego, "democracia" (demokratía) significar "governo do povo" é útil como uma advertência, mas insuficiente para definir um nome. Já o fato de "ditadura" (dictatura) em latim querer dizer "dignidade do ditador" só torna hoje as coisas mais obscuras. Tampouco resolve saber que o dictator é o magistrado supremo romano, o que dita a lei, o que determina e faz cumprir as leis do Estado (tudo isso de acordo com o Houaiss).

Fora da Lingüística, na parte que nos cabe na elucidação do problema, não andamos muito. É provável que a maneira menos produtiva de compreender e explicar regimes políticos seja tomá-los apenas como "formas de governo". Se os esquemas classificatórios mais tradicionais, baseados em critérios numéricos (número de governantes, número de partidos etc.) ou vagamente normativos (o "bom governo" e o seu oposto) já não dizem quase nada, a dimensão estritamente política, seja ela comportamental, seja ela institucional (o grau e o tipo de liberdades políticas, por exemplo) tem um valor muito relativo para compreender a estrutura de poder de uma sociedade dada. Isso para não mencionar o contra-senso da versão tradicional dos Estudos Constitucionais sobre o assunto, que costumam derivar a política do direito.

Não há dúvida que a lição dos clássicos, ensinada pela história das doutrinas políticas (ou numa versão mais sofisticada e contemporânea, pela Filosofia Política), é indispensável para pensar a essência da ditadura e da democracia e as transformações ou os deslocamentos de sentidos dessas palavras. Mas essa sentença é tão verdadeira quanto óbvia. Mesmo que não se concorde com a declaração que abre o conhecido livro de Norberto Bobbio, La teoria delle forme di governo nella storia del pensiero político ("O Ocidente deve à Política de Aristóteles um sistema conceitual que resistiu ao tempo e chegou até nós praticamente intacto" (BOBBIO, 1980 [1976], p. X), parece um pouco excessiva a sugestão de Gabriel Almond para que se considere que Michael Walzer tem um conceito de justiça melhor do que o de Platão, ou Robert Dahl teve insights mais úteis e uma teoria da democracia bem mais rigorosa do que Aristóteles (ALMOND, 1998, p. 51).

É possível sem muita dificuldade contestar as duas sentenças. Tanto a tipologia aristotélica era "rigorosa" (nos limites empíricos possíveis da sua pesquisa de campo1), quanto esse sistema classificatório foi contrariado e superado mais de uma vez. Para ficarmos no melhor exemplo, a frase que abre o Príncipe – "Todos os estados, todos os domínios que tiveram e têm poder sobre os homens foram e são ou repúblicas ou principados" (MAQUIAVEL, 1990 [1513], p. 3) – quer sim revogar a tripartição clássica, mas não apenas. O autor, nota Claude Lefort (1972), altera por assim dizer o princípio de classificação. O que está em questão agora é "o modo que se adquirem" os direitos de dominação: pela virtù, pela fortuna, pela violência e pelo consentimento dos cidadãos.

O objetivo, contudo, deste dossiê do n. 25 da Revista de Sociologia e Política – "Democracias e autoritarismos" – não é discutir a discussão sobre os regimes políticos ou suas definições, em busca da mais correta (ou da mais "operacional"). Nem retomar, abstratamente, as polarizações tradicionais que estão implicadas nesse problema: coerção-consenso, autoridade-liberdade, participação-representação etc. Como se sabe, estudos em Ciência Política e Sociologia Política devem buscar ser objetivos e basear seus achados em evidências e inferências (outra lição de Maquiavel...). Nesse sentido, nosso conhecimento sobre a política pode ser cumulativo e tanto as conquistas conceituais das disciplinas acima ao longo do seu desenvolvimento, quanto os diversos métodos ou abordagens os quais elas lançam mão (história dos conceitos, estudo de casos empíricos, interpretações históricas, análises comparadas, surveys, modelos matemáticos etc.) são úteis e válidos. O problema é que, como advertiu Giovanni Sartori, "a teoria da democracia enquanto tal é uma macroteoria que gira, em grande parte, em torno de generalizações abrangentes. Inversamente, a pesquisa que alimenta a teoria empírica da democracia produz microevidência, no sentido de que a evidência é pequena demais para as generalizações que se propõe testar" (SARTORI, 1994 [1897], p. 15).

Este dossiê, dividido em dois blocos, é um exemplo do esforço dos cientistas sociais (em sentido lato) em muitas dessas direções, tanto no nível "macro", como no nível "micro". Há aqui uma crítica teórica da teoria democrática contemporânea (seja na sua versão representativa, seja na participativa) e uma análise "prática", por assim dizer, das fórmulas institucionais que viabilizariam uma relação mais rente entre representantes e representados, corrigindo a versão segundo a qual a democracia radical é apenas uma perspectiva normativa. O primeiro artigo, de Chantal Mouffe, defende um modelo combativo de democracia, que reponha a idéia de conflito e decisão. Ao recusar o ideal da democracia pluralista, contesta os festejados paradigmas que têm, no centro de sua argumentação, as questões da racionalidade (Habermas) ou da moralidade (Rawls). Para ela, "idéias de que o poder poderia ser dissolvido por meio de um debate racional e de que a legitimidade poderia ser baseada na racionalidade pura são ilusões que podem colocar em risco as instituições democráticas". O texto de Luís Felipe Miguel analisa pacientemente os prós e os contras das diversas propostas, desde as cotas eleitorais até os sorteios, para tornar efetiva a accountability vertical: isto é, a "necessidade que os representantes têm de prestar contas e submeter-se ao veredicto da população". O ponto forte do artigo é, em minha opinião, a discussão sobre o conteúdo da representação. Numa relação política o que está em jogo são tanto interesses e opiniões quanto perspectivas comuns diante do mundo.

Ainda no capítulo das análises conceituais, Gadea e Scherer-Warren sublinham a importância e a atualidade das reflexões sobre a democracia que levem em conta as especificidades latino-americanas. Todo o debate sobre o problema "quem governa/como governa" é centrado nas realidades européia e estadunidense. Ao trazer a discussão para nossa vizinhança, os autores argumentam que as contribuições teóricas de Alain Tourraine são decisivas para compreender o movimento neozapatista de Chiapas, no México, ou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, no Brasil.

Há por fim um estudo de caso que não pretende ser apenas um estudo de caso destinado a descrever uma peculiaridade regional. Mário Fuks, em seu exame da dinâmica interna do Conselho Municipal de Saúde de Curitiba, aproveita para mostrar a defasagem, no âmbito do processo deliberativo, entre a posse efetiva de recursos políticos e a influência política real dos grupos sociais. Um bom exemplo, a propósito, de como a microevidência, nos termos de Sartori, ilustra um problema central da macroteoria.

Sobre os autoritarismos contemporâneos reunimos, no segundo bloco, quatro artigos. Como as formas de dominação envolvem práticas distintas, é esperável que o fenômeno do autoritarismo recubra pelo menos três dimensões. Existe não apenas um autoritarismo político (sua face mais conhecida e estudada), mas um autoritarismo social e outro ideológico, e os dois últimos podem viger mesmo na ausência de um "regime autoritário". O autoritarismo social envolve valores e atitudes e o autoritarismo ideológico, cultura (no sentido antropológico) e idéias (codificadas em uma doutrina ou não, mas que sempre pretendem influenciar ou dirigir práticas). O artigo de Geraldo Leão recorda que o autoritarismo, do ponto de vista ideológico, tem uma dimensão bem concreta. Ele não quer apenas conformar uma sociedade, disciplinar os cidadãos ou restringir a prática política, mas dar a ela uma nova estética. O documentário de Peter Cohen, Arquitetura da destruição, mostra o paroxismo desse ideal, em parte projetado, em parte realizado, sob o nazismo. Por meio da análise das esculturas públicas em Curitiba no período posterior à II Guerra Mundial, Geraldo enfatiza que os monumentos não têm um apelo apenas plástico: são inspirados por e produzem uma "mentalidade". A arte figurativa "realista" que o diga.

Os três demais textos – de Adriano Codato, Jorge Zaverucha e Cristina Neme – podem ser lidos juntos, pois há um fio que os amarra: a persistência das instituições políticas e práticas de controle social autoritárias na democracia brasileira contemporânea. Meu próprio artigo refaz a história da transição do regime ditatorial-militar para o regime liberal-democrático no Brasil a partir de 1974 para mostrar como o modo pelo qual se deu a mudança política condicionou a qualidade da política nacional atual. Jorge Zaverucha estuda o caso do Ministério da Defesa, criado no governo de Fernando Henrique Cardoso, e argumenta que esse é um bom exemplo da permanência da autonomia (e da insubordinação) militar diante do poder civil. Por fim, Cristina Neme, ao comparar os problemas da violência criminal e segurança pública no Brasil e na França, mostra como, de fato, no Brasil sua abordagem continua incivilizada: militarizada e selvagem.

Em seu livro Um prefácio à teoria democrática, de 1956, Robert Dahl enumera o que para ele seria "uma assustadora lista das maneiras alternativas pelas quais poderíamos tentar formular uma teoria da democracia" (1989 [1956], p. 9). Poderíamos perguntar-nos sobre as precondições sociais que autorizam a existência de uma determinada instituição política ou fixar uma instituição política como um valor a ser alcançado (a igualdade política, em seu exemplo) e indagar das condições sociais que seriam necessárias para atingir essa meta; poderíamos "nos satisfazer com uma teoria não-operacional", essencialmente ética ou prescritiva da democracia, "ou exigir que fosse tornada operacional", isto é, imaginada de acordo com as observações sobre o "mundo real"; poderíamos "aceitar como válida uma teoria que não requeresse qualquer medição ou exigir que alguns fenômenos fossem mensuráveis"; poderíamos ainda "construir uma teoria que estabelecesse apenas requisitos constitucionais básicos" para o funcionamento da democracia ou "tentar edificar uma outra teoria que incluísse também as condições sociais e psicológicas necessárias" (DAHL, 1989 [1956], p. 10) – etc.

Assim como não existe nem uma teoria dos regimes políticos mais correta que a outra – ou porque estabelece uma ordem de grandeza entre duas variáveis, ou porque entroniza uma variável nova em lugar de outra, ao gosto da ocasião2 –, não há um princípio ético universalmente aceito. O que é diferente, bem entendido, de não haver princípios éticos. Os artigos deste dossiê deixam ver, implícita ou explicitamente, esses problemas e essas alternativas a fim de mostrar como a agenda de Dahl é ao mesmo tempo, passados cinqüenta anos exatos, atual e difícil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMOND, G. (1998). Political Science : the History of the Discipline. In: GOODIN, R. E. & KLINGEMANN, H.-D. (eds.). A New Handbook of Political Science. Oxford : Oxford University.

BOBBIO, N. (1980 [1976]). A teoria das formas de governo. 3ª ed. Brasília : UNB.

DAHL, R. (1989 [1956]). Um prefácio à teoria democrática. Rio de Janeiro : Zahar.

LEFORT, C. (1972). Le travail de l'oeuvre : Machiavel. Paris : Gallimard.

MAQUIAVEL, N. (1990 [1513]). O príncipe. São Paulo : M. Fontes.

SARTORI, G. (1994 [1897]). A teoria da democracia revisitada. Vol. 1 : O debate contemporâneo. São Paulo : Ática.

Notas
1 Conforme Norberto Bobbio, "O próprio Aristóteles tinha coligido 158 constituições [políticas] do seu tempo, em obra que se perdeu" (1980 [1976], p. 74)

2 Talvez fosse o caso lembrar a afirmação de L. Althusser: a filosofia é luta de classes na teoria

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Revista de Sociologia e Política n. 25 - Dossiê Democracias e Autoritarismos

[caricatura de
Ernesto Geisel, 1982]


Sumário
Rev. Sociol. Polit. n.25 Curitiba nov. 2005

Dossiê Democracias e Autoritarismos
Apresentação: outras abordagens de dois velhos conhecidos
Adriano Codato

Democracias

Por um modelo agonístico de democracia
Mouffe, Chantal

Impasses da accountability: dilemas e alternativas da representação política
Miguel, Luís Felipe

A contribuição de Alain Touraine para o debate sobre sujeito e democracia latino-americanos
Gadea, Carlos A.; Scherer-Warren, Ilse

Participação e influência política no conselho municipal de saúde de Curitiba
Fuks, Mário

Autoritarismos

Esculturas públicas em Curitiba e a estética autoritária
Camargo, Geraldo Leão Veiga de

Uma história política da transição brasileira: da ditadura militar à democracia
Codato, Adriano Nervo

A fragilidade do Ministério da Defesa brasileiro
Zaverucha, Jorge

Violência e segurança: um olhar sobre a França e o Brasil
Neme, Cristina

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