artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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12 de setembro de 2011

programa de curso: política brasileira III

[Getúlio Vargas.
Jean Manzon, c. 1950.
Pirelli/MASP] 

PROGRAMA
Universidade Federal do Paraná
POLÍTICA BRASILEIRA III
2011 (2º. semestre) Professor: Adriano Codato

Syllabus
O objetivo deste curso é apresentar, analisar e discutir oito documentos históricos representativos da “Era Vargas”, notadamente do subperíodo 1930-1945. Será dada ênfase a esse material e os documentos serão analisados em quatro níveis complementares: i) o texto (a linguagem, o discurso, as teses, os argumentos ideológicos etc.); ii) o contexto (seu lugar e significado na história política brasileira); iii) a autoria (os protagonistas do discurso); e iv) os destinatários.

O curso tem, por assim dizer, uma “tese”: a década de 1930 é o período chave para compreender a configuração social, o sistema político e as opções de desenvolvimento econômico do Brasil no século XX. Parto da hipótese, passível de discussão e revisão, segundo a qual a melhor ideia que ilustra essa tese é a da “modernização conservadora”.

Todavia, este não é um curso “de história brasileira”; mas um curso sobre a história política e social brasileira a partir dos problemas – empíricos e teóricos – da Sociologia Política e da Ciência Política.

O curso é apenas uma introdução a essas problemáticas e quer inventariar temas esquecidos para reconstituir uma agenda de investigação que tenha essas questões como base para pensar a política (brasileira).

Esse deve ser, também, um curso para incutir nos estudantes de Ciências Sociais o gosto pela pesquisa em arquivos; e para sublinhar sua importância para além das práticas filosofantes ou das disposições tão comuns entre nós para realizar “teoria teórica” (Bourdieu). Além de tudo, esse pode bem ser um curso onde se aprende uma técnica de pesquisa: a análise de documentos históricos. 

Sabemos que documentos históricos são evidências. Mas como afirmou Kaplan, tudo consiste em saber: evidência de quê?

Avaliação: Comentários semanais (por e-mail) dos oito documentos históricos. Participação efetiva nas discussões em sala. Os dois primeiros itens fazem 50% da nota. Um pequeno ensaio final com tema livre a partir da problemática do curso (os outros 50%). Ver abaixo o modelo de ensaio exigido. Dependendo da dinâmica da turma, seminários poderão ser programados.

Calendário das Sessões (textos marcados com asterisco (*) são de leitura obrigatória):

14 setembro
Aula 1: Apresentação e Parâmetros de análise de documentos históricos
Para uma sociologia política empiricamente orientada da história nacional: uma visão da formação do Brasil contemporâneo a partir de oito documentos históricos.

Referências:
BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude & PASSERON, Jean-Claude. A profissão de sociólogo. Preliminares epistemológicas. Petrópolis : Vozes, 1999, O código e o documento, p. 144-146.*
SIMIAND, François. Método histórico e ciência social. Bauru, SP: Edusc, 2003, cap. 5, p. 61-64. (texto integral em francês aqui (1a. parte) e aqui (2a. parte)).
ELIAS, Norbert. Introdução: sociologia e história. In: _____. A sociedade de corte: investigações sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 27-59.

Referências complementares:
SAMARA, Eni de Mesquita e TUPY, Ismênia S. Silveira T. História e documento e metodologia de pesquisa. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, cap. IV: A leitura crítica do documento, p. 117-141.
NOGUEIRA Jr., Alberto, Cidadania e controle democrático do acesso aos documentos sigilosos. Palestra proferida no CPDOC, 7 abr. 2004.

21 setembro
Aula 2: A dimensão temporal nas análises de Ciência Política: as várias voltas à História
Referências:
BORGES, André. Desenvolvendo Argumentos Teóricos a partir de Estudos de Caso: o debate recente em torno da pesquisa histórico-comparativa. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, v. 63, p. 42-67, 2007.*
BENNETT, Andrew. Process Tracing: a Bayesian Perspective. In Janet M. Box-Steffensmeier, Henry E. Brady and David Collier (eds.), The Oxford Handbook of Political Methodology. Oxford: Oxford University Press, 2008, pp. 702-721.
PIERSON, Paul. Politics in Time: History, Institutions, and Social Analysis. Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2004, p. 1-16; 167-178. (resenha)
GOMES, Ângela de Castro. Política: história, ciência, cultura etc. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 9, nº 17, p. 59-84, 1996.
MARENCO, André. Path-dependency, instituciones políticas y reformas electorales en perspectiva comparada. Revista de ciencia política, Santiago (Chile), vol. 26, no. 2, 2006, p. 53-75. (vejam aqui o blog do autor: Poliarquia)

Aula 3: Problemas teóricos e problemas historiográficos na narrativa histórica: causação, explicação e interpretação
Referências:
GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, Introdução, p. 7-14; cap. 11: Unus testis, p. 210-230; e Apêndice – Provas e possibilidades, p. 311-335.* [Resenha] [Resenha 2] (uma entrevista sobre o livro ao jornal Clarín, de Buenos Aires, pode ser lida aqui)
ARON, Raymond. Relato, análise, interpretação, explicação: crítica de alguns problemas do conhecimento histórico. In: _____. Estudos sociológicos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991, p. 43-97.
CARR, E. H. Que é história? 9ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006, cap. IV: A causa na história, p. 121-142. [Extract] [Resenha]
BRADY, Henry E. Causation and Explanation in Social Science. In Janet M. Box-Steffensmeier, Henry E. Brady and David Collier (eds.), The Oxford Handbook of Political Methodology. Oxford: Oxford University Press, 2008, pp.  217-270.
WEINSTEIN, Barbara. 2003, História sem causa? A nova história cultural, a grande narrativa e o dilema pós-colonial. História, São Paulo, vol. 22, no. 2, p. 185-210.

28 setembro
Aula 4: A dinâmica política na década de 1930
Referências:
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, cap. I, p. 21-71.
FAUSTO, Boris. A revolução de 1930. In: Carlos Guilherme Mota (org.), Brasil em perspectiva. 19a ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 227-255.
MARTINS, Luciano. A revolução de 1930 e seu significado político. In: CPDOC/FGV. A revolução de 1930: seminário internacional. Brasília: Ed. UnB, 1983, p. 669-689.* (baixar o livro)
Análise documento 1
1. PLATAFORMA DE GETÚLIO VARGAS NA CAMPANHA PRESIDENCIAL. In: Paulo Bonavides e Roberto Amaral, Textos políticos da história do Brasil. Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996, vol. 4, p. 76-99 [texto 174.16].

Aula 5: Forças sociais e movimentos políticos na década de 1930: luta política e projetos ideológicos
Referência:
CAMARGO, Aspásia. A revolução das elites: conflitos regionais e centralização política. In: CPDOC/FGV. A revolução de 1930: seminário internacional. Brasília: Ed. UnB, 1983, p. 7-46.* (baixar o livro)
Análise do documento 2
2. Manifesto de lançamento da Aliança Nacional Libertadora (ANL). In: Paulo Bonavides e Roberto Amaral, Textos políticos da história do Brasil. Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996, vol. 5.

5 outubro
Aula 6: Camadas médias e política no Brasil:o liberalismo oligárquico das camadas médias e sua aversão ao “populismo”
Referências:
SAES, Décio. Classe média e sistema político no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1984, cap. II, p. 79-124.*
Análise do documento 3
3. Manifesto do Mineiros (24 de out. de 1943). In: Paulo Bonavides e Roberto Amaral, Textos políticos da história do Brasil. Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996, vol. 5.

Aula 7: Antiliberalismo e autoritarismo no Brasil: a certidão de nascimento do Estado Novo
Referências:
MARTINS, Luciano. Estado Novo. FGV-CPDOC. Dicionário histórico-biográfico brasileiro (1930-1983). Rio de Janeiro, Forense-Universitária/Finep, 1983.*
Análise do documento 4
4. Proclamação ao povo brasileiro (Lida no Palácio Guanabara e irradiada para todo país na noite de 10 de novembro de 1937). In: A nova política do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938, vol. V: O Estado Novo (10 de Novembro de 1937 a 25 de Julho de 1938), p. 15-32. (um trecho, muito reduzido, do discurso pode ser lido aqui)

19 outubro
Aula 8: Discussão teórica: História e Ciências Sociais (1ª. parte)
Referências:
TILLY, Charles. Three Visions of History and Theory. History and Theory (2007) 46: 299-307.*
BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Editora UNESP, 2002, cap. 1: Teóricos e historiadores, p. 11-37.* [Interview of Peter Burke - July 2004]
TILLY, Charles.  Historical Sociology, in Scott G. McNall & Gary N. Howe, eds., Current Perspectives in Social Theory. Vol. I. Greenwich, Connecticut: JAI Press, 1980. 
TILLY, Charles. Historical Sociology, in International Encyclopedia of the Behavioral and Social Sciences (2001) Amsterdam: Elsevier. Vol. 10, pp. 6753–6757.


Aula 9: Discussão metodológica: História e Ciências Sociais (2ª. parte)
Referências:
GADDIS, John. Paisagens da história. Como os historiadores mapeiam o passado. Rio de Janeiro: Campus, 2003, cap. 4: A interdependência de variáveis, p. 70-88.
REIS, Bruno P. W. História e ciências sociais. Notas sobre o uso da lógica, teorização e crítica. Crítica na rede. 2000.*

26 outubro
Aula 10: Estado capitalista, estrutura de poder, regime político e governo nacional:
o que se esconde por trás das leis? (2ª. parte)
Referências:
DINIZ, Eli. O Estado Novo: estrutura de poder; relações de classes. In: Boris Fausto (org.), História geral da civilização brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 3o Vol. Sociedade e Política (1930-1964). 5a ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1991.*
Análise do documento 5
5. BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto-Lei nº 1.202 (8 abr. 1939). Disposições sobre a administração dos estados e municípios.

9 novembro
Aula 11: A ideologia da autoridade do Estado autoritário: o discurso e seus suportes
Referências:
LAMOUNIER, Bolívar. Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República: uma interpretação. In: Boris Fausto (org.), História geral da civilização brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 2o Vol. Sociedade e Instituições (1889-1930). 5a ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991.*
SILVA, Ricardo. A ideologia do Estado autoritário no Brasil. Chapecó: Argos, 2004.
CODATO, Adriano Nervo; GUANDALINI Jr., Walter. Os autores e suas idéias: um estudo sobre a elite intelectual e o discurso político do Estado Novo. Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro - RJ, v. 32, p. 145-164, 2003.
Análise do documento 6
6. CAMPOS, Francisco. O Estado nacional: sua estrutura; seu conteúdo ideológico. 2a. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940, Diretrizes do Estado nacional, p. 33-68.

16 novembro
Aula 12: Modelos de mudança político-institucional
Referências:
CARONE, Edgard. O Estado Novo (1937-1945). São Paulo: Difel, 1976, Quarta Parte: História Política, item C) A Democratização, p. 319-349.
CAMPELLO DE SOUZA, Maria do Carmo C. Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). 3a ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1990, Segunda Parte, caps. III, IV e V, p. 63-136.*
Análise do documento 7
7. AMÉRICO DE ALMEIDA, José. A palavra e o tempo (1937-1945-1950). 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio/Fundação Casa José Américo, 1985, Apêndice: Entrevista concedida ao Correio da Manhã, rompendo a censura da imprensa, p. 313-325.

23 novembro
Aula 13: O “populismo” na política brasileira
Referências:
WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, Primeira Parte, caps. I, II e III.*
FERREIRA, Jorge. O nome e a coisa: o populismo na política brasileira. In: FERREIRA, J. (org), O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 59-124. [Resenha de Emerson Cervi]
JAGUARIBE, Hélio. Que é o ademarismo? Cadernos do Nosso Tempo, vol. 2, n. 2, jan.-jun. 1954. reproduzido em: Brasília, Câmara de Deputados e Biblioteca do Pensamento Brasileiro, Biblioteca do Pensamento Político Republicano, vol. 6, 1981. Seleção e Introdução de Simon Schwartzman. O Pensamento Nacionalista e os "Cadernos de Nosso Tempo".
DUARTE, Adriano Luiz ; FONTES, Paulo R. O populismo visto da periferia: adhemarismo e janismo nos bairros da Mooca e São Miguel Paulista, 1947-1953. Cadernos Arquivo Edgard Leuenroth (UNICAMP), v. 11, p. 87-122, 2004.
Análise do documento 8
8. Carta-testamento de Getúlio Vargas (24 ago. 1954). In: Paulo Bonavides e Roberto Amaral, Textos políticos da história do Brasil. Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996, vol. 6.

30 novembro
Aula 14: Seminário coletivo
Temas de pesquisa e de trabalho para o ensaio final.

7 dezembro
Aula 15: Entrega dos ensaios finais.
[modelo para a redação dos ensaios]
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20 de janeiro de 2010

Os enigmas do Legislativo



[Série Saídas, Saída IV,
Beco Maria Antônia, 2003.
Ricardo van Steen
Pirelli/MASP]

Adriano Codato
Gazeta do Povo, 20 jan. 2010


A discussão política no Brasil, em especial quando trata dos legislativos, tem se fixado num único (e importante) problema: a corrupção. Se nós não quisermos permanecer prisioneiros desse assunto, e das soluções que não solucionam nada, já que ao apostar em saídas milagrosas, mágicas ou simplesmente mistificadoras só contornam o problema, um primeiro passo é saber como as coisas funcionam.

Uma forma de entender o comportamento político dos parlamentares é através do modelo distributivista. Conforme essa visão, a ação dos políticos de carreira seria sempre clientelista, guiada pela lógica “meramente” eleitoral.

Se o objetivo essencial de um político é reeleger-se, então suas preferências, atitudes e comportamentos só serão inteligíveis a partir desse único objetivo. Para atingi-lo, o parlamentar deve apoiar decisões do governo e lutar para trazer recursos que favoreçam sua base eleitoral. O foco principal da disputa política é o Orçamento. O trabalho legislativo consiste, assim, em pendurar o máximo possível de emendas “clientelistas” na peça orçamentária.

Esse tipo de explicação supõe que a unidade de análise sejam os interesses egoístas dos parlamentares, que os eleitores sejam bastante pragmáticos na hora de decidir em quem votar, e que os partidos fiquem sempre em segundo plano.

As implicações desse modo de ver as coisas estão claras. O legislativo seria a fonte de políticas de tipo distributivo, a “conexão eleitoral” seria o fator determinante na elaboração de políticas de governo, e, considerando a separação do trabalho entre Parlamento e Presidência, a tomada de decisões políticas estaria convenientemente dividida e equilibrada.

A conexão eleitoral só funcionará, todavia, se o parlamentar mantiver-se sempre em evidência, falando em nome das bases e cultivando uma relação estreita com elas; se tomar posições claras em assuntos polêmicos, mas sempre de acordo com as opiniões do “seu” eleitorado. Assim resumido, esse modelo parece explicar melhor o Congresso norte-americano que o brasileiro.

No entanto, alguns analistas têm apresentado quatro argumentos a favor da validade desse tipo de explicação para compreender o comportamento dos congressistas do Brasil.

O sistema eleitoral (proporcional de lista aberta), porque incentiva a personalização do voto, favorece um comportamento muito individualista dos parlamentares. Além disso, examinando-se o padrão de votos nos candidatos, o que se vê é a criação de pequenos distritos informais. O candidato vitorioso tende a ter uma votação concentrada em determinados municípios. Ele domina o colégio eleitoral. Uma vez no Parlamento, o deputado pode seguir cultivando sua clientela, pois as emendas individuais ao Orçamento permitem o sucesso quase indefinido dessa estratégia. Para completar, as relações Executivo-Legislativo legitimam e ampliam essa prática, já que os deputados podem trocar apoio ao governo pela execução das suas propostas.

Por outro lado, quando se analisam empiricamente os dados disponíveis, as coisas não são tão certas assim. É o que estipula o “modelo partidário”. Primeiro: as taxas de reeleição não são particularmente altas. Pouco mais de 50% voltam à Câmara a cada legislatura. Examinando-se a geografia eleitoral, o que se constata é que metade dos deputados que tentam uma cadeira no parlamento federal não tem uma votação distritalizada. E é difícil determinar, num pleito, quantos votos são pessoais, quantos votos são partidários, em função do sistema de coeficiente eleitoral.

Segundo: a Constituição deu muito poder ao Executivo em matéria orçamentária. Estima-se que o peso das emendas individuais ao Orçamento que são efetivamente executadas seja muito baixo, em torno de 20%. Também não se encontrou ainda dados suficientes que corroborem a correlação entre a taxa de apoio ao Executivo e a execução de emendas, embora se possa supor que ela não deve ser desprezível.

Terceiro: o comportamento dos parlamentares parece determinado mais pela organização interna da Câmara dos Deputados do que por qualquer outra coisa. O expediente de votações simbólicas comandadas pelos líderes dos partidos, o poder dos caciques para indicar quem pode fazer parte das comissões, tudo impede que o parlamentar avulso tenha algum poder de fato.

Por último, o objetivo dos parlamentares brasileiros dificilmente é reeleger-se, mas eleger-se para algum cargo executivo, uma vez que o gasto efetivo capaz de agradar eleitores é decidido nesse âmbito.

Como a Ciência Política não dispõe ainda de um único modelo que permita dizer como o parlamento nacional funciona a fim de prever as estratégias e as ações dos legisladores, é muito difícil propor (e pôr em prática) instrumentos de fiscalização e controle sobre os políticos. Mas nem por isso devemos desistir de estudá-los e de comandá-los.

Adriano Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
.

12 de dezembro de 2009

política brasileira - manual introdutório

[Espírito Santo, 1972.
Bina Fonyat.

Pirelli / MASP]


No início de 2010 publicaremos por uma editora de livros de vídeo-aulas um manual introdutório em dez capítulos sobre a política brasileira.
O livro, editado pelo IESDE, foi escrito por um conjunto de pesquisadores do NUSP. O texto abaixo é a introdução que redigi para o livro.

Cientistas políticos são quase unânimes em afirmar que o Brasil é uma “poliarquia institucionalizada”. Isso significa que o regime político democrático – um nome menos preciso e mais normativo que poliarquia – tornou-se a forma de governo incontestada entre nós.

Conforme a definição clássica de Robert Dahl, um país será tanto mais democrático, ou poliárquico, quanto melhores forem as condições que garantam o direito à oposição (que Dahl chama de “contestação pública”) e o direito à participação em eleições e cargos de direção política.

Alguns dados brutos são suficientes para ilustrar as mudanças do país nas últimas décadas nessa direção.

Desde a promulgação da Constituição de 1988 e da eleição para Presidente da República, em 1989, houve um processo contínuo e crescente de institucionalização democrática. O total de eleitores inscritos para votar em 2006 era muito próximo de 126 milhões de pessoas. O poder legislativo abriu-se à expressão de minorias e garantiu seu poder de veto. O sistema partidário tornou-se complexo e passou a contar, em 2007, com 21 partidos representados no Parlamento. A efetiva separação entre o poder Executivo e o poder Legislativo se não garantiu integralmente o preceito da autonomia mútua e da fiscalização recíproca, ao menos dividiu as funções governativas, ainda que de maneira desequilibrada, entre os dois ramos principais do sistema estatal. As eleições tornaram-se razoavelmente competitivas, embora persista (e cada vez se amplie mais) o desequilíbrio entre candidaturas mais e menos opulentas. A legislação garantiu consultas políticas através de plebiscitos e referendos e o direito de propor leis de iniciativa popular. Foram criados inúmeros conselhos setoriais de políticas de governo com participação da “sociedade civil”. O direito de greve foi garantido.

Comparando com o período imediatamente anterior, da ditadura militar, ou com o regime da Constituição de 1946, é certo que hoje há muito mais garantias aos direitos de associação e expressão, muito mais condições para a formação de partidos e organizações políticas, maior igualdade perante a lei, maior controle sobre os governos, maior tolerância diante do conflito.

Essas liberdades liberais clássicas foram responsáveis por uma mudança importante na composição e no perfil das lideranças eleitas, aumentando assim o grau de inclusão de outros grupos sociais nas arenas políticas e, com isso, a variedade de interesses representados. As políticas governamentais de caráter social – cada vez mais importantes na agenda pública – ilustram isso. Houve mesmo uma relativa popularização da classe política e uma importante profissionalização da elite estatal em alguns domínios específicos. Os próprios partidos tiveram de adaptar-se às novas condições de competição por eleitores, ajustando seu programa e sua retórica a valores mais pluralistas. As ideologias autoritárias perderam a audiência e a popularidade que já tiveram no passado. Democracia parece gerar, ainda num grau insuficiente, é certo, crenças e atitudes mais democráticas e mais tolerantes.

Essas condições para a poliarquia não foram criadas do nada. O processo histórico que conduziu o país até o grau presente de desenvolvimento institucional supôs certas sequencias históricas. Ao longo do século XX vários foram os fatores socioeconômicos e ideológicos que influenciaram o mundo político.

O livro que o leitor tem em mãos procura expor e explicar o difícil caminho para a institucionalização da poliarquia à brasileira. Compreender a persistência do clientelismo, da patronagem, da corrupção, do grau desmesuradamente alto de irresponsabilidade governamental, de autonomia dos representantes políticos, dos desequilíbrios do poder econômico e do poder social implica em compreender a via peculiar do país para a democracia realmente existente entre nós. Assim, oferecemos aqui duas coisas num mesmo volume: um resumo das precondições históricas do regime atual e uma caracterização sumária e didática das suas características principais.

Adriano Codato
Curitiba, primavera de 2009.
.

2 de dezembro de 2009

Dossiê "Internet e Política" - novo número da Revista de Sociologia e Política


[Model of a crystal
used to studying
micro-electonics.
1960. Fritz Goro.
Life]

Dossiê "Internet e Política"
Sumário
Rev. Sociol. Polit. vol.17 no.34 Curitiba out. 2009



· Apresentação: uma amostra das novas possibilidades de pesquisa sobre as relações entre as NTICS e a política
Braga, Sérgio; Chaia, Vera




· Parliamentary functions portrayed on European parliaments' websites
Leston-Bandeira, Cristina




· "Politics 2.0": a campanha online de Barack Obama em 2008
Gomes, Wilson; Fernandes, Breno; Reis, Lucas; Silva, Tarcizio




· Cyberpolitics in political party websites: experiences in the 2008 Spanish presidential elections within the context of transnational tendencies
Dader, José Luis




· Redes de políticas públicas e de governança e sua análise a partir da websphere analysis
Procopiuck, Mario; Frey, Klaus




· Lutas por reconhecimento dos surdos na Internet: efeitos políticos do testemunho
Garcêz, Regiane L. O.; Maia, Rousiley C. M.




· Novas dimensões da política: protocolos e códigos na esfera pública interconectada
Silveira, Sergio Amadeu da




· A internet e as eleições municipais em 2008: o uso dos sítios eletrônicos de comunidades na eleição paulistana
Coutinho, Marcelo; Safatle, Vladimir




· The Spanish general elections of 2008: "antagonistic bi-polarization" fomented by political and media interests and new technologies
Sampedro, Víctor; Pérez, Francisco Seoane




· Internauta brasileiro: perfil diferenciado, opiniões indiferenciadas
Schlegel, Rogerio




· Metodologia de pesquisa de blogs de política: análise das eleições presidenciais de 2006 e do movimento "cansei"
Santos, Marcelo Burgos Pimentel dos; Penteado, Cláudio Luis de Camargo; Araújo, Rafael de Paula Aguiar




· Os partidos políticos brasileiros e a internet: uma avaliação dos websites dos partidos políticos do Brasil
Braga, Sérgio Soares; França, Andressa Silvério Terra; Nicolás, María Alejandra




· Crônica política sobre um documento contra a "ditabranda"
Toledo, Caio Navarro de

10 de maio de 2009

O voto obrigatório como benefício coletivo

[Artemide Mercury Soffitto.
http://www.traumambiente.de]




Luiz Domingos Costa


A defesa do voto voluntário ou facultativo pode apresentar uma gama variada de argumentos. Entretanto, cabe destacar os seguintes como forma de sintetizar boa parte do corpo de idéias embutidas nesta plataforma de certos grupos e eleitores:

1. Trata-se de excessiva interferência do Estado na vida individual, já que o voto, sendo um direito de cada cidadão, deve ser abdicado por aqueles que não estejam com disposição em de exercê-lo. Não deve ser, por esta visão, uma obrigação formal perante a lei.

2. Quanto mais voluntária a decisão de votar, melhor a qualidade do voto: candidatos e partidos devem convencer os eleitores a comparecer às seções eleitorais.

3. O voto facultativo diminui o número de eleitores desinteressados, diminuindo o voto orientado pelo escárnio, repulsa ou por motivações mesquinhas (como a busca de dinheiro ou bens materiais de toda ordem).

4. A maioria dos países desenvolvidos e com democracia consolidada adotam o voto facultativo. Ou, numa versão negativa desta: regimes autoritários que forçaram o voto tiveram alto comparecimento eleitoral e nem por isto se caracterizavam como democráticos.

A ordem dos argumentos não é casual, pois entendo que a qualidade dos argumentos decresce na medida em que se avança na lista. Ou seja, o argumento mais importante é o primeiro e aquele que parece mais infeliz, o quarto e último.

Aqui me aterei apenas aos dois primeiros, por considerá-los suficientes para ensejar o raciocínio a favor do voto obrigatório no Brasil.

leia o post completo no blog do Grupo de Análise de Conjuntura Política do
Núcleo de Pesquisa
em Sociologia Política Brasileira da UFPR clicando aqui
.

19 de dezembro de 2008

O Congresso Nacional em 2008


O raio-x das votações no Congresso em 2008

Antônio Augusto de Queiroz*
congressoemfoco

A produção legislativa em 2008, entendida como a transformação em leis ordinárias de proposições no período situado entre 1º de janeiro a 18 de dezembro, teve quatro características: grande quantidade, baixa qualidade, aumento da autoria de parlamentares e pouca participação dos Plenários das Casas em sua aprovação.

Em termos quantitativos, o número de leis de 2008, no total de 224, comparativamente com os anos de 2006 e 2007, respectivamente 178 e 170 leis, foi grande. Em pelo menos dois aspectos, houve coincidência nesses três anos: pauta bloqueada por medidas provisórias (MP) e obstrução da oposição, mas também houve diferenças. A primeira é que neste ano, ao contrário dos dois anteriores, não houve crise política no Congresso. A segunda é que, apesar de a imprensa registrar o contrário, houve grande redução no número de MPs editadas.

Qualitativamente, com raras exceções, as leis de 2008 deixam muito a desejar. Para se ter uma idéia, mais da metade delas tratam de homenagens, de datas comemorativas, de remanejamento de recursos orçamentários, criação de cargos em comissão, entre outras matérias de pouca importância, em termos de política pública.

Entre os temas relevantes, destacam-se as leis sobre o reconhecimento das centrais sindicais, proibição de dirigir alcoolizado (Lei Seca), o piso nacional dos professores, guarda compartilhada de filhos, aposentadoria para o trabalhador rural contratado por curto prazo, ampliação da licença-maternidade, estágio remunerado, combate à pedofilia, política nacional de turismo e medidas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Os parlamentares, neste ano, aumentaram significativamente sua participação na autoria de leis, passando de uma média inferior a 20%, para 36%. Das 224 leis, 81 são de autoria de parlamentares. Este dado ganha significado quando se analisa a natureza das matérias objeto das leis de iniciativa do Poder Executivo.

Das 224 leis de 2008, 130 são de iniciativa do Poder Executivo. Se considerarmos que 77 dessas leis tratam de matéria orçamentária, cuja iniciativa é privativa do Poder Executivo, e 25 cuidam de criação de cargos ou reestruturação de carreiras no governo federal e dos tribunais superiores, também privativas deste poder e dos tribunais, quem mais legislou em matérias de iniciativa comum dos três poderes foi o Legislativo, portanto, os parlamentares.

Quanto à forma de tramitação, das 224 leis, 69 foram aprovadas no plenário do Congresso (sessão conjunta da Câmara e Senado), 97 foram aprovadas conclusivamente pelas comissões técnicas e somente 58 passaram pelos plenários da Câmara e do Senado, separadamente. No caso das matérias votadas no Plenário do Congresso, todas de natureza orçamentária, foram aprovadas por acordo de liderança, já que as sessões do Congresso, diferentemente das realizadas pelas Casas separadamente, quase nunca dão quorum, ou seja, raramente reúnem, no mínimo, 257 deputados e 41 senadores.

Finalmente, registre-se a iniciativa das leis de 2008: 1) Judiciário: 13; 2) Congresso, 81, sendo 19 de deputados e 62 de senadores; 3) Poder Executivo, 130, sendo 23 de projetos de lei, 38 oriundos de MP (das quais, 14 aprovadas originalmente e 24 alteradas e convertidas em projeto de lei de conversão) e 69 de PLN (projeto de lei do Congresso: Câmara e Senado juntos).

A produção legislativa em 2008, apesar do empenho dos presidentes das duas Casas, ficou a desejar em termos de qualidade. O presidente da Câmara, por exemplo, fez um esforço pessoal enorme para aprovar conclusivamente as reformas política e tributária, as propostas de emenda à Constituição do trabalho escravo e a que regulamenta a edição de MPs, assim como outros temas de grande relevância, mas não houve concordância da oposição, cuja obstrução foi intransigente nas duas sessões desta legislatura, notadamente em 2008.
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*Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
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17 de dezembro de 2008

Teoria e método na análise de conjuntura

Sebastião Velasco e Cruz (Unicamp)
[Brasília, fev. 1960. Arquivo Life]

[Análise de conjuntura entre nós é uma subespécie de gênero literário onde sobram impressões e faltam informações. Normalmente, as "análises" são expressões puramente subjetivas do analista sobre a política contemporânea, seus fatos e os feitos dos seus agentes principais, os políticos de carreira. Esse tipo de análise, no entanto, tem teoria e método. Sebastião Cruz discute esse ponto no artigo cujo começo vai abaixo.]


"Teoria e método na análise de conjuntura: 50 minutos para dissertar sobre o tema".

Simples, não? Afinal de contas, análise de conjuntura é o que fazem cotidianamente políticos, articulistas e cidadãos informados, como exigência incontornável de suas atividades profissionais, ou - no caso destes últimos - como parte do processo de formação de juízos sobre ocorrências, proposições e/ou indivíduos, que não se reduzam a meras projeções da subjetividade de quem os expressa. Ler jornais, cultivar o saber sobre instituições e usos no país, acompanhar com relativa atenção os movimentos de algumas personalidades públicas... nada muito complicado. Em caso de dificuldade, podemos sempre buscar a receita em um manual de Ciência Política. Certo?

Errado. Pensar assim é desconhecer a enorme distância que medeia entre o exercício de uma prática e a capacidade de explicitá-la, de enunciar os seus princípios subjacentes, esclarecê-la em seu alcance, suas implicações e seus pressupostos. Lembro-me de Michael Polany e da noção de conhecimento tácito que ele explora no livro Personal Knowledge. Lembro-me também de Durkheim e do momento segundo que representou em sua obra a elaboração de As Regras do Método Sociológico, fruto de reflexão sobre os supostos de uma atividade prévia de pesquisa da qual A Divisão do Trabalho Social constitui a realização maior e mais ambiciosa.

Naturalmente, em relação à análise de conjuntura, não disponho de nada remotamente parecido com as Regras do gigante Durkheim. E nem deveria ser preciso. O que se pede é a demonstração de domínio da teoria e da metodologia pertinente a essa área de problemas. Mas é precisamente aí que a dificuldade se ergue, quase intransponível: embora largamente praticada, a análise de conjuntura não se configura como um subcampo diferenciado e claramente reconhecido na Ciência Política, ou em sua prima, a Sociologia.

Referência: CRUZ, Sebastião C. Velasco e. Teoria e método na análise de conjuntura. Educ. Soc. 2000, vol. 21, no. 72, pp. 145-152

clique aqui para ler o artigo completo.
indispensável.
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7 de setembro de 2007

O caráter público da política

[During construction of
the new capital. Frank Schersche,
1960. Life]


Adriano Codato
Gazeta do Povo, 6 set. 2007


Proposições normativas devem se apoiar em conhecimentos objetivos. Ou melhor: quando dizemos como as coisas devem ser, devemos antes saber como as coisas são, e porque não gostaríamos que elas fossem assim. Esse preceito, que vale em muitas áreas, para ser econômico, deveria valer mais ainda quando se discute alternativas políticas.

No “debate” recente sobre a reforma do sistema eleitoral ouviu-se muito sobre as vantagens, supostas, do voto distrital sobre o voto proporcional (para ficarmos só nesse exemplo) sem que se demonstrasse de fato quais as implicações reais na mudança de um regime de votação para outro. A representação da bancada do Paraná na Câmara Federal conta com 30 deputados, eleitos por diferentes regiões e graças a um número específico de votos, conforme o partido político a que pertencem. Caso mudasse o sistema, como ficaria? Melhor? Pior? Melhor ou pior para quem? Para os próprios políticos (pois diminuiria a competição) ou para os eleitores (pois aumentaria a fiscalização)?

O caso do “debate” sobre o financiamento público das campanhas dos políticos é ainda mais curioso. Além de não sabermos quanto custa uma campanha, já que as declarações de contas nos tribunais eleitorais são, digamos, imprecisas, em função dos recursos “não contabilizados”, não sabemos também exatamente quanto, uma vez introduzido o novo esquema, elas custariam. Não sabemos inclusive se seria conveniente que elas fossem custeadas pelo Tesouro. O “argumento” segundo o qual na Alemanha é assim, e lá dá certo, parece, digamos também, incerto.

A polêmica sobre o voto aberto ou voto secreto nas casas legislativas é um bom exemplo daquilo que já sabemos e daquilo que não sabemos ainda.

Há argumentos sensatos para sustentar que, em determinadas votações, o parlamentar possa votar anonimamente. Vejamos quatro dessas razões.

O voto secreto garantiria ao deputado, ou ao vereador, liberdade para escolher entre a decisão A ou a decisão B já que ele estaria livre de pressões indevidas – do presidente, do governador, do prefeito, do presidente da mesa, do líder do partido ou de algum manda-chuva, que há muitos. O representante poderia assim votar conforme sua consciência. Esses motivos alegados são, para quem defende a idéia, não apenas lógicos, mas derivados de um princípio jurídico incontestável: o direito que todos nós eleitores temos ao voto secreto.

Por outro lado, pode-se opor a essas razões, razões tão boas quanto, e em sentido contrário.

O voto secreto do representante político não é um direito. É uma convenção estabelecida pelo regimento interno da Casa (Câmaras, Assembléias), já que se trata apenas de um mecanismo deliberativo. Garanti-lo ou aboli-lo é uma questão que escolha entre dois modelos políticos, não entre um direito e uma ofensa a ele.

Isso é assim (ou deveria ser assim) porque a liberdade fundamental não é a do representante, mas a do representado. O representante, que é em nosso sistema político bastante livre, pois só presta contas em momentos eleitorais, quando presta, é (ou deveria ser) um procurador, não um intermediário. Sendo assim, os eleitores precisam saber que escolhas foram feitas, pois só essa informação permite, de fato, pressão sobre o “seu” deputado. Em vista disso, a pressão (ou chantagem) de políticos mais poderosos é menos importante do que deveria ser o constrangimento de votar contra a opinião dominante – mesmo porque pressões e contrapressões dos políticos fazem parte da regra do jogo que eles mesmos estipularam.

Caso fique garantido o “direito” de votar contra a orientação do partido, seria o caso de perguntar: para que então servem os partidos? Partidos funcionam, na arena eleitoral e na arena parlamentar, para sinalizar opções políticas diferentes. Se essas posições fossem intercambiáveis e o político de centro-esquerda pudesse votar, graças à sua “liberdade”, como o político de centro-direita, e vice-versa, o jogo político se tornaria imprevisível, o que aumentaria o custo das negociações. Em duas palavras: mais tempo (para construir acordos) e mais dinheiro (para chancelar esses acordos).

O direito fundamental de votar conforme crenças subjetivas só seria válido se a política efetiva pudesse ser convertida numa negociação entre a consciência do representante e grandes questões abstratas, ou dilemas morais. Ora, o representante, procurador ou delegado não se defronta com questões de princípio, mas com questões concretas. Nesse sentido, toda moralidade é política, ou melhor: todos os casos que envolvam aspectos morais e que digam respeito à conduta dos políticos, são questões políticas. E toda política é (deveria ser) pública, por definição.

Conhecendo ou estimando os efeitos possíveis do voto secreto e do voto aberto, fica difícil discordar da divisa proposta pelo juiz da Suprema Corte dos EUA, Hugo Black (1886-1971): “a luz do sol é o melhor detergente”. Sempre.

Referência:
CODATO, Adriano . O caráter público da política. Gazeta do Povo, Curitiba - PR, p. 10, 06 set. 2007.
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