artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
Mostrando postagens com marcador campo científico. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador campo científico. Mostrar todas as postagens

7 de novembro de 2011

da especialização ao trabalho em equipe: a ciência política hoje

[Congressman Max Schwabe 
reading his mail.
1943, Nina Leen
Life] 


Rainer Eisfeld (Osnabrueck University, Germany)

Keynote Lecture at the Inaugural Session of the joint IPSA RC 37/RC 02 Conference on Rethinking Political Development: Multifaceted Role of Elites and Transforming Leadership
Winter Park, Florida, USA, November 7, 2011
I
Earlier this year, in a process in which it was my privilege to participate, the IPSA Executive Committee agreed on the first mission statement in our association’s history, which you may now find on the IPSA website. The statement includes two visions: one of service to the community, and a second of organizing research in a way meant to assure the high caliber of that service. Let me quote from the first:
“Political science…(aims) at contribut(ing) to the quality of public deliberation and decision-making… Ultimately, IPSA supports the role of political science in empowering men and women to participate more effectively in political life, whether within or beyond the states in which they live.”
I am labeling this statement a “vision”, not a description, because to a considerable extent it jars with Giovanni Sartori’s 2004 contention, according to which political science – at least American-type, largely quantitative political science – “is going nowhere… Practice-wise, it is a largely useless science that does not supply knowledge for use”.[1] A more recent, but no less skeptical assessment by Joseph Nye has been quoted to the effect that the discipline may be “moving in the direction of saying more and more about less and less”.[2]
In statements such as these, misgivings have peaked resulting from a debate about the compartmentalization, balkanization, fragmentation of political science that has continued to flare up. Reflecting preoccupations about how much relevant, stimulating, important work is being done in the discipline’s fields, that debate won unexpected media attention in November 2009, when a Republican senator’s motion, which would have prohibited the American National Science Foundation “from wasting federal research funding on political science projects”, obtained 36 votes in the U.S. Senate.[3] While it might be argued that the motion says more about the current Republican Party than about political science, the vote and the reasons put forward for the motion nevertheless may serve as a caveat to the discipline. I will return to the issue in a moment.
Appropriately enough, IPSA in its mission statement aims at strengthening the discipline  so that it may better cope with the envisioned purpose of serving democracy. Again, I quote:
“IPSA’s research committees encourage the world-wide pooling of skills and resources by working both together and in conjunction with specialist sub-groups of national associations… By linking scholars from North and South as well as East and West, IPSA seeks to strengthen the networks that underpin a global political science community.”
Some 40 years ago, at the VIII World Congress held in Munich in 1970, IPSA decided to institutionalize research activities throughout the world by setting up research committees. The immediate establishment of a large number of such committees signaled that our association had indeed responded to a growing demand for sustained cooperation among political scientists. Since 2006, IPSA has been pursuing a policy of strengthening already existing, and forging additional, links among Research Committees, as well as between these and the national political science associations which belong to IPSA as collective members. Efforts at teamwork across sub-fields and across countries are deemed essential for creating synergies and making the most of existing specialization. The present workshop furnishes a perfect example of what the IPSA Executive Committee hoped to achieve when it embarked on its policy. Again, I will enlarge on these considerations shortly.
Read more 
fonte: http://www.ipsa.org/
.

30 de outubro de 2011

o professor frente à propriedade intelectual

[Eton College.
United Kingdom, 1948
John Phillips. Life] 


Ladislau Dowbor

Cansado das declarações empoladas e de indignações capengas, resolvi apresentar alguns exemplos práticos de como funcionam as coisas na minha área, na universidade. A ideia básica é de que simplificações ideológicas e discursos irritados estão frequentemente baseados em desconhecimento dos mecanismos. Antes de pensar em perversidade, vale a pena dar uma boa chance à falta de informação. 

A geração de idéias é um processo colaborativo. Não por opção ideológica ou fundamentalismo de qualquer cor política, mas pela natureza das ideias. A internet não teria surgido sem as iniciativas dos pequisadores militares do DARPA, mas se materializou como sistema planetário através do www criado pelo britânico Tim Berners-Lee, que não o teria criado se não fosse o processo colaborativo do centro europeu de pesquisas nucleares (CERN) onde tinha de fazer conversar pesquisadores de diversos países e gerar sinergia entre as próprias pesquisas. Mas nada disto teria surgido sem que brilhantes físicos tivessem iventado anos antes o transistor, o microprocessador e semelhantes, fruto de pesquisas universitárias e empresariais. Os satélites que permitem que as ideias fluam em torno do planeta resultam de investimentos públicos russos e americanos em pesquisas e infraestruturas espaciais. Sem isto, como escreve Gar Alperovitz, Bill Gates na sua garagem teria de trabalhar com tubos catódicos, e Google seria uma ideia solitária. (3)

Em maio de 2011 foi publicado um artigo meu na revista Latin American Perspectives, da Califórnia. Sou obrigado a publicar pois sem isto o programa da PUC-SP onde sou professor não terá os pontos necessários ao seu credenciamento. Publicar um artigo normalmente significa disponibilizar uma pesquisa para que outros dela possam aproveitar, e para assegurar justamente o processo colaborativo onde uns aprendem com os outros e colocam a ciência sempre alguns passos mais à frente. 

Em termos acadêmicos, a revista mencionada é classificada como “internacional A” pelo Qualis, e isto soma muitos pontos no curriculo. A universidade funciona assim: quem não publica se trumbica, para resgatar o Chacrinha. A versão do mesmo ditado em Harvard apareceu sob forma de um pequeno cartaz que puseram em baixo de um crucifixo na parede: “Foi um grande mestre, mas não publicou nada”. Com justa razão foi crucificado. Publicar é preciso. 

Mas alguém vai ler? No século XXI, os atos de publicar e de disponibilizar se dissociaram. Não constituem mais o mesmo processo. Quando me comunicaram que o artigo foi publicado, fiquei contente, e solicitei cópia. Me enviaram o link da Sage Publications, empresa com fins lucrativos que me informa que posso ver o artigo que eu escrevi, com as minhas ideias, artigo aliás sobre a nova geração de intelectuais no Brasil, pagando 25 dólares. 

Esta soma me permite acessar o meu artigo, com minhas ideias, durante 24 horas. Mas posso ver no dia seguinte pagando outra vez, e posso também dizer aos meus amigos que leiam o meu artigo, pagando a mesma soma. A Sage hoje monopoliza cerca de 500 revistas científicas, segunda declaração do seu site. Eu, como autor, fico no dilema: tenho de publicar nestas revistas, para ter os pontos, e para a minha sobrevivência formal. Mas aí ninguém lê. E se disponibilizo o texto online, entro na ilegalidade. Ninguém me pagou este artigo. A Sage é generosa nas ameaças sobre o que me acontece se eu disseminar o artigo que eles publicaram.(4) 

A minha solução, foi abrir espaço no meu blog, e colocar o artigo em formato de manuscrito, sem menção de que foi publicado pela Latin American Perspectives. Muitas pessoas acessam o meu site. Não vou impor aos meus colegas um pedágio de 25 dólares, eles que já não têm muita propensão a perder tempo com os meus textos. Tenho um duplo exercício, publicar no papel para ter pontos, e publicar online, o que curiosamente não dá pontos, para ser lido. 

Tenho de reconhecer que recebi igualmente um mimo da Sage publications, sob forma de um e-mail: “Thank you for choosing to publish your paper in Latin American Perspectives. SAGE aims to be the natural home for authors, editors and societies.”(5) O pessoal científico da Latin American Perspectives, gente que pesquisa e publica, e se debruça essencialmente sobre conteúdos, não tem nada a ver com isto. Ronald Chilcote ficou espantado ao saber que tenho de pagar para ler o meu artigo. Uma empresa comercial terceirizada se apresenta de maneira simpática como “o lar dos autores”, e o direito autoral consiste no autor ter o direito de ler o seu artigo pagando à editora, que aliás não lhe pagou nada, e tampouco criou coisa alguma. 

De onde vem este poder? Eles sabem que tenho de publicar nas revistas referenciadas, e não tenho escapatória. É um pedágio sem via lateral. O que lhes permite me enviar o seguinte aviso: “The SAGE-created PDF of the published Contribution may not be posted at any time”.(6) Em si, é até divertido, o “Sage-created PDF”, como se colocar o artigo em PDF fosse o ato da criação, e não a trabalheira que tive de fazer o artigo, ou o construção da bagagem intelectual que tenho e que para já motivou o convite para escrevê-lo.

A SAGE não é exceção. George Monbiot, no Guardian (30/08/2011) apresenta a situação geral: “Ler um único artigo publicado par um dos periódicos da Elsevier vai lhe custar $31,50. A Springer cobra $34,95. Wiley-Blackwell, $42. Leia dez artigos, e pagará 10 vezes. E eles retêm o copyright perpétuo. Você quer ler uma carta impressa em 1981? São $31,50...Os retornos são astronômicos: no último ano fiscal, por rexemplo, o lucro operacional da Elsevier foi de 36% sobre cobranças de dois bilhões de libras. Resulta um açambarcamento do mercado. Elsevier, Springer e Wiley, que conpraram muitos dos seus competidores, agora controlam 42% ds publicações”. 

Há saida para os autores? “Os grandes tomaram controle dos periódicos com o maior impacto acadêmico, nos quais é essencial pesquisadores publicarem para tentar obter financiamentos e o avanço das suas carreiras...O que estamos vendo é um puro capitalismo rentista: monopolizam um recurso público e então cobram taxas exorbitantes. Uma outra forma de chamar isto é parasitismo econômico”. Não são apenas os pesquisadores que são penalizados: o custo das assinaturas das revistas pelas bibliotecas universitárias é simplesmente proibitivo.(7) 

Outro importante estudo, de Glenn McGuigan e Robert Russell, constata que “o poder de negociação das faculdades e professores como fornecedores de propriedade intelectual é fraco. A indústria é altamente concentrada nas mãos de três editores com fins lucrativos que controlam a distribuição de muitos periódicos inclusive os maiores e de maior prestigio. Estes fatores contribuem para um ambiente de negócios em que os editores comerciais podem aumentar os preços por falta de fontes alternativas de distribuição de conteúdos intelectual em mãos de periódicos acadêmicos.” Os autores defendem o acesso aberto à produção científica.(8)

É importante aqui considerar a dimensão legal: a propriedade intelectual é temporária. Em termos jurídicos, não é um direito natural. A bicicleta é minha, posso desmontar ou guardar na garagem para que enferruje. Aliás até isto não me parece muito correto, se é para deixar enferrujar, melhor dar para uma moleque que se divirta com ela. Mas no caso da ideia, a própria legalidade é diferente. É por isto que copyrights e patentes valem por tempo determinado, extinguindo-se: foram criados não para defender o direito de propriedade do autor, sob forma de copyrights, ou para assegurar um pecúlio para herdeiros, mas para assegurar ao autor uma vantagem temporária que o estimule a produzir mais ideias. 

Quando paguei a bicicleta, é minha e ponto. A ideia que pus no papel faz parte de uma construção social. Não é porque eu tive a ideia que ela é me é temporariamente reservada (causa) mas sim porque a propriedade temporária deve estimular a criatividade (objetivo). Isto é totalmente coerente com o fato da propriedade, conforme está na nossa constituição, ter de preencher uma função social. O travamento do acesso à produção científica, no caso, prejudica o objetivo, que é o estímulo à criatividade. 

O primeiro ministro da Inglaterra, David Cameron, encarregou em novembro de 2010 uma comissão dirigida por Ian Hargreaves de responder a uma questão simples, que depois de ampla pesquisa foi respondida com clareza: “Poderia ser verdade que leis desenhadas há mais de três séculos com o propósito expresso de criar incentivos econômicos para a inovação através da proteção dos direitos dos criadores, estejam hoje obstruindo a inovação e o crescimento econômico? A resposta curta é: sim.”(9) 

Como se dá esta obstrução? O exemplo da SAGE, acima, é um mecanismo. Mas como as pessoas são bombardeadas de declarações sobre ética, e desconhecem os processos jurídicos a que se submete o autor, apresentamos um outro caso concreto. A pedido de uma grande universidade privada, mas onde trabalham vários colegas, e na linha da colaboração que faz parte da cultura acadêmica, fiz uma palestra sobre economia. Gravaram a palestra, que naturalmente tem a minha imagem e as minhas ideias. O documento que me apresentaram para assinar está abaixo, apenas retirei o nome da instituição para não criar dificuldades às pessoas que me convidaram. Sugiro ao leitor que não pule o parágrafo como fazemos normalmente com os textos jurídicos que assinamos, mas leia linha por linha, dando-se conta dos termos. Os comentários entre parênteses são evidentemente meus, assinalados com LD: 

“Pelo presente instrumento, o Participante acima qualificado (este sou eu, LD) e abaixo assinado cede e autoriza de forma inteiramente gratuita, (esta é a parte de direito autoral, LD) os direitos da sua participação individual (imagem, voz, performance e nome) nas gravações, transmissão e fixações da obra coletiva intelectual/artística intitulada a produção da equipe da TV (xxx), a ser exibido pelo Canal Universitário e/ou pelo site da TV (xxx), no portal da Universidade (xxx). A presente cessão de participação individual, na forma retro mencionada, compreenderá a sua livre utilização, bem como seu extrato, trechos ou partes, podendo ainda ser-lhe dada qualquer utilização econômica, (ou seja, podem comercializar, eu não, LD) sem que ao Participante caiba qualquer remuneração ou compensação. (notem que é uma universidade paga, LD) O participante responsabiliza-se integral e exclusivamente por suas declarações, comportamento e pelas informações fornecidas na gravação do programa, inclusive no que tange à propaganda enganosa ou abusiva a que der causa, bem como quaisquer outras obrigações que decorram destas, tais como: direitos autorais, de propriedade, imagem e impostos. (qualquer enrosco, quem paga sou eu, LD) Nenhuma das utilizações previstas acima têm limitação de tempo ou de número de vezes, podendo ocorrer no Brasil e/ou no exterior, sem que seja devida ao Participante qualquer remuneração (de novo, os meus direitos autorais, LD). Para fins do presente instrumento, o Participante, neste ato, autoriza a proceder a qualquer transformação, alteração, incorporação, complementação, redução, ampliação, junção e/ou reunião da participação individual por qualquer meio e processos (qualquer deformação da minha fala por recortes é lícita, LD). O presente instrumento é firmado em caráter irrevogável e irretratável obrigando-se as partes por si, seus herdeiros e sucessores (portanto filhos e netos, LD) a qualquer título ficando eleito o foro da Comarca de São Paulo para dirimir quaisquer dúvidas oriundas deste Termo.” 

Cada frase destas libera a instituição, e limita os meus direitos. Porque me convidaram? Porque tenho décadas de trabalho acumulado, nome construído, o que faz com que me convidem e considerem a minha fala como tendo valor. Que valor há para mim? Que proteção? Quando contestei o texto, me disseram que era “padrão”. Perguntei “padrão de quem?” Mas não tive resposta, pois não é um advogado que leva o papel para o cientista assinar, ele tem outras coisas a fazer. E a mocinha me disse que não tem problema, é só assinar, é rotina. Eu assinei cortando um conjunto de palavras e acrescentando outras, o que invalidou o documento, mas ficaram contentes. O problema é que eu posso me dar ao luxo de massacrar um documento absurdo. Mas qualquer cientista principiante fica tão feliz de ser publicado, que não ousará contestar nada. 

Os direitos todos ficam com uma empresa, que apenas gravou as ideias, o que francamente com as tecnologias atuais não representa grande investimento. E as obrigações e riscos todos, naturalmente, com o autor. No triângulo criador-intermediário-usuário, quem manda é o intermediário, não quem cria, e tampouco quem lê ou estuda, que é afinal o objeto de todo o nosso esforço. Manda quem fornece o suporte material, e este é cada vez menos necessário. E tal como Ian Hargreaves, Joseph Stiglitz e o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, muita gente começa a se perguntar qual o sentido deste sistema. 

Terceiro exemplo: O MIT, principal centro de pesquisa nos Estados Unidos, há alguns anos decidiu virar a mesa: criou o OCW (Open Course Ware), que libera o acesso do público, gratuitamente, a toda a produção científica de todos os seus professores e pesquisadores, Estes podem se recusar, mas na ausência de instruções específicas, o “default” é que tudo apareça online no site ocw.mit.edu . Qualquer um pode acessar gratuitamente e instantaneamente cerca de dois mil cursos disponibilizados. Em poucos anos, o MIT teve mais de 50 milhões de textos e vídeos científicos baixados, uma contribuição impressionante para a riqueza científico-tecnológica do planeta. O que afinal é o objetivo. 

É interessante pensar o seguinte: ao saber que os seus trabalhos estão sendo seguidos e aproveitados em milhões de lugares, gratuitamente, os professores e pesquisadores se sentem mais ou menos estimulados? Cobrar acesso pelas suas ideias seria mais estimulante? O fato fantástico de eu poder escrever com um computador que da minha mesa acessa qualquer informação em meios magnéticos em qualquer parte do planeta, é o resultado de uma amplo processo de construção social colaborativa, onde os avanços de uns permitem os avanços de outros. Na minha visão, temos de reduzir drasticamente os empolamentos ideológicos, e pensar no que melhor funciona. 

Quarto exemplo. Nas três universidades de linha de frente em São Paulo, a USP, a PUC-SP e a FGVSP, mas seguramente também em outras instituições, há salas de fotocópia com inúmeros escaninhos de pastas de professores. Os alunos obedientemente, mesmo nas pós-graduações, vão procurar as pastas, e levam fragmentos de livros (limite de um capítulo) fotocopiado. Um capítulo isolado, para uma pessoa que está estudando, e portanto na fase inicial de conhecimentos específicos, é mais ou menos um Ovni. E o professor não tem opção, xerocar o livro inteiro é crime. 

Numerosas universidades de primeira linha nos Estados Unidos já se inspiram no exemplo do MIT. Para os fundamentalistas da propriedade intelectual, seria interessante mencionar um comentário do Bill Gates, que cobra bem, mas entende perfeitamente para onde sopram os ventos: “Education cannot escape the transformative power of the internet, says Microsoft chairman Bill Gates. Within five years students will be able to study degree courses for free online”(10) Entre nós, predomina a prehistória científica. O Creative Commons ainda apenas começa a ser difundido. A geração de espaços colaborativos de interação científica está no limbo.(11) 

Eu, que não sou nenhum MIT, criei modestamente o meu blog, dowbor.org, e disponibilizo os meus textos online. Resultam muitos leitores, e muitos convites. Os meus livros continuam vendendo. Os convites por vezes me remuneram. E realmente, quando uma ideia instigante de um colega me puxa para uma pesquisa inovadora, a motivação é outra. Não é porque haveria uma cenoura no fim do processo de criação que as pessoas criam, mas pelo prazer intenso de sentir uma ideia se cristalizar na cabeça. Ao caminhar de maneira teimosa atrás de uma ideia ainda confusa na minha cabeça, preciso consultar, folhear e descartar ou anotar dezenas de estudos de outros pesquisadores, até que chega a excitação tão bem descrita por Rubem Alves com o conceito pouco científico de “tesão”, e que Madalena Freire chama de maneira mais recatada de “paixão de conhecer o mundo”. 

O potencial da ciência online, do open course, é que eu posso acessar quase instantaneamente o que se produziu em diversas instituições e sob diversos enfoques científicos sobre o tema que estou pesquisando, o que me permite chegar ao cerne do processo: uma articulação inovadora de conhecimentos científicos anteriormente acumulados. Esta aumento fantástico do potencial criativo que o acesso permite é que importa, e não o fato de ser gratuito. E a seleção dos bons artigos se faz naturalmente: quando me chega uma ótima análise, obviamente repasso para colegas. 

É um processo de seleção que decorre da própria utilidade científica da criação, e que permite inclusive que circulem artigos que são bons mas de autores pouco conhecidos, que não teriam acesso aos circuitos nobres da publicação tradicional. Agora, se eu for pagar 25 dólares a cada vez que tenho de folhear um artigo para ver se contém uma inovação que contribui para a minha pesquisa, ninguém progride. Quanto ao xerox, francamente, temos de ter pena do clima, das árvores, e dos alunos. E porque não, até dos professores. 

Urge que as nossas universidades se inspirem no MIT e em outras grandes universidades que estão desintermediando a ciência, favorecendo um processo colaborativo e ágil entre os pesquisadores do país e inclusive no plano internacional. É uma imensa oportunidade que se abre para um salto no progresso científico. O atraso, nesta área, custa caro.

Notas

1. Ladislau Dowbor é professor titular da PUC-SP nas pós-graduações em economia e administração, autor de numerosos estudos disponíveis emhttp://dowbor.org ou http://dowbor.org/wp

2. Instamos o Governo que assegure que no futuro, as políticas relativas a questões de propriedade intelectual sejam construídas sobre a base de fatos, e não do peso dos lobbies.

3. Gar Alperovitz e Lew Daly – Apropriação Indébita – Ed. Senac, 2010 -http://dowbor.org/resenhas_det.asp?itemId=dd6ad9fb-d10b-4451-8e87-2a0b5f2eca0d

4. Você pode ler o meu abstract de graça (!) em http://bit.ly/g3TtXO

5. “Obrigado por publicar o seu artigo na Latin American Perspectives. O objetivo da SAGE é ser o lar natural dos autores, editores e sociedades”.

6. “O PDF criado pela SAGE da Contribuição publicada não poderá ser postado (colocado online
ou enviado, LD) em nenhum momento” (o que eu imagino que devo interpretar como nunca, LD).

7. George Monbiot, How did academic publishers acquire these feudal powers? The Guardian, August 29, 2011http://dowbor.org/ar/the%20guardian.doc

8. Glenn S. McGiguan and Robert D. Russell, 2008, The business of Academic Publishing, 
http://southernlibrarianship.icaap.org/content/v09n03/mcguigan_g01.html

9. Digital Opportunity: A Review of Intellectual Property and Growth – An Independent Report by Professor Ian Hargreaves, May 2011, p.1 –http://www.ipo.gov.uk/ipreview-finalreport.pdf

10. New Scientist, 14 August 2010, p. 23 (techcrunch.com, 6 August) “A educação não pode escapar do poder transformador da internet, diz o chairman da Microsoft Bill Gates. Dentro de cinco anos os estudantes poderão cursar faculdades gratuitamente online”. Note-se que em junho de 2011 o Ministério de Educação, Ciência e Tecnologia da Coréia do Sul anunciou a disponibilização online de todos os livros-texto online, para todo o sistema educacional, até 2015.http://english.chosun.com/site/data/html_dir/2011/06/30/2011063001176.html
11. Sobre a dinâmica nas universidades brasileiras, ver o grupo de pesquisa GPOPAI da USP-Leste, http://www.gpopai.usp.br/blogs/ ; o creative commons não é a casa da mãe Joana: pode-se reproduzir e divulgar mas não usar para fins comerciais, nem usar sem fonte ou deformar/truncar o texto. O autor é lido, e está protegido.


fonte: http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18824

25 de julho de 2011

novas agendas da ciência política brasileira


[Entreposto de Carne, 1975
São Paulo, SP
Ameris Paolini.

Pirelli/MASP]

Adriano Codato 
(em colaboração com 
Fernando Leite)

Evento: II Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar
Mesa-redonda com Eduardo Noronha (UFSCar), Adriano Codato (UFPR) e Bruno Reis (UFMG) para falar sobre as "Novas Agendas na Ciência Política Brasileira". 
Em 20 jul. 2011.

O objetivo desta palestra é expor, em linhas bem gerais, a estrutura (cultural e institucional) da Ciência Política brasileira a partir da produção veiculada em seus principais periódicos e elaborar uma explicação sociológica para ela.

Esse objetivo se insere em uma pesquisa mais ampla. Os dados aqui apresentados foram todos coletados, compilados e apresentados por Fernando leite, com quem eu colaboro na pesquisa, na dissertação: Divisões temáticas e teórico-metodológicas na Ciência Política brasileira: explicando sua produção acadêmica (2004-2008), Mestrado em Sociologia. Universidade Federal do Paraná, UFPR, 2010.

A pesquisa sobre o campo científico da Ciência Política brasileira, imaginamos, envolve três momentos.

O primeiro consiste em uma análise estatística da produção acadêmica, contemplando o período de 2004 a 2008 a partir dos principais periódicos da área: Dados, Revista Brasileira de Ciências Sociais, Revista de Sociologia e Política, Lua Nova, Opinião Pública, Brazilian Political Science Review e Crítica Marxista.

O segundo momento envolve uma análise histórica e uma análise institucional em que se constroem algumas hipóteses para determinar pelo menos duas coisas: a situação identificada; como se chegou a ela.

Um terceiro momento previsto tentará estabelecer, a partir da interpretação, as possíveis relações de dominância e subordinação (as hierarquias) em termos de prestígio e poder institucional entre instituições, agentes e produção científica na Ciência Política brasileira.

Aqui vou apresentar brevemente alguns resultados do primeiro passo dessa pesquisa. Ele consistiu em uma investigação sobre tipos de abordagens e áreas temáticas privilegiadas a partir de 364 artigos publicados nessas revistas (exceto Crítica Marxista).


para ler a conferência completa,
clique aqui (em breve)

.

3 de dezembro de 2010

ciência política e história

[Ed Clark.
Paris, 1946.
Life] 

Adriano Codato et al.

Uma inspeção rápida do que se vem produzindo na Ciência Política brasileira constatará que os estudos tem se caracterizado cada vez mais pelo “presentismo”. Isso não se deve apenas ao fato de os objetos de pesquisa serem cada vez mais contemporâneos dos pesquisadores, mas à perda da dimensão histórica das problemáticas e das análises.

Mesmo sem assumir o desafio proposto por Tilly (1985) há mais de duas décadas, voltar a estudar “grandes estruturas” e “processos de larga escala” a fim de produzir “enormes comparações”, a abordagem histórica permite um ganho considerável para o cientista político. Através dela consegue-se sugerir interações entre sequências causais que convergem num determinado momento e que podem explicar eventos específicos. É o caso do estudo de “conjunturas críticas” (como colapsos de regimes políticos, por exemplo) ou de investigações interessadas na reconstrução da sócio-gênese de um fenômeno ou instituição política. Modelos muito formalizados, postulados teóricos universais e tipologias abstratas tendem a perder relações causais mais complexas, ignorar hipóteses válidas, desconsiderar importantes processos políticos e o modo pelo qual afetam o mundo social. Daí a importância do cientista político olhar não para o passado, mas, como advertiram Pierson e Skocpol (2002), para “processos ao longo do tempo”.

Essa volta aqui sugerida tem a ver então com a necessidade de recuperar a dimensão histórica para os estudos políticos. Nesse movimento, deve-se, todavia, evitar ao máximo três estilos discutíveis de retorno à história: o estudo do passado por si mesmo, esforço que em geral termina em descrições de fenômenos únicos e de interesse limitado no tempo e no espaço; o estudo do passado a fim de encontrar indícios, evidências ou exemplos para ilustrar e confirmar uma teoria ou um modelo explicativo construído a priori; e o estudo do passado como um depósito onde se buscam casos para comparação com problemas do presente, esses sim objetos de interesse efetivo.

Nos últimos anos, na cena acadêmica internacional, vem-se observando uma revitalização de estilos de teorização política informados pelo conhecimento histórico. Mesmo num contexto em que há um predomínio na Ciência Política de disposições naturalizantes e de reflexões descontextualizadas, as abordagens historicistas da Teoria Política vêm-se apresentando como alternativas à polarização entre as modalidades de teorização de natureza estritamente instrumental (em que a teoria desempenha o papel subordinado de simples meio para o balizamento de pesquisas empíricas), e as modalidades estritamente filosófico-normativas (em que a teoria destina-se à afirmação de modelos ideais de sociedade ou de ordens jurídico-políticas).

Exemplo desta confluência entre Ciência Política e História no domínio da teoria pode ser acompanhado no novo fôlego dos estudos sobre teoria política republicana. Nas décadas recentes eles assumiram um contorno em que a teoria política normativa nutre-se de estudos sobre as idéias do passado, ao passo que a história (especificamente a história do pensamento político) utiliza-se do ferramental teórico elaborado pelos politólogos para manusear seus próprios objetos de estudo. Além disso, a história do pensamento político produz, ao ser escrita, teoria política, fornecendo ao analista contemporâneo um manancial de consulta que auxilia na resposta aos problemas atuais, já que promove a desnaturalização das noções políticas que esposamos atualmente, permitindo novos cursos de ação e de ideias (Skinner, 1996; Pettit, 1997).

Do lado das análises empíricas em Ciência Política, há um movimento na mesma direção, seja por parte dos estudos apoiados no neo-institucionalismo histórico, seja nas análises que enfatizam a dependência da trajetória histórica para a compreensão de determinados fenômenos políticos (path dependence). Todavia, não se trata apenas de reconhecer que “a história importa”, isto é, que escolhas feitas no passado produzem efeitos mais adiante, preceito que vale tanto para firmas privadas quanto para Estados nacionais. A virada histórica que desde o início da década vem influenciando cientistas políticos empiricamente orientados pretende significar uma mudança teórica mais profunda e mais radical que a do neo-institucionalismo histórico. Como resumiu Paul Pierson (2004), o entendimento de processos e práticas políticas implica em comutar o foco centrado em grandes leis causais para estudos de mecanismos sociais específicos. As explanações daí derivadas estão baseadas em hipóteses formuladas explicitamente sob certas condições limitantes, que são “tempo” e “lugar”. A vantagem mais evidente desse enfoque é que ele permite contrapor-se a explicações deduzidas de grandes teorias, onde o fato histórico comparece apenas como um exemplo ilustrativo, ou contrapor-se a explicações baseadas em tipologias, em que o caso é classificado (e supostamente explicado) conforme a distância maior ou menor em relação a modelos construídos por abstração a partir de exemplos selecionados como base em critérios eles mesmos discutíveis. Ainda que não seja uma revelação, os preceitos dessa estratégia de análise indicam que pensar em termos de “tempo” e “lugar” é pensar em termos de contextos históricos.

Análises desse tipo – cujo fundamento são teorias de médio alcance, hipóteses verificáveis, e não postulados teóricos universais – têm encontrado um reforço bastante positivo nas mudanças recentes da História (a disciplina), seja porque voltou à tona a narrativa explicativa, isto é, a procura de respostas nos estudos históricos a uma questão de tipo “por quê?”, seja porque os próprios historiadores, ao que parece, estão novamente atentos, apesar de tudo, para causas, origens e consequências no estudo de acontecimentos discretos (Weinstein, 2003). Resulta portanto que o mais prudente é evitar, para usar a frase publicitária de Yves Déloye (1999), o confronto e o desquite entre “o arquivo e o conceito”.

Referências

DÉLOYE, Yves. Sociologia histórica do político. Bauru: EDUSC, 1999.
KOSELLECK, R. Futuro Passado. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.
PETTIT, P. Republicanism: A Theory of Freedom and Government. Oxford: Oxford University Press, 1997.
ROSANVALLON, P. Por uma história conceitual do político (nota de trabalho). Revista Brasileira de História, vol. 15, n. 30, 1995.
SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
TUCK, R. História do pensamento político. In: BURKE, Peter. (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992.
PIERSON, Paul e SKOCPOL, Theda. Historical Institutionalism in Contemporary Political Science. In: Katznelson, Ira & Milner, Helen V. (eds). Political Science: State of the Discipline. New York: W.W. Norton, 2002, p. 693-721.
PIERSON, Paul. Politics in Time: History, Institutions, and Social Analysis. Princeton e Oxford: Princeton University Press, 2004.
TILLY, Charles. Big structures, large processes, huge comparisons. New York: Russell Sage Foundation, 1985.
WEINSTEIN, Barbara. História sem causa? A nova história cultural, a grande narrativa e o dilema pós-colonial. História, vol. 22, n. 2, p. 185-210, 2003.
.

11 de maio de 2010

o financiamento da política brasileira

[Brasília. 1957.
Life]

Dinheiro híbrido

BRUNO WILHELM SPECK
O Estado de S. Paulo
9 maio 2010

O debate sobre a reforma do financiamento da política travou há quase uma década. Por mais que haja unanimidade em que o papel do dinheiro na política seja uma das chagas do sistema de representação, o tema só entra na agenda política na forma do projeto de lei para a introdução do financiamento público exclusivo das campanhas (em combinação com listas fechadas). Mas isso é medição de forças, não debate. E aparentemente o confronto divide a elite política no meio. A minoria, defensora da reforma, tem mais argumentos. Mas a maioria, oposição silenciosa, acaba vencendo a batalha. O sentimento é de mal-estar geral. Já seja na hora de ver alternativas, tanto de encaminhamento do debate como de modelo de financiamento. Aqui vai uma ideia que poderá fazer diferença nos dois sentidos.

Como fazer os defensores irreconciliáveis do financiamento público e seus adversários saírem das trincheiras? O que propomos aqui é um sistema híbrido de financiamento público e privado de campanhas. Este é um sistema diferente do financiamento misto, em vigor para o financiamento dos partidos, que recebem recursos do fundo partidário, mas podem adicionalmente arrecadar doações privadas. No sistema híbrido, aqui proposto, cada candidato no início de sua campanha deve escolher entre o financiamento privado e o financiamento público exclusivo.

O sistema se baseia na escolha entre dois caminhos alternativos de financiamento de campanha, que estarão à disposição de cada candidato. Ao início da campanha, o candidato terá que declarar à Justiça Eleitoral sua opção de financiamento - público ou privado -, que será vinculante até o final da campanha. Ao optar pelo financiamento privado, ele terá que tocar a campanha nos moldes atuais. Terá que correr atrás de doadores e explicar aos seus eleitores por que optou por essa modalidade de financiamento. Em compensação, terá a vantagem de poder turbinar sua campanha, conforme sua capacidade de arrecadação.

No entanto, os candidatos com financiamento privado hão de obedecer a um teto máximo de gastos, estabelecido pelo legislador. Enquanto os candidatos que optarem pelo financiamento privado podem alcançar esse teto de gastos com recursos privados, aos candidatos financiados com recursos públicos estaria garantido o financiamento público, num patamar inferior, digamos a metade do teto de gastos. O candidato que optar pelo caminho do financiamento público exclusivo terá que arcar com o risco de tocar uma campanha com menos recursos. Em compensação, ele terá a vantagem de poder concentrar os seus esforços na comunicação com os eleitores. Não vai precisar passar o chapéu entre doadores. Adicionalmente, esses candidatos poderão capitalizar o fato de não receber recursos privados. Toda a comunicação dos candidatos terá que identificar sua opção de financiamento: público ou privado.

Quais as vantagens desse sistema híbrido de financiamento, no qual candidatos de ambos os tipos de financiamento concorrem? Primeiro, ele envolve tanto candidatos como eleitores na escolha entre os dois modelos de financiamento, sobre os quais aparentemente não existe consenso no Legislativo. Os candidatos terão que justificar sua escolha perante os eleitores e estes darão o veredicto final sobre as alternativas apresentadas, por meio do seu voto.

A segunda vantagem é que esse sistema de reforma se presta a ajustes posteriores, graduais. Caso os legisladores queiram futuramente aumentar o financiamento público, poderão fazê-lo, ou por meio da redução do teto para o financiamento privado, ou por meio do incremento dos recursos públicos alocados aos candidatos que optarem por esse caminho. Nesse sentido, o modelo híbrido poderá servir como mecanismo de transição para a introdução do financiamento público exclusivo na medida em que esse modelo convencer a sociedade e a classe política.

Em comparação à proposta que há uma década divide o campo político, em parte porque representa um pulo no escuro, a introdução do financiamento híbrido permite reavaliações e ajustes no meio do caminho. Com esse sistema, os defensores do financiamento público exclusivo teriam uma chance de testar as suas propostas no mercado dos votos. É improvável que os que se opõem ao financiamento público por razões ideológicas se deixem convencer pela prática. Mas há certamente um grupo considerável na classe política que teme mais a incerteza que a ideia do financiamento público em si.

O teto para gastos de campanha torna realidade uma velha aspiração do legislador brasileiro, injetando mais equidade na competição entre candidatos nas eleições. O modelo híbrido de financiamento público ou privado das campanhas tem potencial de quebrar o impasse atual da reforma que promete tudo, mas nunca anda.

Bruno Wilhelm Speck é cientista político, doutor em ciência política pela Universidade de Freiburg (Alemanha) e professor da Unicamp.
.

9 de fevereiro de 2010

agenda de pesquisa e campo profissional da Ciência Política

[Miguel Chikaoka
Algodoal, 1986.
Pirelli/MASP]

Escrevi o texto abaixo como introdução à aula inaugural do curso de graduação em Ciência Política da Faculdade Internacional de Curitiba – Facinter, 9 fev. 2010. O trabalho pode ser baixado e lido na íntegra. Ver o link no final do post. Trata-se, bem entendido, de um rascunho sobre a agenda de pesquisa e o campo profissional da Ciência Política brasileira hoje. Os juízos do texto estão baseados mais em impressões que em pesquisa. Todos os comentários são bem vindos. Peço encarecidamente para não citar este trabalho, pois ele se encontra ainda em elaboração. Decidi publicá-lo aqui para manter vivo o blog.


Ninguém discordaria que a palavra “ciência” que enfeita a expressão “Ciência Política” soa um pouco excessiva.

Como se pode tomar como objeto de conhecimento, e ainda por cima com rigor e método, isto é, cientificamente, a atividade política?

Todas as definições sobre Ciência Política começam em geral do mesmo ponto: citando um autor importantíssimo tanto para a história da Sociologia quanto para a história do pensamento político contemporâneo – Max Weber. Essas definições destacam em geral duas conferências suas pronunciadas há quase cem anos atrás (em 1918) na Universidade de Munique: A ciência como vocação e A política como vocação (cf. Weber, 1994). Nelas, Weber propõe uma oposição radical entre o político de um lado, o cientista de outro. Isso só nos deixa um caminho: ou se é uma coisa, ou se é outra. Que dizer então dessa expressão, tão pomposa quanto suspeita: “cientista político”?

Uma das muitas dificuldades ao juntá-las – “Ciência Política” – é que, de fato, o cientista e o político parecem pertencer a mundos completamente distintos. Talvez a única coisa em comum entre eles seja que suas atividades respectivas produzem duas imagens simétricas: uma positiva, outra negativa.

Assim, “o” cientista – isto é, a figura ideal do cientista ideal – é aquele que se caracteriza ao mesmo tempo por uma virtude e por um defeito: (i) virtude: o trabalho do homem de ciência se faz no rigor da busca desinteressada da verdade; (ii) defeito: o cientista é o homem da especulação (especula com ideias) e por isso ele está sempre desligado dos problemas práticos e dos interesses práticos.

Enrascada semelhante se dá com “o” político. Por oposição ao cientista, o político profissional tem uma virtude característica: (i) virtude: ele é o homem de ação – “aquele que faz” – e não aquele que só fala; e (ii) seu principal defeito? O político profissional é aquele que atua não de forma desinteressada (como o cientista), mas em benefício próprio. Eu poderia enumerar, para fundamentar essa proposição, todas as imagens que foram construídas sobre o “político maquiavélico”.

Tendo essas dificuldades em mente, gostaria de propor aqui uma terceira via para encarar o cientista político. Trata-se de uma forma um tanto quanto diferente das duas anteriores (que impõe: ou se é político profissional, ou se é cientista puro). Penso que o cientista político deve ser tomado como (mais) um especialista das “novas profissões”.

clique aqui para ler o documento [pdf]
.

31 de outubro de 2009

O fórum e o senador





Fábio Wanderley Reis

Valor Econômico

18 out. 2008

parte da palestra no 1º Fórum Nacional de Pós-Graduação em Ciência Política da UFMG

Numa iniciativa brotada do dinamismo de estudantes que se mobilizam e organizam, ocorreu semana passada, na UFMG, o I Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política, com intensa participação de pós-graduandos de todo o país.

Destacando os “desafios metodológicos” da disciplina como tema geral, ao qual se dedicou especificamente uma mesa redonda de abertura composta por profissionais brasileiros, eu mesmo incluído, é no mínimo curioso que o evento tenha coincidido com uma notícia algo surpreendente vinda dos Estados Unidos e veiculada pelo “New York Times” no dia 19 de outubro: a de que o senador Tom Coburn, do Partido Republicano, propõe que a National Science Foundation seja proibida de “desperdiçar” recursos federais para pesquisa em projetos de ciência política, dada a suposta irrelevância desta do ponto de vista do interesse público. [leia aqui o projeto]

Naturalmente, a proposta suscitou forte oposição de acadêmicos da área, além de ver-se enfraquecida por ocorrer no momento em que uma cientista política tem a importância do seu trabalho reconhecida com o prêmio Nobel. Mas a iniciativa de Coburn, como o NYT não deixa de registrar, ecoa preocupações com a relevância da disciplina que se manifestam entre os próprios cientistas políticos.

Na mesa redonda inaugural do fórum da UFMG, um levantamento de Gláucio Soares mostrava com clareza certas lacunas das pesquisas e publicações da ciência política brasileira recente: são amplamente ignorados temas como, por exemplo, os relativos à ditadura militar de 1964, ou regiões e países como os da Ásia, África e mesmo América Latina.

Sejam quais forem as implicações a serem extraídas de observações como essas, a questão da relevância na área geral das ciências sociais tem assumido, no país, a feição peculiar de uma contraposição entre certa inspiração “nacionalista” e social da preocupação com relevância, por um lado, e, por outro, a busca de rigor analítico e qualidade científica no trabalho: a relevância ou urgência social (ou “nacional“) dos temas e problemas justificaria o relaxamento quanto a padrões de qualidade.

Mas é patente o equívoco envolvido nisso.

Os problemas socialmente importantes ou prementes são problemas cujo debate envolverá com intensidade os leigos (na condição de cidadãos, e com todo o direito); não caberia esperar que os supostos cientistas sociais e políticos, bem intencionados que sejam, simplesmente juntem seus palpites aos palpites dos leigos, com frequência condicionados fortemente pelo próprio debate leigo. A expectativa de que as ciências sociais possam trazer contribuição efetiva para o encaminhamento dos problemas práticos supõe que essa contribuição apresente uma distintiva “marca” (um “selo”?) de qualidade analítica e científica. Nessa ótica, invertendo, de certa forma, o que sugere a posição indicada acima, a qualidade se torna condição indispensável da relevância entendida de maneira adequada.

Contudo, o fato de que a posição de Coburn sobre a ciência política ressoe nos meios profissionais mesmo nos Estados Unidos redunda numa advertência especial sobre a própria ideia de qualidade.
Pois a qualidade científica tem sido crescentemente entendida, entre nós, em termos do recurso a certa canônica cuja penetração se deve sobretudo justamente à influência dos Estados Unidos.

Essa canônica visualiza uma ciência social (e política) de ambições generalizantes e empírico-dedutivas, em que o trabalho de elaboração conceitual sirva de bom fundamento a afirmações específicas que, em diferentes áreas de problemas, possam ser confrontadas de modo sistemático com dados de algum tipo. Ora, tem sido apontado com razão, lá como cá, a distorção em que o trabalho referido aos dados, geralmente dados estatísticos, deixa, com frequência, de ser guiado pela reflexão conceitual apropriadamente ambiciosa e rigorosa e se torna ritualista e destituído de significação (embora a ênfase torta em tecnicismos relativos a “significação estatística” seja um dos erros habituais a acompanharem a distorção).

Um aspecto saliente do problema de como obter a eventual junção qualidade-relevância é o desafio de que as questões do dia a dia, objeto de valioso registro do jornalista ou do historiador convencional, possam ser encaradas à luz de proposições de alcance geral - e seu diagnóstico “seguro” eventualmente obtido com atenção para a regra de que a apreensão mesmo do que há de específico ou peculiar em dado caso não tem como escapar da busca de “regularidades” e da comparação com outros casos de algum modo afins.

Do ponto de vista da política como ramo especial de estudo, uma recomendação correlata é a de que não há como evitar o que se costuma chamar as “grandes questões” — em outras palavras, não cabe entender a ciência política senão como uma sociologia da política, empenhada em dar conta da articulação entre os processos institucionais e os do substrato dos conflitos sociais de diferentes tipos.

É claro, isso não autoriza a abrir mão da modéstia: se tomamos o desafio dramático da violência brasileira crescente, por exemplo, é impossível pretender que mesmo a compreensão sofisticada das razões “estruturais” da violência no Brasil leve a receitas de pronta eficácia em termos de políticas públicas. Mas tampouco há como negar que o trabalho de especialistas pode iluminar aspectos do problema que talvez representem uma via de acesso a políticas mais efetivas. Assim como de alguma utilidade, presumivelmente, será também a reflexão mais “realista” e empiricamente orientada sobre a dinâmica da democracia e suas relações problemáticas com o substrato de um capitalismo sujeito a idas e vindas.

Seja como for, se a política é fatal e de altos custos, vale supor que cabe pensá-la com rigor. E que é bom que a tarefa atraia os jovens talentosos e dinâmicos que o evento da UFMG mostrou em ação.
.

30 de outubro de 2009

o sistema Qualis e a questão dos “critérios hegemônicos socialmente pertinentes”


Na pesquisa que Fernando Leite conduz sob minha orientação, acerca das frações dominantes no campo na Ciência Política brasileira, é usual a crítica, reiterada nas discussões do GT 18 do último encontro da Anpocs, que usar critérios produzidos pelos dominantes para aferir sua dominância é um contra-senso.

Abaixo, Fernando explica, com meu aval, nosso ponto de vista, justifica a metodologia e defende a técnica de pesquisa a ser empregada no estudo das "elites" da Ciência Política brasileira hoje.

[Adriano Codato]

* * *

Como utilizamos a classificação do Qualis CAPES como um dos principais indicadores para escolher e avaliar os periódicos a serem analisados a fim de identificar se há e quais são as correntes e/ou escolas dominantes na Ciência Política brasileira contemporânea e, por extensão, os pesquisadores e os centros hegemônicos, freqüentemente se faz a objeção de que estaríamos usando os critérios definidos ou impostos pelos próprios “hegemônicos” para dizer quem é “hegemônico”.

O mesmo poderia ser dito a respeito de outros indicadores como, por exemplo, o índice de impacto (que avalia um artigo pelo seu número de citações) ou o número de artigos produzidos num dado período.

Trata-se de uma acusação de circularidade, e que tende a gerar reações controversas. Mas cremos que isso é um mal-entendido, e não consiste num problema metodológico real. Explicaremos por etapas.

Em primeiro lugar, vamos tocar no ponto que acreditamos ser o principal foco de inquietação, relativo às implicações político-acadêmicas dos critérios adotados.

Ora, lembramos que o método “circular” que adotamos não equivale a tomar como naturais ou isentos os critérios do Qualis – ou qualquer outro. Não se trata de aquiescência em relação aos “valores dominantes”. Está no próprio princípio da pesquisa que os indicadores e critérios adotados são representações teóricas de estados cristalizados de processos de lutas, de conflitos; de mecanismos de luta e dominação.

Sabemos, pois, que eles são construções sociais arbitrárias que se institucionalizaram e se legitimaram por meio de conflitos sociais e de disputas simbólicas.

Em segundo lugar, como nosso objetivo é identificar as frações hegemônicas (para, a seguir, dizer por que o são), é necessário que os indicadores e critérios que tomamos para identificar as frações hegemônicas produzam efeitos sociais pertinentes, que efetivamente hierarquizem e ajudem a conservar a hierarquia do campo.

Assim, se por acaso os critérios do Qualis forem a cristalização de certa visão interessada do trabalho acadêmico na forma de referenciais de avaliação que atingem todo o campo acadêmico – exercendo assim influência ou constrangimento sobre as instâncias do campo –, persiste que eles são socialmente eficazes, sendo parte dos elementos responsáveis por hierarquizar o campo e por conservar certa hierarquia. E esse é justamente nosso interesse no momento.

Assim, por exemplo, se os “dominantes” controlam o Qualis da Ciência Política e Relações Internacionais, incluindo nele critérios que contribuem para que ocupam essa posição e que fornecem-lhes certos "privilégios", persiste que isso é um fato sociológico [e não moral] e que é efetivamente responsável pela hierarquização do campo. É algo que obriga os desfavorecidos a se conformarem ou a tomarem um curso de ação, caso queiram mudar sua situação. A própria dominação é um mecanismo social circular, em que o capital hegemônico recria suas próprias condições de reprodução (em nosso caso, instituindo regras acadêmicas de consagração), com bases essencialmente arbitrárias. Ao constatá-las, não estamos concordando com elas, e muito menos estamos enunciando (o que acreditamos que são) os fatos porque concordamos com eles ou porque queremos que tudo continue como está.

Em terceiro lugar, no que se refere às possíveis implicações político-acadêmicas de nossa posição metodológica, entendemos que tornar explícitos os mecanismos de dominação e a lógica de seu funcionamento é, na verdade, o maior instrumento para combatê-los.

Acreditamos que há certas vícios de pensamentos nas ciências sociais, oriundos talvez de sua falta de autonomia científica e sua proximidade com a política e a ideologia, que fazem com que associemos significados políticos a considerações de fato. Tende-se muito frequentemente a se confundir "ser" com "dever ser".

Quando se fala de "hegemonia", entende-se que implicitamente se sugere que "hegemônico" significa "melhor", "mais qualidade", "mais contribuição ao conhecimento" etc.

Os agentes do campo podem efetivamente, em suas práticas e representações, relacionar "prestígio" (i.e.: poder) com qualidade acadêmica, intelectual e científica; mas garantimos nós não fazemos ou estamos interessados nisso. Não estabelecemos qualquer relação entre hegemonia e qualidade acadêmica ou intelectual [ainda que ela possa, evidentemente, existir]. Para nós, inclusive, o poder ("capital") acadêmico, intelectual ou científico pode ou não estar a serviço do conhecimento.

O que importa para nossa pesquisa é que um fator tomado como indicador seja ou não socialmente pertinente para produzir a hierarquia (estrutura) do campo. A nosso ver, a utilidade do Qualis vai além de definir quais são os periódicos que merecem ser analisados. Achamos que ele é muito importante na determinação da hierarquia do campo acadêmico, incluindo aí o da Ciência Política contemporânea.
.

2 de outubro de 2009

A causa da ciência:

[fotografia: Estação da Luz, 1981.
Antonio Carlos D'Ávila.
Pirelli / MASP]

Política & Sociedade,
Vol. 1, No 1 (2002)

Pierre Bourdieu








como a história social das ciências sociais pode servir ao progresso das ciências

O campo das ciências sociais se distingue dos outros campos científicos na
medida em que cada um dos especialistas está em concorrência não somente
com outros cientistas, mas também com o conjunto de agentes sociais que se
esforçam para impor suas próprias visões do mundo. Ele está assim atravessado
por duas lógicas contrárias, a do campo político e a do campo científico,
que fundamentam princípios de hierarquia opostos. Trata-sede mostrar como
uma ciência social que tem por objeto seu próprio fundamento pode fornecer
os princípios de uma Realpolitik científica cujo objetivo é o progresso da razão
científica. Esses princípios referem-se, por um lado, à epistemologia e à Sociologia
dos campos de produção, quando favorecem uma confrontação de pontos
de vista que se percebem como tais no conhecimento dos determinantes
sociais de suas diferenças. Eles dizem respeito também à transformação da
organização social da produção e da circulação científicas, tanto em escala
nacional quanto internacional, no sentido de um working dissensus fundado no
reconhecimento crítico de compatibilidades e de incompatibilidades explícitas,
estabelecidas cientificamente e não socialmente.

Texto Completo: PDF
.

27 de setembro de 2009

Elites universitárias no campo da Ciência Política brasileira: uma análise da produção acadêmica dos principais periódicos da área (1989-2008)

[Air Force Heavy Press,
1952. Al Fenn. Life]


paper a ser apresentado

na reunião da Anpocs, 2009


Fernando Baptista Leite (UFPR),
Adriano Codato (UFPR)

O paper apresenta e discute o método utilizado para analisar a produção acadêmica da área de Ciência Política entre 2004 e 2008.

Nosso principal objetivo é tornar público esse método, para que sirva de referência para outros pesquisadores e para depurá-lo a partir do escrutínio coletivo.

O trabalho é composto da seguinte forma:

(i) defendemos a necessidade do estudo científico, de preferência sociológico, da ciência política e das ciências sociais em geral, indicando como referência vários trabalhos de cientistas políticos americanos sobre a Ciência Política nos Estados Unidos e no mundo;

(ii) apresentamos os elementos fundamentais – premissas, objeto, problema e escopo – da pesquisa sobre a Ciência Política brasileira contemporânea que conduzimos na Universidade Federal do Paraná; e

(iii) expomos e discutimos o método que adotamos para analisar a produção acadêmica da Ciência Política brasileira contemporânea.

Essa exposição está focada numa discussão a respeito da definição dos periódicos a serem utilizados como representantes da produção acadêmica hegemônica; da eficácia dos indicadores escolhidos para identificarmos a hierarquia cultural e institucional do campo e numa descrição do procedimento de análise dos periódicos.

Quanto à questão da eficácia dos indicadores, tratamos especialmente do Sistema Qualis: seria um indicador seguro para se tomar como critério de escolha de periódicos e como critério para medir a importância de periódicos e instituições acadêmicas? Nós pretendemos mostrar que sim.

para ler o paper completo,
clique
aqui

[resumo expandido aqui]
.

17 de setembro de 2009

Pesquisadores brasileiros são premiados pela produtividade e impacto científico

[Foscarini]


JC e-mail 3848, 15 Set.2009.

A Capes, em parceria com a Divisão Científica da Thomson Reuters, promoverá na quinta-feira, dia 17, em Brasília, a entrega do Prêmio Thomson Reuters de Produtividade e Impacto Científico

Para esta primeira edição, foram escolhidos quatro pesquisadores e uma bibliotecária. O prêmio foi dividido nas categorias Ciência Pura, Ciências Sociais, Artes e Humanidades, Melhor Trabalho de Bibliometria e Cienciometria e bibliotecário, que tenha se destacado na divulgação do Portal de Periódicos e da base Web of Science na sua instituição.

Os vencedores foram escolhidos a partir de uma análise bibliométrica dos artigos mais citados na base Thomson Reuters High Impact Papers em cada uma das áreas do conhecimento selecionadas.

"Com o prêmio, buscou-se reconhecer e chamar a atenção da comunidade científica em geral para o fato de que publicar com qualidade é imperativo, pois assegura a análise e a avaliação do progresso da ciência brasileira", explica José Cláudio Santos, gerente regional da Thomson para América do Sul.

Participarão da solenidade, o presidente da Capes, Jorge Guimarães, o vice-presidente executivo da Thomson Reuters, Keith MacGregor, o diretor de Programas e Bolsas da Capes, Emídio Cantídio de Oliveira Filho, a diretora de Gestão da Capes, Denise Menezes Neddermeyer, reitores e pró-reitores de universidades brasileiras usuárias do Portal de Periódicos e os vencedores do prêmio.

Os vencedores do Prêmio Thomson Reuters de Produtividade e Impacto Científico são:
Categoria Ciências Puras - Jairton Dupont; artigo analisado: "Ionic liquid (molten salt) phase organometallic catalysis", publicado no periódico Chemical Reviews.

Categoria Ciências Sociais - Carlos Augusto Monteiro; artigo analisado: "Is obesity replacing or adding to under-nutrition? Evidence from different social clases in Brazil", publicado no periódico Public Health Nutrition.

Categoria Artes e Humanidades - Peter Henry Fry; artigo analisado: "Politics, nationality, and the meanings of 'race' in Brazil", publicado no periódico Daedalus.

Melhor trabalho de Bibliometria e Cienciometria - Pablo Diniz Batista; artigo analisado: "Is it possible to compare researchers with different scientific interests?", publicado no periódico Scientometrics.

Bibliotecário que se destacou na divulgação da base Web of Science - Jane Rodrigues Guirado.

.

13 de setembro de 2009

o ensino de economia (a disciplina) e a crise do capitalismo - II


[Custom-made Havana cigar banded
"Specials for Professor Erhard,"
W. German Economics
Min. 1960. Life]

Folha de S. Paulo 13 set. 2009

Há alternativas, novos temas ou enfoques que devam ser incorporados ao ensino de economia?

Sociedade, instituições e história
LEDA PAULANI

Recentemente, a rainha da Inglaterra visitou a lendária London School of Economics e perguntou aos doutos docentes por que ninguém lograra prever a profundidade da crise que se avizinhava.

Os professores, cultores da teoria ortodoxa, crédulos do mercado e de suas divertidas utopias (autorregulação, eficiência, ótimo social), responderam que, contando embora com as mais brilhantes mentes matemáticas, o cálculo do risco enfocara apenas fatias do mercado. O sistema como um todo não fora considerado.

O que eles não disseram é que, formados na doxa econômica, os economistas jamais conseguiriam fazer esse tipo de análise totalizadora.

A formação hoje dominante põe ênfase apenas na matemática, nas técnicas de modelagem, olhando com enfado quaisquer considerações não passíveis de matematização.

Sociedade, instituições, história não cabem nessa visão, são anticientíficas.

A filosofia também não tem lugar, pois é com fastio igual que se encaram as questões metodológicas.

Economistas heterodoxos se deram conta dessa lacuna na resposta desses professores e lembraram a acusação, feita em 1991, por uma comissão da Associação Americana de Economia, sobre os cursos de pós-graduação em economia, os quais estariam formando "sábios idiotas", treinados na técnica, mas "inocentes" do mundo real.

A crise, porém, não estancará a produção de sabichões. Uma formação que desdenha a mais abrangente e consistente teoria do capital só pode continuar a fazer o que tem feito: vender ideologia como ciência.

LEDA PAULANI é professora titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e autora de "Brasil Delivery" (ed. Boitempo).
,

29 de junho de 2009

Crítica Marxista n. 28

[On the telephone - 1928.
Alexander Rodchenko]


Foi lançado agora em junho o mais recente número da revista de teoria política e social Crítica Marxista, do Centro de Estudos Marxistas (CEMARX) da Unicamp.

Sumário

ARTIGOS

Nota sobre atual Crise econômica
J. Quartim de Moraes

Conselhismo e democracia
Luciano Martorano

Eco-socialismo e planificação democrática
Michael Löwy

A institucionalidade financeira
Nelson Prado Pinto

Frações burguesas e bloco no poder
Francisco Farias

Difusão e recepção dos Grundrisse
Marcelo Musto

Três poemas portugueses e um impasse
Hermenegildo Bastos

DEBATE
Há um novo salariado?
G. Duménil, J. Lojkine e M. Vakaloulis

COMENTÁRIOS
Uma polêmica na definição marxista do proletariado
Sávio Cavalcanti

“Cabra marcado pra morrer”: uma releitura
Rafael Vilas Bôas

mais informações, clique aqui

.

23 de junho de 2009

Uma instituição pública, sob as ordens do mercado



[Circular stairs of Bremen Trade School.
Germany, 1954. Dmitri Kessel. Life]

Ruy Braga*
O Estado de S. Paulo
23 jun. 2009

O ataque militar com bombas de gás, bombas de concussão e tiros de borracha ao prédio da FFLCH, na Cidade Universitária, é tão chocante quanto emblemático. É chocante, pois os professores, reunidos em assembléia no prédio dos cursos de História e Geografia, nunca representaram ameaça à ordem pública. Emblemático, pois violentou uma escola que se notabilizou internacionalmente por sua produção acadêmica crítica, reflexiva e, por isso mesmo, tradicionalmente insubmissa aos poderosos de plantão e seus projetos antidemocráticos de universidade.

Evidentemente, trata-se de uma violência interessada. O governador de São Paulo, José Serra, e a professora Suely Vilela, reitora da USP, sabem o que se encontra em disputa hoje: dois projetos antagônicos de universidade enfrentaram- se em 2007, quando então o governador buscou eliminar a autonomia universitária por meio de seus mal-afamados decretos. Naquela ocasião, a ação de forças de oposição fizeram-no recuar, impondo-lhe uma incontestável derrota. A reação não tardou e o armistício simbolizado pelo decreto declaratório de maio daquele ano parece estar sendo revogado aos poucos.

A Universidade Virtual do Estado de São Paulo, a nova carreira docente, a política de moderação salarial permanente, a demissão de um dirigente sindical em pleno mandato e o recurso à Polícia Militar para reprimir um protesto pacífico de estudantes desarmados mostram, inequivocamente, que o ataque à autonomia universitária voltou. O objetivo de Serra e Suely Vilela é aprofundar a fratura que já existe na universidade, entre cursos desprestigiados e destinados a formar força de trabalho semiqualificada em larga escala e cursos prestigiados e organicamente, vinculados a empresas interessadas em obter conhecimento tecnocientífico subsidiado pelo Estado.

Uma das principais ameaças à autonomia universitária consiste na progressiva submissão dos pesquisadores ao despotismo de mercado. A heteronomia acadêmica se impõe como regra, limitando a natureza criativa e inovadora do campo científico. Assim, a prática do pesquisador se vê degradada e sua liberdade, cerceada. Um novo regime disciplinar de produção e difusão do conhecimento científico vai se consolidando na universidade que responde, sozinha, por cerca de 28% da pesquisa científica brasileira. Um regime cujo sentido consiste em fazer com que a pesquisa científica se submeta às estratégias do modelo de acumulação vigente no país.

Contra esse projeto, setores universitários insubordinaram- se novamente este ano, sendo duramente reprimidos pela PM. Não causa espanto: tal projeto é incompatível com qualquer forma, ainda que incipiente, de democracia. Não é sem razão que no colégio eleitoral que escolheu o nome de Suely Vilela como primeiro da lista tríplice a ser levada ao governador, os votos dos representantes de entidades empresariais de agricultores, pecuaristas, comerciantes e industriais eram equivalentes em número aos votos de todos os representantes dos servidores não-docentes da USP.

A falta de participação da comunidade atenta contra o Artigo 14 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que trata dos princípios da Gestão Democrática. O colégio do segundo turno contou com apenas 300 votantes entre 97.000 professores, estudantes e funcionários. Ou seja, 0,3% daqueles que participam da universidade indicaram o dirigente máximo da instituição. Mas mesmo isso já não é suficiente. Serra e Suely Vilela mostraram-se dispostos a aprofundar essa situação: cinco das últimas nove reuniões do Conselho Universitário foram realizadas no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). Por se tratar de uma instituição estratégica para o programa nuclear brasileiro, toda a área é fortemente militarizada.

Pela mesma razão, a nova carreira docente da USP, que submete promoções por mérito ao arbítrio da reitoria, foi aprovada de forma sumária em uma votação reconhecida pela própria assessoria jurídica da universidade como ilegal. Em síntese, temos acordos salariais não cumpridos, demissão de sindicalistas, recusas em negociar com entidades representativas, reuniões em áreas militarizadas, votações ilegais... Para realizar seu projeto, a reitora, apoiada pelo governo do Estado, necessita atentar contra a LDB, os acordos, as normas e as regras da própria universidade.

Suely Vilela não agiu irrefletidamente ao chamar a PM para ocupar o campus. E Serra sabia o que estava fazendo ao autorizar o ataque à USP. A repressão aos piquetes não passa de mero pretexto. Na verdade, esse projeto não tolera nenhuma forma de dissenso, de conhecimento crítico, reflexivo, por isso fomos encerrados em um verdadeiro “estado de exceção” não-declarado, sob o ataque de bombas de gás, bombas de concussão e tiros de borracha.

* Professor do Departamento de Sociologia da USP e autor, entre outros livros, de Infoproletários (com Ricardo Antunes, Boitempo, 2009)

21 de junho de 2009

Universidade e democracia

[World'S Fair. Undulating exterior detail of an unident.
exhibition bldg. at the New York World's Fair.
1939. Alfred Eisenstaedt. Life]


Folha de S. Paulo
São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

Que universidade é essa?

RENATO JANINE RIBEIRO

A USP é a melhor universidade da América do Sul. E é a única universidade pública brasileira que não tem eleições diretas para reitor. Esses dois traços estão ligados ou não? Parte da comunidade acredita que ela é a melhor porque não cai na demagogia. Outra parte acha que não ter eleições diretas é sério déficit democrático.
Muito da discussão se deve a uma confusão entre poder e autoridade. Na academia, o que conta é autoridade. Ter autoridade não é mandar. "Auctoritas" é algo difuso. Vem do latim "augere" -crescer, desenvolver, animar, embelezar-, que, por sinal, também dá "augusto". Expressa um sentido moral, um respeito à qualidade. Passa pelo reconhecimento do mérito no pensar, no criar. Na democracia, o poder vem da eleição. Mas nem voto nem nomeação dão autoridade.
Dentro da academia, um poder sem autoridade é vazio. Uma universidade ou um departamento chefiados por quem não tem autoridade acadêmica perde em respeito.

Povo USP
Assim, primeiro ponto: uma universidade deve ter qualidade. Esse é o seu diferencial específico. Deve formar bons alunos, mas, se tiver ambição de liderança, deve formar doutores muito bons e fazer pesquisa entre boa e ótima. Isso a USP faz. Segundo: "democracia", o poder do povo, exige uma pergunta. O que é o povo? Há um "povo USP", composto de seus docentes, funcionários e alunos, que teria o direito ético de eleger a direção da universidade? Não. O povo que existe é o paulista, que sustenta a USP. Os servidores, docentes ou não, que ele paga, e os alunos, que recebem de graça um ensino muito bom, não são um povo.
Ninguém de nós cogitaria que a direção das secretarias de Estado fosse eleita por seus funcionários, ou a dos hospitais pelos seus servidores. Mas, se o reitor da USP fosse nomeado (e demitido) pelo governador como um secretário de Estado, seria um desastre.
A autonomia é necessária -justamente, porque a universidade se distingue por sua qualidade. Sou contra a "meritocracia". Numa democracia, o poder ("kratos") é do povo. Ter poder implica definir metas para o governo. A universidade é um meio excelente para certos fins que nossa sociedade consensuou democraticamente: formação de profissionais (na graduação) e, nas melhores instituições, formação de pesquisadores e avanço na pesquisa.
Sendo um meio, a universidade tem de ser muito boa. Daí que nela deva contar não o poder, mas a autoridade. O governador recebe poder do povo. Já a autonomia da universidade decorre de sua autoridade. Isso a deve afastar dos confrontos partidários -cujo lugar correto está na disputa pelo poder político. A pesquisa pós-graduada constitui o segredo interno da boa universidade. Ninguém sabe disso fora dela. Quando a imprensa ou os políticos se debruçam sobre as universidades, quando discutem vestibular ou cotas, pensam na graduação.
Mas o que distingue uma universidade em segundo grau -isto é, aquela que forma quadros para serem criadas e desenvolvidas outras instituições de ensino superior, fazendo o que chamamos de "nucleação" (isto é, formar núcleos de bons docentes)- é sua pujança na pós-graduação. E isso porque, no Brasil, à diferença dos EUA, quase toda a pesquisa, inclusive parte da tecnológica, se faz nas universidades. Mas quem é o sujeito da autonomia, quem -dentro da universidade- detém legitimidade para, em nome dela ("autos"), dar-lhe suas regras, suas leis (o "nomos")? Aqui está o problema.
Neste ano, teremos a sexta eleição para reitor por regras que fazem com que, depois de um primeiro turno em que votam mais de 1.200 membros das congregações e conselhos, o nome se defina num segundo turno restrito aos 256 membros dos conselhos centrais. Das cinco eleições realizadas desde 1989, só numa venceu um candidato de oposição ao reitor. Milhares de docentes doutores nem sequer votam no primeiro turno, e o segundo turno é próximo demais do poder. Isso não é bom. Afasta o reitor da comunidade.
Tal situação favorece a greve de (quase) todo outono e a reivindicação, que não tem apoio da maioria acadêmica, por eleições diretas. Por que digo que não tem apoio? Porque em nenhuma escolha depois de 1985 houve um candidato sequer que fosse à consulta direta. Todos aceitaram as regras do jogo. Mas ficou uma distância entre o reitor e sua comunidade, que o enfraquece.

Outro sistema
Na comunidade acadêmica, muitos não aceitam eleições diretas. Vários bons pesquisadores prefeririam um sistema que funciona bem, fora da América Latina: o do comitê de busca que entrevista os selecionados e, em razão de seu currículo e de seus projetos, escolhe o reitor. Mas não creio que esse sistema funcione aqui, porque contraria as tradições construídas nas últimas décadas e que tendem à eleição. Nosso sistema foi testado, está superado e defendo sua mudança para o futuro. Mudá-lo a quatro meses das eleições seria ilegítimo. Mas ele precisa ser ampliado.
Concluindo: primeiro, toda e qualquer mudança na direção da universidade só terá valor se aumentar, e não diminuir, a qualidade da pesquisa científica que fazemos. É por isso que muitos se opõem à eleição direta, na qual veem a subordinação da qualidade a questões políticas, a redução da autoridade ao poder. Segundo, precisa aumentar sensivelmente o colégio que escolhe o reitor. Pessoalmente, defendo que um colégio mais amplo -que inclua os membros dos conselhos departamentais e das comissões estatutárias nas faculdades- vote no primeiro turno; que o segundo turno também se amplie, talvez com o mesmo colégio; e que se negocie com o governador a substituição da lista tríplice por uma representação da sociedade no colégio eleitoral, de modo que a eleição do reitor se complete pelo voto.
Há, sem dúvida, outras propostas de ampliação. Mas qualquer mudança na eleição só tem sentido se for para aumentar a legitimidade do reitor -fazê-lo mais representativo, sim, mas lhe dar maior "auctoritas". Na USP, a autoridade foi para os líderes de bons grupos de pesquisa. A reitoria precisa recuperar a liderança, mas esta não é questão de poder, e, sim, de qualidade.

RENATO JANINE RIBEIRO é professor titular de ética e filosofia política na USP e foi diretor de avaliação da Capes entre 2004 e 2008. É autor de "O Afeto Autoritário" (ed. Ateliê).