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Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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14 de dezembro de 2009

Para salvar a teoria econômica

[Delfim Netto,
por
Toni D'Agostinho]

Delfim Netto

Valor Econômico,
01.12.09

Creio que pelo menos alguns economistas que dominam brilhantemente as "modelagens" matemáticas (se forem um pouco menos cínicos do que o prêmio Nobel Robert Lucas) devem repetir para si mesmos a pergunta que a rainha Elizabeth II fez aos professores da famosa London School of Economics em novembro de 2008: "Como foi possível que, depois de mais de um século de estudos, os senhores foram incapazes de prever a crise que colocou em risco a economia mundial?" O fracasso da macroeconomia em matéria de "previsão" é fato passado em julgado. E (com razão ou não) muitos acadêmicos garantem que "prever" não é obrigação dos economistas e não é a finalidade da teoria econômica "científica", o que não parece fora de propósito. O fato curioso é que eles mesmos, quando assumem o papel de "analistas" no mercado financeiro (a serviço de bancos, fundos e "tutti quanti"), não fazem outra coisa a não ser "prever", para induzir "cientificamente" os compradores de seus papéis. Aquela atitude defensiva, entretanto, não poupa a teoria econômica. De um "cientifismo equivocado" que lhe deu imensa visibilidade e prestígio, há pouco mais de uma década, ela hoje é vista com desconfiança, quando não desmoralizada.

O sentimento de frustração é geral. Todas as tribos que constituem a confederação dos economistas sentem esse rebaixamento da opinião pública com relação às suas aspirações de sugerir políticas capazes de manter a economia num estado de equilíbrio dinâmico interno e externo. Em resposta à sua incômoda pergunta, a rainha recebeu duas cartas. Uma assinada por um grupo de economistas "neoclássicos", encabeçada pelo professor Tim Besley, da British Academy. Outra de economistas relativamente fora do "mainstream", encabeçada pela professora Sheila Dow, da University of Stirling.

A primeira é um relato das conclusões de um fórum realizado em 17/6/2009 na British Academy (especialmente para responder à perplexidade da rainha). Dele participaram homens de negócios, especialistas do mercado financeiro (da City), reguladores, professores de economia e membros do governo. Ela desfila uma longa lista de dificuldades e justificativas. Em resumo diz a carta:

1) muitos economistas previram a possibilidade da crise, mas não o momento de sua eclosão. O BIS, entretanto, chamou sistematicamente a atenção dos governos e do mercado para tal risco

2) apesar da imensidão de analistas (apenas um banco inglês que hoje é do governo tinha um time de 4.000!), os riscos eram considerados isoladamente usando "as melhores mentes matemáticas nacionais e estrangeiras", mas ignorando uma visão global

3) apesar dos avisos, a maioria estava convencida de que "os bancos sabiam o que estavam fazendo". Estavam crentes que o "mercado" mudara. Banqueiros e economistas estavam encantados por ele. Os modelos pareciam prever os pequenos riscos no curto prazo, mas poucos economistas estavam equipados para dizer o que aconteceria se as coisas dessem erradas como deram

4) havia um consenso que seria melhor lidar com as "bolhas" depois que houvessem ocorrido do que explodi-las preventivamente. Como a inflação permanecia baixa, a taxa de juros foi mantida muito baixa por muito tempo, estimulando a ação dos agentes.

Prometendo um novo Fórum da Academia no futuro, a primeira carta termina dizendo: "Tudo isso, combinado com uma psicologia de rebanho e o mantra dos gurus financeiros e governamentais, conduziu a uma receita perigosa. Pequenos riscos individuais podem ter sido estimados corretamente, mas os riscos (não percebidos) do sistema global eram imensos."

A segunda carta ratifica essas críticas, mas sugere que "a preferência pelas técnicas matemáticas com relação à substância do mundo real desviou os economistas da análise do todo". Termina dizendo que o que fez falta foi "uma sabedoria profissional informada por seguros conhecimentos de psicologia, das estruturas institucionais e dos precedentes históricos".

A mesma discussão se processa no mundo inteiro. Não se trata, entretanto, de abolir a matemática. Pelo contrário, ela é indispensável, mas deve ser combinada com a história, a geografia, a psicologia etc., com inteligência, moderação e respeito à realidade. Esta não é a primeira vez que o desencanto com as promessas da ciência econômica acontece. Já em março de 1892, W. Cunnigham, num artigo publicado no "Economic Journal", dizia que "se existe uma coisa que mais do que qualquer outra tem imposto sofrimento à economia política (o velho, sério e modesto nome da atual teoria econômica) é o fato que o público formou uma opinião exagerada do que ela pode realmente fazer e, portanto, desapontou-se porque ela não foi capaz de satisfazer tais expectativas".

A despeito disso é mais do que evidente que o conhecimento econômico é fundamental para uma administração pública que deseje estimular o crescimento com alguma Justiça social e equilibrios interno e externo, e que ignorá-lo tem custos sociais imensos. O exemplo mais claro é a obediência às identidades da Contabilidade Nacional que governos mais sanguíneos tentam frequente e inutilmente violar e pagam caro por isso.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras no jornal Valor Econômico.
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13 de setembro de 2009

o ensino de economia (a disciplina) e a crise do capitalismo - II


[Custom-made Havana cigar banded
"Specials for Professor Erhard,"
W. German Economics
Min. 1960. Life]

Folha de S. Paulo 13 set. 2009

Há alternativas, novos temas ou enfoques que devam ser incorporados ao ensino de economia?

Sociedade, instituições e história
LEDA PAULANI

Recentemente, a rainha da Inglaterra visitou a lendária London School of Economics e perguntou aos doutos docentes por que ninguém lograra prever a profundidade da crise que se avizinhava.

Os professores, cultores da teoria ortodoxa, crédulos do mercado e de suas divertidas utopias (autorregulação, eficiência, ótimo social), responderam que, contando embora com as mais brilhantes mentes matemáticas, o cálculo do risco enfocara apenas fatias do mercado. O sistema como um todo não fora considerado.

O que eles não disseram é que, formados na doxa econômica, os economistas jamais conseguiriam fazer esse tipo de análise totalizadora.

A formação hoje dominante põe ênfase apenas na matemática, nas técnicas de modelagem, olhando com enfado quaisquer considerações não passíveis de matematização.

Sociedade, instituições, história não cabem nessa visão, são anticientíficas.

A filosofia também não tem lugar, pois é com fastio igual que se encaram as questões metodológicas.

Economistas heterodoxos se deram conta dessa lacuna na resposta desses professores e lembraram a acusação, feita em 1991, por uma comissão da Associação Americana de Economia, sobre os cursos de pós-graduação em economia, os quais estariam formando "sábios idiotas", treinados na técnica, mas "inocentes" do mundo real.

A crise, porém, não estancará a produção de sabichões. Uma formação que desdenha a mais abrangente e consistente teoria do capital só pode continuar a fazer o que tem feito: vender ideologia como ciência.

LEDA PAULANI é professora titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e autora de "Brasil Delivery" (ed. Boitempo).
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o ensino de economia (a disciplina) e a crise do capitalismo - I


[TIME cover: Ronald Reagan
Sept. 21, 1981

David Hume Kennerly]


Folha de S. Paulo 13 set. 2009

Há alternativas, novos temas ou enfoques que devam ser incorporados ao ensino de economia?

Repor a razão na história
LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Ao longo do século 19, a economia abandonou definitivamente os constrangimentos da política e inventou o Homo oeconomicus.

Dotado de conhecimento perfeito, esse ser, produto da mais absurda abstração, busca maximizar sua utilidade ou os seus ganhos, diante das restrições de recursos que lhe são impostas pela natureza ou pelo estado da técnica.

Os sistemas sociais nascidos desse paradigma dominante em economia não dispõem de uma estrutura intrínseca, isto é, esgotam-se nas propriedades atribuídas aos indivíduos racionais e maximizadores, partículas que definem a natureza da ação utilitarista e que jamais alteram seu comportamento na interação com as outras partículas carregadas de "racionalidade".
Os manuais de economia mais badalados acatam as chamadas teorias novo-clássicas, com expectativas racionais.

Elas afirmam que a estrutura do sistema econômico no futuro já está determinada agora. Isso porque a função de probabilidades que governou a economia no passado tem a mesma distribuição que a governa no presente e a governará no futuro. A historicidade da vida social vaza pelo ralo.

Para os que dissentem dessa visão, a economia é um saber que está obrigado a formular suas hipóteses levando em consideração o tempo histórico, dimensão em que se desen- rola a ação humana.

Ela deve se entregar ao estudo do comportamento dos agentes privados em busca da riqueza, no marco de instituições sociais e políticas construídas pelas ações e decisões coletivas do passado, ou seja, pela história.

LUIZ GONZAGA BELLUZZO é economista e professor aposentado da Unicamp. É autor de "Ensaios Sobre o Capitalismo no Século 20" (ed. Unesp).
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12 de setembro de 2009

capitalismo: uma definição histórica

[Portrait of British banker
Nathan Meyer Rothschild.

October 1817. Life]




adriano codato

Capitalismo é, na linguagem marxiana, um "modo de produção".

Marx caracteriza com isso mais uma sociedade (a sociedade burguesa) do que um sistema econômico específico. Isto é, mais uma forma de organização social (e os seus correlatos: uma política burguesa, uma ideologia burguesa) do que um regime definido por certos indicadores econômicos: taxa de investimento, produção per capita, renda global etc.

O início do capitalismo pode ser situado no século XVI, na Europa ocidental. Sua etapa “clássica” foi a etapa industrial (séculos XVIII e XIX) que sucedeu a mercantil (ou comercial). Ela correspondeu a uma revolução na forma de produzir a partir da introdução da máquina a vapor nas fábricas de tecidos na Inglaterra (primeira Revolução Industrial).

No livro mais conhecido de Marx e Engels, O manifesto do partido comunista (1848), onde a expressão “capitalismo” todavia não consta, pode-se ler uma das mais fascinantes – e desassombradas – descrições desse sistema social.

Através da ação da BURGUESIA, essa classe cujo papel histórico foi revolucionário, ficamos sabendo que o que distingue “a época da burguesia”, ou a época capitalista, “de todas as outras épocas anteriores” é uma disposição particular para “revolucionar constantemente a produção, abalar sem cessar todas as condições sociais” e promover “a incerteza eterna e o movimento eterno”. Nesse regime social, em que todas as antigas instituições feudais foram afogadas “nas águas geladas do cálculo egoísta”, nada dura para sempre. Nesse movimento de transformação contínua, “tudo que é sólido desmancha no ar”.

A inovação – tecnológica, científica – sucessiva é, para Marx, um imperativo do próprio sistema, que se orienta pela acumulação infinita do capital, não resultado da livre-iniciativa.

A característica básica desse modo de produção é, conforme o Dicionário do pensamento marxista (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988), a propriedade privada do capital (capital esse que pode assumir a forma de terras, dinheiro, máquinas, fábricas) nas mãos de uma classe, a classe dos capitalistas. Hoje, um elemento importante dessa definição, ao lado da propriedade do capital, é o controle sobre o capital (isto é, o poder de decisão sobre os investimentos, por exemplo).

Outras características a serem agregadas a essa definição e que caracterizam o capitalismo são: produção de mercadorias; universalização das trocas e, portanto, estabelecimento das relações sociais através da mediação do dinheiro; força de trabalho (“mão de obra”) assalariada; ausência de controle dos trabalhadores sobre o processo de trabalho. Veja que “lucro” não é um traço definidor desse sistema.

A definição mais sucinta é possivelmente esta: o capitalismo é um regime onde a produção é coletiva e a apropriação (do que é produzido), privada.

Há duas descrições bem ilustrativas do capitalismo industrial no século XIX na tradição marxista. A etnografia de Friedrich Engels sobre a vida dos operários ingleses: A situação da classe trabalhadora na Inglaterra em 1844 (1845) e o capítulo XIII de O capital (1867), de Karl Marx, intitulado “Maquinaria e grande indústria”.
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20 de setembro de 2008

Karl Marx manda lembranças


[Fernando Botero; detalhe]
CESAR BENJAMIN

Folha de S. Paulo, 20 set. 2008, p. B2.

AS ECONOMIAS modernas criaram um novo conceito de riqueza. Não se trata mais de dispor de valores de uso, mas de ampliar abstrações numéricas. Busca-se obter mais quantidade do mesmo, indefinidamente. A isso os economistas chamam "comportamento racional". Dizem coisas complicadas, pois a defesa de uma estupidez exige alguma sofisticação.
Quem refletiu mais profundamente sobre essa grande transformação foi Karl Marx. Em meados do século 19, ele destacou três tendências da sociedade que então desabrochava: (a) ela seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, fosse pela maior capacidade de produzi-las, fosse pela transformação de mais bens, materiais ou simbólicos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria; (b) ela seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido no circuito mercantil, de modo que mais riquezas e mais populações dele participassem; no limite, esse espaço seria todo o planeta; (c) ela seria compelida a inventar sempre novos bens e novas necessidades; como as "necessidades do estômago" são poucas, esses novos bens e necessidades seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados à fantasia, que é ilimitada. Para aumentar a potência produtiva e expandir o espaço da acumulação, essa sociedade realizaria uma revolução técnica incessante. Para incluir o máximo de populações no processo mercantil, formaria um sistema-mundo. Para criar o homem portador daquelas novas necessidades em expansão, alteraria profundamente a cultura e as formas de sociabilidade. Nenhum obstáculo externo a deteria.
Havia, porém, obstáculos internos, que seriam, sucessivamente, superados e repostos. Pois, para valorizar-se, o capital precisa abandonar a sua forma preferencial, de riqueza abstrata, e passar pela produção, organizando o trabalho e encarnando-se transitoriamente em coisas e valores de uso. Só assim pode ressurgir ampliado, fechando o circuito. É um processo demorado e cheio de riscos. Muito melhor é acumular capital sem retirá-lo da condição de riqueza abstrata, fazendo o próprio dinheiro render mais dinheiro. Marx denominou D - D" essa forma de acumulação e viu que ela teria peso crescente. À medida que passasse a predominar, a instabilidade seria maior, pois a valorização sem trabalho é fictícia. E o potencial civilizatório do sistema começaria a esgotar-se: ao repudiar o trabalho e a atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, o impulso à acumulação não mais seria um agente organizador da sociedade.
Se não conseguisse se libertar dessa engrenagem, a humanidade correria sérios riscos, pois sua potência técnica estaria muito mais desenvolvida, mas desconectada de fins humanos. Dependendo de quais forças sociais predominassem, essa potência técnica expandida poderia ser colocada a serviço da civilização (abolindo-se os trabalhos cansativos, mecânicos e alienados, difundindo-se as atividades da cultura e do espírito) ou da barbárie (com o desemprego e a intensificação de conflitos). Maior o poder criativo, maior o poder destrutivo.
O que estamos vendo não é erro nem acidente. Ao vencer os adversários, o sistema pôde buscar a sua forma mais pura, mais plena e mais essencial, com ampla predominância da acumulação D - D". Abandonou as mediações de que necessitava no período anterior, quando contestações, internas e externas, o amarravam. Libertou-se. Floresceu. Os resultados estão aí. Mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas. Karl Marx manda lembranças.

CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.