artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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12 de fevereiro de 2013

Carnaval e materialismo histórico

[Luiz Sacilotto] 

 ENTREVISTA DA 2ª - JOÃO JORGE RODRIGUES
A Bahia virou a terra de uma artista só: Ivete Sangalo
Presidente do olodum diz que divisão desigual de recursos no carnaval empobrece a Bahia e que 'Afródromo' empurraria negros para gueto
NELSON BARROS NETODE SALVADOR
É Carnaval em Salvador, e João Jorge Rodrigues, 57, presidente do Olodum, crava: há um monopólio na divisão de recursos na folia da Bahia, que é "terra de uma artista só" -Ivete Sangalo.
Na força da cantora, o líder do "bloco mais aclamado e conhecido no planeta", em suas palavras, vê um caráter étnico: ela é branca.
A vinda a Salvador de atrações como o sul-coreano Psy, diz, é mais um retrato de uma Bahia que não valoriza seus artistas, sua negritude.
João Jorge falou à Folha na sede do Olodum, em um belo sobrado encravado no Pelourinho. Em seguida, tinha outra entrevista: com o americano Spike Lee, 55, que filma "Go Brazil Go!", documentário sobre a ascensão econômica do país, que também vai abordar o Brasil da perspectiva racial.
Sobre isso, ele sentencia: a capital baiana "é campeã mundial de apartheid". Sobretudo nos dias de folia.
Mestre em direito público pela Universidade de Brasília (UnB), João Jorge vai na contramão do discurso dominante entre os envolvidos no Carnaval de Salvador.
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Folha - Enquanto cresce a participação popular em blocos de rua no Sudeste, o Carnaval é criticado na academia e por referências do samba e do próprio axé.
João Jorge - O Carnaval do país é um retrato do Brasil atual. Ele é um Carnaval discriminatório, segregado, com mecanismos que reproduzem o capitalismo brasileiro: a grande exclusão da maioria em beneficio de uma minoria.
Seria ingenuidade esperar que no Carnaval de Salvador, de São Paulo, do Recife ou do Rio nós tivéssemos democracia, oportunidade, igualdade. Você passa 359 dias no ano praticando toda forma de violência institucional, de racismo institucional, e você quer que em seis dias o Carnaval seja democrático?
A situação é pior na Bahia?
Aqui, ainda mais. Você tem um segmento que tem os melhores patrocínios, maior visibilidade, todos os recursos. Há cordas separando os blocos do povo.
Estamos falando da possibilidade de o Carnaval ser mais generoso. Além de ser uma festa da alegria, proporcionar também àqueles que fazem cultura ter apoios tão generosos quanto o de quatro grupos. Mas é ilusão achar que isso mudará em curto prazo. Os atores que podiam brigar por isso estão às vezes mais preocupados em fazer parte do jogo.
O chamado 'Afródromo' ajuda ou atrapalha o cenário? [a iniciativa de Carlinhos Brown e outras seis entidades de criar um novo circuito, exclusivo para os blocos afro, estrearia neste ano, mas foi adiada pela nova gestão na prefeitura]
O Olodum tem brigado muito para sair mais cedo e poder ser visto pela televisão. Para que empresas patrocinem de forma equitativa os blocos afros.
Ao mesmo tempo, eles resolveram fazer algo separado. O que a sociedade mais quer é que os negros escolham um gueto para ir e se afastem da disputa com eles. É como se soubéssemos o lugar em que deveríamos ficar, em vez de aparecermos na Barra, no Campo Grande.
Mais ainda: obriga o poder público a ter gastos com outro circuito, quando os recursos poderiam ser distribuídos de uma forma melhor.
Até que ponto o monopólio afeta a festa, a música local?
A diversidade, que antes era a riqueza do Carnaval, foi diminuindo, e hoje o Ilê Aiyê, o Filhos de Gandhy, a Timbalada e o Olodum correm um pouco no meio disso.
Mas nos demais lugares você não tem novidades. A Bahia virou a terra de uma artista só. Parece que os outros estão todos mortos.
Isso mata os artistas emergentes, mata os que estão trabalhando e, em vez de fortalecer essa própria artista, a fulmina, porque é a galinha dos ovos de ouro aberta para pegar ovos. A festa faz de conta que está enriquecendo uma pessoa, mas na verdade está empobrecendo uma cidade, um Estado.
A pessoa é Ivete Sangalo?
Sim, ela.
E como o senhor vê a vinda de celebridades como o sul-coreano Psy, para ações publicitárias, com o discurso de prestigiar o Carnaval?
Essa mudança, de a gente precisar de elementos como esses, é uma coisa recente, tem 20 anos. Antes, as pessoas vinham para participar, para conhecer o Carnaval de Salvador. Com o tempo, passou a ser: 'Eu quero que você venha para você ser importante para o Carnaval'. Inverteu. O Carnaval é que era importante para essas pessoas.
O pessoal pergunta: qual é a atração deste ano do Olodum? É a banda Olodum. A banda mais internacional da Bahia: 37 países, quatro Copas do Mundo, tocou com os últimos 30 grandes nomes da música mundial. Na visão de outros grupos, outros artistas, eles não são atrações no Carnaval de Salvador, atração é o coreano, é a atriz da Globo.
A novidade do Olodum é o samba-reggae, é a força biológica da música que a gente tem, a música de protesto...
E existem novas músicas do Olodum assim?
Tem, e atuais. Agora, qual rádio que toca pagode, sertanejo e funk vai tocar música de protesto? Vou dar um exemplo bem simples: ninguém consegue mudar a ordem do desfile de Salvador, porque foi imposta pelo capital. A ordem é: quem tem mais dinheiro.
Mas qual prefeito ou governador vai dizer: "A gente banca o Carnaval, dá segurança, saúde, infraestrutura, gasta R$ 84 milhões, e todos terão de cumprir a seguinte diretriz -será um desfile alternativo, com um bloco afro, depois um afoxé e um bloco de trio. Um bloco travestido e um trio independente. Em horários que todos possam aparecer na TV". Quero ver qual autoridade da Bahia vai fazer isso.
E Claudia Leitte? Parte do público e da crítica diz que ela tenta repetir Ivete, que não teria identidade...
Não posso falar disso, porque esse é um problema dessas cantoras, desse tipo de personalidade cuja força é o caráter étnico. A força delas é que são cantoras brancas. Se elas se imitam ou não, não posso dizer nada, é o mercado que elas escolheram. De serem cantoras brancas, que dominam todo o mercado de publicidade, todo o mercado de shows, e que uma compete com a outra.
Recentemente, uma delas colocou o filho para subir no palco, e a outra fez o mesmo.
E tem a gravidez de cada uma, tudo que é feito para gerar noticia. Estou preocupado inclusive com Spike Lee, para ele não engravidar ninguém aqui nesse período [risos], para criar notícia, entendeu?
Agora, um fato é importante: elas exercem um papel importante na música brasileira e souberam dar um ar profissional a isso que é uma resposta também às demandas da própria comunidade negra. Você, com ótimas cantoras negras aqui, numa cidade de maioria negra, não capitalizar isso é um erro estratégico. Para você ver a força do racismo e da alienação. As cantoras negras da Bahia seriam milionárias nos EUA.
E os desfiles das escolas de samba no Rio e em São Paulo?
Olha, eles foram importantes nos anos 10 e 20 do século passado para formar uma cultura do samba. Depois, foram engessados pelo modelo de desfile, pelo sambódromo e continuam sendo um espetáculo maravilhoso... De ver. Mas sem participação ampla, e isso difere do Recife, de Olinda e de Salvador.
Por isso o Rio está tendo essa explosão de blocos de rua, mostrando que as pessoas cansaram desse modelo da fantasia, das alas, da batida, de 90 minutos de desfile. Sem falar da guerra publicitária, dos enredos patrocinados.
Em algum momento o Carnaval foi uma festa popular?
Nunca, ainda não é e talvez não seja. É uma festa de multidões, mas que tem uma repressão muito grande sobre tudo. O Carnaval é extremamente limitado, onde se desfila, se bate foto, é preciso pagar taxas. E não é isso que é vendido para o mundo.
Veja, um dos fenômenos mais interessantes do Carnaval é a visibilidade da homossexualidade. Mas é também no Carnaval em que os homossexuais são mais agredidos. Ao mesmo tempo em que parece que a cidade fica liberal, receptiva ao outro, ela é extremamente conservadora.
O Carnaval está migrando para ter os bailes de novo, os camarotes, uma estrutura mais apartada ainda do que se conseguiu ter nos blocos de trio nos horários de desfile.
Mas o Olodum segue nela...
O Carnaval não é a salvação, não é o fim do mundo. É algo importante para a civilidade que precisa emergir, mas não se resolvem os problemas das cidades sem o confronto. O Carnaval é a cara da sociedade. Só em um momento o brasileiro se mostra como ele é. É no Carnaval.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/93300-a-bahia-virou-a-terra-de-uma-artista-so-ivete-sangalo.shtml

17 de março de 2010

Classe social, elite política e elite de classe

[Life]

Classe social, elite política e elite de classe: por uma análise societalista da política [pdf]

Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, v. 1, n. 2 jul./dez. 2009.

Renato Perissinotto e Adriano Codato

Resumo: O artigo retoma um problema tradicional da teoria social, que é o da oposição entre os conceitos de “classe social” e “elite”, já discutido por autores como Aron, Wright Mills, Miliband, Bottomore, Giddens, Therborn, dentre outros. Não se pretende apresentar aqui nenhuma contribuição teórica original. Nosso objetivo, ao invés, é insistir nas vantagens analíticas e nas dificuldades práticas dessa junção conceitual, procurando mostrar como o conceito de “elite de classe” torna possível a operacionalização de uma análise classista da política.

Abstract: The article retakes a traditional question in social theory, the opposition between the concepts of “social class” and “elite”, already discussed by authors like Aron, Wright Mills, Bottomore, Giddens, Therborn, and others. It is not the article’s purpose to present any original theoretical contribution. Its main purpose is to insist on the analytical advantages and practical difficulties of this conceptual connection, and, at the same time, to make out a case for the concept of “class elite” as one that makes possible a class analysis of politics.

Introdução
O propósito deste artigo é voltar a discutir a possibilidade (e os impedimentos) de uma análise da dinâmica política das sociedades contemporâneas que enfatizasse a variável “classe social”.

Pretendemos considerar esse tema a partir da perspectiva teórica apresentada há um bom tempo por autores como Aron, Mills, Miliband, Bottomore, Giddens, Therborn. Esses cientistas sociais defenderam, cada um a sua maneira, que uma forma possível para operacionalizar o conceito de classe social seria por meio de sua articulação com o conceito de elite (econômica e/ou política).

Não aspiramos apresentar nenhuma proposição teórica inédita com relação a essa sugestão mais geral. Nosso objetivo é, acatando essa proposição, enfatizar a necessidade de uma discussão acerca dos procedimentos metodológicos que permitiriam operacionalizar a junção das duas noções de modo cientificamente rentável. Acreditamos que uma discussão dessa natureza possa contribuir para fazer avançar uma análise classista da política empiricamente orientada.

O artigo está dividido em seis partes. Na primeira, apresentamos algumas observações que justificam a retomada desse problema aparentemente superado pela Ciência Política contemporânea; em seguida, resumimos as principais críticas ao conceito de “elite política”, procurando mostrar que, apesar de aceitáveis em alguns pontos, tais críticas não comprometem sua validade heurística; na terceira parte discutimos as críticas que apontam para as dificuldades de pensar a classe social como ator político e, assim como no item anterior, defendemos que a validade relativa de algumas dessas críticas também não implica na rejeição peremptória desse conceito; na quarta parte, apresentamos nossos argumentos em defesa da junção dos dois conceitos e, por fim, listamos algumas sugestões para operacionalizar o uso conjunto do conceito de elite e de classe para efetuar uma análise classista da política.

[clique aqui para baixar o artigo completo em pdf ou html]

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9 de janeiro de 2010

ainda a teoria das classes sociais

[Avenida Paulista, 1983
Carlos Fadon Vicente.
Pirelli/MASP]


O CONCEITO DE CLASSES SOCIAIS E A LÓGICA DA AÇÃO COLETIVA
Bruno P. W. Reis

Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 34 (3): 415-41. 1991.

O artigo sustenta que a formulação olsoniana da lógica da ação coletiva, ao demonstrar a indeterminação da conduta política dos membros de uma mesma classe social, lança um grave desafio sobre a teoria marxista das classes sociais, pois impede qualquer afirmação conclusiva sobre a inevitabilidade da revolução proletária. Em seguida examinam-se as contribuições ao assunto feitas por autores como G. A. Cohen, John Roemer, Jon Elster e Adam Przeworski, buscando captar em que medida cada um se inclina por uma concepção “objetivista” (ênfase na classe “em si”) ou “subjetivista” (ênfase na classe “para si”) do conceito de classe social. Ao final, o artigo conclui reconhecendo o caráter incontornável da indeterminação da conduta política dos membros de uma classe e rechaçando as tentativas – especialmente a de Przeworski – de se contornar o problema através de redefinições do conceito de classe social que redundam na redução do nexo causal entre classe e conflito a uma circularidade tautológica. Preserva-se, não obstante, a relevância do conceito de classes sociais na análise sociológica – em termos muito próximos, senão idênticos, às formulações de Max Weber sobre o tema – como base freqüente, embora não necessária, da ação comunal.

para ler o artigo
completo, clique aqui
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7 de janeiro de 2010

entendendo as classes sociais

[Série A Várzea do Carmo, 1979-1980
São Paulo, SP
Raul Garcez.
Pirelli/MASP]



Eis um exemplo das grandes descobertas da sociologia política marxista contemporânea.
Erik Olin Wright publicou no último número da New Left Review o artigo UNDERSTANDING CLASS.
NLR, n. 60 nov./dec. 2009

Ele sustenta, basicamente, que uma nova teoria das classes deve combinar três modelos de análise social: o marxista, o weberiano e as teorias da estratificação social.

Abaixo, a introdução do bruto.

Towards an Integrated Analytical Approach

When I began writing about class in the mid-1970s, I viewed Marxist and positivist social science as foundationally distinct and incommensurable warring paradigms. I argued that Marxism had distinctive epistemological premises and methodological approaches which were fundamentally opposed to those of mainstream social science. In the intervening period I have rethought the underlying logic of my approach to class analysis a number of times. [1] While I continue to work within the Marxist tradition, I no longer conceive of Marxism as a comprehensive paradigm that is inherently incompatible with ‘bourgeois’ sociology. [2]

Having previously argued for the general superiority of Marxist class analysis over its main sociological rivals—especially Weberian approaches and those adopted within mainstream stratification research—I now take the view that these different ways of analysing class can all potentially contribute to a fuller understanding by identifying different causal processes at work in shaping the micro- and macro- aspects of inequality in capitalist societies. The Marxist tradition is a valuable body of ideas because it successfully identifies real mechanisms that matter for a wide range of important problems, but this does not mean it has a monopoly on the capacity to identify such mechanisms. In practice, then, sociological research by Marxists should combine the distinctive Marxist-identified mechanisms with whatever other causal processes seem pertinent to the explanatory task at hand. [3] What might be called a ‘pragmatist realism’ has replaced the ‘grand battle of paradigms’.

For the sake of simplicity, in what follows I will focus on three clusters of causal processes relevant to class analysis, each associated with a different strand of sociological theory. The first identifies classes with the attributes and material life conditions of individuals. The second focuses on the ways in which social positions afford some people control over economic resources while excluding others—defining classes relative to processes of ‘opportunity hoarding’. The third approach conceives of classes as being structured by mechanisms of domination and exploitation, in which economic positions accord some people power over the lives and activities of others. The first is the approach taken in stratification research, the second is the Weberian perspective, and the third is associated with the Marxist tradition.
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13 de outubro de 2009

Introdução: A Sociologia e as identidades sociais

[Alice Brill, Viaduto do Chá, 1954.
Pirelli / MASP]


[trecho da introdução ao volume Diferenças, igualdade / Heloisa Buarque de Almeida, José Eduardo Szwako (orgs.) — São Paulo : Berlendis & Vertecchia, 2009 — (Coleção sociedade em foco : introdução às ciências sociais)]

Antonio Sérgio Alfredo Guimarães

Formas de identidade e diferenciação social

"Esta coletânea de textos introdutórios à sociologia faz um recorte particular que é preciso deixar claro aos iniciantes e docentes da disciplina.

O presente volume procurou concentrar-se em cinco categorias – as classes sociais, raças e etnias, gênero, sexualidade e juventude – que permitem entender problemas sociais fundamentais do mundo contemporâneo.

Além disso, essas categorias operam como formas de identidade social que embasam o surgimento, bastante recorrente nos últimos cinquenta anos, de agentes e movimentos sociais responsáveis pela mudança social.

As classes sociais foram introduzidas na sociologia por um precursor da disciplina, Karl Marx, no século 19, quando já era um conceito corrente entre os historiadores e economistas. Em carta a Joseph Weydmeyer de 1852, Marx esclarece o que pensa ser a sua contribuição:

“No que me diz respeito, não me cabe o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna nem a sua luta entre si. Muito antes de mim, historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta das classes, e economistas burgueses a anatomia econômica das mesmas. O que de novo eu fiz, foi: 1) demonstrar que a existência das classes está apenas ligada a determinadas fases de desenvolvimento histórico da produção; 2) que a luta das classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; 3) que esta mesma ditadura só constitui a transição para a superação de todas as classes e para uma sociedade sem classes [...].”

As palavras de Marx demonstram claramente o rígido determinismo científico do século 19 em que está inserido. E, ainda, que esta primeira teoria sociológica das classes só faz sentido numa teoria da história mais abrangente (o materialismo histórico). No século 20, boa parte desta teoria já havia sido posta à prova pelo transcorrer da própria história social, inclusive a previsão marxista de uma inevitável revolução proletária nos países mais desenvolvidos da Europa. Nesse mesmo sentido, a filosofia da ciência abandonou os esquemas deterministas rígidos em favor de outras abordagens – instrumentalista, probabilística, compreensiva etc.

Foi neste novo contexto, no fim do século 19, que se fez um grande esforço intelectual para dotar a sociologia de maiores recursos analíticos. Entre os que contribuíram para tanto, podemos citar Ferdinand Tönnies (1855-1936), Georg Simmel (1858-1918) e Max Weber (1864-1920), na Alemanha. Este último autor refinou a noção de classe social como pertencente à esfera da economia, distinguindo-a de associações ou comunidades como os partidos (esfera da política) e os grupos de prestígio. Quanto ao materialismo histórico de Marx, para Weber, este seria apenas um tipo ideal, ou seja, uma construção intelectual que projetava uma trajetória histórica possível, a partir de referências empíricas reais, mas totalmente exageradas.

Mas o fato é que, ao menos na Europa ocidental (em países como Inglaterra, França, Alemanha e, principalmente, Itália), a luta de classes entre trabalhadores e patrões (fossem eles burgueses ou empresas públicas) e também as ações de classe continuaram a marcar decisivamente a vida social e político-partidária. Esses movimentos, junto com as ações do Estado, determinaram, direta ou indiretamente, o desenvolvimento social e histórico. No entanto, o desenvolvimento dos Estados-nação e o aparecimento do nacionalismo enquanto ideologia política contrabalançaram a importância das classes. Ainda assim, durante muito tempo na Europa, a teoria marxista de classes sobreviveu, com pretensões universalistas, junto com a expectativa de que as outras sociedades capitalistas industriais nas Américas e na Ásia desenvolvessem, com o tempo, as mesmas características.

Todavia, nos Estados Unidos, a luta de classes cedeu importância, durante o crescimento industrial, para a competição entre os grupos étnicos, à medida que o mercado capitalista americano crescia baseado principalmente na imigração estrangeira. Junto ao recrudescimento da consciência étnica, cresceu também o racismo contra os povos não europeus, principalmente os de origem africana que buscavam integrar-se na moderna sociedade capitalista norteamericana. [...]"
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7 de outubro de 2009

diferenças, igualdades (col. sociedade em foco)


Berlendis & Vertecchia
editora

Sociedade em foco é uma coleção de introdução à Sociologia e às Ciências Sociais para o ensino médio e os anos iniciais do ensino superior. O objetivo é contribuir para uma compreensão da sociedade contemporânea em sua complexidade.

Parte-se da realidade à nossa volta: os fatos e agentes sociais, seus dilemas, conflitos e desafios. Trata-se de introduzir o leitor aos métodos e abordagens das Ciências Sociais, com exemplos concretos que permitem visualizar e entender as teorias envolvidas.

Este volume, diferenças, igualdade, trata das formas de hierarquia e diferenciação social. O leitor é convidado a refletir sobre alguns dos conceitos centrais da disciplina: classes sociais, raça, gênero, sexualidade e geração.




Berlendis & Vertecchia
Rua Moacyr Pisa, 63
01421-030 | São Paulo - SP
Tel 11 3085-9583
Fax 11 3085-2344
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29 de junho de 2009

a classe senhorial brasileira


[Lord of the Head, 1988.
Mario Cravo Neto.
Pirelli/Masp]


“Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de ‘menino diabo’; e verdadeiramente não era outra coisa; fui dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce ‘por pirraça’; e eu tinha apenas seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia, — algumas vezes gemendo, — mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um — ‘ai, nhonhô!’ — ao que eu retorquia: — ‘Cala a boca, besta!’ — Esconder os chapéus das visitas, deitar rabos de papel a pessoas graves, puxar pelo rabicho das cabeleiras, dar beliscões nos braços das matronas, e outras muitas façanhas deste jaez, eram mostras de um gênio indócil, mas devo crer que eram também expressões de um espírito robusto, porque meu pai tinha-me em grande admiração; e se às vezes me repreendia, à vista de gente, fazia-o por simples formalidade: em particular dava-me beijos”.

Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas, cap. XI.
In: _____.
Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 526-527.
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31 de maio de 2009

uma introdução ao conceito de "classe social"

[Saída de Fábrica, Brás, c. 1950.
Peter Scheier. Pirelli/MASP]


este texto é a introdução de um capítulo escrito para explicar, didaticamente, o conceito de "classe social". para comprar e ler o texto completo no livro diferenças, igualdades, da editora Berlendis & Vertecchia, clique aqui

Adriano Codato e Fernando Leite

“Classe social” é provavelmente a ideia mais famosa da Sociologia; ou, ao menos, a ideia com a qual o público leigo mais identifica a Sociologia como disciplina acadêmica ou área de conhecimento. Talvez nenhuma outra palavra do repertório sociológico apareça tanto, seja usada com tanta desenvoltura, em tantos sentidos ou tenha sido objeto de tanta crítica e revisão nos últimos cinquenta anos.

Geralmente, a ideia de classe social vem associada, pela publicidade, a “classes de consumo”: classe A, B, C, D, E. O princípio classificatório desse abecedário é o que a renda das pessoas pode comprar: o tipo do celular, o tamanho da televisão, a marca e o modelo do automóvel. Outras vezes, definições supostamente mais sofisticadas referem-se à condição econômica com nomes mais técnicos: “classe baixa”, “classe média” e “classe alta”. Essa escala métrica pretende, todavia, designar apenas se os indivíduos são ricos, pobres ou remediados. Além disso, essa sociografia espontânea também percebe e registra, com nomes comuns, uma série de divisões sociais: elite e massa, o povo e os poderosos, patrões e empregados, e não é incomum ouvir as expressões “os mais necessitados” (ou como diria a Igreja, “os mais humildes”), “a alta sociedade”, “o empresariado” etc.

Nenhum desses usos banais da noção de classe está essencialmente errado. Na medida em que essas palavras todas designam distâncias sociais no espaço social , elas captam, à sua maneira, uma parte do conteúdo sociológico do termo: os indivíduos são diferentes e ocupam lugares diferentes na sociedade.

No entanto, parece que quanto mais a expressão “classe” é utilizada, mais ela perde o sentido crítico que lhe é inerente. Ou, posto de outra forma: a disseminação da ideia de classe vem geralmente acompanhada da perda de seu significado crucial, pois quem fala em classe social, tem de falar, necessariamente, em dominação/subordinação entre as classes.

O emprego científico desse nome deve enfatizar que a expressão “classe social” não sugere somente a existência de categorias de indivíduos diferentes entre si (isto é, a existência de diferenças sociais entre as pessoas); mas classes de indivíduos que são subordinadas umas às outras. Assim, o pertencimento a uma determinada classe nos indica, além de variedades sociais, desigualdades sociais. Como se intui, há sempre maiores ou menores “oportunidades” na vida de se possuir poder, riqueza, cultura, prestígio ou status.

Neste capítulo, apresentamos algumas dimensões do conceito de classe social que vão além do seu uso ordinário. Esse esforço corresponde à tentativa de dar uma definição mais rigorosa ao termo – uma definição propriamente sociológica.

Nas Ciências Sociais há, entretanto, uma razoável confusão de nomes. Ainda se fala indistintamente em ‘classes’, ‘estratos’, ‘camadas’, ‘castas’, ‘categorias’ e ‘ordens’ sociais. Uma dificuldade adicional é que ora esses termos designam coisas diferentes, ora... a mesma coisa!

Um mapa dessa bibliografia e das divergências e convergências entre autores e escolas levaria essa conversa longe demais. Nosso propósito específico é expor o que algumas teorias sociais têm a dizer, não sobre as classes sociais reais (isto é, a história, o perfil e a prática de grupos sociais determinados), mas sobre o conceito de classe. Trata-se de dar à palavra “classe” uma base teórica.

Esse fundamento teórico faz o conceito científico de classe ser mais completo e mais complexo do que aquelas expressões referidas anteriormente. Essa maior complexidade permite que nós utilizemos a concepção de classe social para explicar vários fenômenos sociais, trabalho esse que noções vagas tais como “classe” A, B, C etc. não permitem.

Essa tarefa – dar ao conceito de classe um conteúdo científico – requer que se ordene a percepção espontânea sobre o mundo social, que costuma dividi-lo entre os “ricos”, os “pobres” e a “classe média”, em função de quatro princípios sociológicos.

O primeiro princípio é o seguinte: as diferentes posições sociais (isto é, os diferentes pontos que as pessoas ocupam no espaço social) têm de ser pensadas em conjunto, já que uma posição não existe sem a outra. Ou melhor: uma posição social só existe em relação à outra. Só faz sentido falar em “classe alta” se houver, por referência, uma “classe baixa”. E vice-versa. Daí a ideia de relações sociais ou mais exatamente, sistema de relações sociais. A sociedade é isso: um sistema de relações e não uma soma de posições individuais.

Segundo: essas posições/relações sociais formam uma estrutura – a estrutura social. Ela é constituída por indivíduos, grupos, classes (dizemos: agentes sociais), mas é independente da “vontade” deles. Em linguagem sociológica sustentamos que a estrutura social é objetiva, ou seja, é um fato exterior aos indivíduos, independente deles, mas que influencia a forma como pensam e agem.

Terceiro: a estrutura social comporta uma série de assimetrias e hierarquias. Por isso utilizamos o termo técnico “estratificação social” para designar o fenômeno social que decorre justamente da presença das classes/grupos sociais discrepantes no mundo social. São essas assimetrias e hierarquias que fazem o espaço social ser um espaço de lutas.

E, quarto princípio, os indivíduos e/ou os grupos sociais (os agentes sociais) que partilham a mesma posição social devem ter algo em comum. É esse algo em comum (certas “propriedades”, certas qualidades) que constitui uma “classe” no sentido lógico do termo.

Toda a questão é saber, então, o que é esse “algo”. A mesma quantidade de poder, de riqueza, de prestígio ou de status? Os mesmos valores, a mesma situação no mercado, a mesma renda? O mesmo tipo de propriedade, a mesma ocupação ou o mesmo estilo de vida?

O debate entre os sociólogos (exceto entre aqueles que não “acreditam” na existência de classes sociais) gira exatamente em torno do melhor critério para diferenciar os agentes sociais e do melhor método para medir essa diferença .

Nessa altura já podemos afirmar três coisas:

I. A “classe social” (o conceito) é um artifício teórico, é um recorte que o sociólogo faz no mundo social de modo a simplificar e exprimir a realidade: “classe” é, em primeiro lugar, um modo de classificação.

II. Ainda que as classes sejam abstrações que o cientista social constrói, elas descrevem fatos reais. Não se trata de simples fantasias que não têm relação alguma com o mundo social. De fato, as pessoas não são só diferentes, mas ocupam lugares – “posições” – diferentes na sociedade: “classe” é assim um modo de classificação específico que percebe e descreve distâncias reais no espaço social.

III. As distâncias entre as classes representam não só as posições diferentes dos indivíduos no espaço social, mas indicam a existência de hierarquias entre essas posições. Isso porque, como se intui, alguns lugares são socialmente mais valorizados do que outros. Ou seja, alguns “grupos” ocupam uma região do mundo social mais vantajosa. E isso tem efeitos de todos os tipos: material (são mais “ricos”), simbólico (têm mais prestígio), político (reúnem mais poder, mandam mais) etc.

“Classe” (o conceito) é, portanto, um modo de classificação que percebe distâncias sociais reais e é capaz de traduzi-las em relações de dominação/subordinação.

Para sistematizar, nós podemos dizer que o primeiro sentido do conceito de classe é puramente teórico, ou seja, é um recurso intelectual que ordena e distribui os indivíduos em categorias mais ou menos fixas. O segundo sentido é descritivo, já que pretende representar de maneira sistemática e abrangente a estrutura social. E o terceiro é interpretativo, uma vez que permite não só ler e exprimir a realidade social, mas entender sua dinâmica – isto é, o comportamento dos agentes sociais.
[...]
continua

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