artigo recomendado

Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections

29 de maio de 2012

elites and democracy

[EUA, 1938
Margaret Bourke-White
Life] 

Adriano Codato

The majority of empirical theories of politics defines “democracy” simply as method of selecting a government. They highlight the process of choosing candidates by means of elections and the conformation of institutional arrangements which authorize and structure these choices. Elections are, in this system, almost the only form of controlling and punishing political agents and equality among citizens does not go beyond universal suffrage; one person, one vote, regardless of his or her social standing.

Given these premises, institutionalized democracy is a political regime which establishes an upper limit for participation, through the electoral vote, and for opposition. Democratic regimes are regimes that are broadly open to the public contestation of those who govern, regulated by legislation.

Robert Dahl listed the institutional guarantees that would, based on these ideas, make it possible to assess whether or not a given society is politically democratic. This list contains only eight items used in evaluating an institutionalized poliarchy: liberty of organization and association, liberty of expression, voting rights, eligibility rights, competition for public offices mediated through the vote, the existence of alternative sources of information, free and impartial elections, and governments capable of truly converting citizen preferences into decisions mediated by legitimately elected governments.

An evaluation of the Brazilian political system today according to these parameters would indicate (not without some controversy) that it sufficiently meets each one of them.

In addition to the issue of the diffusion of information and its sources, the fifth proposition, especially with regard to the social conditions which underline electoral competition, requires further testing. It would make it possible, for example, to determine the degree of inclusion of each different social group/class in the political elite.

This is an essential dimension of democracy which obviously, has no bearing on the formal criteria of eligibility (the legal definition of who can be elected and to which positions), but rather with the problem of can and who cannot accede to positions of powers: the informal interdictions, the social mechanisms of exclusions, the economic barriers, etc. Studies on the homogeneous or heterogeneous socio-professional profile of the elite groups are thus essential in order to discuss the political system per se, for instance, since they refer to the socially sanctioned structure of opportunities which filters those who participate in politics.

It is in this sense that researches on elites – and especially studies on the social origins of the political elites and their transformation in the course of time – become more important in characterizing the degree of democratization of the political system. This can be measured without necessarily referring, as usual, to more participative mechanisms in decision-making processes. This is an essential dimension in considering the quality of democracy.
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23 de maio de 2012

Quando filiação partidária representa outra coisa que não interesse autônomo por política

[fotógrafo 
desconhecido] 

Emerson Cervi
Em reportagem publicada hoje, 20/5/2012, no jornal Gazeta do Povo a repórter Katia Brembatti mostra dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral sobre o número de eleitores filiados a partido político nos municípios paranaenses (ver texto). Parece surpreendente perceber que existe mais de um filiado a partido político em cada 10 eleitores do Paraná. Isso poderia ser entendido como um indicador de força dos partidos políticos? Ou que as preferências políticas dos eleitores são cada vez mais organizadas em termos partidários? É provável que em parte sim, mas não apenas isso. Com o objetivo de complementar as informações publicadas faço aqui alguns comentários sobre os dados fornecidos pelo TSE para a reportagem.
Em primeiro lugar é preciso destacar a importância de informações oficiais para o exercício da atividade jornalística. Todas as vezes que jornais publicam balanços sobre o desempenho das instituições políticas utilizando bancos de dados há uma sinalização de que a cobertura está menos focada nas “personalidades” e mais em “temas públicos”. E esse é um bom indicador de qualidade do jornalismo contemporâneo. Infelizmente a cobertura política no Brasil ainda está focada no que os políticos dizem ou fazem e não nas instituições políticas. A personalização da política banaliza a cobertura jornalística. Reportagens como essa da Gazeta do Povo são exemplos de que o jornalismo pode ser diferente.
Agora, em relação às informações de filiados a partidos no Paraná, é preciso tomar alguns cuidados. Em primeiro lugar, número de filiados não indica maior interesse por militância política. Não há nenhum limitador institucional para a militância político-partidária no Brasil. Os partidos são totalmente abertos. Portanto, para ser militante não é obrigatório, nem mesmo necessário, se filiar a uma sigla. Filiação partidária só é obrigatória para os pretendentes a se candidatar a um cargo público. Todo candidato deve estar filiado a um partido político com registro no TSE e ter domicílio eleitoral no distrito em que disputará a vaga há pelo menos um ano.
Então, poderíamos pensar que boa parte dos filiados a partidos políticos são aqueles que têm ou já tiverem interesses reais em disputar uma eleição. Porém, em cada eleição não temos mais que 1% de candidatos sobre o total de eleitores. Como explicar que no Paraná existam 12,7% de filiados? Dois fatores ajudam a entender essa diferença:
i) Como são os partidos que informam a maioria das filiações e desfiliações ao TSE e eles não têm interesse em registrar os desfiliados, todos aqueles que se filiaram algum dia e não voltaram para se desfiliar formalmente, mesmo sem ter participação ativa na vida partidária, continuam constando e “inflam artificialmente” as listas informadas pelos diretórios ao TSE. Isso tem um efeito sobre o numerador no cálculo da proporção de filiados.
ii) Os cálculos de percentuais de filiados são feitos a partir dos números oficiais da população e/ou eleitorado. Com os processos migratórios, de esvaziamento e inchaço, nas cidades essas informações nem sempre estão atualizadas. Com isso, podemos ter uma percepção de que há muitos filiados em municípios onde na verdade aconteceu uma redução no número total de eleitores. A não atualização censitária tem efeito sobre o denominador do cálculo.
Reunindo os fatores i e ii teríamos um “inchaço” do número oficial de filiados, seja porque os eleitores que um dia se filiaram não procuraram a justiça eleitoral para se desfiliar, seja porque o cálculo leva em conta populações ou número de eleitores que não são mais os mesmos nos municípios. Isso explicaria o fato de, no Paraná, municípios com maiores proporções de filiados serem de pequeno porte e em regiões mais deprimidas economicamente. Por exemplo, os municípios que apresentam os maiores percentuais de filiados em relação ao total de eleitores no Paraná, segundo informações do TSE, são Nova Santa Bárbara, com 63,95% de eleitores filiados a um partido político; Cruzeiro do Iguaçu, com 44,42% de eleitores filiados; Boa Esperança do Iguaçu, com 43,8% de eleitores filiados e Nova Aliança do Ivaí, com 42,58% de eleitores filiados. Todos pequenos municípios de regiões que apresentaram significativas mudanças demográficas na última década. Parece ser pouco provável que dois em cada três dos 3.146 eleitores atuais da pequena Nova Santa Bárbara atuem em um partido político nesse momento. No entanto, eles aparecem como filiados.
De qualquer maneira, se desconsiderarmos essa imprecisão do ponto de vista quantitativo, é possível identificar algumas características das organizações partidárias no Paraná a partir desses dados. Duas chamam a atenção:
a) os filiados nos partidos estão distribuídos de maneira mais ou menos proporcional em todo o Estado, indicando que não há estratégias partidárias dirigidas a determinadas regiões e/ou municípios paranaenses.
b) há uma concentração no número de filiados nos maiores partidos brasileiros (PMDB, PSDB, PT e DEM). Esses quatro partidos representam 44,4% do total de filiações paranaenses. Dois deles, PSDB e PMDB, têm diretórios em todos os 399 municípios do Estado. PT tem diretórios em 397 municípios e DEM está em 395 municípios. Em relação ao número de filiados, PMDB é o principal partido do Paraná, com 19,6% do total (190.340 eleitores). Em segundo lugar vem o PSDB com 9% (87.329 eleitores). Portanto, PMDB tem mais que o dobro de filiados em relação ao segundo colocado no ranking do TSE no Paraná. Em seguida vem o PT, com 8,3% do total (80.357 eleitores) e o DEM, com 7,5% (73.229).
Agora, antes que se apressem em afirmar que a filiação partidária representa um amadurecimento político e que o eleitor está mais interessado por política, vejamos como o percentual de filiados por município se relaciona com duas variáveis independentes: taxa de analfabetismo municipal e percentual de aproveitamento de votos por município.
O cruzamento com taxa de analfabetismo serve para indicar se locais com mais educação formal têm mais filiações partidárias ou não. Existem três relações possíveis: se positiva, significa que quanto maior o analfabetismo no município, mais eleitores filiados; se não houver relação, significa que o percentual de filiações independe da taxa de analfabetos; se a relação for negativa, cresce o número de filiados conforme diminui o percentual de analfabetos.
A taxa de aproveitamento de votos mostra o percentual de votos destinados a candidatos eleitos nos municípios. Aqui são usados dados da disputa para vereador em 2008. Municípios com maior aproveitamento são aqueles em que vereadores eleitos concentraram mais votos em relação ao total. A taxa de aproveitamento indica a força política dos candidatos. Quanto menor o aproveitamento, mais eleitores votaram em candidatos não eleitos. A hipótese é que mais filiações levem a um aumento do aproveitamento de votos, portanto, a uma concentração de poder político nas lideranças eleitas. Os gráficos a seguir representam essas relações.

Em primeiro lugar, a correlação entre analfabetismo e filiações é positiva, ou seja, conforme aumenta taxa de analfabetos no município, cresce o percentual de filiados. Considerando que analfabetismo está diretamente relacionado a baixo desenvolvimento econômico e social, essas filiações não devem indicar elevado grau de inserção no sistema político-partidário. Em termos alternativos, filiação partidária poderia representar relação de dependência e “cabrestagem” política de eleitores menos interessados e/ou participativos da vida partidária.
A relação entre percentual de aproveitamento de votos e filiação partidária mostra-se positiva, como esperado. Ou seja, municípios com maior percentual de filiados apresentaram mais votos destinados a vereadores eleitos em 2008. Reunindo as duas relações, podemos pensar que municípios menos desenvolvidos apresentam maiores taxas de filiações partidárias e isso reforça a relação entre lideranças políticas tradicionais e eleitores locais.
É bem verdade que as relações entre as variáveis são baixas (r2 de 8,5% na taxa de analfabetismo e 18,3% no aproveitamento de votos), no entanto, elas podem indicar uma tendência de mais filiação partidária onde eleitores são menos formados/informados sobre política e têm uma relação mais direta e permanente com lideranças tradicionais locais. Portanto, contrariando conclusões a que analistas costumam chegar quando “olham” apenas para os percentuais de filiados.
Como a relação com as variáveis anteriores mostrou-se produtiva, a seguir apresento os mesmos gráficos, porém, com os municípios separados por porte (micro, pequeno e médio). Isso para identificar se a relação entre filiações, analfabetismo e aproveitamento de votos se mantém ou é diferente nos tipos de municípios.

O gráfico da esquerda indica que os coeficientes são baixos ou nulos para os três tipos de municípios, porém, as diferenças nas direções das retas são interessantes. No caso da taxa de analfabetismo municipal, a relação é negativa apenas para municípios de porte médio. Em cidades mais desenvolvidas cresce o percentual de filiados conforme diminui a taxa de analfabetismo. Já nos municípios de pequeno porte a relação é positiva, enquanto nos micromunicípios não há direção da relação, ou seja, analfabetismo e filiação partidária são independentes. No caso da relação com aproveitamento de voto, os três tipos de municípios apresentam retas na mesma direção – positiva. Portanto, aqui não faz diferença ser médio, pequeno ou micro.
Por fim, para reforçar a ideia de que os partidos têm difusão estadual, os mapas a seguir mostram os resultados dos testes de autocorrelação espacial local (LISA) de Moran para os municípios paranaenses. O objetivo é indicar se existe alguma região do Estado onde municípios vizinhos (por isso autocorrelação local) têm comportamento distinto da média paranaense. Municípios sem cor não apresentam coeficientes significativos, ou seja, têm relação entre as variáveis próximas da média do Estado. Quanto mais forte a cor, maior a autocorrelação local entre as variáveis incluídas no modelo.

O mapa da esquerda indica os municípios onde as relações de vizinhança são mais fortes entre taxa de analfabetismo e percentual de filiados. Já o da direita mostra onde a relação entre percentual de votos aproveitados para vereador em 2008 e filiados é mais forte. Comparando as imagens é possível perceber como elas praticamente se sobrepõem. Alguns municípios da região central, oeste e norte do Paraná apresentam relações estatisticamente significativas entre filiação partidária, analfabetismo e aproveitamento de votos.
Para concluir esse breve comentário (que por estar em um weblog não é tão breves assim) sobre filiação partidária no Paraná devemos desconfiar do que os números nos mostram inicialmente. Informações de fontes oficiais são indispensáveis para entendermos a realidade que nos cerca, porém, elas não “falam” por conta própria. No caso das filiações por municípios do Paraná deve-se considerar a existência de algum desajuste entre informações disponíveis no TSE e o que elas representam de fato. O “acúmulo” de filiados que não participam da vida partidária não pode ser desconsiderado na análise dos altos percentuais de filiação no Estado e no Brasil de maneira geral.
Agora, comparando os dados disponibilizados pelo TSE aos jornalistas da Gazeta do Povo com a taxa de analfabetismo (que indica desenvolvimento sócio-educacional) e percentual de aproveitamento de voto (variável de comportamento político) é possível identificar distinções em relação ao que é apontado por políticos e analistas em geral. A filiação partidária está relacionada ao analfabetismo e ao percentual de votos em candidatos eleitos, ou seja, como não há nenhum incentivo institucional para filiação dos que não pretendem se candidatar, ao contrário do que se pensa normalmente, ela pode indicar uma relação de dependência e não de autonomia do eleitor. Evidente que esses comentários são preliminares, nada conclusivos e que buscam aprofundar a discussão iniciada de maneira positiva pela Gazeta do Povo, ao contrário do que tem predominado na cobertura política da imprensa nacional. .

13 de maio de 2012

Ferramenta mede taxa de governismo de deputados

[US Navy techician marking radar data on chart, 
tracking enemy Japanese ships in WWII Pacific theater.
1945. Life] 


http://estadaodados.herokuapp.com/html/basometro/

O Basômetro (politica.estadao.com.br/estadaodados) é uma ferramenta que permite medir o apoio dos deputados ao governo e acompanhar sua posição nas votações da Câmara.

Cada parlamentar é representado por uma bolinha com a cor do seu partido. Quanto mais próxima a bolinha estiver do governo (no alto), maior é a taxa de governismo, ou seja, o número de votos pró-governo em relação ao total de votos no período.

O slider (botão deslizável) da taxa de governismo, à direita, pode ser arrastado para cima (mais governista) ou para baixo (mais oposicionista).

No alto, um título dinâmico aponta o número de deputados pró-governo na taxa selecionada. No acumulado das 98 votações analisadas, 239 deputados votaram com o governo em 90% das vezes ou mais, e 272 votaram com o governo em menos de 90% das vezes.

Estados e partidos. Ao se clicar na bolinha, são mostrados detalhes da atuação do deputado, como quantas vezes ele votou com o governo, votou contra ou não votou, além da taxa de governismo. É possível clicar nos nomes dos partidos e verificar como foi o comportamento de cada um, isoladamente, além de selecionar as bancadas de cada Estado. Um campo de busca no topo da página ajuda a encontrar um deputado específico.

Abaixo, uma linha do tempo permite ver o comportamento dos parlamentares ao longo das votações. As teclas início e fim podem ser movidas para selecionar o período desejado.

Além da tela que mostra o comportamento dos deputados em determinados períodos, é possível abrir uma segunda visualização sobre a posição de cada partido em votações específicas.

Os dados que alimentam o Basômetro foram obtidos no site da Câmara. Foram consideradas todas as votações nominais - as únicas em que o voto individual do deputado é computado - que ocorreram desde o início de 2011. Não entram no levantamento casos em que o governo não orientou os deputados como votar.

http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,ferramenta-mede-taxa-de-governismo-de-deputados,872160,0.htm

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11 de maio de 2012

Online courses Political Science

[Nixon & Kennedy Tv Debate
September 27, 1960
Francis Miller
Life]

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10 de março de 2012

análise de políticas públicas (mestrado e doutorado em políticas públicas - ufpr)

[Marcel Breuer, Bureau S285]

Código: PPU702/ Disciplina: ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS
ADRIANO CODATO (adriano@ufpr.br) e ALEXSANDRO EUGENIO PEREIRA (alexsep@uol.com.br)
Semestre/Ano: 1 / 2012 ; Tipo: Obrigatória
Carga Horária Total: 60 h.
Segundas-feiras, 14h. e 30min. – 18h.

EMENTA
Ementa: O objetivo dessa disciplina é fornecer ao aluno contato com as principais perspectivas teóricas da Ciência Política para o estudo das políticas públicas: neo-marxismo, neo-institucionalismo, teoria da escolha racional, o debate pluralismo/neo-elitismo, abordagens cognitivas. Pretende-se também analisar o desenvolvimento de políticas públicas setoriais em perspectiva comparada.

clique aqui para abrir ou baixar o programa do curso

AVALIAÇÃO
O curso está organizado com base em aulas expositivas, seminários (2 por estudante) e comentários de textos (14 comentários no total).
A cada sessão haverá no mínimo três seminários. Esses seminários serão apresentados por estudantes previamente indicados e serão destacados mais dois alunos como debatedores. Todos os estudantes devem enviar, ANTES DA AULA INDICADA, por e-mail, questões e comentários sobre os textos indicados como referência obrigatória no programa para o grupo de discussão do curso polpub2012@googlegroups.com. Todos os apresentadores e os debatedores deverão entregar, após o seminário, um relatório sobre a atividade. A participação em aula também será computada para a avaliação.
Em função do público muito heterogêneo da pós-graduação, a cada sessão estão indicados dois textos obrigatórios. Um bastante fundamental; outro de leitura mais avançada.

5 de fevereiro de 2012

teoria política I (mestrado em ciência política - ufpr)

[University Of Iowa, 1961.
Alfred Eisenstaedt.

Life] 


Código: HC 780 / Disciplina: Teoria Política I  
Professor(a) Responsável: ADRIANO CODATO
Semestre/Ano: 1 / 2012
quintas-feiras, 14:30-18:00hs.


EMENTA
Esta disciplina apresenta aos alunos os textos clássicos fundadores da Ciência Política contemporânea. Confere-se especial atenção às teorias políticas elaboradas por Karl Marx, Max Weber e pelos fundadores da Teoria das Elites (Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels). Pretende-se mostrar como tais textos colocam problemas teóricos e metodológicos fundamentais para a Ciência Política contemporânea.
 Syllabus
O objetivo fundamental desta disciplina é levar o aluno a ter contato aprofundado com textos clássicos da ciência política e da sociologia política. Tais textos estão marcados, essencialmente, pela preocupação desses autores em pensar a possibilidade de um conhecimento científico do fenômeno político. Entre outras coisas, procuraremos enfatizar as questões teóricas e metodológicas que, posteriormente, foram abordadas pela ciência política contemporânea e que serão analisadas em Teoria Política II. Por ser uma disciplina de formação, as aulas serão expositivas e será exigida dos alunos, além da apresentação de seminários, a entrega de comentários periódicos da bibliografia obrigatória.
Em função do público muito heterogêneo da pós-graduação, a cada sessão estão indicados dois textos obrigatórios. Um bastante fundamental; outro de leitura mais avançada. O programa pode ser modificado em função das características da turma.

clique aqui para acessar e baixar o programa do curso


OBS.: A (imensa) bibliografia complementar será referida em aula, a cada sessão.

AVALIAÇÃO
O curso está organizado com base em aulas expositivas, seminários e comentários de textos. A cada sessão haverá no mínimo dois seminários. Esses seminários serão apresentados por estudantes previamente indicados e serão destacados mais dois alunos como debatedores. Todos os demais devem enviar, ANTES DA AULA INDICADA, por e-mail, questões e comentários sobre os textos indicados como referência obrigatória no programa para o grupo de discussão do curso teoria-politica-um@googlegroups.com. Todos os apresentadores e os debatedores deverão entregar, após o seminário, um relatório sobre a atividade.
Para a avaliação será levada em conta a participação efetiva em sala, os comentários e o desempenho no seminário.
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20 de janeiro de 2012

a violência policial e a cobertura da imprensa: dois casos paradigmáticos

[Detroit, MI, US.
July 1967.
Lee Balterman.
Life] 


Fábia Berlatto*

Acompanhando a cobertura da imprensa sobre a implementação do projeto “Nova Luz” em São Paulo e o objetivo de acabar com a “Cracolândia”, lembrei-me de como foram veiculadas, aqui em Curitiba, as ações da Guarda Municipal e da Polícia Militar no ano passado no Parque Barigui tanto contra a frequência de jovens da periferia, como contra o consumo de álcool naquele local. Gostaria de refletir sobre essa espécie de jornalismo que se pratica cotidianamente.

Nós sabemos que a imprensa dispõe de um poder real que é não apenas o de veicular, mas o de impor um modo de representação do mundo social. Por isso que os jornalistas são conhecidos como formadores de opinião. E isso se dá, em grande medida, porque a imprensa é portadora de um discurso autorizado, e por isso legítimo, sobre a realidade social. Então, mais do que produzir e difundir “informação”, a imprensa contribui para que se desenvolva uma visão de mundo que reflete a forma mais comum de representar esse mundo. É por isso que ela acaba, na maioria das vezes, reforçando o senso comum.

Apesar do discurso da neutralidade, da objetividade, da função apenas informativa ou por vezes crítica, os enunciados da imprensa – sejam as reportagens, sejam as análises – devem ser tomados como uma versão negociada dos fatos.

A realidade social que o noticiário apresenta, representa uma duplicação, um reforço e uma confirmação da legitimidade de um modelo de sociedade e, no caso dos eventos que citei, de uma política de segurança pública que nós adotamos.

Sobre quem sempre recai o rótulo, que acaba se transformando em identidade, de perigoso, de intratável, de indesejável? Esses estereótipos acabam encobrindo a realidade, encobrindo o que gera, por exemplo, o elevado consumo de álcool, ou de crack, as agressões aos guardas municipais e as agressões dos policiais a esses jovens que se encontram em situações que nem lhes caberia lidar. É como se existisse uma categoria social de frequentadores dos espaços públicos – os manos, os vileiros – que fosse constituída por uma espécie de inimigos não integráveis à sociedade. Eles não deveriam estar nos nossos parques, nos nossos shoppings, mas em outro lugar. De preferência, longe dos nossos olhos. No caso do Bairro da Luz, trata-se de recuperar áreas degradadas, de combater o consumo e o tráfico de drogas através da mera eliminação dos indesejáveis.

Essa visão do mundo social que a imprensa repercute influencia o comportamento dos cidadãos e dita as políticas de governo. E essas políticas tem privilegiado o reforço do controle social pelo viés policial. Então, há uma circularidade entre o que dizem os diversos veículos e o que diz o Estado através dos seus porta-vozes autorizados. Recuperem e reparem, no caso do Parque Barigui, o que disseram os guardas municipais, o secretário de defesa social, por exemplo, e o que disseram os jornalistas. Os parques, os locais públicos são lugares de acesso das famílias apenas, das pessoas “de bem”.

Os jornalistas acabam trabalhando muitas vezes como agentes do campo estatal tanto pelas questões que eles colocam, quanto pelas que deixam de colocar. Essa coisa da “boa sociedade” e da “má sociedade”, “de gente de bem”, de “gente de família”, de “gente bem intencionada”, de “gente mal intencionada” é exatamente o que a população quer ouvir. Não são assim os programas “jornalísticos” de TV no final das tardes? É essa percepção sobre como o mundo social estaria dividido e organizado que acaba, no fim das contas, gerando um tipo de demanda por segurança pública.

Essa circularidade entre os discursos do senso comum, da imprensa e dos governos se deve aos próprios mecanismos de funcionamento da profissão jornalística, cuja lógica de concorrência restringe, entre outras coisas o tempo, mas principalmente as fontes de informação.

Assim é que se constitui uma espécie de impregnação mútua de representações sobre o mundo social que circulam, de forma viciada, entre o campo político/burocrático e o campo jornalístico, na medida em que os operadores de um e de outro se constituem em fontes de consulta recíproca. E, em geral, os “especialistas” acionados só são escolhidos na medida exata em que confirmem essa percepção.

Para entender os processos sociais em que essas pessoas indesejáveis – jovens, pobres, pretos, etc. – se envolvem, é preciso recorrer à forma como eles expressam seus comportamentos, os seus gostos, as suas esperanças e desesperanças. Só que não podemos deixar de lado as condições sociais e políticas que determinam as características peculiares dos seus comportamentos.

* Fábia Berlatto é mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná e integra o CESPDH – Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR.
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18 de janeiro de 2012

o projeto "nova luz" em são paulo

[Aricanduva, 1989
Cristiano Mascaro.
Pirelli/MASP] 

"Quem não vive na capital paulista e vê as notícias sobre a revoada de almas esquecidas que ainda resistem nos bairros de Campos Elíseos e Luz, onde a Caixa de Pandora da Cracolândia paulistana vem sendo aberta após décadas de descaso, talvez não entenda por que os governos do Estado e da cidade de São Paulo adotaram medida tão impressionantemente desastrada.

A ação que espalhou pela maior cidade sul-americana uma legião de verdadeiros mortos-vivos vai formando mini guetos na porta de cada um dos que acharam que poderiam deixar aquele desastre social crescer sem jamais serem afetados.

A diáspora de viciados que as forças policiais sob comando do governador e do prefeito de São Paulo provocaram gerou o que a imprensa vem chamando de “procissão do crack”. Como a operação se limitou a espantar aquelas pessoas da Cracolândia, a PM está tendo que escoltar pelas ruas da cidade grupos de até cem pessoas cada.

As regiões que estão recebendo aqueles que vão sendo tratados como dejetos humanos, reclamam. Segundo o jornal Estado de São Paulo, moradora da outra cidade, do outro país, do outro mundo contíguo ao gueto da loucura reclamou de que “Antes, eles ficavam escondidos. Agora, ninguém tem sossego” E pediu que as autoridades encontrem “algum lugar para levá-los”.

Eis o que acontece com São Paulo. Essa é a mentalidade de uma parcela enorme da sociedade paulista. Os favorecidos pela sorte querem simplesmente ignorar os dramas sociais que uma governança voltada exclusivamente para os mais ricos gerou.

Agora, essa parcela majoritária dos paulistas que mantém há quase vinte anos no controle do Estado e da capital políticos como José Serra, Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab vão percebendo que se deixam seus concidadãos se transformarem nos seres apavorantes que as imagens da Cracolândia mostram, poderão ter que recebê-los a domicílio em algum momento.

Os setores da sociedade paulistana que apoiaram que as autoridades locais deixassem o inferno florescer naquela parte da cidade já estão se perguntando sobre o propósito de uma ação policial que invade um gueto como a Cracolândia somente para espantar dali pessoas com graves problemas mentais que tendem a cometer roubos e até atos de violência sem pensar duas vezes.

Aqueles que trataram a política paulista e paulistana como disputa de futebol entre palmeirenses e corintianos, ao começarem a sentir o que a irresponsabilidade social pode gerar talvez tenham interesse em entender por que os governos estadual e municipal parecem apenas querer tirar daquela região aqueles que ameaçam a si e a todos.
Se quem nunca quis entender agora quiser, eu conto: é a especulação imobiliária, estúpido. O Bairro da Nova Luz é a nova negociata que esse grupo político que seqüestrou São Paulo está preparando".


Fonte: http://www.fas-sp.org (Acesso em: 11 de janeiro de 2012)

Clique aqui para assistir ao documentário sobre o projeto Nova Luz.

25 de dezembro de 2011

marxismo como ciência social

[capa: Joana Corona] 

Adriano Codato, Renato Perissinotto.
Marxismo como ciência social. Curitiba: Editora UFPR, 2011.

A compilação dos textos que compõem esta coletânea está bem longe da busca do marxismo puro e duro ou do “verdadeiro Marx”.

Essa miragem filosofante, responsável por parir no século XX tantos marxismos quantos analistas disponíveis, implicou em uma glorificação desmedida do autor e praticamente só isso. As ideologias teóricas que surgiram daí, cujo efeito foi encerrar a discussão e não permiti-la, criaram uma série de campos de força que dividiram artificialmente as ciências sociais em “Sociologia burguesa”, de um lado, e Teoria Marxista, de outro. A primeira, supostamente derivada de uma epistemologia positivista e de uma metodologia empirista, foi condenada e banida por sua inexplicável ignorância da dialética materialista.

Não é só um pouco desconcertante quando uma descobre a outra. O prejuízo contabilizado por essa separação bizantina, que parece ter mais a ver com as vantagens simbólicas que cada partido teórico retira dessa luta ideológica, implicou no isolamento provinciano de ambas as partes – e ele foi muito mais prejudicial ao marxismo acadêmico.

Este livro parte dessa presunção. Deixando de lado a política revolucionária e os pouquíssimos escritos que se incumbiram de falar do mundo pós-capitalista e da estratégia dessa reengenharia social, os ensaios reunidos aqui pretendem tomar o pensamento de Marx como uma ciência social normal. Essa postura implica numa compreensão diferente dos textos canônicos, mais interessada nas suas operações analíticas do que na monumental parafernália teórica sobre a qual se apoiam. Além disso, assume, para todos os efeitos, que os postulados do marxismo devem ser entendidos como hipóteses, não como princípios; e hipóteses são por definição verificáveis, ou seja, passíveis de serem confirmadas – ou refutadas. Só assim os estudos marxistas conseguirão deixar de ser o que frequentemente tem sido: ilustração de teoria.

para ler a Apresentação,
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acesse www.­editora.­ufpr.­br
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24 de dezembro de 2011

A sociologia política brasileira em análise

[Brazilian entertainer Carmen Miranda.
John Phillips, 1939
Life]

CODATO, Adriano. A sociologia política brasileira em análise: quatro visões sobre o funcionamento administrativo do estado novo. Rev. Sociol. Polit. [online]. 2011, vol.19, n.40, pp. 273-288.


Nos estudos de Sociologia Política brasileira, há quatro maneiras diferentes de considerar os departamentos administrativos dos estados, aparelhos criados pela ditadura de Vargas em 1939 como órgãos complementares ao sistema de interventorias federais. Na base dessas interpretações, há também quatro modos diferentes de considerar o próprio regime do Estado Novo (1937-1945). As concepções sobre os departamentos administrativos divergem tanto em função das convicções do observador diante da forma de funcionamento do sistema político autoritário, quanto do papel (político, econômico ou burocrático) dessas agências que o analista julga mais relevante destacar. Analiso neste ensaio as interpretações disponíveis sobre o assunto e enfatizo o que me parecem ser as principais dificuldades e limitações para explicar a relação entre as antigas elites políticas estaduais e as novas instituições políticas federais na década de 1940 no Brasil.

Palavras-chave : Estado Novo; Getúlio Vargas; ditadura; departamentos administrativos dos estados; Sociologia Política brasileira.


        · resumo em Inglês | Francês     · texto em Português     · pdf em Português

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21 de dezembro de 2011

gérard duménil: entrevista sobre a crise

[Wall Street
Eliot Elisofon, 1962
Life]


Jornal da Unicamp – Você vem pesquisando o capitalismo neoliberal há muito tempo. Na sua análise, como se deve caracterizar essa etapa atual do capitalismo?

Gérard Duménil – O neoliberalismo é a nova etapa na qual ingressou o capitalismo com a transição dos anos 70 e 80. Eu e Dominique Lévy falamos de uma nova “ordem social”. Com essa expressão nós designamos a configuração de poderes relativos de classes sociais, dominações e compromissos. O neoliberalismo se caracteriza, desse modo, pelo reforço do poder das classes capitalistas em aliança com a classe dos gerentes (classe des cadres) – sobretudo as cúpulas das hierarquias e dos setores financeiros.

No decorrer dos decênios posteriores à Segunda Guerra Mundial, as classes capitalistas viram o seu poder e suas rendas diminuírem sensivelmente na maior parte dos países. Simplificando, nós poderíamos falar numa ordem “social-democrata”. As circunstâncias criadas pela crise de 1929, a Segunda Guerra Mundial e a força internacional do movimento operário tinham conduzido ao estabelecimento dessa ordem social relativamente favorável ao desenvolvimento econômico e à melhoria das condições de vida das classes populares – operários e empregados subalternos. O termo “social-democrata” para caracterizar essa ordem social se aplicava, evidentemente, melhor à Europa que aos Estados Unidos.

Com o estabelecimento da nova ordem social neoliberal, o funcionamento do capitalismo foi radicalmente transformado: uma nova disciplina foi imposta aos trabalhadores, em matéria de condições de trabalho, poder de compra, proteção social etc., além da desregulamentação (notadamente financeira), abertura das fronteiras comerciais e a livre mobilidade dos capitais no plano internacional – liberdade de investir no exterior. Esses dois últimos aspectos colocaram todos os trabalhadores do mundo numa situação de concorrência, quaisquer que sejam os níveis de salário comparativos nos diferentes países.

No plano das relações internacionais, os primeiros decênios do pós-guerra, ainda na antiga ordem “social democrata”, foram marcados por práticas imperialistas dos países dos países centrais: no plano econômico, pressão sobre os preços das matérias-primas e exportação de capitais; no plano político, corrupção, subversão e guerra. Com a chegada do neoliberalismo, as formas imperialistas foram renovadas. É difícil julgar em termos de intensidade, fazer comparação. Em termos econômicos, a explosão dos investimentos diretos no estrangeiro na década de 1990 certamente multiplicou o fluxo de lucros extraído dos países periféricos pelas classes capitalistas do centro. O fato de os países da periferia desejarem receber esses investimentos não muda nada a natureza imperialista dessas práticas – sabe-se que todos os trabalhadores “desejam” ser explorados a ficar desempregados.

Quando em meados dos anos 90, nós introduzimos essa interpretação do neoliberalismo em termos de classe, ela suscitou pouco interesse. Mas a explosão das desigualdades sociais deu a essa interpretação a força da evidência. A particularidade da análise marxista é a referência às classes mais que a grupos sociais. Esse caráter de classe está inscrito em todas as práticas neoliberais e inclusive os keynesianos de esquerda se exprimem, agora, nesses termos. Uma recusa a essa interpretação, no entanto, ainda se mantém; muitos não aceitam o papel importante que atribuímos aos gerentes (cadres) na ordem social neoliberal.

Entre os marxistas, continua-se a recusar que o controle dos meios de produção no capitalismo moderno é assegurado conjuntamente pelas classes capitalistas e pela classe dos gerentes (classe de cadres), o que faz dessa última uma segunda componente das classes superiores. Essa recusa é ainda mais desconcertante quando se tem em mente que as rendas das categorias superiores dos gerentes (cadres) no neoliberalismo explodiram ainda mais que as rendas dos capitalistas.

JU – Para alguns autores, o neoliberalismo foi um ajuste inevitável provocado pela crise fiscal do Estado; para outros foi o resultado, também inevitável, da globalização.

Gérard Duménil – A explicação do neoliberalismo pela “crise fiscal” e frequentemente também pela inflação é a explicação da direita; é uma defesa dos interesses capitalistas. Ela especula com as inconsequências dos blocos políticos que dirigiam a ordem social do pós-guerra. Esses foram incapazes de gerir a crise dos anos 70 e preparam a cama para o neoliberalismo. Passa-se o mesmo com a explicação que apresenta o neoliberalismo como consequência da globalização. Esse argumento inverte as causalidades. O que o neoliberalismo faz é orientar a globalização, uma tendência antiga, para novas direções e acelerar o seu curso, abrindo a via para a “globalização neoliberal”. O movimento altermundialista lutou por uma outra globalização, solidária, e não baseada na exploração em proveito de uma minoria.

JU – Você acaba de publicar, juntamente com o seu colega Dominique Lévy, um livro sobre a crise econômica atual. Na sua avaliação, qual é a natureza dessa crise?

Gérard Duménil – A crise atual é uma das quatro grandes crises – crises estruturais – que o capitalismo atravessou desde o final do século XIX: a crise da década de 1890, a crise de 1929, a crise da década de 1970 e a crise atual – iniciada em 2007/2008. Essas crises são episódios de perturbação de uma duração de cerca de uma dezena de anos (para as três primeiras). Elas ocorrem com uma periodicidade de cerca de 40 anos e separam as ordens sociais que evoquei na resposta à primeira pergunta. A primeira e a terceira dessas crises, as das décadas de 1890 e de 1970, seguiram-se a fases de queda da taxa de lucro e podem ser designadas como crises de rentabilidade. As duas outras crises, a de 1929 e a atual, nós as designamos como “crises de hegemonia financeira”. São grandes explosões que ocorrem na sequência de práticas das classes superiores visando ao aumento de suas rendas e de seus poderes. Todos os procedimentos do neoliberalismo estão aqui em ação: desregulamentação financeira e globalização. O primeiro aspecto é evidente, mas a globalização foi também, como vou indicar, um fator chave da crise atual.

Queda da taxa de lucro e explosão descontrolada das práticas das classes capitalistas são dois grandes tipos de explicação das grandes crises na obra de Marx. O primeiro tipo é bem conhecido. No Livro III de O Capital, Marx defende a tese da existência de uma “tendência decrescente da taxa de lucro” inerente ao caráter da mudança tecnológica no capitalismo (a dificuldade de aumentar a produtividade do trabalho sem realizar investimentos muito custosos, o que Marx descreve como a “elevação da composição orgânica do capital”).

Note-se que Marx refuta explicitamente a imputação da queda da taxa de lucro ao aumento da concorrência. (O segundo grande tipo de explicação para as crises já aparece em esboço nos escritos de Marx da década de 1840.) No Manifesto do Partido Comunista, Marx descreve as classes capitalistas como aprendizes de feiticeiros, desenvolvendo mecanismos capitalistas sob formas e em graus perigosos e perdendo, finalmente, o controle sobre as consequências de sua ação. Os aspectos financeiros da crise atual remetem diretamente às análises do “capital fictício”, aos quais Marx consagrou longos desenvolvimentos no Livro II de O Capital, desenvolvimentos que ecoam as ideias do Manifesto. De uma maneira bem estranha, alguns marxistas só aceitam a explicação das grandes crises pela queda da rentabilidade, excluindo qualquer outra explicação, e passam a multiplicar cálculos mal fundamentados.

Mas a crise atual não é uma simples crise financeira. É a crise de uma ordem social insustentável, o neoliberalismo. Essa crise, no centro do sistema, deveria acontecer, de qualquer modo, um dia ou outro, mas ele chegou de uma maneira bem particular em 2007/2008, vinda dos Estados Unidos. Dois tipos de mecanismos convergiram. Encontramos, de uma parte, a fragilidade induzida em todos os países neoliberais pelas práticas de financeirização e de globalização (notadamente financeira), motivada pela busca desenfreada de rendimentos crescentes por parte das classes superiores, reforçada pela recusa de regulamentação. O banco central dos EUA, em particular, perdeu o controle das taxas de juros e a capacidade de conduzir políticas macroeconômicas em decorrência da globalização financeira. De outra parte, a crise foi o efeito da trajetória econômica estadunidense, uma trajetória de desequilíbrios cumulativos, que os EUA puderam manter devido à sua hegemonia internacional – contrariamente à Europa que, considerada no seu conjunto, não conheceu tais desequilíbrios.

Desde 1980, o ritmo da acumulação de capital nos Estados Unidos desacelerou no território do próprio país enquanto cresciam os investimentos diretos no exterior. A isso é necessário acrescentar: um déficit crescente do comércio exterior, uma grande elevação do consumo (da parte das camadas mais favorecidas) e um endividamento igualmente crescente das famílias. O déficit de comércio exterior (o excesso de importações frente às exportações) alimentava um fluxo de dólares para o resto do mundo que tinha como única utilização a compra de títulos estadunidenses, levando ao financiamento da economia daquele país pelos estrangeiros – uma “dívida” vis-à-vis o estrangeiro, simplificando um pouco.

Por razões econômicas que eu não explicarei aqui, o crescimento dessa dívida exterior devia ser compensado por aquele da dívida interna, a das famílias e a do Estado, a fim de sustentar a atividade no território do país. Isso foi feito encorajando o endividamento das famílias pela política de crédito e pela desregulamentação – a dívida do governo teria podido substituir o endividamento das famílias mas isso ia contra as práticas neoliberais de antes da crise. Os credores das famílias (bancos e outros) não conservavam os créditos criados, mas os revendiam sob a forma de títulos (obrigações), cuja metade, mais ou menos, foi comprada pelo resto do mundo.

De tanto emprestar às famílias para além da capacidade delas saldarem as dívidas, as inadimplências se multiplicaram desde o início do ano de 2006. A desvalorização desses créditos desestabilizou o frágil edifício financeiro, nos EUA e no mundo, sem que o banco central dos Estados Unidos estivesse em condição de restabelecer os equilíbrios no contexto de desregulamentação e de globalização que ele próprio tinha favorecido. Esse foi o fator desencadeador, mas não o fundamental, da crise – combinação de fatores financeiros (a loucura neoliberal nesse domínio) e reais (a globalização, o sobre-consumo estadunidense e o déficit do comércio exterior desse país).

JU – Você falou em suas palestras no Brasil que a crise econômica teria entrado numa segunda fase. Como a crise vem se desenvolvendo?

Gérard Duménil – O mundo já ingressou na segunda fase da crise. É fácil compreender as razões. A primeira fase atingiu o pico no outono de 2008, quando caíram as grandes instituições financeiras estadunidenses, quando começou a recessão e quando a crise se propagou para o resto do mundo. As lições da crise de 1929 foram bem aprendidas. Os bancos centrais intervieram massivamente para sustentar as instituições financeiras (com medo de uma repetição da crise bancária de 1932) e os déficits orçamentários dos Estados atingiram níveis excepcionais. Mas essas medidas keynesianas, estimulando a demanda, só podiam ter por efeito uma sustentação temporária da atividade. Os governos dos países do centro ainda não tomaram consciência do caráter estrutural da crise. Eles agem como se a crise tivesse sido puramente financeira, já ultrapassada; entretanto, as medidas keynesianas só criaram um sursis. Nenhuma medida antineoliberal séria foi tomada nos países do centro. São apenas políticas que visam o reforço da exploração das classes populares.

Nos Estados Unidos, a administração de Barak Obama elaborou uma lei, a lei Dodd-Frank, para regulamentar as práticas financeiras, mas os republicanos bloquearam completamente a aplicação. Em outras esferas, como gestão das empresas, exportação, déficits do comércio exterior, nada foi feito. Na Europa, a crise não é identificada como a crise do neoliberalismo. A Alemanha é apresentada como tendo provado a sustentabilidade do caminho neoliberal. A crise é imputada à incapacidade de gestão de certos Estados, notadamente a Grécia e Portugal.

Em toda parte, a direita retomou a ofensiva. Ela se atém à questão dos déficits orçamentários e da elevação da dívida pública. Ela finge não ver que a austeridade orçamentária, além da transferência, que a felicita, do peso da dívida para as classes populares, não pode senão provocar a recaída numa nova contração da atividade. Essa é a segunda fase da crise. Essa segunda fase não será a última. O novo mergulho na recessão necessitará novas políticas. Contrariamente à Europa, os Estados Unidos se lançaram massivamente no financiamento direto da dívida pública pelo banco central (o quantitative easing). Muito mais coisa será necessária, apesar da direita. Nós temos dificuldade em ver como a Europa poderá escapar disso.

JU – É sabido que a crise econômica atingiu mais fortemente, pelo menos até agora, os EUA e a Europa. Na década de 1990, ao contrário, as crises econômicas foram mais fortes na periferia. Por que essa diferença? Como a crise atual se manifesta nas diferentes regiões do globo?

Gérard Duménil – Até a segunda metade da década de 1990, o neoliberalismo produziu estragos no mundo, notadamente na América Latina e na Ásia. Mesmo hoje, as taxas de crescimento na América Latina permanecem inferiores àquelas dos primeiros decênios do pós-Segunda Guerra Mundial, e isso a despeito da redução massiva dos salários reais – que foi reduzido à metade desde a crise de 1970 em alguns países da região. Na década de 1990 – e em 2001 na Argentina – os avanços do neoliberalismo provocaram grandes crises, das quais a crise argentina é um caso emblemático.

O mundo entrou, agora, numa fase nova. A transição para o neoliberalismo provoca um tipo de “divórcio”, nos países do centro, entre os interesses das classes superiores e os do país como território econômico. O caso dos Estados Unidos é espetacular. Como eu disse, as grandes empresas desse país investem cada vez menos no território do país e, cada vez mais, no resto do mundo. A globalização levou a um deslocamento da localização da produção industrial para as periferias: na Ásia, na América Latina e, inclusive, em alguns países da África sub-saariana.

JU – As políticas propostas pelos dois grandes da União Europeia para superar a crise têm repetido as fórmulas neoliberais. Os mercados intimidam os governos; Sarkozy e Merkel exigem mais e mais cortes orçamentários. Por que insistem em uma política que, para muitos observadores, está na origem da crise? Que resultado a aplicação de tais políticas poderá produzir?

Gérard Duménil – Eu não penso de jeito nenhum que o rigor orçamentário tenha sido uma das causas da crise. Isso é a expressão de uma crença keynesiana ingênua, tão ingênua quanto à crença na capacidade dessas políticas de suscitar a saída da crise, dispensando as necessárias transformações antineoliberais. Porém, nesse contexto, as políticas que visam erradicar os déficits não deixarão de provocar uma nova queda da produção.

JU – Muitos analistas têm destacado que os partidos, sejam eles de direita ou de esquerda, não se diferenciam muito nas propostas para enfrentar a crise. Ademais, em vários países europeus, como a Inglaterra, a Espanha e Portugal, a direita foi eleitoralmente favorecida pela crise econômica. Os movimentos sociais poderiam construir uma alternativa de poder? Qual poderia ser um programa popular para enfrentar a crise atual?

Gérard Duménil – Nós não falamos dos aspectos políticos do neoliberalismo. A aliança na cúpula das hierarquias sociais entre classes capitalistas e classes dos gerentes (classes de cadres) logrou, por diversos mecanismos, afastar as classes populares da política “politiqueira”. Quero dizer: as afastou dos jogos dos partidos e dos grupos de pressão. Para as classes populares, só restou a (luta de) rua.

É preciso fazer entrar em cena grupos sociais que se encontram na “periferia” das classes dos gerentes (classes de cadres): os intelectuais e os políticos profissionais. No compromisso social dos pós-Segunda Guerra, frações relativamente importantes desses grupos eram partidárias da aliança com as classes populares (às quais elas não pertenciam), que elas apoiavam nos seus campos próprios de atuação. No contexto do colapso do movimento operário mundial, as classes capitalistas lograram, no neoliberalismo, a selar uma aliança com as classes dos gerentes – usando o recurso da remuneração, notadamente – conduzindo gradualmente esses grupos periféricos (a universidade fornece muitas ilustrações sobre esse fenômeno) no empreendimento de conquista social do neoliberalismo. A proporção de grupos sociais motivados para uma aliança com as classes populares estreitou-se consideravelmente, ficando reduzida a alguns grupos “iluminados” aos quais eu próprio pertenço.

O sofrimento das classes populares não chega ao grupo dos gerentes e, no plano político, não há mais nenhum grande partido de esquerda. Na França, sabe-se no que se tornou o Partido Socialista, completamente ganho pela “globalização”, um termo para ocultar o neoliberalismo. Algo semelhante poderíamos dizer dos democratas nos Estados Unidos e eu deixo para vocês mesmos julgarem a situação do Brasil a esse respeito.

A vida política – politiqueira – se reduz à alternância entre dois partidos não equivalentes; mas o partido que se diz de esquerda é incapaz de propor uma alternativa, para não falar da sua implementação. O voto se reduz àquilo que nós chamamos na França o “voto sanção”. A direita sucede a esquerda na Espanha, por exemplo, porque a esquerda estava no poder durante a crise; a direita não tem, evidentemente, nenhuma capacidade superior para gerir a crise.

JU – Muitos observadores têm falado da possibilidade de extinção do euro. Você acredita que isso poderá ocorrer? Na sua avaliação, quais seriam os desfechos mais prováveis para a crise atual?

Gérard Duménil – É possível que alguns países saiam da zona do euro. Isso não resolveria o problema da dívida deles, que se tornaria ainda impagável depois da desvalorização da nova moeda substituta do euro. O problema é o do cancelamento da dívida ou de sua adoção pelo banco central. A crise da dívida atingiu agora os países do centro da Europa, e será necessário que esses países tomem consciência da amplitude e da verdadeira natureza do problema.

Isso remete às características daquilo que nós chamamos a “terceira fase da crise”. Quais políticas serão adotadas face à nova recessão? Como será gerida a crise na Itália e, depois, na França? Como a Alemanha responderá à pressão dos “mercados” (as instituições financeiras internacionais)? Uma coisa é certa: essas dívidas não devem ser pagas, o que exige a transferência delas para fora dos bancos ou uma forte intervenção na sua gestão.

Agora, o ponto fundamental é a vontade dos governos dos países mais poderosos da Europa, notadamente a Alemanha, de reforçar a integração europeia (em vez de estourar a zona do euro), que se opõe à vontade de “desglobalização” de alguns. Esse debate oculta a questão central: qual Europa? Uma Europa das classes superiores ou a de um novo compromisso de esquerda?
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24 de novembro de 2011

intervenção estatal, centralização política e reforma burocrática

[President Vargas.
Hart Preston, 1940

Life] 




Intervenção estatal, centralização política e reforma burocrática: o significado dos Departamentos Administrativos no Estado Novo. Revista do Serviço Público, 2011. http://bit.ly/w8SmKt


Resumo
O objetivo deste artigo é expor e explicar um momento específico da evolução político-institucional brasileira. São explorados os conflitos que estão na origem da escolha e a implementação de uma nova ordem político-administrativa no pós-1930. São examinadas as origens, a concepção e os objetivos que guiaram a invenção de um aparelho burocrático que, juntamente com o Interventor Federal, não só controlou as elites políticas regionais, mas também contribuiu para a organização do poder do Estado em bases nacionais, cooperando para viabilizar a capacidade estatal: os Departamentos Administrativos. Analiso o contexto político, os antecedentes legais e as inovações institucionais do decreto-lei 1202/39 a fim de responder a duas questões bem específicas: por que e com que objetivo essa lei sobre a administração dos estados e dos municípios foi criada durante o Estado Novo.




State intervention, political centralization and bureaucratic reform: the meaning of the Administrative Departments in Estado NovoRevista do Serviço Público, 2011.

Abstract
The purpose of this paper is to expose and explain a precise moment of the Brazilian political-institutional evolution. It explores the conflicts that are at the origin of choice and implementation of a new politico-administrative system in post-1930. The paper explores the origins, design and objectives that drove the invention of a bureaucratic apparatus which, together with the Federal Interventor, not only controls the regional political elites, but also contributed to the organization of state power on a national basis, cooperating to facilitate state capacity: the Administrative Department. I analyze the political context, legal history and the institutional innovations of the Decree-Law 1202/39 in order  to answer two very specific questions: why and for what purpose this law on the administration of state and local government was created during the Estado Novo.


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http://bit.ly/w8SmKt
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