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Bolognesi, B., Ribeiro, E., & Codato, A.. (2023). A New Ideological Classification of Brazilian Political Parties. Dados, 66(2), e20210164. Just as democratic politics changes, so does the perception about the parties out of which it is composed. This paper’s main purpose is to provide a new and updated ideological classification of Brazilian political parties. To do so, we applied a survey to political scientists in 2018, asking them to position each party on a left-right continuum and, additionally, to indicate their major goal: to pursue votes, government offices, or policy issues. Our findings indicate a centrifugal force acting upon the party system, pushing most parties to the right. Furthermore, we show a prevalence of patronage and clientelistic parties, which emphasize votes and offices rather than policy. keywords: political parties; political ideology; survey; party models; elections
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28 de dezembro de 2010

a reorganização da estrutura do crime no rio de janeiro

[Juazeiro do Norte, 1992.
Celso Oliveira. 
Pirelli/MASP] 

entrevista com José Cláudio Alves 
do site do Instituto Humanitas Unisinos. 
27 nov. 2010

IHU On-Line – O que está por trás desses conflitos atuais no Rio de Janeiro?
José Cláudio Alves – O que está por trás desses conflitos urbanos é uma reconfiguração da geopolítica do crime na cidade. Isso já vem se dando há algum tempo e culminou na situação que estamos vivendo atualmente. Há elementos presentes nesse conflito que vêm de períodos maiores da história do Rio de Janeiro, um deles é o surgimento das milícias que nada mais são do que estruturas de violência construídas a partir do aparato policial de forma mais explícita. Elas, portanto, controlarão várias favelas do RJ e serão inseridas no processo de expulsão do Comando Vermelho e pelo fortalecimento de uma outra facção chamada Terceiro Comando. Há uma terceira facção chamada Ada, que é um desdobramento do Comando Vermelho e que opera nos confrontos que vão ocorrer junto a essa primeira facção em determinadas áreas. Na verdade, o Comando Vermelho foi se transformando num segmento que está perdendo sua hegemonia sobre a organização do crime no Rio de Janeiro. Quem está avançando, ao longo do tempo, são as milícias em articulação com o Terceiro Comando.
Um elemento determinante nessa reconfiguração foi o surgimento das UPPs a partir de uma política de ocupação de determinadas favelas, sobretudo da zona sul do RJ. Seus interesses estão voltados para a questão do capital do turismo, industrial, comercial, terceiro setor, ou seja, o capital que estará envolvido nas Olimpíadas. Então, a expulsão das favelas cariocas feita pelas UPPs ocorre em cima do segmento do Comando Vermelho. Por isso, o que está acontecendo agora é um rearranjo dessa estrutura. O Comando Vermelho está indo agora para um confronto que aterroriza a população para que um novo acordo se estabeleça em relação a áreas e espaços para que esse segmento se estabeleça e sobreviva.

IHU On-Line – Mas, então, o que está em jogo?
José Cláudio Alves – Não está em jogo a destruição da estrutura do crime, ela está se rearranjando apenas. Nesse rearranjo quem vai se sobressair são, sobretudo, as milícias, o Terceiro Comando – que vem crescendo junto e operando com as milícias – e a política de segurança do Estado calcada nas UPPs – que não alteraram a relação com o tráfico de drogas. A mídia nos faz crer – sobretudo a Rede Globo está empenhada nisso – que há uma luta entre o bem e o mal. O bem é a segurança pública e a polícia do Rio de Janeiro e o mal são os traficantes que estão sendo combatidos. Na verdade, isso é uma falácia. Não existe essa realidade. O que existe é essa reorganização da estrutura do crime.
A realidade do RJ exige hoje uma análise muito profunda e complexa e não essa espetacularização midiática, que tem um objetivo: escorraçar um segmento do crime organizado e favorecer a constelação de outra composição hegemônica do crime no RJ.
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IHU On-Line – Por que esse confronto nasceu na Vila Cruzeiro?
José Cláudio Alves – Porque a partir dessa reconfiguração que foi sendo feita das milícias e das UPPs (Unidades de Policiamento Pacificadoras), o Comando Vermelho começou a estabelecer uma base operacional muito forte no Complexo do Alemão. Este lugar envolve um conjunto de favelas com um conjunto de entradas e saídas. O centro desse complexo é constituído de áreas abertas que são remanescentes de matas. Essa estruturação geográfica e paisagística daquela região favoreceu muito a presença do Comando Vermelho lá. Mas se observarmos todas as operações, veremos que elas estão seguindo o eixo da Central do Brasil e Leopoldina, que são dois eixos ferroviários que conectam o centro do RJ ao subúrbio e à Baixada Fluminense. Todos os confrontos estão ocorrendo nesse eixo.
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IHU On-Line – Por que nesse eixo, em específico?
José Cláudio Alves – Porque, ao longo desse eixo, há várias comunidades que ainda pertencem ao Comando Vermelho. Não tão fortemente estruturadas, não de forma organizada como no Complexo do Alemão, mas são comunidades que permanecem como núcleos que são facilmente articulados. Por exemplo: a favela de Vigário Geral foi tomada pelo Terceiro Comando porque hoje as milícias controlam essa favela e a de Parada de Lucas a alugam para o Terceiro Comando. Mas ao lado, cerca de dois quilômetros de distância dessa favela, existe uma menor que é a favela de Furquim Mendes, controlada pelo Comando Vermelho. Logo, as operações que estão ocorrendo agora em Vigário Geral, Jardim América e em Duque de Caxias estão tendo um núcleo de operação a partir de Furquim Mendes. O objetivo maior é, portanto, desmobilizar e rearranjar essa configuração favorecendo novamente o Comando Vermelho.
Então, o combate no Complexo do Alemão é meramente simbólico nessa disputa. Por isso, invadir o Complexo do Alemão não vai acabar com o tráfico no Rio de Janeiro. Há vários pontos onde as milícias e as diferentes facções estão instaladas. O mais drástico é que quem vai morrer nesse confronto é a população civil e inocente, que não tem acesso à comunicação, saúde, luz… Há todo um drama social que essa população vai ser submetida de forma injusta, arbitrária, ignorante, estúpida, meramente voltada aos interesses midiáticos, de venda de imagens e para os interesses de um projeto de política de segurança pública que ressalta a execução sumária. No Rio de Janeiro a execução sumária foi elevada à categoria de política pública pelo atual governo.
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IHU On-Line – Em que contexto geográfico está localizado a Vila Cruzeiro?
José Cláudio Alves – A Vila Cruzeiro está localizada no que nós chamamos de zona da Leopoldina. Ela está ao pé do Complexo do Alemão, só que na face que esse complexo tem voltada para a Penha. A Penha é um bairro da Leopoldina. Essa região da Leopoldina se constituiu no eixo da estrada de ferro Leopoldina, que começa na Central do Brasil, passa por São Cristóvão e dali vai seguir por Bom Sucesso, Penha, Olaria, Vigário Geral – que é onde eu moro e que é a última parada da Leopoldina e aí se entra na Baixada Fluminense com a estação de Duque de Caxias.
Esse “corredor” foi um dos maiores eixos de favelização da cidade do Rio de Janeiro. A favelização que, inicialmente, ocorre na zona sul não encontra a possibilidade de adensamento maior. Ela fica restrita a algumas favelas. Tirando a da Rocinha, que é a maior do Rio de Janeiro, os outros complexos todos – como o da Maré e do Alemão – estão localizados no eixo da zona da Leopoldina até Avenida Brasil. A Leopoldina é de 1887-1888, já a Avenida Brasil é de 1946. É nesse prazo de tempo que esse eixo se tornou o mais favelizado do RJ. Logo, a Vila Cruzeiro é apenas uma das faces do Complexo do Alemão e é a de maior facilidade para a entrada da polícia, onde se pode fazer operações de grande porte como foi feita na quinta-feira, dia 25-11. No entanto, isso não expressa o Complexo do Alemão em si.
A Maré fica do outro lado da Avenida Brasil. Ela tem quase 200 mil habitantes. Uma parte dela pertence ao Comando Vermelho, a outra parte é do Terceiro Comando. Por que não se faz nenhuma operação num complexo tão grande ou maior do que o do Alemão? Ninguém cita isso! Por que não se entra nas favelas onde o Terceiro Comando está operando? Porque o Terceiro Comando já tem acordo com as milícias e com a política de segurança. Por isso, as atuações se dão em cima de uma das faces mais frágeis do Complexo do Alemão, como se isso fosse alguma coisa significativa.
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IHU On-Line – Estando a Vila Cruzeiro numa das faces do Complexo, por que o Alemão se tornou o reduto de fuga dos traficantes?
José Cláudio Alves – A estrutura dele é muito mais complexa para que se faça qualquer tipo de operação lá. Há facilidade de fuga, porque há várias faces de saída. Não é uma favela que a polícia consegue cercar. Mesmo juntando a polícia do RJ inteiro e o Exército Nacional jamais se conseguiria cercar o complexo. O Alemão é muito maior do que se possa imaginar. Então, é uma área que permite a reorganização e reestruturação do Comando Vermelho. Mas existem várias outras bases do Comando Vermelho pulverizadas em toda a área da Leopoldina e Central do Brasil que estão também operando.
Mesmo que se consiga ocupar todo o Complexo do Alemão, o Comando Vermelho ainda tem possibilidades de reestruturação em outras pequenas áreas. Ninguém fala, por exemplo, da Baixada Fluminense, mas Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Mesquita, Belford Roxo são áreas que hoje estão sendo reconfiguradas em termos de tráfico de drogas a partir da ida do Comando Vermelho para lá.
Por exemplo, um bairro de Duque de Caxias chamado Olavo Bilac é próximo de uma comunidade chamada Mangueirinha, que é um morro. Essa comunidade já é controlada pelo Comando Vermelho que está adensando a elevação da Mangueirinha e Olavo Bilac já está sentindo os efeitos diretos dessa reocupação. Mas ninguém está falando nada sobre isso.
A realidade do Rio de Janeiro é muito mais complexa do que se possa imaginar. O Comando Vermelho, assim como outras facções e milícias, estabelece relação direta com o aparato de segurança pública do Rio de Janeiro. Em todas essas áreas há tráfico de armas feito pela polícia, em todas essas áreas o tráfico de drogas permanece em função de acordos com o aparato policial.
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IHU On-Line – Podemos comparar esses traficantes que estão coordenando os conflitos no RJ com o PCC, de São Paulo?
José Cláudio Alves – Só podemos analisar a história do Rio de Janeiro, fazendo um retrospecto da história e da geografia. O PCC, em São Paulo, tem uma trajetória muito diferente das facções do Rio de Janeiro, tanto que a estrutura do PCC se dá dentro dos presídios. Quando a mídia noticia que os traficantes no Rio de Janeiro presos estão operando os conflitos, leia-se, por trás disso, que a estrutura penitenciária do Estado se transformou na estrutura organizacional do crime. Não estou dizendo que o Estado foi corrompido. Estou dizendo que o próprio estado em si é o crime. O mercado e o Estado são os grandes problemas da sociedade brasileira. O mercado de drogas, articulado com o mercado de segurança pública, com o mercado de tráfico de drogas, de roubo, com o próprio sistema financeiro brasileiro, é quem tem interesse em perpetuar tudo isso.
A articulação entre economia formal, economia criminosa e aparato estatal se dá em São Paulo de uma forma diferente em relação ao Rio de Janeiro. Expulsar o Comando Vermelho dessas áreas interessa à manutenção econômica do capital. O que há de semelhança são as operações de terror, operações de confronto aberto dentro da cidade para reestruturar o crime e reorganizá-lo em patamares mais favoráveis ao segmento que está ganhando ou perdendo.
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IHU On-Line – Como o senhor avalia essa política de instalação das UPPs – Unidades de Policiamento Pacificadoras nas favelas do Rio de Janeiro?
José Cláudio Alves – É uma política midiática de visibilidade de segurança no Rio de Janeiro e Brasil. A presidente eleita quase transformou as UPPs na política de segurança pública do país e quer reproduzir as UPPs em todo o Brasil. A UPP é uma grande farsa. Nas favelas ocupadas pelas UPSs podem ser encontrados ex-traficantes que continuam operando, mas com menos intensidade. A desigualdade social permanece, assim como o não acesso à saúde, educação, propriedade da terra, transporte. A polícia está lá para garantir o não tiroteio, mas isso não garante a não existência de crimes. A meu ver, até agora, as UPPs são apenas formas de fachada de uma política de segurança e econômica de grupos de capitais dominantes na cidade para estabelecer um novo projeto e reconfiguração dessa estrutura.
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IHU On-Line – A tensão no Rio de Janeiro, neste momento, é diferente de outros momentos de conflito entre polícia e traficantes?
José Cláudio Alves – Sim, porque a dimensão é mais ampla, mais aberta. Dizer que eles estão operando de forma desarticulada, desesperada, desorganizada é uma mentira. A estrutura que o Comando Vermelho organiza vem sendo elaborada há mais de cinco anos e ela tem sido, agora, colocada em prática de uma forma muito mais intensa do que jamais foi visto.
A grande questão é saber o que se opera no fundo imaginário e simbólico que está sendo construído de quem são, de fato, os inimigos da sociedade fluminense e brasileira. Essa questão vai ter efeitos muito mais venenosos para a sociedade empobrecida e favelizada. É isso que está em jogo agora.
José Cláudio Souza Alves é graduado em Estudos Sociais pela Fundação Educacional de Brusque. É mestre em sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutor, na mesma área, pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e membro do Iser Assessoria.
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6 de janeiro de 2008

Ivan Lessa: Golpe foi chato antes, durante e depois


[Janio Quandros (C) while campaigning for the presidency. Photographer: Frank Scherschel. February 1960]

Foi chato. Foi chato antes. Foi chato durante. Foi chato depois. O golpe militar de 1964. Não há motivo para se chamar de revolução ou contra-revolução.
Foi golpe. E golpe baixo e chato. Antes, já manquitolava o governo do inepto João, vulgo “Jango”, Goulart. Era um governo chato.
Se você tivesse menos de 30 anos e estivesse interessado em, como é normal, apenas seguir sua vida, tudo aquilo, toda aquela deblateração política, era chato, muito chato.
O aroma inconfundível da incompetência aliada à burrice e somada à má fé perpassava todas as manhãs azuis de sol, sal, sul e as outras bossas-novas da época. Impossível fugir da política, como impossível fugir do bêbado no bar.
O objetivo da política é deixar as pessoas em paz. Não dava. A política ia atrás da gente como um maluco armado de pau. Logo, logo, literalmente.
Todos os jornais foram a favor do golpe. Só se mexeram quando neles baixou a censura, que acabou virando certificado de bons antecedentes. A censura era uma espécie de condecoração militar ao contrário. Ostentava-se óbvia driblação como coronel explicando medalha.
Para azar meu, o único jornal contra o golpe foi Última Hora, onde um grande amigo lá escrevia, com muito entusiasmo e pouca repercussão.
No 1º de abril, passou em casa, pediu para ajudá-lo a se desvencilhar da biblioteca marxista. Lá fomos nós, no meu carro, à noite, distribuindo literatura comunista para a relva do aterro do Flamengo.
Nada adiantou eu argumentar que seria muito pior se fossemos presos com toda aquela subversão (o apodo ainda não se popularizara) no meu Mercury.
O resto, confundo tudo, não fosse eu bom brasileiro. Lembro das coisas – do dia a dia – vagamente. As pessoas que continuaram no país adotaram ares misteriosos de quem “estava por dentro”. Eram uns chatos.
Os que estavam por dentro para valer e partiram para uma pesada, eu não os conhecia. Chato.
Agora os fatos sobre o período que vai de 64 a 85 começam a surgir em forma de livro, filme, documentário, até o raio da telenovela. Discute-se uma discussão chata, triste e enganadora. Anos de chumbo? Anos de bosta, isto sim.
Novos codinomes foram encontrados para aqueles milicos todos. Sacerdote, Feiticeiro. Carniceiro e Açougueiro não foram lembrados. Derramou-se mais sangue do que se pensa e se diz.
E foi muito, mas muito mais chato, do que lembram e registram. Uma chatice que fez escola e – será que não perceberam? – continua.

19 de abril de 2007

Rio: reconfiguração do crime

JOSÉ CLÁUDIO SOUZA ALVES

Folha de S. Paulo
São Paulo, quinta-feira, 19 de abril de 2007


O aumento significativo de mortos oriundos do endurecimento da política de segurança pública no Rio de Janeiro encobre, na verdade, a tremenda complexificação do mercado da segurança-insegurança, com a consolidação de novos atores e a instabilidade diante da indefinição do novo "pacto" entre os operadores desse mercado.

Um mercado que opera com milhões de reais advindos do jogo do bicho, carnaval, tráfico de drogas e armas, roubo, seqüestro, grupo de extermínio, suborno, corrupção, desvio de recursos públicos e indústria dos jogos: bingo, caça-níqueis etc. Tudo isso diretamente vinculado ao jogo político, isto é, aos milhões de votos comprados, direta ou indiretamente, com esse dinheiro.

A oficialização da presença do aparato policial no gerenciamento de ações criminosas por meio das "milícias" desequilibra os acordos que vigoravam. A capitalização por novos atores políticos somados ao desespero da classe média vitimizada e manipulada pela mídia reacionária potencializam a repressão que atinge a população pobre, favelada, periférica, na sua maioria negra.

Em nome da segurança, dos jogos Pan-Americanos, da eficiência na repressão ao crime, veremos aumentar, a cada dia, o número de mortos, seja por bala perdida, auto de resistência, execução sumária ou guerra comandos-milícia. Foi iniciado um processo de reconfiguração do mercado do crime no Rio de Janeiro. Por baixo do rio de sangue derramado, sobretudo pelos pobres, lava-se todo o dinheiro do crime e lavra-se o novo acordo que, ao que tudo indica, ainda demorará por entrar em vigor.

JOSÉ CLÁUDIO SOUZA ALVES, 45, é pró-reitor de extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.