29 de dezembro de 2016

medindo o conservadorismo dos brasileiros

[Série Sumaré, 1998
vidro sobre vidro
160,0 x 110,0 cm (175,0 x 125,0 cm)
montagem © Alex Flemming.
Pirelli MASP]

Entrevista ao NexoJornal

Como é medido o conservadorismo do eleitor e quais os limites dessas projeções
* Bruno Lupion 28 Dez 2016 (atualizado 28/Dez 15h26)

http://bit.ly/2hzdKne

Pesquisa Ibope identificou expansão da parcela mais conservadora no Brasil. Há diversas formas de classificar as preferências de uma pessoa em um mapa ideológico, mas definições suscitam críticas.

O Nexo perguntou a dois professores se a classificação dos eleitores entre conservador, liberal, esquerda e direita é adequada para explicar as diferentes inclinações políticas em uma sociedade:

É possível dividir as pessoas em esquerda, direita, liberal e conservador para tentar explicar a sociedade hoje em dia?

ADRIANO CODATO : Sim, todo os comportamentos sociais são passíveis de mensuração e classificação. Como a gente não deve assumir que cada indivíduo é absolutamente único, e que os comportamentos são socialmente condicionados, é possível achar padrões e tendências em atitudes, valores e interesses.
Porém, há boas medidas e más medidas. Simplesmente perguntar se a pessoa é de esquerda ou de direita é ruim, porque supõe que o entrevistado tenha os conceitos de esquerda e direita como os da filosofia política. E as pessoas não necessariamente têm esse entendimento.
É preciso tomar uma série de atalhos para medir esses comportamentos. Um desenvolvimento interessante é o Political Compass, que tem mais de 30 questões. Quando há poucas questões e poucas alternativas para as respostas, você pode forçar posicionamentos e ninguém vai para a coluna do meio, que é onde ficam os que têm opiniões nuançadas, de centro.

ROBERTO ROMANO : Nunca foi possível fazer isso. Essa utilização de esquerda, direita, centro, abaixo é muito ligada a circunstâncias, são termos imprecisos. Foram universalizados indevidamente enunciados que serviram para movimentos políticos ao longo da história.
Há um linguista, Émile Benveniste (1902-1976), que se preocupou com a questão da continuidade do discurso. Todo discurso precisa de conectores, e ele chamou certas palavras de palavras-embreagens: você vem numa determinada realidade e, em algum momento, não há possibilidade de continuar a se expressar. Aí, assim como em um caminhão quando há troca de marcha, essas palavras-embreagem servem para manter um mínimo de coerência no discurso ao longo do tempo.
Mas, se você refina a análise, vê que elas não dão mais conta do que pretendem enunciar. É complicado dividir grupos e sociedades inteiras segundo essa terminologia de esquerda, direita, conservador. Se você pega a União Soviética, supostamente ela seria de esquerda, mas primou por práticas ligadas ao fordismo, uma forma de pensar produtiva e disciplinada, que tem pouco a ver com a história do pensamento atribuído à esquerda.

Como a população brasileira se movimenta em relação a esses enquadramentos?

ADRIANO CODATO : É possível identificar padrões. Você tem uma direita autoritária, no estilo do [deputado federal Jair] Bolsonaro (PSC-RJ). Há também uma esquerda autoritária, que são esses micropartidos de extrema esquerda que só existem dentro das universidades — um exemplo são os que invadiram o departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco. Uma figura pública da esquerda liberal seria o prefeito de São Paulo [Fernando Haddad], que é a favor da regulação estatal, como reduzir a velocidade das marginais, ao mesmo tempo em que criou políticas de apoio para que pessoas transgênero possam comprar apartamento. E há um direita libertária, que são os caras do MBL [Movimento Brasil Livre]. Embora seus métodos de ação política sejam agressivos, eles têm um discurso de que o Estado deve ficar de fora, inclusive da vida privada dos indivíduos.
O que chama a atenção no Brasil é que, nas últimas métricas do World Value Survey e do Latinobarômetro, não houve aumento do conservadorismo, mas um aumento das posições extremas quando se pergunta ao entrevistado se ele é de esquerda ou de direita. Quando você vê o gráfico comparando vários países do mundo, percebe que quase todos os respondentes tendem a ficar nas posições do meio, é quase um sino perfeito — sobe no meio e cai nas pontas. O Brasil é o único país onde as pontas passam de 12% do total. Mas a gente não sabe se as pessoas que responderam ao questionário sabiam o quem estava respondendo. Em todo caso, chama a atenção que essa pesquisa foi feita após uma eleição [de 2014] com muita polarização.

ROBERTO ROMANO : Entre esses termos, o mais conhecido é o conservadorismo. O que é conservadorismo? É um pensamento que surge depois das revoluções francesa, americana e inglesa, no sentido de negar a passagem da aplicação da ciência mecânica ao plano político. Os conservadores surgiram para quebrar a hegemonia do pensamento mecânico, que vê a realidade social como uma máquina, na qual é possível aperfeiçoar o Estado artificialmente e rumar para o progresso. Eles adotam uma forma de pensar orgânica, na qual a sociedade deve crescer segundo padrões dela mesma, sem interferências externas. Para que você classifique uma pessoa ou movimento como conservador, é necessário que ela tenha essa característica, de querer manter a ética, a arte e a religião de um determinado povo.
É muito difícil dizer que o povo brasileiro pensa dessa maneira. Além de conservador ser aplicado como uma palavra-embreagem, é difícil dizer que a massa média da população brasileira é conservadora. Muitos comportamentos chamados de conservadores são próprios de uma estrutura familiar patriarcal, como o machismo. Você pode encontrar um militante de esquerda com comportamentos extremamente patriarcais, por exemplo.


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