[Juazeiro do Norte, 1992.
Celso Oliveira.
Celso Oliveira.
Pirelli/MASP] 
entrevista com José Cláudio Alves
do site do Instituto Humanitas Unisinos.
27 nov. 2010
 IHU On-Line – O que está por trás desses conflitos atuais no Rio de Janeiro?
José Cláudio Alves – O que está por  trás desses conflitos urbanos é uma reconfiguração da geopolítica do  crime na cidade. Isso já vem se dando há algum tempo e culminou na  situação que estamos vivendo atualmente. Há elementos presentes nesse  conflito que vêm de períodos maiores da história do Rio de Janeiro, um  deles é o surgimento das milícias que nada mais são do que estruturas de  violência construídas a partir do aparato policial de forma mais  explícita. Elas, portanto, controlarão várias favelas do RJ e serão  inseridas no processo de expulsão do Comando Vermelho e pelo  fortalecimento de uma outra facção chamada Terceiro Comando. Há uma  terceira facção chamada Ada, que é um desdobramento do Comando Vermelho e  que opera nos confrontos que vão ocorrer junto a essa primeira facção  em determinadas áreas. Na verdade, o Comando Vermelho foi se  transformando num segmento que está perdendo sua hegemonia sobre a  organização do crime no Rio de Janeiro. Quem está avançando, ao longo do  tempo, são as milícias em articulação com o Terceiro Comando.
Um elemento determinante nessa  reconfiguração foi o surgimento das UPPs a partir de uma política de  ocupação de determinadas favelas, sobretudo da zona sul do RJ. Seus  interesses estão voltados para a questão do capital do turismo,  industrial, comercial, terceiro setor, ou seja, o capital que estará  envolvido nas Olimpíadas. Então, a expulsão das favelas cariocas feita  pelas UPPs ocorre em cima do segmento do Comando Vermelho. Por isso, o  que está acontecendo agora é um rearranjo dessa estrutura. O Comando  Vermelho está indo agora para um confronto que aterroriza a população  para que um novo acordo se estabeleça em relação a áreas e espaços para  que esse segmento se estabeleça e sobreviva.
IHU On-Line – Mas, então, o que está em jogo?
José Cláudio Alves – Não está em jogo a  destruição da estrutura do crime, ela está se rearranjando apenas.  Nesse rearranjo quem vai se sobressair são, sobretudo, as milícias, o  Terceiro Comando – que vem crescendo junto e operando com as milícias – e  a política de segurança do Estado calcada nas UPPs – que não alteraram a  relação com o tráfico de drogas. A mídia nos faz crer – sobretudo a  Rede Globo está empenhada nisso – que há uma luta entre o bem e o mal. O  bem é a segurança pública e a polícia do Rio de Janeiro e o mal são os  traficantes que estão sendo combatidos. Na verdade, isso é uma falácia.  Não existe essa realidade. O que existe é essa reorganização da  estrutura do crime.
A realidade do RJ exige hoje uma  análise muito profunda e complexa e não essa espetacularização  midiática, que tem um objetivo: escorraçar um segmento do crime  organizado e favorecer a constelação de outra composição hegemônica do  crime no RJ.
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IHU On-Line – Por que esse confronto nasceu na Vila Cruzeiro?
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IHU On-Line – Por que esse confronto nasceu na Vila Cruzeiro?
José Cláudio Alves – Porque a partir  dessa reconfiguração que foi sendo feita das milícias e das UPPs  (Unidades de Policiamento Pacificadoras), o Comando Vermelho começou a  estabelecer uma base operacional muito forte no Complexo do Alemão. Este  lugar envolve um conjunto de favelas com um conjunto de entradas e  saídas. O centro desse complexo é constituído de áreas abertas que são  remanescentes de matas. Essa estruturação geográfica e paisagística  daquela região favoreceu muito a presença do Comando Vermelho lá. Mas se  observarmos todas as operações, veremos que elas estão seguindo o eixo  da Central do Brasil e Leopoldina, que são dois eixos ferroviários que  conectam o centro do RJ ao subúrbio e à Baixada Fluminense. Todos os  confrontos estão ocorrendo nesse eixo.
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IHU On-Line – Por que nesse eixo, em específico?
José Cláudio Alves – Porque, ao longo  desse eixo, há várias comunidades que ainda pertencem ao Comando  Vermelho. Não tão fortemente estruturadas, não de forma organizada como  no Complexo do Alemão, mas são comunidades que permanecem como núcleos  que são facilmente articulados. Por exemplo: a favela de Vigário Geral  foi tomada pelo Terceiro Comando porque hoje as milícias controlam essa  favela e a de Parada de Lucas a alugam para o Terceiro Comando. Mas ao  lado, cerca de dois quilômetros de distância dessa favela, existe uma  menor que é a favela de Furquim Mendes, controlada pelo Comando  Vermelho. Logo, as operações que estão ocorrendo agora em Vigário Geral,  Jardim América e em Duque de Caxias estão tendo um núcleo de operação a  partir de Furquim Mendes. O objetivo maior é, portanto, desmobilizar e  rearranjar essa configuração favorecendo novamente o Comando Vermelho.
Então, o combate no Complexo do Alemão  é meramente simbólico nessa disputa. Por isso, invadir o Complexo do  Alemão não vai acabar com o tráfico no Rio de Janeiro. Há vários pontos  onde as milícias e as diferentes facções estão instaladas. O mais  drástico é que quem vai morrer nesse confronto é a população civil e  inocente, que não tem acesso à comunicação, saúde, luz… Há todo um drama  social que essa população vai ser submetida de forma injusta,  arbitrária, ignorante, estúpida, meramente voltada aos interesses  midiáticos, de venda de imagens e para os interesses de um projeto de  política de segurança pública que ressalta a execução sumária. No Rio de  Janeiro a execução sumária foi elevada à categoria de política pública  pelo atual governo.
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IHU On-Line – Em que contexto geográfico está localizado a Vila Cruzeiro?
José Cláudio Alves – A Vila Cruzeiro  está localizada no que nós chamamos de zona da Leopoldina. Ela está ao  pé do Complexo do Alemão, só que na face que esse complexo tem voltada  para a Penha. A Penha é um bairro da Leopoldina. Essa região da  Leopoldina se constituiu no eixo da estrada de ferro Leopoldina, que  começa na Central do Brasil, passa por São Cristóvão e dali vai seguir  por Bom Sucesso, Penha, Olaria, Vigário Geral – que é onde eu moro e que  é a última parada da Leopoldina e aí se entra na Baixada Fluminense com  a estação de Duque de Caxias.
Esse “corredor” foi um dos maiores  eixos de favelização da cidade do Rio de Janeiro. A favelização que,  inicialmente, ocorre na zona sul não encontra a possibilidade de  adensamento maior. Ela fica restrita a algumas favelas. Tirando a da  Rocinha, que é a maior do Rio de Janeiro, os outros complexos todos –  como o da Maré e do Alemão – estão localizados no eixo da zona da  Leopoldina até Avenida Brasil. A Leopoldina é de 1887-1888, já a Avenida  Brasil é de 1946. É nesse prazo de tempo que esse eixo se tornou o mais  favelizado do RJ. Logo, a Vila Cruzeiro é apenas uma das faces do  Complexo do Alemão e é a de maior facilidade para a entrada da polícia,  onde se pode fazer operações de grande porte como foi feita na  quinta-feira, dia 25-11. No entanto, isso não expressa o Complexo do  Alemão em si.
A Maré fica do outro lado da Avenida  Brasil. Ela tem quase 200 mil habitantes. Uma parte dela pertence ao  Comando Vermelho, a outra parte é do Terceiro Comando. Por que não se  faz nenhuma operação num complexo tão grande ou maior do que o do  Alemão? Ninguém cita isso! Por que não se entra nas favelas onde o  Terceiro Comando está operando? Porque o Terceiro Comando já tem acordo  com as milícias e com a política de segurança. Por isso, as atuações se  dão em cima de uma das faces mais frágeis do Complexo do Alemão, como se  isso fosse alguma coisa significativa.
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IHU On-Line – Estando a Vila Cruzeiro numa das faces do Complexo, por que o Alemão se tornou o reduto de fuga dos traficantes?
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IHU On-Line – Estando a Vila Cruzeiro numa das faces do Complexo, por que o Alemão se tornou o reduto de fuga dos traficantes?
José Cláudio Alves – A estrutura dele é  muito mais complexa para que se faça qualquer tipo de operação lá. Há  facilidade de fuga, porque há várias faces de saída. Não é uma favela  que a polícia consegue cercar. Mesmo juntando a polícia do RJ inteiro e o  Exército Nacional jamais se conseguiria cercar o complexo. O Alemão é  muito maior do que se possa imaginar. Então, é uma área que permite a  reorganização e reestruturação do Comando Vermelho. Mas existem várias  outras bases do Comando Vermelho pulverizadas em toda a área da  Leopoldina e Central do Brasil que estão também operando.
Mesmo que se consiga ocupar todo o  Complexo do Alemão, o Comando Vermelho ainda tem possibilidades de  reestruturação em outras pequenas áreas. Ninguém fala, por exemplo, da  Baixada Fluminense, mas Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Mesquita, Belford  Roxo são áreas que hoje estão sendo reconfiguradas em termos de tráfico  de drogas a partir da ida do Comando Vermelho para lá.
Por exemplo, um bairro de Duque de  Caxias chamado Olavo Bilac é próximo de uma comunidade chamada  Mangueirinha, que é um morro. Essa comunidade já é controlada pelo  Comando Vermelho que está adensando a elevação da Mangueirinha e Olavo  Bilac já está sentindo os efeitos diretos dessa reocupação. Mas ninguém  está falando nada sobre isso.
A realidade do Rio de Janeiro é muito  mais complexa do que se possa imaginar. O Comando Vermelho, assim como  outras facções e milícias, estabelece relação direta com o aparato de  segurança pública do Rio de Janeiro. Em todas essas áreas há tráfico de  armas feito pela polícia, em todas essas áreas o tráfico de drogas  permanece em função de acordos com o aparato policial.
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IHU On-Line – Podemos comparar esses traficantes que estão coordenando os conflitos no RJ com o PCC, de São Paulo?
José Cláudio Alves – Só podemos  analisar a história do Rio de Janeiro, fazendo um retrospecto da  história e da geografia. O PCC, em São Paulo, tem uma trajetória muito  diferente das facções do Rio de Janeiro, tanto que a estrutura do PCC se  dá dentro dos presídios. Quando a mídia noticia que os traficantes no  Rio de Janeiro presos estão operando os conflitos, leia-se, por trás  disso, que a estrutura penitenciária do Estado se transformou na  estrutura organizacional do crime. Não estou dizendo que o Estado foi  corrompido. Estou dizendo que o próprio estado em si é o crime. O  mercado e o Estado são os grandes problemas da sociedade brasileira. O  mercado de drogas, articulado com o mercado de segurança pública, com o  mercado de tráfico de drogas, de roubo, com o próprio sistema financeiro  brasileiro, é quem tem interesse em perpetuar tudo isso.
A articulação entre economia formal,  economia criminosa e aparato estatal se dá em São Paulo de uma forma  diferente em relação ao Rio de Janeiro. Expulsar o Comando Vermelho  dessas áreas interessa à manutenção econômica do capital. O que há de  semelhança são as operações de terror, operações de confronto aberto  dentro da cidade para reestruturar o crime e reorganizá-lo em patamares  mais favoráveis ao segmento que está ganhando ou perdendo.
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IHU On-Line – Como o senhor  avalia essa política de instalação das UPPs – Unidades de Policiamento  Pacificadoras nas favelas do Rio de Janeiro?
José Cláudio Alves – É uma política  midiática de visibilidade de segurança no Rio de Janeiro e Brasil. A  presidente eleita quase transformou as UPPs na política de segurança  pública do país e quer reproduzir as UPPs em todo o Brasil. A UPP é uma  grande farsa. Nas favelas ocupadas pelas UPSs podem ser encontrados  ex-traficantes que continuam operando, mas com menos intensidade. A  desigualdade social permanece, assim como o não acesso à saúde,  educação, propriedade da terra, transporte. A polícia está lá para  garantir o não tiroteio, mas isso não garante a não existência de  crimes. A meu ver, até agora, as UPPs são apenas formas de fachada de  uma política de segurança e econômica de grupos de capitais dominantes  na cidade para estabelecer um novo projeto e reconfiguração dessa  estrutura.
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IHU On-Line – A tensão no Rio de Janeiro, neste momento, é diferente de outros momentos de conflito entre polícia e traficantes?
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IHU On-Line – A tensão no Rio de Janeiro, neste momento, é diferente de outros momentos de conflito entre polícia e traficantes?
José Cláudio Alves – Sim, porque a  dimensão é mais ampla, mais aberta. Dizer que eles estão operando de  forma desarticulada, desesperada, desorganizada é uma mentira. A  estrutura que o Comando Vermelho organiza vem sendo elaborada há mais de  cinco anos e ela tem sido, agora, colocada em prática de uma forma  muito mais intensa do que jamais foi visto.
A grande questão é saber o que se  opera no fundo imaginário e simbólico que está sendo construído de quem  são, de fato, os inimigos da sociedade fluminense e brasileira. Essa  questão vai ter efeitos muito mais venenosos para a sociedade  empobrecida e favelizada. É isso que está em jogo agora.
José Cláudio Souza Alves é graduado em  Estudos Sociais pela Fundação Educacional de Brusque. É mestre em  sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e  doutor, na mesma área, pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é  professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e membro do  Iser Assessoria. 
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Oi, Boa noite!
ResponderExcluirGostaria de parabeniza-lo pelo artigo "O 18 Brumário, política e pós-modernismo", publicado no Lua Nova. Sei que já faz cinco anos, mas é que esses dias estava folheando o acervo da revista (Estou começando a graduação em Ciencias sociais aqui na federal de SP) e acabei encontrando seu artigo. Hoje por acaso estava procurando algumas informações sobre a Qualis e achei seu link na lista. Não sabia da existencia do blog, no entanto, achei a iniciativa muito bacana. Vou aproveitar, e dar uma lida no artigo recomendado no post.
abs,
Angelina.
valeu, angelina, pelo comentário. bons estudos. espero que vc aproveite bem sua graduação. abraço.
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