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5 de novembro de 2006

Pierre Bourdieu e a profissão de sociólogo, na prática

Adriano Codato e Pedro Bodê de Moraes
Editores do dossiê


Revista de Sociologia e Política
n. 26, jun. 2006.
DOSSIÊ PIERRE BOURDIEU NO CAMPO
clique aqui para ler o dossiê

A Sociologia talvez não merecesse uma hora de esforço se ela tivesse por fim apenas descobrir os cordões que movem os indivíduos que ela observa, se esquecesse que lida com homens e mulheres mesmo quando aqueles homens e mulheres, à maneira de marionetes, jogam um jogo cujas regras ignoram, em suma, se ela não tiver como tarefa restituir a esses homens e mulheres o sentido de suas ações.
Pierre Bourdieu, O camponês e seu corpo.

[foto: Pierre Bourdieu, Argélia]

O dossiê Pierre Bourdieu no campo não constitui mais um apanhado geral da obra de Pierre Bourdieu à maneira das coletâneas didáticas. Nem é um manual de conduta social para a investigação sociológica. Ele na verdade tem um alcance maior, pois permite acompanhar tanto a etnografia, quanto o sentido da etnografia como meio privilegiado para compreender a obra do sociólogo francês: a “prática” etnográfica e a reflexão sobre o sentido dessa “prática”, por assim dizer. Por essa razão, como observa Loïc Wacquant em seu artigo de abertura, os textos que o leitor poderá ler neste número da Revista de Sociologia e Política contribuem para revelar as raízes das preocupações teóricas do autor de Esquisse d’une théorie de la pratique e, consequentemente, para desfazer a caricatura de “teórico da reprodução” que se criou em torno dele.

Ocupando uma posição de destaque em sua sociologia, a etnografia do norte da Argélia e do sudoeste da França funcionou, para Bourdieu, como uma espécie de antídoto à “teoria teórica” e aos raciocínios filosofantes de certo tipo de Ciência Social. Essa empreitada na Cabília e no Béarn foi uma das vias (ou a principal delas) para renegar a disposição escolástica sem, contudo, relegar a etnografia “ao ato de contar histórias”, nem simplesmente esquecer a teoria social para substituir a antropologia por um tipo de literatura diletante e descompromissada ou pela “poesia” anticientífica.

O tema comum dos cinco artigos é a crise da sociedade “tradicional”. O drama dos camponeses de carne e osso da Argélia e do Béarn tem uma dimensão que é principalmente política e econômica (no primeiro caso) e simbólica e social (no segundo caso). Contudo, como o estudo dos cabilas ilumina o caso dos franceses, e vice-versa, essa antropologia cruzada acaba fundindo as quatro dimensões, eliminando as hierarquias explicativas e contestando, através da observação direta, os partis-pris funcionalistas, estruturalistas e marxistas. Sob nova óptica, construída no e pelo trabalho de campo, a desagregação dos modos de vida tradicionais – seja através do celibato obrigatório, seja através das remoções à força das populações – é a fonte de uma crise de identidade pessoal e coletiva, onde a condição camponesa passa a ser um sacrifício auto-imposto ou aceito ora com resignação, ora com desespero.

O primeiro artigo, intitulado “O camponês e a fotografia”, de Pierre Bourdieu e Marie-Claire Bourdieu, surgiu de um estudo que se propôs a analisar os usos sociais e o sentido das fotografias e da prática fotográfica na sociedade camponesa do Béarn, no início dos anos 1960. O objeto é particularmente pertinente, pois a prática fotográfica na comunidade em questão não tinha um sentido estético, cumprindo antes a função de registrar cerimônias em que os participantes produziam a imagem estetizada que pretendiam apresentar de si próprios. É usual afirmar que as fotografias populares são de mau gosto, toscas, banais etc. Justamente, partindo daí, dessa avaliação que Bourdieu classificou como “racismo de classe”, ele se põe a analisar porque elas são assim: “feias”. Ou antes: o que essa estética peculiar revela de peculiar? Desse modo, as fotografias transformam-se em fontes essenciais para a análise sociológica, pois são uma espécie de “sociograma leigo” que permite descobrir, através dos registros visuais, relações sociais e papéis sociais.

Em seguida, em “A dominação colonial e o sabir cultural”, um dos artigos mais dramáticos e tocantes deste dossiê, Bourdieu e Abdelmalek Sayad descrevem a estratégia dos militares franceses para minar o apoio popular à guerra de libertação nacional da Argélia e as suas conseqüências sociais/culturais. Disciplinando e reorganizando o espaço do país, os militares franceses completaram o processo de ‘descamponeização’ da população camponesa, gerando um sujeito social antinômico que trazia consigo as tradições ancestrais de um mundo rural em vias de desaparecer e que, por isso, não havia ainda incorporado o ethos adequado às formas econômicas impostas pela sociedade dominante e pela expansão do modo de produção capitalista. O subproduto desse desencaixe é a adesão desiludida a um tradicionalismo do desespero, que reproduz e amplifica o desencaixe anterior. Este artigo é, possivelmente, uma das mais eficientes críticas – empírica e teórica – às teorias da modernização.

“Diálogo sobre a poesia oral na Cabila” e “A odisséia da reapropriação” são textos complementares. No primeiro, Pierre Bourdieu conversa com o etnólogo argelino Mouloud Mammeri sobre os fundamentos sociais, os usos e o significado da poesia oral na sociedade cabila. Assim como o sábio (sophos) nos textos de Homero, o poeta berbere, expressão viva da excelência da cultura, confere à linguagem uma forma tecnicamente elaborada e um conteúdo profundo, de modo a transmitir um saber prático, ligado à vida, aos costumes e à própria reinvenção da tradição. Ao tratar da capacidade do poeta berbere de particularizar o universal e de universalizar o particular, o diálogo entre Bourdieu e Mammeri aborda o papel da etnologia na autoconsciência de uma sociedade colonizada. O segundo artigo, “A odisséia da reapropriação”, analisa a “peregrinação” do mesmo Mammeri, escritor e antropólogo argelino, que se inicia por meio do afastamento de sua cultura de origem, em direção à cultura universal universitária, e termina com o retorno àquela mesma cultura por meio da investigação etnológica e das suas pesquisas sobre os antigos poetas cabilas. Segundo Bourdieu, o fim desse percurso permite evidenciar uma importante modalidade de dominação simbólica, que é a “vergonha de si”, e, tão importante quanto, sua superação.

Por fim, o “O camponês e o seu corpo” é parte de um estudo realizado por Pierre Bourdieu no início dos anos sessenta, em Lasseube, cidade em que viveu durante sua infância, na região de Béarn, no sudoeste da França. O autor analisa o modo pelo qual certas condições econômicas, sociais e psicológicas determinaram o crescente número de homens solteiros em uma sociedade camponesa baseada na primogenitura. A cena dos bailes e das festas locais revela o conflito cultural cidade/campo e expõe a introdução – rápida, violenta e destrutiva – de categorias urbanas no mundo rural e a conseqüente desvalorização social dos jovens camponeses. Diante da nova situação, ao mesmo tempo objetiva e simbólica, os camponeses terminam por acentuar, na própria linguagem corporal, as conseqüências pejorativas do choque de civilizações a que se submetem. Pelas dificuldades da manutenção da linhagem, o celibato é percebido como indício da crise mortal dessa sociedade. A propósito, se prestarmos mais atenção, Bourdieu denuncia, no próprio desenho dessa pesquisa, a monomania metodológica que assola os diversos ramos disciplinares das ciências sociais. Lançando mão de diversas abordagens, como a história (para horror dos economistas), a estatística (para horror dos antropólogos) e a etnografia (para horror dos cientistas políticos), faz ver que os métodos estão sempre a serviço dos objetos de pesquisa, e não o contrário.

Antropologia ou sociologia? Sociologia rural? Sociologia da Arte? Geopolítica? Política Externa? Estudos pós-coloniais? Essas etnografias apagam as divisões disciplinares, mas sem estimular “a obsessão de pensar em tudo, de todas as formas e sob todos os ângulos ao mesmo tempo”. Contrariando o pretenso imperialismo da sua sociologia, as pesquisas empíricas que o leitor lerá demonstram, a partir de sua documentação, porque se deve “renunciar à ambição impossível [...] de dizer tudo sobre tudo e de forma ordenada (BOURDIEU; CHAMBOREDON & PASSERON, 1999, p. 20 e 21, respectivamente).

Incluímos neste número vinte e seis fotografias tiradas por Bourdieu durante as duas pesquisas de campo. São instantâneos da Argélia, em sua maioria, e algumas poucas imagens de Lasseube, sua vila natal. Elas não têm aqui um emprego meramente ilustrativo. São, antes de tudo, um registro in actus de duas sociedades em vias de desaparecer, no instante mesmo em que duas realidades dissonantes se encontram, se chocam e se misturam. São também o registro racional (“objetivante”) e afetivo da experiência do trabalho de campo. Racional porque as fotografias funcionaram como um meio de “potencializar meu olhar”, na expressão de Bourdieu, para compreender e explicar esse choque de civilizações. E emotivo, o próprio Bourdieu lembrou, porque foram a forma de dizer: – “Eu me interesso por vocês, eu estou ao lado de vocês, eu escuto suas histórias, eu serei a testemunha do que vocês irão viver” (BOURDIEU, 2003, p. 23 e 28, respectivamente). Há ainda uma resenha crítica, por Bruna Gisi, do mais recente trabalho de Bourdieu editado no Brasil, Esboço de auto-análise.

Os artigos deste n. 26 foram publicados juntos num dossiê editado pela revista britânica Ethnography. O ensaio de L. Wacquant, Seguindo Pierre Bourdieu no campo, apareceu em inglês em Ethnography, London, v. 5, n. 4, p. 387-414, Dec. 2004. O camponês e a fotografia (Le paysan et la photographie), de Pierre Bourdieu e Marie-Claire Bourdieu, foi publicado pela primeira vez em 1965 na Revue française de sociologie, Paris, v. 6, n. 2, p. 164-174, avr.-juin. E depois no mesmo número de Ethnography referido acima (p. 601-616). A dominação colonial e o sabir cultural, de Pierre Bourdieu e Abdelmalek Sayad, tinha originalmente o título Paysans déracinés, bouleversements et changements culturels en Algérie, e foi publicado em Études rurales, v. 12, n. 1, jan.-mars, 1964, p. 59-94 e também como Colonial rule and cultural sabir na revista Ethnography, v. 5, n. 4, p. 445-486, Dec. 2004. Diálogo sobre a poesia oral na Cabília. Entrevista de Mouloud Mammeri a Pierre Bourdieu (no original: Dialogue sur la poésie orale en Kabylie. Entretien avec Mouloud Mammeri) saiu em 1978 na revista do Centre de Sociologie Européenne, Actes de la recherche en sciences sociales, n. 23, set., p. 51-66, 1978. Ethnography republicou o texto em 2004 (cf. p. 511–551). Utilizamos as notas explicativas da edição em inglês, por Richard Nice e Loïc Wacquant, para a presente edição em português. O camponês e seu corpo, de Pierre Bourdieu, foi originalmente publicado sob o título Célibat et condition paysanne [Celibato e condição camponesa] em Études rurales, Paris, v. 5, n. 6, p. 32-136, avr. 1962. Posteriormente o artigo foi republicado como o capítulo 4 (Le paysan et son corps) de Pierre Bourdieu, Le bal des célibataires. La crise de la société paysanne en Béarn. Paris: Points/Seuil, 2002, p. 110-129. A odisséia da reapropriação: a obra de Mouloud Mammeri reproduz uma conferência de Pierre Bourdieu sobre a obra do escritor e antropólogo argelino Mouloud Mammeri. O texto de Bourdieu foi lido in absentia no colóquio realizado em Argel sobre “A dimensão magrebina da obra de Mouloud Mammeri”. L’odyssée de la réappropriation foi impresso primeiramente em Argel na revista semanal Le Pays (27.juin-3.juil.) em 1992. Depois foi reeditado em Awal. Revue d’études berbères, Paris, n. 18, p. 5-6. As notas da edição da Revista de Sociologia e Política foram extraídas da tradução de L. Wacquant, publicada na revista Ethnography, v. 5, n. 4, p. 617-621, Dec. 2004.

Havia no dossiê organizado por Ethnography um outro ensaio de Bourdieu, “A chegada na Argélia”. Em 2005 o texto teve uma edição em português. Ele pode ser lido em: Pierre Bourdieu, Esboço de auto-análise. Tradução: Sergio Miceli. São Paulo: Companhia das Letras, p. 68-93.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, P. Images d’Algérie. Une affinité élective. 2003. Ouvrage conçu par Franz Schultheis et Christine Frisinghelli. Paris : Actes Sud/Camera Austria/Fondation Liber.
BOURDIEU, P.; CHAMBOREDON, J.-C. & PASSERON, J.-C.. 1999. A profissão de sociólogo. Preliminares epistemológicas. Petrópolis : Vozes.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adriano,
como pode não haver comentários aquí?